Correio Braziliense
Israel pode arrasar a infraestrutura militar
e econômica do Irã, mas não tem condições de invadir o país para destituir o
regime dos aiatolás
Jovem historiador e guia turístico, o
brasileiro Isaque Levy estava com um grupo de 25 capixabas em visita ao Mar
Morto quando recebeu orientação pelo celular para procurar um abrigo. Logo
ficou sabendo que Israel havia atacado o Irã e devia se preparar para o revide.
Levou os brasileiros para a fronteira do Egito e voltou para Jerusalém.
Entrevistado pela CNN Brasil, nesse sábado (14/6), ele disse que sentia um
misto de apreensão e orgulho.
“Finalmente, houve um acerto de contas com o Irã, Israel vem se preparando para isso há 20 anos”. Segundo ele, Netanyahu pôs em prática a chamada Doutrina Begin: “Nenhum estado hostil à existência de Israel pode colocar essa existência em risco. Isso quer dizer que Israel teve que atacar os reatores nucleares iraquianos, os reatores nucleares sírios e agora estamos prevenindo este risco ao atacar o Irã”.
Menachem Begin (1913-1992), fundador da
coalizão Likud, foi o primeiro chefe de estado não trabalhista de Israel,
eleito em 1977. Em 1978, assinou os acordos de Camp David com o Egito,
compartilhando o prêmio Nobel da Paz com Anwar Sadat. Com base na sua doutrina,
atacou o Iraque (1981), invadiu o Líbano (1982) e promoveu assentamentos na
Cisjordânia e Gaza. Renunciou em 1983, abalado pelas guerras e pela morte da
esposa.
Begin declarou que Israel jamais permitiria
outro holocausto e que protegeria preventivamente sua população de ameaças
existenciais, ainda que isso significasse violar a soberania de outros países.
Sua doutrina virou uma ideia-força do sionismo. Foi posta em prática pela
primeira vez na Operação Ópera, na qual foi destruído o reator nuclear Osirak,
no Iraque, em 1981. Temia-se que Saddam Hussein estivesse construindo uma bomba
atômica.
O ataque de Israel contra o Irã, com o
objetivo de destruir instalações militares e nucleares, segue essa doutrina.
Entretanto, havia uma reunião marcada para este domingo entre autoridades
iranianas e o governo Trump, com objetivo de negociar um novo acordo nuclear
com o Irã. Com o conhecimento da Casa Branca, na quinta-feira, Israel lançou o
ataque planejado meticulosamente.
Contou com 200 caças, uma base de drones
plantados em território iraniano, veículos infiltrados e armas teleguiadas para
matar nove cientistas e os dois principais comandantes militares do Irã, entre
os quais o que negociaria o acordo. Bombardeios atingiram centros de pesquisa,
fornecedores de equipamentos, lançadores de mísseis e instalações armadas. A
usina de Natanz, sede do programa nuclear iraniano, foi severamente danificada.
Logo depois, o presidente Donald Trump fez
uma postagem na qual afirmou que o Irã ainda teria chance de evitar o pior se
aceitasse zerar o programa nuclear iraniano. A resposta iraniana veio na forma
de drones, foguetes e mísseis balísticos, contidos por Israel com a ajuda da
Jordânia, dos Estados Unidos e do Reino Unido. Alguns atingiram Tel Aviv e
outras cidades. Israel voltou ao ataque, contra as usinas de Esfahan e Fordo; e
Netanyahu promete arrasar Teerã e matar os aiatolás, o que pode acontecer a qualquer
momento.
Estados fora da lei
Netanyahu tenta desviar a atenção da crise em
sua coalizão parlamentar e da situação crítica em Gaza. Decidiu pôr em prática
o plano de estado-maior de uma guerra total contra o Irã. O regime xiita está
fragilizado por divergências entre suas lideranças, oposição interna, bloqueio
econômico, perda de capacidade militar e enfraquecimento do Hamas, em Gaza, e
do Hezbollah, no Líbano. Para os Estados Unidos, com armas nucleares, o Irã
pode desestabilizar o Oriente Médio e fortalecer a aliança encabeçada por China
e Rússia. Reino Unido, Alemanha e França, embora cautelosos, também apoiam o
Israel.
O Irã é considerado um “rogue states” (estado
fora da lei) pelos Estados Unidos. O termo caracteriza governos que patrocinam
o terrorismo, buscam armas de destruição em massa, desrespeitam resoluções da
ONU e promovem ações desestabilizadoras em nível regional. Foi oficializado
pelo governo Clinton, 1990, contra o Iraque, Irã, Coreia do Norte e Líbia, e
adotado por Donald Trump na Assembleia Geral da ONU de 2017.
O conceito é controverso. Nos meios
diplomáticos, por ironia, está sendo usado contra Netanyahu, um chefe militar
audacioso, oportunista e sanguinário, que está fora de controle do Ocidente.
Sua decisão de deflagrar “ataques preventivos” contra o Irã, pela legislação
internacional, é um crime de agressão, que Teerã classificou como “declaração
de guerra” no Conselho de Segurança da ONU. China, Rússia, Turquia e mesmo a
Arábia Saudita condenaram duramente o ataque de Israel. O Brasil também.
Sim, a supremacia aérea e a competência do
Mossad, o serviço secreto israelense, podem arrasar a infraestrutura militar e
econômica do Irã, mas Israel não tem condições de invadir o país para destituir
o regime dos aiatolás, mesmo que mate Ali Khamenei, o chefe supremo da
República iraniana, que prometeu responder aos ataques: “O regime sionista deve
se preparar para uma punição severa”, escreveu.
A Constituição teocrática iraniana estabelece
que o Irã deve “apoiar os oprimidos contra os opressores” e espalhar a
Revolução Islâmica, daí o apoio às milícias xiitas Hezbollah (Líbano), Houthi
(Iêmen), Asaib Ahl al-Haq e Kataib Hezbollah (Iraque) e de Bashar al-Assad, o
ex-presidente da Síria. Só haverá paz duradoura se o Irã admitir a hegemonia
americana, israelense e sunita wahhabita da Arábia Saudita no Oriente Médio e
Israel aceitar a criação do Estado Palestino.
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