sábado, 26 de novembro de 2022

Ricardo Henriques - Refundar a trilha do conhecimento

O Globo

Nos últimos anos, abusamos da ignorância. É hora de voltarmos a planejar o futuro, com investimento público ampliado

Da creche à pós-graduação, todos os níveis educacionais no Brasil sofreram nos últimos anos os efeitos devastadores da pandemia e do descaso do governo Bolsonaro. Entre tantas urgências – e todas precisarão ser enfrentadas –, uma é a recomposição do ecossistema de ensino superior, científico e tecnológico.

Um estudo divulgado neste mês pela Frente Parlamentar Mista da Educação e pelo Observatório do Conhecimento estimou que o chamado orçamento do conhecimento – composto pelo investimento em ensino superior público e pesquisa – poderá ter no ano que vem um valor 58% abaixo do registrado em 2014.

Esse sangramento desestrutura o desenvolvimento científico, econômico, social e ambiental. E é sentido de várias maneiras, como na falta de recursos em instituições federais de ensino técnico e superior para a execução de despesas mais básicas e para bolsas de apoio a estudantes e de iniciação científica.

Além disso, impactam o acesso, a permanência e a conclusão dos estudantes no ensino superior, sobretudo os mais pobres, reduzindo renda futura e empregabilidade.

Um sistema educacional de baixo desempenho, desigual e subfinanciado prejudica a produtividade e o crescimento econômico, e não apenas na formação de capital humano. Inovação e tecnologia são também centrais. Segundo o Panorama Econômico Mundial do FMI de 2021, “Recuperação Durante uma Pandemia”, estima-se que um aumento de 10% no estoque de pesquisa básica doméstica incremente a produtividade dos países em 0,3%.

Para fazê-lo, é preciso garantir fontes estáveis de financiamento para a produção científica e tecnológica – concentrada em mais de 95% em universidades públicas brasileiras – e prover infraestruturas adequadas para a realização de pesquisa de alto nível, algo cada vez mais distante da realidade do sistema brasileiro de Ciência e Tecnologia, asfixiado, em última análise, pelo corte de recursos para os principais fundos de fomento à pesquisa e inovação como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o CNPq e a Capes.

Estes maus-tratos à ciência evidenciam a necessidade de reposicionar a pasta a partir de 2023. Do contrário, será cada vez mais difícil cessar a fuga de cérebros e atrair mão de obra altamente qualificada para compor o ecossistema de inovação.

Ademais, a ampliação de nossa capacidade de investimento nessa área vai além da necessária recomposição do orçamento. Para avançarmos de forma consistente, é preciso dar mais robustez ao ecossistema, com diversidade de políticas, agentes e instituições para sustentar a inovação como, por exemplo, os casos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).

E priorizar caminhos adicionais como apontam, em artigo de 2018, Fernanda De Negri e coautores: investir em infraestruturas de pesquisa abertas e de larga escala; ampliar o investimento público em P&D orientado a demandas socioeconômicas; construir uma economia mais aberta e internacionalizada; melhorar o ambiente de negócios para a inovação; e, por fim, aprimorar o monitoramento e a avaliação das políticas de inovação.

Além disso, aproveitar a janela de oportunidades de investimento em P&D trazida pelo enfrentamento das crises climática e energética, entre outras.

Reconhecer a necessidade de recomposição do orçamento não interdita o debate sobre a eficiência do investimento público. Apenas para dar alguns exemplos, o Censo da Educação Superior mostra que a taxa de desistência em cursos universitários chega a 59%. Dos que persistem, 55% chegam a levar mais de 9 anos para concluir os estudos, um enorme desperdício de talentos e de esforços públicos e privados.

E, na área de pesquisas, precisamos mirar não apenas na ampliação da produção científica, mas também em seu impacto. No entanto, não será asfixiando financeiramente nossas universidades e centros de pesquisa que alcançaremos esses e outros objetivos.

Os caminhos para a melhoria do ensino superior e da pesquisa são certamente múltiplos, mas todos passam, necessariamente, pela rápida recomposição, estabilidade e previsibilidade de recursos para o funcionamento pleno das instituições.

Há uma máxima frequentemente repetida em debates educacionais – ainda que sua autoria seja controversa –, de que se você acha a educação cara, deveria experimentar a ignorância. Nos últimos anos, abusamos da ignorância. É o momento de voltarmos a planejar o futuro com investimento público ampliado no setor, mas de maneira eficiente, equilibrada e equitativa.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é... A ignorância sai cara.