Denúncia contra Jair Bolsonaro é sólida e gravíssima
O Globo
Cabe agora ao Supremo evitar atropelo e
lentidão para que o julgamento tenha desfecho justo
Com base num extenso trabalho investigativo
da Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República (PGR)
denunciou o ex-presidente Jair
Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), sob a acusação de ter
liderado uma tentativa de golpe de Estado depois de derrotado por Luiz Inácio
Lula da Silva em 2022. Entre os outros 33 denunciados estão quatro
ex-ministros, quatro ex-integrantes do Alto Comando do Exército, um
ex-comandante da Marinha, assessores palacianos e militares da ativa ou da
reserva.
Estão na lista nomes como Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Alexandre Ramagem, deputado federal pelo Rio e ex-diretor da Abin; e Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal. Se a denúncia for aceita pelo STF, os envolvidos passarão à condição de réus e serão julgados por crimes como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e participação em organização criminosa. Somadas, as penas de prisão podem chegar a 43 anos.
Esperada com ansiedade nos meios políticos, a
decisão da PGR é histórica. Bolsonaro é acusado de liderar uma organização
criminosa que não apenas tentou reverter a vontade popular expressa nas urnas,
mas até matar o presidente eleito, seu vice e um ministro do Supremo, com o
objetivo de acabar com a alternância de poder. Nada pode haver de mais grave
numa democracia.
Em capítulo tão singular da nossa História, o
STF precisa tomar os devidos cuidados para garantir a todos os denunciados
amplo direito de defesa, seguindo à risca o que determina a Constituição que
eles são acusados de tentar destruir. Se a denúncia for aceita, o julgamento
dos réus exigirá minuciosa avaliação das provas, depoimentos e argumentos da
PGR e da defesa. A denúncia é sólida e tem base numa investigação exemplar.
Mesmo assim, as eventuais condenações precisarão ser explicadas à população de
forma exaustiva para mitigar o efeito dos ataques que certamente se
intensificarão. Nas cadeias (não apenas nas brasileiras), é difícil encontrar
réus confessos. Quando, entre os acusados, estão políticos populares e figuras
notórias, não há como fugir a uma guerra de versões e narrativas. Por isso,
além de justo, o julgamento deverá ser didático.
O STF precisará doravante ampliar seus
esforços para manter o equilíbrio. Evitar, ao mesmo tempo, o atropelo e a
lentidão nas decisões. A denúncia da PGR está embasada não apenas em delações,
mas em manuscritos, arquivos, planilhas, trocas de mensagens, áudios e
depoimentos. A defesa de Bolsonaro divulgou nota manifestando “estarrecimento e
indignação”. Segundo seus advogados, trata-se de denúncia “inepta”. Nada mais
distante da realidade. É uma denúncia consistente, da mais alta gravidade. Por
isso mesmo, caberá ao Supremo conduzir o processo com respeito às provas, à
legislação e com toda a serenidade necessária para que ele tenha um desfecho
justo.
Trump põe em risco relação com Europa ao se
aproximar da Rússia
O Globo
Negociação à revelia da Ucrânia e declarações
de Vance em Munique revelam desprezo por estabilidade
Donald Trump está
de volta à Casa Branca há apenas 30 dias, mas suas ações já chocam os maiores
aliados históricos dos Estados Unidos, os países europeus. Nesta semana, o
secretário de Estado, Marco Rubio, e o ministro das relações exteriores
da Rússia,
Sergey Lavrov, se reuniram na Arábia Saudita para negociar o fim da guerra na
Ucrânia. Foi o encontro mais longo em três anos. Chamaram a atenção as
ausências. Trump não incluiu nem ucranianos nem europeus na conversa — um
despropósito. Depois que o ucraniano Volodymyr
Zelensky reagiu criticando a iniciativa, Trump o chamou de “ditador
sem eleições” — outro despropósito.
Com quatro anos de mandato pela frente e seu
histórico de idas e vindas, é difícil saber no que resultarão os planos de
Trump. Mas um aspecto saliente nos primeiros 30 dias é preocupante. Para ele,
tem pouco valor a aliança atlântica, formada entre as democracias ocidentais
depois da Segunda Guerra, forjada sobre valores comuns e garantia de
estabilidade no planeta. É como se, em sua mente de ex-incorporador
imobiliário, tudo se resumisse a tirar vantagem dos interlocutores.
Por essa lógica, se quiserem proteção
americana, os ucranianos devem entregar recursos minerais. Sabendo disso, os
representantes de Vladimir
Putin — responsável pela maior agressão em solo europeu desde a
Segunda Guerra — argumentaram que as petroleiras americanas podem ganhar
“centenas de bilhões de dólares” na Rússia. Ora, a relação entre países não se
resume ao comércio. Se a ideia da diplomacia trumpista é enfraquecer os laços
entre russos e chineses, isso não pode ser feito à custa da estabilidade da
aliança histórica com os europeus.
Como deixou patente a participação do
vice-presidente J.D. Vance na conferência de segurança em Munique, porém, não
há a menor preocupação com isso. Vance estarreceu os presentes ao afirmar que a
maior ameaça à Europa não vem da Rússia ou da China, mas do “inimigo interno”
que ameaça a liberdade de expressão na União Europeia. Seria uma afirmação
apenas ridícula, não tivesse vindo de quem tem nas mãos o poder que Vance tem.
Ele também criticou os partidos alemães por
resistirem à eventual coalizão com os extremistas do Alternativa para a Alemanha (AfD)
dependendo do resultado da eleição marcada para domingo. Teve tempo para
encontrar uma das líderes do AfD, mas não o chanceler Olaf Scholz. Elon Musk,
expoente do governo Trump, declarou que somente a AfD “pode salvar a Alemanha”.
A falta de sensibilidade histórica do trumpismo com o significado do extremismo
de direita na terra do nazismo beira a irresponsabilidade.
Alarmados com um aliado histórico que fala e age como adversário, os europeus tentam articular uma resposta. A ameaça russa já é palpável. Agora, vêm do governo americano novos riscos à integridade territorial europeia, com a tentativa de anexar a Groenlândia. Sem falar na iniciativa para interferir na eleição alemã. Ao final da conferência em Munique, o presidente do evento, Christoph Heusgen, não segurou as lágrimas e disse: “Temos de temer que nossa base de valores comuns não seja mais tão comum”. O pior para o planeta é que ele parece ter razão.
STF tem agora um julgamento minucioso pela
frente
Valor Econômico
Bolsonaro sempre se colocou como vítima da Justiça, um argumento a mais para que o Supremo seja impecável em um julgamento inédito em sua história
Houve a preparação de um golpe de Estado no
Brasil, comandado pelo presidente Jair Bolsonaro, inconformado com a derrota
nas eleições para o petista Luiz Inácio Lula da Silva, registra a denúncia
apresentada na noite de terça-feira pelo procurador-geral da República, Paulo
Gonet. Bolsonaro, segundo a denúncia, foi auxiliado no planejamento e na
logística do golpe por 24 militares, entre eles quatro generais de quatro
estrelas, a maior hierarquia do Exército. “A responsabilidade pelos atos
lesivos à ordem democrática recai sobre a organização criminosa liderada por
Jair Messias Bolsonaro, baseada em projeto autoritário de poder”, indicou Gonet
na peça que será agora analisada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal (STF).
Os rastros mapeados pelas investigações da
Polícia Federal, vários deles deixados pelas ações públicas do então presidente
da República, sugerem com ênfase que Bolsonaro, um apologista da ditadura
militar, deu início a planos para impedir que Lula assumisse o poder. O
vandalismo delirante na Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de
janeiro, foi a consequência tardia, o último ato desesperado de uma trama
golpista abortada pela recusa dos comandantes do Exército, general Freire
Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos Baptista Junior, em dar aval
à insurreição, que contou com o apoio de vários membros da caserna. Das 34
pessoas denunciadas pela PGR, 24 são militares.
O roteiro do golpe desenhado pela denúncia,
com base em documentos, celulares apreendidos, delações premiadas e dezenas de
interrogatórios, começa com a volta de Lula à cena política em 2021, após a
anulação das provas que o mantiveram na cadeia por 538 dias. A partir daí,
Bolsonaro foi radicalizando suas intervenções públicas, enquanto buscava
reforçar seus laços com os comandos militares com a intenção de manter-se no
poder. O então presidente não escondeu o que pretendia, com alguns delitos a
céu aberto, como a inacreditável reunião com embaixadores de vários países para
denunciar a inconfiabilidade das urnas eletrônicas, as mesmas que o conduziram
ao Palácio do Planalto.
Bolsonaro atacou as instituições, em primeiro
lugar o STF e seus ministros, e usou as comemorações de 7 de Setembro, além de
várias outras, para ameaçar que as ordens do Judiciário não mais seriam
cumpridas pelo Executivo. Não chegou a isso. Mas usou a circunstância como
bordão predileto, o de que sempre jogava dentro das “quatro linhas” da
Constituição.
A vitória de Lula, em 30 de outubro de 2022,
acionou o modo golpe no Palácio, segundo a PGR. Já em novembro, um documento
atribuído ao assessor Filipe Martins foi apresentado a Bolsonaro como base
“legal” para o continuísmo. Com reparos que teriam sido feitos pelo presidente,
ele foi apresentado aos comandantes militares. Ao mesmo tempo, o general Mario
Fernandes, número 2 da secretaria de Governo, apresentou o infame plano “Punhal
Verde e Amarelo”, que previa o assassinato do ministro Alexandre de Moraes e do
presidente Lula, para o qual poderia se lançar mão de “envenenamento em algum
evento oficial público”. Pela denúncia da PGR, Bolsonaro deu sinal verde a esse
plano.
Para convencer os chefes militares à sedição,
o então presidente apresentou relatório de instituto contratado pelo PL, seu
partido, apontando fraude nas urnas. Mais grave, todos os senões apresentados
pelos militares no teste das urnas foram desmentidos nas eleições. Os militares
que participaram da comissão de averiguação atestaram que elas operaram como
deveriam, sem qualquer chance de fraude. Mas esconderam a conclusão.
O desfecho da trama teria ocorrido em 14 de
dezembro, quando a minuta golpista foi apresentada pelo ministro da Defesa,
Paulo Sérgio de Oliveira, aos chefes militares. Exército e Aeronáutica
refutaram a aventura, a Marinha concordou. A partir daí seguiu-se um Plano B
destrambelhado. Bolsonaro deu sinais de apoio a que os acampamentos se
mantivessem em frente aos quartéis militares, e seus mais fiéis auxiliares,
como Anderson Torres, atuaram para eliminar barreiras policiais aos
manifestantes que destruíram a sede dos Três Poderes em 8 de janeiro. Foi a
última tentativa, já com Bolsonaro no exterior, de provocar uma comoção que
fosse suficiente para levar as Forças Armadas a apoiar o golpe. Acabou sendo
uma demonstração patética de fraqueza, a definir a atmosfera de impotência e
fracasso que circundava Bolsonaro.
Cabe à Primeira Turma do STF avaliar a
denúncia e abrir ou não um processo contra as 34 pessoas acusadas de integrarem
organização criminosa que tentou golpe de Estado e abolição violenta do Estado
democrático de Direito. Caso opte por abrir o processo, o STF tem o dever de
ser absolutamente rigoroso na oferta do mais amplo direito de defesa aos
acusados e seguir à risca todos os procedimentos legais. Bolsonaro sempre se
colocou como vítima da Justiça, um argumento a mais para que o Supremo seja
impecável em um julgamento inédito em sua história - o de um presidente em
exercício que tenta subverter a ordem democrática para se perpetuar no poder e
que, felizmente, fracassou.
Denúncia persuasiva da PGR dificulta defesa
de Bolsonaro
Folha de S. Paulo
Gonet descreve eventos que levaram a uma
tentativa de golpe de Estado; é preferível que plenário do STF julgue o caso
É minuciosa a denúncia que o procurador-geral
da República, Paulo Gonet,
ofereceu contra o ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL)
e mais 33 indivíduos por diversos crimes, incluindo tentativa de golpe de
Estado, abolição violenta do Estado de Direito e pertencimento a organização
criminosa armada.
Em 272 páginas, Gonet descreve
em detalhes eventos que vão de 2021 até 8 de janeiro de 2023 e procura
mostrar que houve uma elaborada tentativa de manter Bolsonaro no poder, apesar
de ele ter perdido a eleição em 2022.
Na visão do procurador, o plano tinha
múltiplos eixos, incluindo os acampamentos na frente de quarteis e a
famigerada invasão da praça dos Três Poderes.
Gonet se esmera em pintar a sucessão de
eventos como uma trama una que entrou em fase de execução, indo, portanto, além
da mera "cogitatio" e da preparação, que não são em princípio
puníveis. Fez questão de dizer que os partícipes não desistiram da intentona
por sua vontade, buscando descaracterizar assim a tese do arrependimento eficaz
a que a defesa poderia recorrer.
Foi ainda incisivo ao descrever Bolsonaro e
seus principais lugar-tenentes como incitadores e líderes do 8/1, que o Supremo
Tribunal Federal já considerou, em centenas de processos, ter sido um tentativa
de golpe e de abolição do Estado de Direito, além da inquestionável depredação
de patrimônio público.
Oferecida a denúncia, cabe ao STF decidir se
a acata, o que é quase certo. Contudo há, nos bastidores, um embate.
Alexandre
de Moraes, o relator do inquérito, quer direcionar os casos para a 1ª
Turma, mas há ministros descontentes com essa ideia. Seria de fato preferível
que o julgamento, por sua repercussão e octanagem política, fosse para o
plenário. Este é o momento de o Supremo apostar na força da colegialidade.
A peça da Procuradoria-Geral da República (PGR) é persuasiva,
mas, como toda denúncia, envolve elementos interpretativos.
As defesas de Bolsonaro e dos outros acusados
terão agora a oportunidade de avaliar o material reunido pela acusação,
identificar pontos fracos e oferecer a sua versão dos fatos, além da
possibilidade de produzir novas provas.
Os julgadores então analisarão o conjunto da
obra e formarão seu juízo. É isso o que prevê o Estado democrático de Direito,
que, a crer na PGR, Bolsonaro e seus aliados tentaram derrubar.
Politicamente, a situação do ex-presidente
torna-se mais difícil. Para parlamentares de centro, será custoso apoiar a
aprovação no Congresso Nacional de uma anistia que o beneficie e lhe permita
disputar a eleição de 2026.
Além disso, Gonet foi relativamente ágil na
elaboração da denúncia. Em tese, é possível que Bolsonaro já esteja julgado e
condenado pelo Supremo até o final deste ano, o que complicaria seus planos de
tentar manter-se influente no cenário político estando atrás das grades por
tentar derrubar a democracia.
Milei mina sua credibilidade com escândalo
financeiro
Folha de S. Paulo
Ao promover uma criptomoeda fraudulenta,
presidente argentino causa perda de brilho para a recuperação econômica do país
Javier Milei conseguiu,
com apenas uma postagem na rede social X, envolver-se
num escândalo financeiro que pode macular sua credibilidade, após
avanços na economia oriundos
de uma profunda e até aqui bem-sucedida
reforma orçamentária implementada em seu governo.
Na sexta (10), o presidente da Argentina realizou
uma publicação na qual fez propaganda aberta da criptomoeda $Libra,
lançada só três minutos antes por agentes com débeis predicados no mercado
financeiro.
Apagou a postagem horas depois, ao ser
constatada a rápida deterioração do valor do ativo, de US$ 5,54 para US$ 0,25.
Mas o estrago já estava feito, e agravantes logo vieram à luz.
O acesso à Casa Rosada do arquiteto da
$Libra, o americano Hayden Davis, para tratar da criptomoeda teria sido
facilitado pela irmã do mandatário, Karina Milei, que é secretária-geral da
Presidência. Para piorar, em troca de mensagens com potenciais investidores,
obtida pelo jornal La Nación, Davis alegou que subornou Karina e que mantém
o chefe de Estado argentino sob controle.
A investigação aberta pela Justiça Federal
abarcará esses e outros elementos da fraude, que gerou enorme prejuízo a
investidores. Milei estará exposto a uma ação penal e ao sétimo pedido de impeachment formalizado
pela oposição no Congresso.
O argentino desfrutava de reputação para
concluir nesta quinta (16), em Washington, negociações de um novo acordo com o
Fundo Monetário Internacional (FMI), que envolve a
liberação imediata de US$ 10 bilhões.
São significativos os resultados de sua
gestão macroeconômica: equilíbrio das contas primárias, superação da recessão e
queda da inflação de
211,4% para 117,8% no final do ano passado.
Contando com o apoio de Donald Trump,
presidente dos EUA, é pouco provável que o escândalo afete a decisão final do
FMI, que poderia causar contratempos à economia e aos planos de Milei para este
ano eleitoral.
Sua popularidade também não se mostra abalada
ao menos por enquanto, mas a ambição de expandir a presença de seu partido de
extrema-direita no Congresso, no pleito de outubro, se torna agora um tanto
mais incerta.
Além das investigações da Justiça argentina
sobre a fraude, esperam-se apurações do Departamento de Justiça dos EUA e
do FBI,
acionados por investidores.
Desde já, há de se lamentar os possíveis
efeitos do escândalo na economia argentina, setor que está em processo de
reconstrução e produz impactos diretos na qualidade de vida da população.
Lula, o frentista
O Estado de S. Paulo
Petista chama de ‘assaltantes’ revendedores
de combustíveis ao se queixar dos preços, tentando forjar culpados para uma
inflação que tem no perfil perdulário estatal seu maior motor
O presidente Lula da Silva defendeu que a
Petrobras venda combustível diretamente aos consumidores, sem a intermediação
de distribuidoras e redes de postos. Trata-se de um diversionismo mequetrefe,
com o objetivo de forjar culpados para uma escalada de preços da qual seu
governo é o principal agente. Beira a leviandade dizer que “o povo, no fundo, é
assaltado pelo intermediário” e precisa “saber quem xingar” quando o preço
sobe, já que o governo, segundo o petista, é quem leva a fama.
O constrangedor discurso de Lula foi feito no
terminal da Transpetro, em Angra dos Reis (RJ), numa cerimônia especialmente
cara ao presidente: o anúncio de licitação para contratar a construção de oito
navios para a frota da Petrobras. O evento recendia a nostalgia de um tempo em
que Lula e o PT reinavam absolutos em mandatos presidenciais sucessivos
prometendo fazer o Brasil grande de novo, tendo o Estado como o formidável
motor do desenvolvimento. Não por acaso, é exatamente a estatolatria perdulária
do lulopetismo que cria o ambiente ideal para a carestia.
Mas, como de hábito, Lula preferiu a
mistificação. E caprichou: “O povo não sabe que a gasolina sai da Petrobras a
R$ 3,04 e que, na bomba, ela é vendida a R$ 6,49. Ou seja, é vendida pelo dobro
do que ela sai da Petrobras. Mas, quando sai o aumento, o povo pensa que foi a
Petrobras que aumentou. E nem sempre é a Petrobras, porque cada Estado e cada
posto têm liberdade de aumentar na hora que quer”. Segundo o petista, “o povo
brasileiro não tem as informações necessárias para fazer um juízo de valor”, razão
pela qual, “quando sai um anúncio de aumento no diesel, na gasolina ou no gás,
a Petrobras e o governo federal levam a fama, mas muitas vezes a Petrobras não
tem culpa nenhuma”. Para arrematar, Lula afirmou que “o povo tem que saber quem
é o filho da mãe disso”.
Ora, Lula sabe muito bem, ou deveria saber,
já que tem assessores perfeitamente capazes de lhe explicar isso, que não se
pode comparar a gasolina que sai da refinaria, ainda sem a incidência dos
impostos federais e estaduais e sem a mistura de etanol, com a que sai da bomba
dos postos de combustíveis. Mais de 20% do valor que o consumidor paga por
litro no posto corresponde a impostos. O preço é formado também pelo custo de
transporte e logística e pelas margens de distribuidoras e revendedores, que o
presidente classifica como “assaltantes” – ignorando o fato de que o preço dos
combustíveis é livre desde 2002. Fiscalizar e combater eventuais cartéis é
tarefa de órgãos reguladores do governo, em defesa dos consumidores.
O presidente propõe que a Petrobras abasteça
diretamente grandes consumidores, sem intermediários. Para prestar esse
serviço, a empresa precisa de autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis, o que inclusive é feito para produtos em
desenvolvimento, mas não será isso que irá baratear o preço dos combustíveis. A
Petrobras já teve sua própria distribuidora, a BR, atual Vibra, e nem por isso
regulava os preços na revenda.
Houve época em que o governo interferiu
diretamente no mercado, segurando preços de gasolina e diesel, mas isso se deu
nas próprias refinarias, como o congelamento irregular realizado na gestão de
Dilma Rousseff, que resultou num desastre financeiro para a Petrobras.
Depois da devastação nas contas da Petrobras
durante a trevosa era Dilma, a atual gestão petista na empresa não consegue
manter os preços nas refinarias inalterados por muito tempo. Mesmo derrubando
seguidamente pilares de governança da companhia, há limites para a
interferência estatal difíceis de transpor.
A bem da verdade, a interferência política
nos preços dos combustíveis não é exclusividade do lulopetismo. Foi assim nos
governos de Jair Bolsonaro, Michel Temer e Fernando Henrique Cardoso, na maior
parte dos casos por meio de subsídios, zerando os impostos federais por um
tempo para forçar uma queda de preços. De um jeito ou de outro, porém, sempre
que um presidente reclama do preço dos combustíveis, é porque seu governo está
nas cordas.
A banalização do impeachment
O Estado de S. Paulo
Queda recorde da aprovação de Lula assanhou
bolsonaristas a defender sua cassação, um desvario que diz mais sobre
indigência da oposição do que sobre as muitas deficiências do governo
A queda recorde da aprovação popular de Lula
da Silva assanhou a banda bolsonarista da oposição a defender abertamente o
impeachment do presidente da República. Como esse desvario, por óbvio, não irá
prosperar, como sabem até seus proponentes, está-se diante da banalização de um
dispositivo constitucional seriíssimo que jamais se prestou, nem como ideia, à
cassação de um mau governante.
É preciso dizer sem rodeios: o impeachment de
Lula, nas atuais circunstâncias, seria um golpe, uma subversão da vontade
popular legitimamente manifestada nas urnas em 2022. É notório que o
bolsonarismo parece ter uma ligação atávica com o golpismo, mas para tudo há
limites. Cassar o mandato de Lula com base em reles disputa política seria um
atentado contra a Constituição e, consequentemente, contra o Estado Democrático
de Direito.
Não há fundamentação técnica, consenso
político no Congresso nem anseio popular pelo impeachment do petista. Há poucos
dias, Jair Bolsonaro chegou a desestimular que a patacoada constasse da agenda
da manifestação convocada por seus apoiadores para o dia 16 de março, mas não
porque ele seja um democrata, e sim porque nem como hipótese a cassação de Lula
lhe interessa do ponto de vista político-eleitoral. Afinal, bolsonarismo e
lulopetismo se servem muito bem da relação dual que os retroalimenta como forças
políticas antagônicas, em que pesem os enormes prejuízos políticos, econômicos
e sociais que esse mutualismo pernicioso causa ao Brasil.
É espantosa a leviandade com que o
impeachment de um presidente da República passou a ser tratado pela oposição,
como se estivéssemos diante de um ato corriqueiro da vida política de uma
nação. A rigor, isso diz muito mais sobre a indigência da oposição do que sobre
as deficiências do governo de turno, que, como este jornal não se cansa de
dizer, não são poucas. Se tratada com a devida responsabilidade por uma
oposição genuinamente preocupada com o futuro do Brasil, a pletora de erros que
Lula tem cometido neste terceiro mandato muito provavelmente selaria não apenas
o seu ocaso eleitoral, mas o do próprio PT por algumas décadas.
Mas essa oposição responsável à direita
parece estar subjugada, ao menos por ora, pela agenda bolsonarista. Bolsonaro a
sequestrou em nome do resguardo de um protagonismo político capaz de mantê-lo
afastado da cadeia, seu principal objetivo, o que não é surpreendente quando se
trata de alguém que jamais perdeu um minuto de sono angustiado com os destinos
do País, mas sim em encontrar meios de se servir do Estado para satisfazer seus
interesses pessoais e os de sua família.
Essa banalização do impeachment ainda revela
quão alienada ou indiferente está essa oposição oportunista e desqualificada em
relação aos traumas que o remédio constitucional extremo causa à sociedade.
Ademais, chama a atenção a hipocrisia dessa turma, que, à guisa de defender a
reversão da inelegibilidade de Bolsonaro, alardeia, dia sim e outro também, que
só o povo é soberano para decidir quem pode ou não concorrer à Presidência da
República, e não a Justiça Eleitoral. Ora, que soberania é essa que vale a depender
dos interesses de ocasião em jogo? O povo que, de forma legítima e soberana,
elegeu Bolsonaro presidente em 2018 é o mesmo que decidiu não reelegê-lo quatro
anos depois. Se o atual governo é ruim, os eleitores decerto também não
premiarão Lula com a reeleição caso o petista, de fato, venha a ser candidato
em 2026.
O impeachment, tal como previsto na
Constituição e regulado pela Lei n.º 1.079/1950, não deve ser rebaixado a mero
expediente para resolver frustrações eleitorais nem muito menos para abreviar
mandatos por questão de conveniência política. Trata-se de um dispositivo
reservado para situações excepcionalíssimas em que um presidente da República
comete crime de responsabilidade, atentando contra os princípios fundamentais
da República. Abastardá-lo como meio de destituição de um governante impopular
ou inepto subverte a sua natureza jurídica e política e enfraquece o próprio
Estado Democrático de Direito.
Impunidade custa vidas
O Estado de S. Paulo
Relaxamento de prisões de criminosos
violentos mantém a população refém da violência
A repercussão do brutal assassinato do
ciclista Vitor Medrado, ocorrido no dia 13 passado, fez a Polícia Civil de São
Paulo se movimentar. Em desempenho digno de registro, policiais do 11.º
Distrito Policial (Santo Amaro), apenas cinco dias após o crime que chocou os
paulistanos, batiam à porta da casa de uma mulher suspeita de liderar uma
violenta quadrilha de assaltantes que tem aterrorizado a zona sul da capital
paulista.
Suedna Barbosa Carneiro, conhecida na favela
de Paraisópolis como “Mainha do Crime”, estava em casa quando foi presa. No
local, os policiais apreenderam armas, celulares e máquinas de cartão de
crédito, além de capacetes e mochilas de aplicativos de entrega que seriam
usadas como simulacros pelos criminosos a serviço da tal “Mainha”.
Entre os suspeitos de fazer parte da
quadrilha estão os dois motociclistas que mataram Vitor no entorno do Parque do
Povo, com o intuito de roubar seu celular, sem que a vítima sequer esboçasse
reação. A bem da verdade, como se viu pelas imagens de câmeras de segurança da
região, o ciclista nem teve tempo de ver a aproximação dos criminosos.
Aos policiais, Suedna, uma velha conhecida da
polícia, de acordo com delegado Marcel Druziani, titular do 11.º DP, confessou
o crime de receptação, mas negou ter participação na morte de Vitor e de outras
vítimas de latrocínio em São Paulo, um crime que, como mostrou o Radar da
Criminalidade do Estadão, aumentou mais de 20% na capital paulista em
2024, em comparação com o ano anterior.
Em que pese o fato de a Polícia Civil ter
feito – e bem – o seu trabalho de identificar e prender uma suspeita de
patrocinar a prática de um dos crimes mais aterrorizantes que há, o latrocínio,
uma pergunta inquieta este jornal e decerto muitos paulistanos. Haja vista a
ficha criminal da “Mainha do Crime”, por que esta mulher estava solta?
Trata-se de uma dúvida que também paira sobre
outro crime horroroso ocorrido na capital paulista há poucos dias, o
espancamento de uma senhora de 67 anos por dois homens em uma moto que queriam
roubar sua aliança de casamento. Um dos bandidos, identificado como Shymada
Freitas Rocha, tem “vasto histórico de crimes dessa natureza”, de acordo com
uma nota da Polícia Civil. Não obstante suas condenações por crimes violentos,
desde ao menos 2023, Shymada já não cumpria pena em regime fechado.
O sistema de segurança pública, para ser
eficaz, há de operar, evidentemente, como um todo orgânico. Mais bem dito: não
adianta a polícia prender criminosos que, em que pese a gravidade dos delitos
de que são acusados, logo são liberados em audiências de custódia por uma
filigrana qualquer. De que adiantam condenações pesadas se fatores
psicossociais e criminológicos são mal avaliados pelo Judiciário no momento de
decisão sobre a progressão dos regimes de cumprimento de pena?
O crime prospera quando grassa a impunidade. Ao flexibilizar a execução das penas e permitir que criminosos perigosos retornem às ruas sem uma análise criteriosa do risco que representam à sociedade, o Judiciário compromete a eficácia do trabalho policial e, sobretudo, a segurança dos cidadãos.
Inoperância com o calor extremo
Correio Braziliense
A revisão e a construção de políticas de
educação, moradia e infraestrutura urbana não podem mais desconsiderar as
adaptações às mudanças climáticas
Até o fim desta semana, em se tratando de
calor, o Brasil poderá se transformar no pior lugar do mundo, segundo previsão
do Centro Europeu de Meteorologia. Desde o início do ano, o país enfrenta ondas
de altas temperaturas, mas a de agora parece ser ainda mais extrema, indicando
que a chegada do fenômeno La Niña não esfriou o ambiente como o esperado.
Nesta segunda-feira, os termômetros no Rio de
Janeiro oscilaram entre 40ºC e 44ºC, chegando a dar uma sensação de 50ºC aos
cariocas — a mais alta temperatura do mundo. A primeira vez em que os
fluminenses enfrentaram situação semelhante ocorreu 10 anos atrás. Conforme
previsão do Climatempo, moradores das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste
também não estarão livres do fenômeno nos próximos dias. Apesar de crítica, a
situação não é inédita. Ao contrário, é recorrente. E vem se agravando em uma
velocidade que contrasta com a das respostas das autoridades à crise climática.
O aumento da temperatura do planeta é
resposta às intervenções antrópicas, humanas, na natureza. No Brasil, eliminar
o desmatamento de florestas e queimadas na Região Amazônica e no Cerrado virou
problema crônico, agravado pela polarização política. E a inépcia das
autoridades públicas não fica restrita às áreas naturais. Faltam projetos e
protocolos para mitigar os efeitos da crise do clima nos espaços urbanos.
Todos os anos, por exemplo, discute-se o que
fazer nas escolas — sobretudo as públicas — durante os períodos de calor
excessivo. Mais uma vez, em 2025, os estudantes iniciam o ano letivo em espaços
que ainda não foram preparados para amenizar o desconforto que a elevação da
temperatura impõe.
Entre os possíveis efeitos imediatos da
deficiência na infraestrutura escolar, estão sonolência, perda de concentração
nas aulas e desidratação. Mas uma escola que não desperta a vontade de crianças
e jovens de estar nela tem consequências estruturais a longo prazo, como a
evasão. Há de se ressaltar que instituições de ensino nas periferias dos
centros urbanos ou no interior dos municípios costumam ser equipamentos
públicos mais precários, favorecendo, assim, a perpetuação de
desigualdades.
A dinâmica se repete em outras áreas, como a
de transportes públicos — mais uma vez, o noticiário mostra pessoas desmaiando
de calor em ônibus cheio de passageiros e não refrigerados — e nas habitações
populares — a época é repleta de depoimentos de famílias aglomeradas em
pequenos espaços escaldantes e preocupadas em não comprometer a conta de
energia devido ao uso de ar-condicionado ou outros artifícios.
A revisão e a construção de políticas de educação, moradia e infraestrutura urbana não podem mais desconsiderar as adaptações às mudanças climáticas. São urgentes protocolos bem definidos sobre quais medidas tomar diante da chegada de uma nova onda de calor, assim como a estímulo a construções ambientalmente sustentáveis. E mais: não são raros os casos em que o calor intenso é substituído por chuvas torrenciais, também com potencial desestruturante. As experiências têm mostrado que as marcações dos termômetros mudam, mas os estragos e a falta de manejo parecem inalteráveis.
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