Valor Econômico
Governo escalou o tom nas redes para abrir
espaço ao armistício
A estética do confronto chegou para ficar
como condição necessária, ainda que insuficiente, para o governo chegar ao
armistício com o Congresso. O primeiro sinal de que o bombardeio
#congressodamamata incomodou foram os recibos passados pelo presidente da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), (“Quem alimenta o nós contra eles acaba
governando contra todos”) e pelo presidente do União, Antônio Rueda, (“Não
consegue resolver o problema fiscal e joga a culpa no Congresso”).
Esta percepção, de um ministro que é conselheiro de colegas petistas sem nunca ter sido do PT, e tem linha direta com os presidentes da Câmara e do Senado, não se restringe a aplaudir a reação governista até aqui. Advoga que o próprio presidente da República vá pra cima nas redes sociais dizendo que o Congresso não quer votar a isenção do IR ou o aumento de imposto para rico e pretende congelar o salário-mínimo.
A discussão do dito “gasto estrutural” ficará
para 2027. A saída, por ora, é se enquadrar no arcabouço fiscal com corte gasto
tributário, como propõe o ministro Fernando Haddad, e recorrer ao Supremo
Tribunal Federal em busca de uma paridade de armas sem a qual, assim como
acreditam as potências nucleares, não se previnem ataques.
O exercício do poder dissuasório da reação
governista já abriu espaço para a ministra Gleisi Hoffmann e o deputado José
Guimarães (PT-CE) irem a público se contrapor aos ataques nas redes que miram
Hugo Motta - estimulados, por um lado, pela ofensiva virtual governista e, por
outro, pelo dilema existencial da Câmara. Pesquisa Genial/Quaest mostrou que
88% dos deputados querem a elevação da faixa de isenção do IR, mas não sabem
como financiá-la: 46% são contra a elevação do IR para super-ricos e 53% são contra
o PL dos supersalários.
O sarrafo da negociação se eleva nas emendas.
A pedida não é apenas de liberação mas para que o governo contenha Flávio Dino.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não passa a mão no telefone e liga para
o ministro quando quer apertar o Congresso mas é isso que se quer que ele faça
- por óbvio, para desapertar. Não há um único real de emenda bloqueado hoje por
determinação de Dino, mas é a ampliação do consenso contrário à execução do
modelo vigente, como fez o ministro na semana passada, que os incomoda.
Tanto nas emendas, quanto na disputa de
espaços no governo, o que corrobora para obstruir a relação com o Executivo é a
dificuldade de as lideranças partidárias explicitarem suas demandas. Tome-se
aquela do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que se move pela
cabeça do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira. Colegas já lhe
fizeram chegar a norma do gabinete presidencial. Terá que parar de mandar
recados e verbalizar diretamente suas demandas a Lula. Explicitar demandas do
gênero e, principalmente, as razões que as motivam, não é um passeio quando se
está diante do presidente da República, mas se é com ele o confronto não
haveria como evitá-lo.
Quando a crise do IOF atravessou a Praça dos
Três Poderes e foi parar no STF, o enredo ganhou previsibilidade. O envio da
ação do governo pela constitucionalidade do decreto do IOF para Alexandre de
Moraes pouco tem a ver com a “prevenção” do ministro e, menos ainda, com seus
atributos. O decano, a quem foi inicialmente atribuída a relatoria, busca
preservar sua capacidade de interlocução como resolvedor-geral de crises.
Como um confronto a mais ou a menos entre
Moraes e o Congresso não faz diferença no patamar de animosidade que os aparta,
o ministro Gilmar Mendes pôde simbolizar o exercício desta autodelegação na
manhã de quarta-feira com a foto em que divide o palco com Hugo Motta em
Lisboa, que, anualmente, volta a ser a capital da conciliação das elites - por
um preço que permanece desconhecido.
Alcolumbre não foi mas, como é de seu feitio,
mandou recados. Se ele não for reeleito para o comando da mesa, não tem como
barrar impeachment de ministro na próxima legislatura. Sabe-se que o
bolsonarismo não terá facilidade de alcançar este quórum porque quase todos os
governadores em fim de mandato disputarão o Senado. Não é um perfil que avalize
a tese. A assombração propagada por Alcolumbre é que, mesmo que não seja
pautado, um pedido de impeachment pode ser aceito por outro presidente do
Senado, o que tornaria a Corte refém.
Nesta conjuntura, não passa despercebido que
Gilmar Mendes tenha ressuscitado o semipresidencialismo, tese que formulou
junto com o ex-presidente Michel Temer. Um dos eventos do encontro de Lisboa é
o lançamento do livro do jurista Vitalino Canas, “Presidentes governantes”, que
foi resenhado pelo ministro na imprensa portuguesa.
No capítulo dedicado ao Brasil, o autor
discorre sobre o desequilíbrio de um sistema cuja existência de dois
impeachments presidenciais em 24 anos é demonstração da força adquirida pelo
Legislativo sem que o chefe de Estado tenha adquirido poder semelhante de
dissolução do Congresso.
Visto que o semipresidencialismo se tornou
fato sem que tivesse havido uma mudança formal no sistema de governo, a tese
parece voltar nesse momento para, paradoxalmente, para reforçar o presidente. O
que resta por ser explicado é como o Congresso aprovaria, de bom grado, uma
automutilação.
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