O homem contemporâneo aprendeu a conviver com as calamidades - não tem pavores. Esta talvez seja a sua graça e sua desgraça: sabe explicá-las, entende porque acontecem, leva sustos, mas logo se acostuma porque sua multiplicação e o acervo de informações produzidas criam um confortável sistema de acomodações. Isso é bom, ruim? Inescapável. Embora na sua origem a palavra apocalipse signifique descoberta, revelação, na era do racionalismo as catástrofes perderam sua porção escatológica, despojadas de conotações divinas. O fim dos tempos já não é iminente, tornou-se adiável. Sine die.
O que aconteceu no Japão há uma semana foi mais do que um "evento máximo" foi "mega" porque compreendeu um inédito e triplo encadeamento envolvendo os três elementos - terra, mar e ar: terremoto, maremoto (tsunami) e vazamento radioativo para a atmosfera de consequências ainda imprevisíveis.
Embora o pânico esteja instalado em Tóquio, mais ao sul, em Osaka, na segunda maior cidade do país criou-se apressadamente uma espécie de refúgio. Refúgio de estrangeiros, diga-se. Embaixadas e multinacionais estabeleceram sucursais improvisadas e enquanto as lojas de departamento da capital parecem desertas, as de Osaka estão cheias, conforme contou a correspondente Cláudia Sarmento do Globo (18/3).
O estoicismo japonês, o seu senso de disciplina e respeito coletivo - marcas de uma civilização ilhoa - confrontam-se abertamente com o estresse ocidental do qual não se livram os decasséguis que se acotovelam nos aeroportos para voltar ao Brasil. Este agito pode ser visto e denunciado como herança capitalista mas também como resultado de um cartesianismo anterior a Descartes, iniciado ainda na Grécia antiga.
Ao avaliar o que se passa, o homem contemporâneo dispara automaticamente o seu acervo de soluções. Perdeu o seu senso trágico, é verdade, diminuiu a sua sensibilidade para o sofrimento espiritual, mas ganhou um tipo de operacionalidade que nas grandes emergências pode ser vista como solidariedade.
Ou mutualidade. O pesadelo nuclear não tira o sono apenas dos japoneses. É transnacional, cósmico. Mesmo com a proteção dos oceanos e das grandes distâncias os efeitos de um vazamento radioativo serão desastrosos para o resto do mundo. Em curto, médio ou longo prazo.
As transgressões humanas como as praticadas por Muamar Kadafi, combinadas as pandemias, tragédias naturais e humanitárias - todas difundidas em tempo real - estão fadadas a fortalecer um tipo de compromisso elementar de sobrevivência. Os seis bilhões de habitantes do planeta não são loucos como alguns dos seus líderes. Podem até incomodar-se com os vizinhos, mas contam com a compreensão daqueles que estão a distância. E como a humanidade está distribuída num vasto território todos convivem numa gangorra, próximos e distantes ao mesmo tempo.
Apesar de sacudido constantemente por tremores de terra, o arquipélago japonês irradia estabilidade, seus imperadores pertencem à dinastia mais antiga do mundo, as imagens e mensagens culturais que exporta contêm uma dose de serenidade.
O importante é não perder de vista a transitoriedade dos negócios humanos: o Japão era até o dia 10 de Março, véspera do desastre, a terceira potência econômica mundial. No fim deste ano ou no início do próximo, terá caído algumas posições. Impossível prever quando, como e qual o preço que pagará para recuperar-se. Ou se, depois de enterrar as vítimas e chorar os desaparecidos, terá a determinação para alcançar o status anterior sem prestar atenção ao niilismo do "vale a pena?".
Depois do holocausto nuclear de 1945, os japoneses disseram "sim, vale a pena".
» Alberto Dines é jornalista
FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O que aconteceu no Japão há uma semana foi mais do que um "evento máximo" foi "mega" porque compreendeu um inédito e triplo encadeamento envolvendo os três elementos - terra, mar e ar: terremoto, maremoto (tsunami) e vazamento radioativo para a atmosfera de consequências ainda imprevisíveis.
Embora o pânico esteja instalado em Tóquio, mais ao sul, em Osaka, na segunda maior cidade do país criou-se apressadamente uma espécie de refúgio. Refúgio de estrangeiros, diga-se. Embaixadas e multinacionais estabeleceram sucursais improvisadas e enquanto as lojas de departamento da capital parecem desertas, as de Osaka estão cheias, conforme contou a correspondente Cláudia Sarmento do Globo (18/3).
O estoicismo japonês, o seu senso de disciplina e respeito coletivo - marcas de uma civilização ilhoa - confrontam-se abertamente com o estresse ocidental do qual não se livram os decasséguis que se acotovelam nos aeroportos para voltar ao Brasil. Este agito pode ser visto e denunciado como herança capitalista mas também como resultado de um cartesianismo anterior a Descartes, iniciado ainda na Grécia antiga.
Ao avaliar o que se passa, o homem contemporâneo dispara automaticamente o seu acervo de soluções. Perdeu o seu senso trágico, é verdade, diminuiu a sua sensibilidade para o sofrimento espiritual, mas ganhou um tipo de operacionalidade que nas grandes emergências pode ser vista como solidariedade.
Ou mutualidade. O pesadelo nuclear não tira o sono apenas dos japoneses. É transnacional, cósmico. Mesmo com a proteção dos oceanos e das grandes distâncias os efeitos de um vazamento radioativo serão desastrosos para o resto do mundo. Em curto, médio ou longo prazo.
As transgressões humanas como as praticadas por Muamar Kadafi, combinadas as pandemias, tragédias naturais e humanitárias - todas difundidas em tempo real - estão fadadas a fortalecer um tipo de compromisso elementar de sobrevivência. Os seis bilhões de habitantes do planeta não são loucos como alguns dos seus líderes. Podem até incomodar-se com os vizinhos, mas contam com a compreensão daqueles que estão a distância. E como a humanidade está distribuída num vasto território todos convivem numa gangorra, próximos e distantes ao mesmo tempo.
Apesar de sacudido constantemente por tremores de terra, o arquipélago japonês irradia estabilidade, seus imperadores pertencem à dinastia mais antiga do mundo, as imagens e mensagens culturais que exporta contêm uma dose de serenidade.
O importante é não perder de vista a transitoriedade dos negócios humanos: o Japão era até o dia 10 de Março, véspera do desastre, a terceira potência econômica mundial. No fim deste ano ou no início do próximo, terá caído algumas posições. Impossível prever quando, como e qual o preço que pagará para recuperar-se. Ou se, depois de enterrar as vítimas e chorar os desaparecidos, terá a determinação para alcançar o status anterior sem prestar atenção ao niilismo do "vale a pena?".
Depois do holocausto nuclear de 1945, os japoneses disseram "sim, vale a pena".
» Alberto Dines é jornalista
FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)
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