O Globo
Pensei em Teerã e Tel Aviv. Será que, com
esses bombardeios, tudo está funcionando?
Escritores têm uma característica comum: o
impulso irresistível de se colocar no lugar do outro. Logo, não importa onde
estoura uma guerra, a tendência é estar mentalmente no teatro de operações.
Sofri muito com o frio e a bruma sobre o oceano na Guerra das Malvinas. O
desconforto voltou na madrugada em que Israel iniciou uma série de bombardeios
em Teerã, e
alguns mísseis foram disparados contra Tel Aviv. Fui ao
banheiro e lembrei-me da guerra começando. Acendi a luz, abri a torneira e tive
certo alívio: a água corria, havia eletricidade.
Pensei em Teerã e Tel Aviv. Será que, com esses bombardeios, tudo está funcionando? Tel Aviv dispõe de abrigos subterrâneos; logo, as pessoas têm para onde ir. E Teerã, uma cidade com 10 milhões de habitantes, sem nenhum abrigo? Não há saída, exceto deixar a capital.
Milhões se deslocando criam enormes
engarrafamentos nas estradas. Os postos de gasolina fecham ou reduzem suas
vendas a 10 litros. Lembrei-me de uma reportagem no Jornal do Brasil na década
de 1960: Copacabana pode
morrer de susto. Se todos saíssem de carro ao mesmo tempo, seria um desastre no
bairro. Imaginei-me vizinho de um cientista nuclear. Minha garganta estaria em
fogo, os olhos ardendo pela fumaça das explosões. E a fuga? Para onde ir de
repente?
Leio o relato de um poeta iraniano. Ele foi
para uma cidade do interior, onde moram parentes. Mas a pequena cidade já
estava cheia; os mercados esgotados com tanta procura. Já que tinha perdido o
sono, imaginei-me em Tel Aviv. Sirenes tocando, corrida para os abrigos. Passei
a tarde lendo um livro sobre o Mossad, “Rise and kill first”, de Ronen Bergman.
É sobre o serviço secreto israelense, cuja história se confunde, a partir de
certo momento, com a própria História do país.
Leio que existia uma discussão interna sobre
o que fazer com o programa nuclear iraniano. Bombardear ou matar seletivamente
os cientistas? Matar era mais fácil. No princípio, seis cientistas foram
mortos, e o método era relativamente simples: motociclistas armavam as bombas
nos carros deles. Imaginar-se em Tel Aviv significa conviver com algo que nem
todos os países têm: a sensação de perigo existencial.
Foi ela que determinou os passos do Mossad e
o transformou, parcialmente, num órgão especializado em matar. No princípio,
era preciso matar cientistas alemães, ex-nazistas que foram ao Egito ajudar a
produzir mísseis. Depois, foi necessário matar alguns militares egípcios que
ajudavam árabes a realizar atentados; em seguida, foi necessário matar alguns
líderes palestinos; finalmente, os cientistas iranianos e alguns generais que
comandam a Guarda Revolucionária.
Foi tanta necessidade de matar diante da
ameaça existencial que, em certo momento, um líder político indagou: como pode
uma nação tão idealista e sensível adotar tal política? Parece que as durezas
do destino acabaram chegando à tese de um famoso agente do próprio Mossad,
Natan Rotberg, que acabou formulando uma saída para conciliar idealismo e
assassinato seletivo:
— Você precisa aprender a perdoar o inimigo.
No entanto, não temos autoridade para perdoar gente como Bin Laden. Isso,
apenas Deus pode fazer. Nosso trabalho é arranjar um encontro entre eles.
A ameaça existencial é um forte argumento,
assim como a punição aos terroristas do Hamas que invadiram Israel. No entanto
o sofrimento da população de Gaza mostra que essa longa luta arruinou a visão
humanitária do jovem país. É um caminho de que não se sai incólume.
A ameaça existencial criou uma dívida de
gratidão com o Marrocos.
Segundo o livro de Bergman, o Mossad ajudou a matar o líder marroquino Ben
Barka, em Paris,
causando um grande trauma na França. O Mossad
contribuiu com uma técnica que ajuda a dissolver o corpo da vítima, por meio de
uma combinação química que o elimina com a chuva. O que restou de Ben Barka foi
sepultado na área construída da Fundação Louis Vuitton.
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