O Estado de S. Paulo
Mesmo a denúncia não tira de Bolsonaro papel central na direita brasileira
A denúncia e a esperada condenação de Jair
Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado têm pelo menos duas previsíveis
implicações. Embaralham o cenário da sucessão em 2026 e aumenta o descrédito em
largas parcelas da população brasileira em relação a instituições como o STF.
O roteiro que Bolsonaro pretende seguir é idêntico ao de Lula em 2018 – anunciar sua candidatura mesmo inelegível e mesmo se estiver na cadeia (hipótese nada desprezível). Esse script circunscreve um “herdeiro” ao âmbito da sua família, complicando consideravelmente articulações de centro-direita na busca de candidatos à Presidência entre os atuais governadores.
A robustez da peça acusatória está muito
longe de compensar a disseminada percepção de que Bolsonaro é vítima de
perseguição judicial perpetrada por adversários políticos, entre os quais
figura o Judiciário. Justa ou não, essa percepção do papel dos julgadores é um
dado da realidade política brasileira.
Vale lembrar qual era a percepção em relação
ao STF quando julgou o mensalão e o petrolão. Em boa parte a atuação dos juízes
era vista como “fazendo justiça” – tratando-se de corrupção, justiça pela qual
há muito se ansiava. E a reversão da Lava Jato no STF, ao contrário, figura
como escárnio para vastas parcelas da sociedade.
Mais difícil é avaliar o alcance do impacto
da situação jurídica de Bolsonaro na relação entre Congresso e STF. O conflito
é bem antigo e está crescendo, mas sua temperatura depende do oportunismo de
vários caciques do Centrão. No momento, não parecem dispostos a comprar uma
briga por Bolsonaro na questão da anistia.
Quanto a Lula, a denúncia de Bolsonaro traz
alívio apenas passageiro, desviando por alguns dias o foco do noticiário.
Fenômeno que deve se repetir quando começar o espetáculo do julgamento. Porém,
tem escassa capacidade de remediar por si só a perda de popularidade. Essa
questão está ligada diretamente à própria figura de Lula, envelhecido,
desgastado e sem ideias.
O “imponderável previsível” nesse cenário é
qual ajuda Donald Trump prestaria a Bolsonaro. O governo americano já está
exercendo pressão sobre o Brasil e o STF via a Organização dos Estados
Americanos e é alta a probabilidade de que a aplicação de tarifas se amplie
para uma dura disputa política sobre o papel do Judiciário brasileiro na
regulação das redes sociais e questões de liberdade de expressão na linha do
que Elon Musk e o vice-presidente J.D. Vance vêm abordando.
Sem uma voz e sem articulação clara, a
centro-direita é que vai se sentir espremida. •
Nenhum comentário:
Postar um comentário