Não é de hoje que o Brasil reivindica um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mas nunca esteve tão próximo de consegui-lo quanto em 1945, quando da criação do organismo internacional ao final da Segunda Guerra Mundial. Essa história está relatada na tese do diplomata Eugênio Vargas Garcia, membro da delegação brasileira na ONU em Nova York, aprovada com louvor no Instituto Rio Branco, que ele pretende publicar em livro.
Com o título "O Sexto Membro Permanente ? O Brasil e a Criação da ONU", conta, com base em documentos, alguns inéditos, pesquisados tanto em arquivos nos Estados Unidos como no Brasil, como reivindicamos pela primeira vez a inclusão como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, que estava para ser criado de acordo com uma minuta aprovada na Conferência de Dumbarton Oaks, em 1944, "Propostas para o Estabelecimento de uma Organização Internacional Geral".
A tese de Eugênio Vargas Garcia é de que os EUA assumiram a dianteira do processo em parte porque seus aliados estavam ocupados demais para investir tempo e recursos em atividades de planejamento que não fossem voltadas para fins militares imediatos.
"Por um momento, a Grã-Bretanha travou quase sozinha a guerra contra a Alemanha nazista e a URSS suportou uma luta titânica de vida ou morte na frente oriental. Geograficamente distante das zonas de batalha, os EUA não tiveram seu território continental atacado durante o conflito. Eram, possivelmente, o refúgio mais seguro para conferências internacionais e conclaves do gênero", analisa em seu trabalho.
Entre outras fórmulas aventadas na época, o estudo mostra que Roosevelt acalentava a ideia de implantar um sistema chamado por ele de "tutela dos poderosos" já que, em sua avaliação, os mecanismos de consenso e participação universal da Liga das Nações não teriam funcionado. "Era preciso lançar mão de expedientes mais drásticos" .
Em discurso de 1944, Roosevelt sublinhou que o propósito supremo das Nações Unidas podia ser expresso em uma única palavra: "segurança". Este, aliás, era um ponto de sólido consenso entre os Três Grandes, ressalta Eugênio Vargas Garcia.
"Muito mais praticantes do que teóricos da Realpolitik, Roosevelt, Churchill e Stalin estavam de perfeito acordo quanto à prerrogativa dos poderosos de gerenciar a ordem internacional nos seus termos".
O plano a que se chegou em Dumbarton Oaks poderia ser visto, segundo o estudo, como uma versão fortalecida da Liga das Nações, controlada pelos Quatro Policiais (Estados Unidos, Rússia, China e Reino Unido). O Quinto Policial seria a França.
Mais tarde, na Conferência de Yalta, definiu-se a fórmula para a votação no Conselho de Segurança: a) cada membro do Conselho teria um voto; b) as decisões em questões processuais seriam tomadas pelo voto afirmativo de sete membros; e c) as decisões em todos os outros assuntos seriam tomadas pelo voto afirmativo de sete membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes. Neste texto, explica o trabalho, estava embutido o poder de veto.
Roosevelt instruiu sua delegação em Dumbarton Oaks a sugerir que o Brasil fosse considerado como o sexto membro permanente, uma possibilidade que ajudaria a "reforçar a posição do Brasil" na América do Sul.
Modelo de "bom vizinho", o Brasil era visto em Washington como parceiro confiável e "aliado fiel".
No entanto, analisa a tese de Eugênio Vargas Garcia, essa concordância de Roosevelt não foi uma iniciativa meticulosamente preparada nem chegou a ser amadurecida previamente nos círculos decisórios norte-americanos.
O presidente Vargas tinha a expectativa de que as aspirações do país seriam satisfeitas, como reconhecimento devido pela colaboração que o Brasil havia prestado aos Aliados.
Segundo a tese, o respaldo de Washington - particularmente de Roosevelt - era esperado como parte da "aliança preferencial" que haveria entre os dois países, pelo menos na visão do Rio de Janeiro.
O Brasil chegou a apresentar proposta de emenda à Carta para conferir à América Latina representação permanente no Conselho, na esperança de que, se aprovada, o país fosse indicado naturalmente, mas não obteve êxito.
O pesquisador ressalta que o presidente Franklin Roosevelt, que se havia empenhado pessoalmente em favor da China, vencendo as objeções de Churchill e Stalin, era quem melhor poderia levar adiante sua intenção de criar mais uma cadeira permanente, mas sua morte, pouco antes da Conferência de São Francisco, eliminou em definitivo essa possibilidade.
A posição do governo dos EUA, ressalta o estudo, evoluiu de 1944 para 1945, com marcante queda no interesse em reforçar o Brasil como seu principal aliado na América do Sul e no Hemisfério Ocidental, linha que havia sido seguida por Roosevelt.
Quando a Conferência de Yalta teve lugar, a conjuntura já havia, em parte, mudado, destaca Eugênio Vargas Garcia: a guerra se aproximava do fim, o perigo maior havia passado, e esquecida a importância estratégica que o Brasil teve na luta contra o Eixo (bases aéreas no Nordeste) ou na contenção da Argentina "antiamericana".
Quando Truman assume, não era mais imperativo cultivar a amizade de Vargas ou tolerar abusos de seu regime personalista.
Para Getúlio Vargas, magoado e decepcionado, não haveria sinal maior de ingratidão, mas o estudo demonstra que ele teve contra si situações políticas que não controlava: problemas internos o obrigaram a desviar seus esforços da questão internacional, e a morte de Roosevelt roubou-lhe um aliado inestimável.
FONTE: O GLOBO
Com o título "O Sexto Membro Permanente ? O Brasil e a Criação da ONU", conta, com base em documentos, alguns inéditos, pesquisados tanto em arquivos nos Estados Unidos como no Brasil, como reivindicamos pela primeira vez a inclusão como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, que estava para ser criado de acordo com uma minuta aprovada na Conferência de Dumbarton Oaks, em 1944, "Propostas para o Estabelecimento de uma Organização Internacional Geral".
A tese de Eugênio Vargas Garcia é de que os EUA assumiram a dianteira do processo em parte porque seus aliados estavam ocupados demais para investir tempo e recursos em atividades de planejamento que não fossem voltadas para fins militares imediatos.
"Por um momento, a Grã-Bretanha travou quase sozinha a guerra contra a Alemanha nazista e a URSS suportou uma luta titânica de vida ou morte na frente oriental. Geograficamente distante das zonas de batalha, os EUA não tiveram seu território continental atacado durante o conflito. Eram, possivelmente, o refúgio mais seguro para conferências internacionais e conclaves do gênero", analisa em seu trabalho.
Entre outras fórmulas aventadas na época, o estudo mostra que Roosevelt acalentava a ideia de implantar um sistema chamado por ele de "tutela dos poderosos" já que, em sua avaliação, os mecanismos de consenso e participação universal da Liga das Nações não teriam funcionado. "Era preciso lançar mão de expedientes mais drásticos" .
Em discurso de 1944, Roosevelt sublinhou que o propósito supremo das Nações Unidas podia ser expresso em uma única palavra: "segurança". Este, aliás, era um ponto de sólido consenso entre os Três Grandes, ressalta Eugênio Vargas Garcia.
"Muito mais praticantes do que teóricos da Realpolitik, Roosevelt, Churchill e Stalin estavam de perfeito acordo quanto à prerrogativa dos poderosos de gerenciar a ordem internacional nos seus termos".
O plano a que se chegou em Dumbarton Oaks poderia ser visto, segundo o estudo, como uma versão fortalecida da Liga das Nações, controlada pelos Quatro Policiais (Estados Unidos, Rússia, China e Reino Unido). O Quinto Policial seria a França.
Mais tarde, na Conferência de Yalta, definiu-se a fórmula para a votação no Conselho de Segurança: a) cada membro do Conselho teria um voto; b) as decisões em questões processuais seriam tomadas pelo voto afirmativo de sete membros; e c) as decisões em todos os outros assuntos seriam tomadas pelo voto afirmativo de sete membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes. Neste texto, explica o trabalho, estava embutido o poder de veto.
Roosevelt instruiu sua delegação em Dumbarton Oaks a sugerir que o Brasil fosse considerado como o sexto membro permanente, uma possibilidade que ajudaria a "reforçar a posição do Brasil" na América do Sul.
Modelo de "bom vizinho", o Brasil era visto em Washington como parceiro confiável e "aliado fiel".
No entanto, analisa a tese de Eugênio Vargas Garcia, essa concordância de Roosevelt não foi uma iniciativa meticulosamente preparada nem chegou a ser amadurecida previamente nos círculos decisórios norte-americanos.
O presidente Vargas tinha a expectativa de que as aspirações do país seriam satisfeitas, como reconhecimento devido pela colaboração que o Brasil havia prestado aos Aliados.
Segundo a tese, o respaldo de Washington - particularmente de Roosevelt - era esperado como parte da "aliança preferencial" que haveria entre os dois países, pelo menos na visão do Rio de Janeiro.
O Brasil chegou a apresentar proposta de emenda à Carta para conferir à América Latina representação permanente no Conselho, na esperança de que, se aprovada, o país fosse indicado naturalmente, mas não obteve êxito.
O pesquisador ressalta que o presidente Franklin Roosevelt, que se havia empenhado pessoalmente em favor da China, vencendo as objeções de Churchill e Stalin, era quem melhor poderia levar adiante sua intenção de criar mais uma cadeira permanente, mas sua morte, pouco antes da Conferência de São Francisco, eliminou em definitivo essa possibilidade.
A posição do governo dos EUA, ressalta o estudo, evoluiu de 1944 para 1945, com marcante queda no interesse em reforçar o Brasil como seu principal aliado na América do Sul e no Hemisfério Ocidental, linha que havia sido seguida por Roosevelt.
Quando a Conferência de Yalta teve lugar, a conjuntura já havia, em parte, mudado, destaca Eugênio Vargas Garcia: a guerra se aproximava do fim, o perigo maior havia passado, e esquecida a importância estratégica que o Brasil teve na luta contra o Eixo (bases aéreas no Nordeste) ou na contenção da Argentina "antiamericana".
Quando Truman assume, não era mais imperativo cultivar a amizade de Vargas ou tolerar abusos de seu regime personalista.
Para Getúlio Vargas, magoado e decepcionado, não haveria sinal maior de ingratidão, mas o estudo demonstra que ele teve contra si situações políticas que não controlava: problemas internos o obrigaram a desviar seus esforços da questão internacional, e a morte de Roosevelt roubou-lhe um aliado inestimável.
FONTE: O GLOBO
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