Estado de S. Paulo
Sem uma ampla visão crítica do processo no
conjunto, não vamos avançar, ou então, no máximo, avançaremos com muita
lentidão
Começou com alguma intensidade o movimento
nos bastidores visando as eleições presidenciais de 2026. De um lado, cartas em
defesa da democracia, prenunciando uma nova frente; de outro, conversas sobre
quem substitui Bolsonaro e em que nível de fragmentação a direita se apresenta
na corrida.
É um movimento irresistível, mas que
apresenta um grande perigo: discutir um novo processo sem perceber que ele não
pode mais atender às grandes esperanças que, de um modo geral, despertam na
sociedade.
Assim, não é possível considerar que estamos apenas diante de uma eleição como foram todas as outras, desde 1988, quando se fez a primeira escolha direta para presidente.
Não se pode dizer que o novo presidente terá
as mãos atadas pelo Congresso. Mas é razoável esperar que ele não detenha parte
substancial do Orçamento nacional, endereçado agora às emendas parlamentares.
O Congresso dispõe de seu próprio orçamento e
isso parece irreversível. Afirma-se que é um Congresso conservador. Mas se
fosse apenas isso, teríamos diante de nós uma corrente de opinião, capaz de
negociar, cedendo aqui e ali. O problema é que a parte do Orçamento destinada
ao Congresso é usada por mandatos individuais e de uma forma caótica.
Outro problema sério é que desde a
presidência de Severino Cavalcanti, existe uma tendência de escolher como
presidente aquele que represente melhor os interesses fisiológicos de cada um.
É como se a escolha para presidente da Câmara fosse uma eleição sindical e não
importasse a mínima a visão dos candidatos sobre os rumos do País.
O resultado disso hoje pode ser visto no
projeto que aumentou o número de deputados de 513 para 532, no auge de uma
discussão nacional sobre corte de gastos.
É uma ilusão voluntarista supor que nas
eleições parlamentares de 2026 esse problema possa ser superado. O Congresso
continuará com as mesmas características. A suposição de que o problema não
será resolvido, pois há uma engrenagem social complexa que leva anos para ser
mudada, não significa que nada se possa fazer.
O foco nas eleições parlamentares pode,
entretanto, resultar na eleição de um pequeno núcleo suprapartidário que,
articulado com a opinião pública, possa evitar as medidas mais grosseiras e, ao
mesmo tempo, preparar o caminho para melhorar progressivamente ao longo das
eleições que teremos nas próximas décadas.
Se nada for feito, as perspectivas do novo
presidente do País continuarão limitadas.
Naturalmente, não se pode afirmar que os
problemas se concentram todos no Congresso. Cada um a sua maneira, os últimos
presidentes têm mostrado uma ausência de planos de longo prazo, de programa de
governo e parecem dominados pelo improviso.
No campo da centro-esquerda discute-se uma
nova frente democrática sem que apareça ainda uma visão crítica do que realizou
o bloco que derrotou
Bolsonaro.
Embora se intitule uma frente democrática, e
o seja, de fato, na distribuição de cargos, o governo não apresenta uma
política externa de consenso entre as forças que o apoiaram.
Se isso acontecesse, a viagem de Lula a
Moscou, onde Putin comemorava a guerra na Ucrânia como uma continuidade da luta
contra o nazismo, não teria acontecido.
Inúmeras outras posições que expressam uma só
corrente teriam sido reavaliadas, como por exemplo a relação com a Venezuela,
com o Irã ou mesmo a caracterização do Hamas como um grupo terrorista.
Não se trata de discutir a correção dessa
perspectiva, mas o fato de que não corresponde a um consenso no setor
democrático. E uma política que não corresponder a um consenso nem entre as
forças vitoriosas está muito longe de ser uma perspectiva nacional.
Da mesma forma, certamente a direita precisa
compreender seus impasses. Se não tiver uma visão crítica do negacionismo, da
repulsa à ciência, jamais terá a chance de continuidade. Negar as mudanças
ambientais ou mesmo, tragicamente, subestimar uma pandemia vai fazer dela uma
força superficial, das que vencem uma eleição e são derrotadas logo em seguida,
por causa de sua limitação intelectual.
As eleições de 2026, como todas as outras,
merecem debates preparatórios. Mas ao contrário das outras, é preciso
reconhecer que sem uma ampla visão crítica do processo no conjunto, não vamos
avançar, ou então, no máximo, avançaremos com muita lentidão. Tanto que será
quase impossível perceber que nos movemos.
As bases de uma política necessária já são
conhecidas em vários campos. O Brasil não pode ignorar seus imensos recursos
naturais nem abrir mão de seu papel no esforço mundial por uma transição
ecológica. Da mesma maneira, não podemos ignorar nossa vulnerabilidade no campo
da educação, nossa incapacidade em lidar com insegurança urbana.
Assim como o nó parlamentar, são muitos
obstáculos que estão aí há anos e vale a pena relacioná-los para saber daqui a
pouco se valeram a pena toda a emoção e o drama das eleições presidenciais.
As de 2022 nos trazem problemas até hoje. Com
tudo o que aconteceu e ainda está por acontecer, um problema terá sido
resolvido de vez: a aceitação do resultado das urnas.
Pelo menos um nó político terá sido desatado.
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