segunda-feira, 23 de junho de 2025

Empatia com quem sofre na guerra – Fernando Gabeira

O Globo

Pensei em Teerã e Tel Aviv. Será que, com esses bombardeios, tudo está funcionando?

Escritores têm uma característica comum: o impulso irresistível de se colocar no lugar do outro. Logo, não importa onde estoura uma guerra, a tendência é estar mentalmente no teatro de operações. Sofri muito com o frio e a bruma sobre o oceano na Guerra das Malvinas. O desconforto voltou na madrugada em que Israel iniciou uma série de bombardeios em Teerã, e alguns mísseis foram disparados contra Tel Aviv. Fui ao banheiro e lembrei-me da guerra começando. Acendi a luz, abri a torneira e tive certo alívio: a água corria, havia eletricidade.

Pensei em Teerã e Tel Aviv. Será que, com esses bombardeios, tudo está funcionando? Tel Aviv dispõe de abrigos subterrâneos; logo, as pessoas têm para onde ir. E Teerã, uma cidade com 10 milhões de habitantes, sem nenhum abrigo? Não há saída, exceto deixar a capital.

Milhões se deslocando criam enormes engarrafamentos nas estradas. Os postos de gasolina fecham ou reduzem suas vendas a 10 litros. Lembrei-me de uma reportagem no Jornal do Brasil na década de 1960: Copacabana pode morrer de susto. Se todos saíssem de carro ao mesmo tempo, seria um desastre no bairro. Imaginei-me vizinho de um cientista nuclear. Minha garganta estaria em fogo, os olhos ardendo pela fumaça das explosões. E a fuga? Para onde ir de repente?

Leio o relato de um poeta iraniano. Ele foi para uma cidade do interior, onde moram parentes. Mas a pequena cidade já estava cheia; os mercados esgotados com tanta procura. Já que tinha perdido o sono, imaginei-me em Tel Aviv. Sirenes tocando, corrida para os abrigos. Passei a tarde lendo um livro sobre o Mossad, “Rise and kill first”, de Ronen Bergman. É sobre o serviço secreto israelense, cuja história se confunde, a partir de certo momento, com a própria História do país.

Leio que existia uma discussão interna sobre o que fazer com o programa nuclear iraniano. Bombardear ou matar seletivamente os cientistas? Matar era mais fácil. No princípio, seis cientistas foram mortos, e o método era relativamente simples: motociclistas armavam as bombas nos carros deles. Imaginar-se em Tel Aviv significa conviver com algo que nem todos os países têm: a sensação de perigo existencial.

Foi ela que determinou os passos do Mossad e o transformou, parcialmente, num órgão especializado em matar. No princípio, era preciso matar cientistas alemães, ex-nazistas que foram ao Egito ajudar a produzir mísseis. Depois, foi necessário matar alguns militares egípcios que ajudavam árabes a realizar atentados; em seguida, foi necessário matar alguns líderes palestinos; finalmente, os cientistas iranianos e alguns generais que comandam a Guarda Revolucionária.

Foi tanta necessidade de matar diante da ameaça existencial que, em certo momento, um líder político indagou: como pode uma nação tão idealista e sensível adotar tal política? Parece que as durezas do destino acabaram chegando à tese de um famoso agente do próprio Mossad, Natan Rotberg, que acabou formulando uma saída para conciliar idealismo e assassinato seletivo:

— Você precisa aprender a perdoar o inimigo. No entanto, não temos autoridade para perdoar gente como Bin Laden. Isso, apenas Deus pode fazer. Nosso trabalho é arranjar um encontro entre eles.

A ameaça existencial é um forte argumento, assim como a punição aos terroristas do Hamas que invadiram Israel. No entanto o sofrimento da população de Gaza mostra que essa longa luta arruinou a visão humanitária do jovem país. É um caminho de que não se sai incólume.

A ameaça existencial criou uma dívida de gratidão com o Marrocos. Segundo o livro de Bergman, o Mossad ajudou a matar o líder marroquino Ben Barka, em Paris, causando um grande trauma na França. O Mossad contribuiu com uma técnica que ajuda a dissolver o corpo da vítima, por meio de uma combinação química que o elimina com a chuva. O que restou de Ben Barka foi sepultado na área construída da Fundação Louis Vuitton.

 

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