O Estado de S. Paulo
Há desconexão entre o que Bolsonaro tenta ser para seus apoiadores e o que pode fazer por eles
Nem a sonoplastia dramática, acionada quando a
voz ganhava certa intensidade, salvou o discurso de Jair Bolsonaro do marasmo.
O público de verde e amarelo na Avenida Paulista, ontem, saiu dali satisfeito
por prestar apoio ao seu líder político e reafirmar as próprias convicções,
como a teoria de que os atos de 8 de janeiro foram fabricados pela esquerda, e
emoções, como o ódio a Alexandre de Moraes e a Lula, mas Bolsonaro já não é
capaz de entregar muito mais do que isso. A fadiga com o que ele tem a dizer é evidente.
A repetição de bordões, como “Deus, pátria, família e liberdade”, e da retórica messiânica (“valeu a pena o sacrifício”) nem é o maior problema. A questão é que há uma desconexão entre o que Bolsonaro tenta ser para seus apoiadores, ou seja, o salvador da pátria (“a missão do capitão não acabou, ele ainda vai contribuir muito com o Brasil”, disse o governador Tarcísio de Freitas), e o que o ex-presidente realmente pode fazer por eles.
O máximo de esperança que Bolsonaro consegue
oferecer aos seus admiradores é o de “mudar o destino do Brasil” se eles
elegerem “50% da Câmara e 50% do Senado”.
Uma fala que, analisada pelo ângulo correto,
expõe a esperança que ele tem de mudar o próprio destino se seu grupo político
conseguir a maioria absoluta no Congresso Nacional. Bolsonaro quer mesmo é
salvar a si próprio, não a pátria.
Tão entediante quanto falar mais uma vez que
comprou vacina para todos, mas não tomou por causa da sua “liberdade”, ou que o
Tribunal Superior Eleitoral “colocou” Lula na Presidência foi a tentativa de
dar visibilidade ao menos carismático de seus filhos, o Carlos, cuja pretensão
é se lançar ao Senado por Santa Catarina. “O marqueteiro aqui me botou na
Presidência da República”, disse Bolsonaro, enquanto Carluxo, ao seu lado,
colocava a mão de forma desajeitada, quase constrangida, sobre seu ombro.
O que deveria ser o ponto alto do discurso do réu por golpe de Estado, a julgar pelo tom de voz e pela quantidade de vezes que ele repetiu a frase, soou mais como uma confissão do que como a descrição de um ato de coragem: “Algo que me fez sair do Brasil não era apenas não passar a faixa. Jamais eu passaria faixa para ladrão. Jamais passaria faixa para ladrão.” E seguiu a ladainha sobre anistia, sobre injustiça, sobre ser preso ou ser morto, sobre a verdade que liberta e pacificação. A Paulista assistiu a um show de fadiga política.
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