O Globo
Nos últimos anos, abusamos da ignorância. É
hora de voltarmos a planejar o futuro, com investimento público ampliado
Da creche à pós-graduação, todos os níveis
educacionais no Brasil sofreram nos últimos anos os efeitos devastadores da
pandemia e do descaso do governo Bolsonaro. Entre tantas urgências – e todas
precisarão ser enfrentadas –, uma é a recomposição do ecossistema de ensino
superior, científico e tecnológico.
Um estudo divulgado neste mês pela Frente Parlamentar
Mista da Educação e pelo Observatório do Conhecimento estimou que o chamado
orçamento do conhecimento – composto pelo investimento em ensino superior
público e pesquisa – poderá ter no ano que vem um valor 58% abaixo do
registrado em 2014.
Esse sangramento desestrutura o desenvolvimento científico, econômico, social e ambiental. E é sentido de várias maneiras, como na falta de recursos em instituições federais de ensino técnico e superior para a execução de despesas mais básicas e para bolsas de apoio a estudantes e de iniciação científica.
Além disso, impactam o acesso, a
permanência e a conclusão dos estudantes no ensino superior, sobretudo os mais
pobres, reduzindo renda futura e empregabilidade.
Um sistema educacional de baixo desempenho,
desigual e subfinanciado prejudica a produtividade e o crescimento econômico, e
não apenas na formação de capital humano. Inovação e tecnologia são também
centrais. Segundo o Panorama Econômico Mundial do FMI de 2021, “Recuperação
Durante uma Pandemia”, estima-se que um aumento de 10% no estoque de pesquisa
básica doméstica incremente a produtividade dos países em 0,3%.
Para fazê-lo, é preciso garantir fontes
estáveis de financiamento para a produção científica e tecnológica – concentrada em mais de 95% em universidades públicas
brasileiras – e prover infraestruturas adequadas para a realização de
pesquisa de alto nível, algo cada vez mais distante da realidade do sistema
brasileiro de Ciência e Tecnologia, asfixiado, em última análise, pelo corte de
recursos para os principais fundos de fomento à pesquisa e inovação como o
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o CNPq e a
Capes.
Estes maus-tratos à ciência evidenciam a
necessidade de reposicionar a pasta a partir de 2023. Do contrário, será cada
vez mais difícil cessar a fuga de cérebros e atrair mão de obra altamente
qualificada para compor o ecossistema de inovação.
Ademais, a ampliação de nossa capacidade de
investimento nessa área vai além da necessária recomposição do orçamento. Para
avançarmos de forma consistente, é preciso dar mais robustez ao ecossistema,
com diversidade de políticas, agentes e instituições para sustentar a inovação
como, por exemplo, os casos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da
Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
E priorizar caminhos adicionais como
apontam, em artigo de 2018, Fernanda De Negri e coautores:
investir em infraestruturas de pesquisa abertas e de larga escala; ampliar o
investimento público em P&D orientado a demandas socioeconômicas; construir
uma economia mais aberta e internacionalizada; melhorar o ambiente de negócios
para a inovação; e, por fim, aprimorar o monitoramento e a avaliação das
políticas de inovação.
Além disso, aproveitar a janela de
oportunidades de investimento em P&D trazida pelo enfrentamento das crises
climática e energética, entre outras.
Reconhecer a necessidade de recomposição do
orçamento não interdita o debate sobre a eficiência do investimento público.
Apenas para dar alguns exemplos, o Censo da Educação Superior mostra que a taxa
de desistência em cursos universitários chega a 59%. Dos que persistem, 55%
chegam a levar mais de 9 anos para concluir os estudos, um enorme desperdício
de talentos e de esforços públicos e privados.
E, na área de pesquisas, precisamos mirar
não apenas na ampliação da produção científica, mas também em seu impacto. No
entanto, não será asfixiando financeiramente nossas universidades e centros de
pesquisa que alcançaremos esses e outros objetivos.
Os caminhos para a melhoria do ensino superior
e da pesquisa são certamente múltiplos, mas todos passam, necessariamente, pela
rápida recomposição, estabilidade e previsibilidade de recursos para o
funcionamento pleno das instituições.
Há uma máxima frequentemente repetida em
debates educacionais – ainda que sua autoria seja controversa –, de que se você
acha a educação cara, deveria experimentar a ignorância. Nos últimos anos,
abusamos da ignorância. É o momento de voltarmos a planejar o futuro com
investimento público ampliado no setor, mas de maneira eficiente, equilibrada e
equitativa.
Um comentário:
Pois é... A ignorância sai cara.
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