sexta-feira, 1 de junho de 2018

Armando Castelar Pinheiro: Mudança de cenário

- Valor Econômico

A confiança na melhora dos fundamentos após as eleições é hoje menor, outro motivo para a piora de expectativas

Ao final do ano passado, o cenário para a economia brasileira era bastante positivo. O ambiente externo era favorável: o crescimento do PIB mundial estava acelerando, mas a inflação de preços ao consumidor mantinha-se baixa e o mundo continuava mergulhado em ampla liquidez. Junto com uma queda do risco geopolítico, isso deveria manter elevado o apetite por ativos de países emergentes, sinalizando um cenário favorável para o real, a bolsa e os juros, como já ocorrera em 2017. Havia gente prevendo que a taxa de câmbio logo cairia abaixo de R$ 3 por dólar.

Aqui dentro, a inflação também se mantinha baixa, inclusive abaixo do piso da banda de tolerância do Banco Central (BC), e a expectativa era ter uma política monetária muito expansionista, que ajudaria a consolidar a recuperação do PIB. Esta, por sua vez, elevaria as receitas tributárias, ajudando a controlar o déficit público, o que levaria a relação dívida pública/PIB a uma trajetória menos assustadora. Também se esperava uma queda do desemprego, o que ajudaria no ajuste das contas públicas e seria fundamental para aumentar as chances de candidatos comprometidos com reformas nas eleições presidenciais de outubro próximo.

A evolução dos indicadores econômicos no início do ano parecia confirmar esse cenário. No início de março, a mediana das expectativas coletadas pelo BC junto ao mercado financeiro apontava altas do PIB de 2,9% e 3% neste e no próximo ano, com inflações de 3,72% e 4,25%, e Selic média de 6,75% e 7,8%, respectivamente.

Três meses depois, esse cenário parece muito otimista. O que aconteceu e quão piores as coisas tendem a ficar?

A piora do cenário se deve basicamente à confirmação de riscos que já eram apontados na virada do ano. Em relação ao ambiente externo, sobressaem a alta dos rendimentos dos títulos públicos, em especial nos EUA, e o aumento do risco geopolítico, que se combinaram para gerar uma alta simultânea do dólar e do petróleo, o que não ocorria há mais de década e meia. Com isso o real se desvalorizou, o risco país subiu e o espaço para novos cortes na Selic se fechou, levando à inesperada decisão do Comitê de Política Monetária na sua última reunião e à escalada no preço dos combustíveis, que desaguou na crise dos caminhões.

O que esperar do ambiente externo daqui para a frente? A minha visão é que o grosso do choque externo este ano já ocorreu. Em especial, não espero novas arrancadas no retorno dos títulos do Tesouro americano, no dólar ou no preço do petróleo. Não obstante, penso que o risco geopolítico se manterá elevado e a liquidez externa deve continuar caindo de forma gradual, reduzindo o apetite por ativos de países emergentes.

Isso significa também que os investidores ficarão mais seletivos e menos tolerantes com países com fundamentos ruins, como exemplificado pelo que ocorreu com a Argentina e a Turquia no último mês e meio. E isso assusta, porque o Brasil não tem bons fundamentos econômicos. Irão as reformas corrigir isso? Os agentes econômicos parecem hoje menos confiantes nessa melhora de fundamentos após as eleições. Esse é outro motivo para a piora do cenário econômico para este ano.

À primeira vista, os resultados para as contas externas e a inflação sugerem que o Brasil tem uma economia ajustada e com folga para lidar com a piora do cenário externo, ao contrário de Argentina e Turquia. Mas isso é ilusório.

Verdade, em março deste ano o Brasil registrou um déficit em conta corrente de 0,4% do PIB, no acumulado de 12 meses, contra um déficit de 3,2% do PIB quatro anos antes. Porém, isso se deveu à brutal contração da demanda doméstica do setor privado (consumo das famílias mais investimento), que caiu de 83,5% para 79,2% do PIB, no acumulado de quatro trimestres, entre o primeiro trimestre de 2014 e o mesmo período em 2018. O ajuste na demanda privada superou o ocorrido nas contas externas, pois o setor público continuou aumentando sua demanda: na mesma comparação, o consumo do governo subiu de 18,9% para 19,9% do PIB.

O outro lado da moeda dessa forte contração da demanda privada é a ociosidade dos caminhões, das plantas industriais e dos trabalhadores. Somados, são 27,7 milhões de brasileiros que não têm trabalho ou não conseguem trabalhar tudo que poderiam e gostariam, além de mais alguns milhões de desalentados. E os resultados divulgados esta semana pelo IBGE mostram que o mercado de trabalho está melhorando muito lentamente.

O que mostram a crise dos caminhoneiros, e o elevado apoio que esses receberam da população, é que esse não é um quadro que possa se manter indefinidamente. No curto prazo, ele vai encorajar outros movimentos semelhantes, que o governo precisará manejar com cuidado para não gerar algo mais parecido com o ocorrido em 2013. Nas eleições, ele vai pesar a favor de candidatos populistas. E, a médio prazo, pode desembocar em uma piora sensível do quadro econômico. Um quadro preocupante, que pode levar a novas desvalorizações do real e forçar o BC a subir juros este ano.

Parece mais do que hora de se tentar, dentro das regras, construir uma saída menos assustadora para os nossos problemas.
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Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ.

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