sexta-feira, 27 de junho de 2025

Para Hannah Arendt, não ser cúmplice é forma de resistir ao totalitarismo - Juliana de Albuquerque*

Folha de S. Paulo

Ciclo acadêmico sobre a filósofa alemã discute a questão da responsabilidade moral

Na última segunda-feira (23), assisti através do YouTube ao primeiro dia de conferências do 12º Ciclo Hannah Arendt, realizado na Universidade Estadual de Londrina, Paraná. O evento contou com quase 200 inscritos e teve como tema a responsabilidade moral pelo mundo.

Segundo a professora Maria Cristina Müller, organizadora do ciclo, em diversos momentos da sua obra, como em "Eichmann em Jerusalém: um Relato sobre a Banalidade do Mal" (1963), Arendt buscou refletir sobre até que ponto proposições morais poderiam ser válidas para a solução de questões relativas à conduta política, mesmo sabendo que moral e política possuem interesses e critérios distintos. Pois, para a filósofa alemã, a política tem por objeto o mundo, enquanto a moral diz respeito ao indivíduo.

Müller explica que Arendt teria despertado para essa discussão ao observar o comportamento de alguns poucos membros da sociedade alemã durante o regime nazista, que, a exemplo do filósofo Karl Jaspers, amigo e professor de Arendt, optaram por se ausentar da vida pública sem que futuramente pudéssemos criticá-los por isso.

De acordo com Müller, diante de um contexto político extremo como aquele criado por um regime totalitário, "Arendt argumenta que a única coisa que uma pessoa podia fazer era obedecer a si própria e à sua consciência. Nesse sentido, ela conclui que, em situações em que a lei se inverte, em que a moralidade como era conhecida e os mandamentos e as regras externas de conduta não são suficientes para conduzir o juízo e a ação humana, o último recurso cabível pode ser encontrado no argumento moral socrático de que é preferível sofrer o mal do que cometê-lo".

Quem também abordou essa questão em sua participação no evento foi Adriano Correia, professor da Universidade Federal de Goiás e autor do livro "A Banalidade do Mal". Em sua fala, Correia faz algumas considerações sobre o ensaio "Responsabilidade moral sob ditaduras totalitárias", no qual Arendt aborda questões sobre a obediência e a não participação.

Segundo o professor, Arendt compreendia que, em uma ditadura totalitária, "a resistência ativa era praticamente interditada, mas era possível não se engajar, não ser cúmplice, por irreflexão ou oportunismo [...]. Ela insiste que os que disseram ‘não’ foram seguramente os que faziam companhia a si mesmos pelo pensamento e prezavam essa companhia acima de tudo. Nessa atitude [...] reside a expectativa de que os líderes totalitários sejam enfraquecidos por pessoas que não se deixam levar pelo que está vigendo simplesmente porque prevaleceu".

Embora a nossa época não apresente as mesmas características das décadas de 1930 e 1940, ainda assim, as reflexões de Arendt sobre a possibilidade de responsabilidade moral do indivíduo em situações políticas extremas permanecem relevantes, pois elas reiteram a importância de mantermos certo grau de ceticismo com relação àqueles posicionamentos em que muitos acreditam enxergar seja o espírito do nosso tempo, seja o inevitável curso da história.

No texto de Arendt mencionado por Correia, ela comenta que os céticos e os rebeldes foram muitos mais difíceis de se deixar influenciar pela sanha de regimes totalitários do que aqueles que estavam acostumados a adotar sem pensar qualquer posicionamento tido por convencional ou respeitável.

"Tendemos a pensar que as pessoas que têm o hábito de examinar proposições e padrões fundamentais são destrutivas. Temos todos os motivos para mudar de ideia sobre esse assunto. Os que duvidam e os céticos são mais confiáveis, não porque duvidar seja saudável ou o ceticismo seja bom, mas porque essas pessoas estão acostumadas a formar suas próprias opiniões — a viver consigo mesmas."

Deixo aqui, portanto, a minha recomendação para que todos assistam às gravações do evento e leiam o ensaio "Responsabilidade moral sob ditaduras totalitárias", traduzido pelo professor Adriano Correia e disponível no site da revista acadêmica Cadernos Arendt.

*Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv

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