O Globo
Netanyahu prendeu Trump em sua teia
estratégica
Primeiro, Trump exigiu a “rendição
incondicional” do Irã,
na forma de um acordo de capitulação baseado em “enriquecimento zero” e
supervisão externa do programa de mísseis. Depois, uma dúzia de megabombas
antibunker, 30 mil libras cada uma, atingiram Fordow, instalação nuclear
enterrada nas profundezas de uma montanha. A palavra e o ato convertem Trump em
refém de Netanyahu. Querendo ou não, os Estados Unidos tornam-se
parceiros de Israel numa
guerra cujo objetivo final é a mudança de regime em Teerã. A Casa
Branca não quer, mas calculou errado.
— Esta missão não diz respeito a mudança de
regime — declarou o secretário de Defesa, Pete Hegseth.
— Não temos interesse em conflitos
prolongados no Oriente Médio — insistiu o vice, JD Vance.
O Irã, conclamou Trump, “precisa agora fazer a paz” — ou capitular. Entretanto a admissão de uma derrota humilhante é quase impossível, pois colocaria o regime teocrático no rumo do colapso.
A renúncia formal à bomba e aos mísseis
abriria fendas irreparáveis entre as facções radical e moderada que formam a
espinha dorsal do Estado iraniano, abrindo caminho à insurreição popular. A
implosão, rápida ou protelada, encerraria o capítulo inaugurado pela revolução
de 1979. Resta ao regime dos aiatolás a alternativa da retaliação, pela vis do
bombardeio de bases e navios americanos na região ou de uma guerra assimétrica
pelo fechamento do Estreito de Ormuz ou de atentados terroristas.
As megabombas destruíram Fordow, a joia do
programa nuclear iraniano? Sim, de acordo com Trump: “totalmente obliterado”.
Talvez, de acordo com o Pentágono: “danos graves”. Faltam indícios de radiação
em torno do alvo e, de qualquer modo, sobram sinais de que parte do urânio
altamente enriquecido tenha sido transferido previamente para algum outro
local. Mas, sobretudo, como registrou uma fonte governamental iraniana,
detonações capazes de destruir centrífugas subterrâneas nada podem contra
“conhecimento nuclear nacional”. O regime ferido, cambaleante, tende a concluir
que só uma corrida desesperada até o artefato nuclear asseguraria sua
sobrevivência.
Trump escolheu, em 2018, romper o acordo
nuclear negociado em 2015 por Obama com o Irã. O acordo funcionava, mantendo o
regime iraniano à distância de cerca de um ano da posse do artefato. Fordow
pode ou não ter sobrevivido a 12 vezes 30 mil libras, mas a diplomacia foi,
certamente, “obliterada”. Como enfatizou o ministro do Exterior iraniano, a
demanda de retorno às negociações sobre o programa nuclear tornou-se
“irrelevante”.
Netanyahu prendeu Trump em sua teia
estratégica. Excluída a diplomacia, só a mudança de regime colocaria um ponto
final na obsessão nuclear iraniana. Israel batizou sua operação militar de
“Rising Lion” (Leão Nascente), alusão à antiga bandeira iraniana, substituída
pela revolução de 1979, que exibia o leão persa à frente do sol nascente. A
liberdade na ponta das baionetas de uma potência estrangeira — eis o projeto
que reaparece, depois das experiências desastrosas de Afeganistão, Iraque e Líbia.
Os iranianos ergueram-se em 2019 e em 2022,
depois do assassinato da jovem Mahsa Amini pela polícia religiosa,
sujeitando-se à bárbara repressão das forças de segurança. A crônica situação
pré-revolucionária manifestou-se às vésperas do ataque israelense, na forma de
uma greve nacional. Contudo, como regra, a agressão externa congela os
movimentos populares, enquanto renova o fôlego das autocracias.
De Netanyahu, emanaram chamados sucessivos a
um levante revolucionário do “grande povo persa”. Em Teerã, porém, os
opositores sabem mais — e não creem na liberdade pelas bombas.
— Sei que a guerra não trará democracia —
disse a ativista Sepideh Qolian, que passou dois anos no célebre presídio de
Evin.
Narges Mohammadi, Nobel de 2023, sentenciada
a mais de 36 anos de prisão, pediu a cessação dos ataques ao solo iraniano.
Nasrin Sotoudeh, advogada de direitos humanos presa duas vezes num total de
mais de seis anos, estabeleceu uma distinção que escapa ao raciocínio de Trump:
— Devemos defender a terra do Irã, não os
erros de seus governantes.
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