O
mais inepto presidente da história só se segura porque não foram reunidas
condições políticas para afastamento constitucional.
Está claro para um número cada vez maior de cidadãos que Jair Bolsonaro não reúne mais condições de continuar na Presidência e que sua permanência no poder põe em risco a vida de incontáveis brasileiros em meio à pandemia de covid-19, em razão de sua ignominiosa condução da crise. O mais inepto presidente da história pátria só se segura no cargo, do qual jamais esteve à altura, porque ainda não foram reunidas as condições políticas para seu afastamento constitucional.
Essas
condições políticas dependem majoritariamente de um entendimento não em relação
aos muitos crimes de responsabilidade que Bolsonaro já cometeu, hoje mais que
suficientes para um robusto processo de impeachment, e sim em relação ao
projeto de país que se pretende articular para substituir o populismo raivoso
do bolsonarismo.
Nunca
é demais lembrar que o bolsonarismo só triunfou na campanha presidencial de
2018 porque as forças de centro não foram capazes de apresentar uma alternativa
eleitoralmente poderosa ao PT, enquanto Jair Bolsonaro falava abertamente em
“fuzilar” petistas. Depois de tantos anos de empulhação lulopetista, marcados
por corrupção, arrogância e incompetência, o eleitorado se deixou seduzir pela
“autenticidade” de Bolsonaro, que espertamente se apresentou como o único capaz
de derrotar Lula da Silva e impedir a volta do PT ao poder.
Faltou aos partidos tradicionais compreender as aflições de milhões de brasileiros frustrados com a falta de perspectiva de crescimento pessoal e indignados com tantas promessas descumpridas pelos políticos, em especial depois da passagem pelo poder dos mercadores de ilusão liderados pelo demiurgo de Garanhuns. Historicamente, esses cidadãos formam a clientela preferencial dos populistas, com suas soluções fáceis e radicais – muitas vezes em detrimento dos pilares institucionais que sustentam a democracia.
Assim,
a tarefa dos partidos genuinamente interessados na manutenção da democracia e
na criação de condições para o crescimento sustentado do País é muito mais
complexa: a política tradicional deve ser capaz de convencer os eleitores de
que é preciso fazer sacrifícios para que haja desenvolvimento e, sobretudo, de
que não se alcançam soluções reais para os problemas, dos mais comezinhos aos
mais graves, fora da concertação política proporcionada pelo debate público
legitimado pelas instituições democráticas. Ou seja, a negação do bolsonarismo.
Não
será nada fácil – especialmente tendo em vista a qualidade sofrível de muitas
das atuais lideranças políticas –, mas a crise brasileira não admite acomodação
ou discursos vazios. Não basta ir às redes sociais para atacar Bolsonaro e
cobrar o impeachment; é preciso construir um discurso político forte o bastante
para reduzir a clientela do presidente e oferecer uma alternativa concreta aos
desencantados que ele cooptou.
Como
disse em entrevista ao Estado o cientista político alemão Jan-Werner
Müller, autor do livro O que é populismo?, “não é suficiente dizer ‘não
somos Trump’ ou algum outro autoritário”, em referência ao ex-presidente
norte-americano Donald Trump e seus discípulos, como Jair Bolsonaro. “É preciso
oferecer uma visão positiva que responda aos problemas reais das pessoas.”
Além
disso, enfatizou Müller, as elites “precisam ter a coragem de romper com os
populistas”. As elites a que se refere o estudioso alemão são aquelas que,
voltadas exclusivamente para seus interesses privados, emprestam seu peso socioeconômico
a um governo que, a título de salvar o Brasil do comunismo e do lulopetismo, se
notabiliza pela indecência e pela irresponsabilidade.
Ao
mesmo tempo, é preciso reformar o que Müller chama de “infraestrutura crítica
da democracia”, especialmente o sistema político, para torná-lo mais
representativo do conjunto dos cidadãos, e valorizar a informação de qualidade
contra a usina de patranhas disseminadas por redes sociais. Sem isso, eleitores
continuarão a se encantar com a mendacidade patológica de Bolsonaro, dando
sobrevida política a quem já deveria ter sido banido da vida pública há muito
tempo.
O renascimento de uma nação – Opinião | O Estado de S. Paulo
O
mundo pode respirar aliviado com a saída de Donald Trump do cargo mais poderoso
do planeta.
Como culminação de 244 anos ininterruptos de democracia nos Estados Unidos, a posse do seu 46.º presidente, Joe Biden, foi insolitamente austera. Sem as multidões eufóricas, assistida apenas pelas autoridades com suas máscaras na escadaria do Capitólio e um punhado de convidados na esplanada, tanto maior é o contraste quando se pensa nas mesmas escadarias tomadas por turbas enfurecidas há apenas duas semanas.
O
contraste só não é maior do que em relação à despedida melancólica de Donald
Trump, que se recusou a participar da cerimônia. Enquanto Biden, acompanhado de
uma comissão bipartidária, ia à missa antes da posse, Trump desfiava um
discurso eivado de distorções triunfalistas sobre sua administração, antes de
embarcar para seu resort na Flórida. Nada – a não ser talvez os perdões
judiciais concedidos a familiares, amigos e sequazes – poderia ser mais
emblemático: sua administração nunca tratou de nada além dele mesmo. Após
quatro anos, não resta dúvida que o lema “America First” foi apenas um mal
disfarçado “Trump First”.
“Este
é o dia da democracia. Um dia da história e esperança, de renovação e
resolução. Através do crisol das eras, a América foi reiteradamente testada e a
América se ergueu diante do desafio. Hoje celebramos o triunfo não de um
candidato, mas de uma causa, a causa da democracia.” Essas foram as primeiras
palavras do presidente após o juramento. “Nós aprendemos de novo que a
democracia é preciosa, a democracia é frágil e, nesta hora meus amigos, a
democracia prevaleceu.”
É
um admirável paradoxo que, num dos momentos em que os Estados Unidos mais
precisam um herói, Biden é tudo menos um “salvador da pátria”. Aos 78 anos, ele
é notório pela aversão a ideias grandiloquentes e gestos hiperbólicos. Quando
os democratas o escolheram como candidato contra Bernie Sanders, optaram pelo
pragmatismo. E o mesmo fez o povo americano.
Com
uma carreira marcada por uma mistura de moderação, competência e empatia, seu
discurso inaugural refletiu os grandes temas da campanha: superar a pandemia e
a divisão nacional. “Toda a minha alma está nisso. Reunir a América, unir o
nosso povo, unir a nossa nação.” Nenhuma palavra repercutiu mais em seu
discurso do que “unidade”. “A história, a fé e a razão mostram o caminho – o
caminho da unidade.” “Sem unidade não há paz, só amargor e fúria.” “Devemos
enfrentar esse momento como os Estados Unidos da América.”
Os
ventos são favoráveis. A vacinação está em franca aceleração. A economia está
pronta para retomar a tração. Biden terá maioria nas duas Casas e quase toda a
mídia e a elite cultural a seu favor. O primeiro desafio será controlar os
rancores dos radicais de seu próprio partido. Mas o maior será alcançar os 74
milhões de americanos que votaram em Trump. “Devemos pôr fim a essa guerra não
civil... Podemos fazer isso se abrirmos nossas almas ao invés de endurecer
nossos corações.”
Com
meio século de vida pública, Biden não é ingênuo. “Eu sei que falar em unidade
pode soar a alguns como uma fantasia tola nesses dias. Eu sei que as forças que
nos dividem são profundas e são muito reais. Mas também sei que não são novas.
Nossa história foi uma constante luta entre o ideal americano, de que somos
todos criados iguais, e a dura e feia realidade do racismo, nativismo e medo
que nos dilacera. A batalha é perene e a vitória nunca é certa.”
A
vitória nunca é certa. Os autocratas e extremistas de todo o mundo cuidarão de
lembrá-lo disso. Desde que, no fim da 2.ª Guerra, Harry Truman sentiu o peso da
“lua, das estrelas e todos os planetas”, é possível que nunca um presidente
americano carregue tanto sobre seus ombros. O fracasso de Biden pode significar
o fracasso da democracia liberal e a retaliação furiosa da hidra populista.
Mas, neste instante, o mundo pode respirar aliviado, porque um homem que demonstrou
um inegável compromisso com a vida pública assume o cargo mais poderoso do
planeta em lugar de um egomaníaco insaciável.
A ameaça do procurador-geral – Opinião | O Estado de S. Paulo
É
inexplicável que a Procuradoria-Geral da República venha agora evocar o estado
de defesa.
Publicada no dia 19 de janeiro, a nota da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a atuação do procurador-geral da República, Augusto Aras, durante a pandemia de covid-19 é estarrecedora. Além de revelar desconhecimento sobre os deveres do Ministério Público (MP), faz uma grave e descabida ameaça contra a Nação, ao evocar completamente fora de hora e fora de propósito o estado de defesa.
Em
tempos normais, já seria impensável que a instituição cuja razão de ser é a
defesa da ordem jurídica e do regime democrático se prestasse a esse funesto
papel. Com o País sofrendo as agruras de uma pandemia e tendo um presidente da
República que não perde ocasião de flertar com modos autoritários, a atitude da
PGR é clara afronta à normalidade institucional do País, a merecer cabal
reprovação. É intolerável que o mais alto órgão do Ministério Público proceda
com tamanha irresponsabilidade.
Em
tese, a nota da PGR seria uma tentativa de mostrar que Aras não está sendo
omisso durante a pandemia de covid-19. “PGR cumpre com seus deveres
constitucionais em meio à pandemia”, lê-se no título. Por si só, a situação é
inusitada. Quando o procurador-geral da República cumpre suas funções, sua
atuação é sobejamente notada, não havendo motivo para mais explicações.
A
nota menciona algumas medidas adotadas por Aras nos últimos meses, como
fiscalização de verbas públicas destinadas ao enfrentamento da pandemia. Quanto
ao tema que de fato tem motivado cobranças, o procurador-geral da República
diz: “Eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos
da cúpula dos Poderes da República são da competência do Legislativo”.
Segundo
a Constituição, cabe ao Legislativo julgar os atos do presidente da República
que configurem crime de responsabilidade. Mas isso não significa que o MP deva
ser indiferente aos atos do chefe do Executivo federal. Uma das mais
importantes atribuições da PGR é a apresentação de denúncia contra o presidente
da República por crimes cometidos durante o exercício do mandato.
A
nota da PGR é, pois, evasiva quanto ao aspecto que vinha esclarecer. Pelo
texto, não se sabe se o Ministério Público acompanha ou não as ações e omissões
do presidente da República que eventualmente possam infringir a ordem jurídica.
O
mais grave, no entanto, é a ameaça contida na nota da PGR, relacionando
indevida e inoportunamente o estado de calamidade pública com o estado de
defesa. Após mencionar o estado de calamidade pública decretado pelo Congresso
em 2020 em função da pandemia, a nota diz: “O estado de calamidade pública é a
antessala do estado de defesa”.
A
afirmação é incorreta. A decretação de estado de calamidade pública não tem
relação com o estado de defesa. São duas realidades jurídicas completamente
diferentes.
Prevista
na Lei de Responsabilidade Fiscal, a medida relativa ao estado de calamidade
pública suspende restrições e exigências orçamentárias, visando a permitir a
atuação do poder público numa situação emergencial. Já o estado de defesa é uma
medida de exceção prevista na Constituição, com o objetivo de preservar ou
restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública e a paz
social. Ele é destinado exclusivamente à defesa do Estado e das instituições
democráticas.
O
Estado brasileiro não sofre nenhuma forma de ataque, seja interno ou externo,
que justifique a invocação do estado de defesa, medida que traz sérias restrições
de direitos, como limitações ao direito de reunião e a quebra de sigilo de
correspondência e de comunicação telefônica. Ou o procurador considera as
provocações de Bolsonaro contra o regime representativo e democrático ameaças
suficientes para impedir o presidente da República? Se for assim, a nota, além
de inútil, é pueril. A menos que, ao contrário da hipótese anterior, o
procurador-geral queira dar ao presidente da República um instrumento de
exceção.
Em
2020, quando o estado de calamidade pública foi decretado, a radical diferença
entre as duas medidas foi lembrada. É inexplicável que a PGR venha agora evocar
o estado de defesa. Os tempos atuais são sabidamente estranhos, mas é
inconcebível que seja o procurador-geral da República a ameaçar a normalidade
institucional do País.
Congresso deveria voltar a fazer votação presencial – Opinião | O Globo
Respeitados
os protocolos sanitários, eleições na Câmara e no Senado se tornariam marco da
volta ao Parlamento
Na
disputa entre Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP) pela presidência da
Câmara, é inexorável que qualquer definição sobre as regras da eleição seja
interpretada pelo ângulo dos interesses políticos. Foi acertada, em que pese
isso, a decisão tomada pela Mesa da Casa, por quatro votos a três, que tornou
presencial a sessão que escolherá o substituto de Rodrigo Maia (DEM-RJ). A
votação para a escolha dos novos presidentes da Câmara e do Senado deveria ser
o marco da volta dos parlamentares ao Congresso.
É
compreensível que a pandemia tenha transformado as sessões plenárias em
virtuais. O susto foi mundial, e os Legislativos tiveram que se adaptar. Por
sorte, a tecnologia permitiu votações à distância. Mas o convívio com o novo
coronavírus trouxe um aprendizado sobre medidas sanitárias, que permitiu a
vários países retomar a presença dos parlamentares. Não é difícil entender o
motivo. Como o próprio nome sugere, o trabalho de um Parlamento é parlamentar,
quer dizer, promover discussões, atividade que perde força e agilidade se feita
à distância.
A
Assembleia Nacional da França mantém sessões presenciais, cumprindo os
protocolos sanitários. Em Londres, a Câmara dos Comuns funciona com a presença
dos parlamentares, embora o recrudescimento da pandemia tenha levado o
Parlamento a estudar limitações à circulação e a estabelecer sessões virtuais
nas comissões. Nos Estados Unidos, cada estado tem uma regra. No Congresso,
Câmara e Senado não estão fechados. Os mais de 500 congressistas que tomaram
posse em janeiro realizaram intensos debates presenciais sobre o novo
impeachment de Trump. Será assim nas discussões sobre as primeiras propostas de
Joe Biden. Não há, nos Estados Unidos, base legal para o voto à distância.
Derrotado
na decisão da Mesa sobre o voto presencial, Maia defendeu em entrevista à
GloboNews o sistema brasileiro: votações remotas, com exceção das comissões, a
depender da pauta. Seu argumento é o risco criado pelos 3 mil a 4 mil
servidores circulando pelo Congresso. Ora, é um argumento frágil. Afinal, para
que tanto assessor? A alternativa óbvia é deixá-los em home office e abrir
espaço para a circulação em segurança de deputados e senadores. A Assembleia
francesa e o Parlamento holandês pedem aos parlamentares que mobilizem apenas
assessores imprescindíveis. Os demais trabalham de casa. Outro argumento de
Maia, a dificuldade de circulação de ar, poderia ser facilmente contornado numa
cidade com tanto espaço aberto quanto Brasília.
Não
que seja impossível combinar sessões virtuais e presenciais, como tentam fazer
britânicos ou argentinos. Mas o critério mais razoável é manter a presença nas
votações decisivas, não nas comissões. O Congresso deveria aproveitar as
eleições à presidência das duas Casas para retomar o trabalho parlamentar como
ele deve ser: cara a cara. Desde que, obviamente, todos usem máscaras,
mantenham a distância protocolar e um tom de voz moderado.
Enem com abstenção recorde de 52% não pode ser considerado ‘sucesso’ – Opinião | O Globo
Governo
ignora falhas na organização e se preocupa em patrulhar conteúdo da prova
Era
previsível que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem ) 2020 enfrentasse
problemas em meio a uma pandemia que já matou mais de 210 mil brasileiros e
infectou mais de 8,5 milhões. Não deu outra. Apesar de o ministro da Educação,
Milton Ribeiro, ter considerado “um sucesso”, os números mostram o contrário.
Na primeira prova, aplicada no domingo, diante de um aumento significativo de
casos de Covid-19 no país, a abstenção foi de 51,5%, um recorde — até então, a
maior tinha sido de 37,7% em 2009.
A
organização do exame, que deveria ter sido realizado em novembro, mas foi
adiado devido à pandemia, deixou a desejar. Em vários locais, alunos tiveram de
voltar para casa sem fazer a prova, porque as salas já estavam com lotação
acima do permitido pelos protocolos de prevenção da Covid-19. Uma falha
evidente de planejamento. Muitos alunos deixaram de comparecer devido ao medo
de enfrentar aglomerações no transporte público. E pelo menos 8 mil ausentes
alegaram sintomas de doenças contagiosas.
Além
de prejudicar os alunos, a desorganização cobrou seu preço. Como mostrou
reportagem do GLOBO, a abstenção de 2,8 milhões de candidatos causou um
desperdício de R$ 332,5 milhões aos cofres públicos, considerando o custo de R$
117 por prova. A título de comparação, o valor corresponde a quase o dobro do
que foi gasto em 2020 com a Bolsa Permanência, auxílio a alunos de baixa renda
em universidades públicas (R$ 180 milhões).
Um
novo adiamento da prova tinha sido pedido por 47 entidades científicas, entre
elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Era um desejo também
dos estudantes, segundo enquete realizada pelo Inep no ano passado. O
Ministério da Educação preferiu manter o exame. Agora, espera-se que os
estudantes que perderam a primeira prova tenham ao menos a chance de fazê-la
noutra data.
Em
vez de cuidar das falhas de organização, o governo parece mais empenhado em
patrulhar o conteúdo do exame. O presidente Jair Bolsonaro, que já criticara uma
questão sobre a temática LGBT em 2018 e ameaçara excluir temas que considerasse
inadequados, desta vez se incomodou com uma questão sobre a diferença entre os
salários de Marta e Neymar, que considerou “ridícula”. A questão pode até ter
sido mal formulada, mas Bolsonaro deveria ter mais com que se preocupar.
A
pandemia, por exemplo. Não deixa de ser curioso que o novo coronavírus, que
causou a maior crise sanitária dos últimos cem anos, tenha passado ao largo da
primeira prova do Enem. É como se o exame estivesse alheio à realidade. Só que
ela é teimosa e sempre bate à porta, como demonstram os altos índices de
abstenção.
Biden no governo – Opinião | Folha de S. Paulo
Presidente
ganha força para tocar agendas econômica e externa, que afeta Brasil
A
acidentada transição de governo nos Estados Unidos terminou com nova exibição
de soberania das instituições democráticas. Como ocorre a cada quatro anos
desde 1789, o presidente eleito foi investido dos poderes de chefe de Estado e
habilitado a tentar cumprir a sua agenda administrativa.
Joseph
Robinette Biden Jr., que aos 78 anos tornou-se o mais velho a ser
empossado para um primeiro mandato, fez o juramento mais forte do que parecia
quando ganhou a eleição, no início de novembro.
Com
a vitória de dois senadores democratas na Geórgia, há 15 dias, o partido do
presidente assegurou maioria nas duas câmaras do Congresso norte-americano.
Dissolveu-se
a perspectiva inicial, que era uma gestão manietada pelo impasse legislativo,
num sistema já atravessado por múltiplos obstáculos ao poder da Casa Branca.
Embora
os republicanos permaneçam numerosos o bastante para retardar o trâmite das
propostas presidenciais, dificilmente poderão barrá-las, a começar do
megapacote de estímulo contra a crise provocada pela pandemia, orçado em US$
1,9 trilhão (9,5% do PIB).
A emergência
sanitária, que já matou mais de 400 mil pessoas nos EUA, ocupará
grande parte das preocupações iniciais do democrata. Ele promete vacinar 100
milhões de pessoas —30% da população— até o 100º dia da gestão.
Num
país que prescinde de um sistema universal de saúde, cujos estados têm grande
autonomia e onde parcela significativa da população recusa vacinas, será um desafio
gigantesco para o presidente.
Por
outro lado, uma queda acentuada dos casos de Covid-19, associada ao empurrão
econômico, tenderia a conferir um forte impulso de largada ao mandatário.
Menos
dificultosa será a tarefa de reverter as
idiossincrasias odiosas e isolacionistas legadas por Donald
Trump. Está ao alcance de atos presidenciais interromper a construção do muro
na fronteira mexicana, relaxar a repressão a imigrantes e retomar a orientação
cooperativa nas relações internacionais.
Esse
último aspecto concerne diretamente ao Brasil, cujo presidente, Jair Bolsonaro,
isola-se ainda mais no concerto global e expõe sua população a graves
prejuízos. Persistir na vertente desajustada e abilolada não resultará apenas
em falta de vacinas para os brasileiros.
A
agenda do novo governante norte-americano para questões climáticas, a cargo de
John Kerry, vai fechar o cerco aos párias desmatadores. No caso do Brasil, a
mudança ameaça diretamente o agronegócio, um dínamo da economia.
O
mundo ocidental volta a padrões de normalidade com Joe Biden na Casa Branca, o
que recomenda fortemente ao governo brasileiro repensar as suas escolhas.
Araújo, o estorvo – Opinião | Folha de S. Paulo
Com
pandemia e sem Trump, saída do chanceler é necessária, embora não suficiente
O
chanceler Ernesto Araújo parece ter sido agraciado com o dom da profecia. Em
outubro, ao discursar numa cerimônia de formatura de diplomatas no Instituto
Rio Branco, o ministro das Relações Exteriores admitiu que o Brasil poderia se
tornar um “pária internacional”.
No
tortuoso raciocínio do chanceler, isso seria positivo, pois ocorreria como
resultado da defesa intransigente que o país faz da liberdade contra o
globalismo.
No
mundo real, o Brasil de fato virou pária, mas por causa da incompetência do governo,
notadamente a do Itamaraty, que, contrariando uma longa tradição de diplomacia
profissional e voltada para objetivos estratégicos, virou uma caixa de
ressonância dos piores desvarios ideológicos do presidente Jair Bolsonaro e de
sua família.
Essa
decadência poderia ter sido apenas lamentável, mas agora é também trágica,
porque, em meio à pandemia e à intensa competição de países por recursos
médicos escassos, a diplomacia se converte em peça-chave para que se obtenham
vacinas e outros insumos. Basicamente, não poderia haver momento pior para ser
um pária.
Não
bastasse o erro estratégico do isolamento, o Itamaraty segue falhando nas
decisões pontuais.
Quando
se fala em insumos médicos, dois países são os mais relevantes —China e Índia.
É dessas duas nações que o Brasil agora depende para conseguir os imunizantes e
outros produtos que nos permitirão superar a epidemia.
Temos
contratos de fornecimento já firmados, mas que dependem de uma certa boa
vontade das autoridades locais para que as remessas sejam despachadas sem
delongas.
A
família Bolsonaro passou os últimos meses antagonizando Pequim e
responsabilizando os chineses pelo novo coronavírus. O ministro Araújo, em vez
de tentar relativizar declarações inconsequentes de políticos, fez coro a elas.
Obviamente, tornou-se carta fora do baralho na relação com o principal parceiro
comercial do Brasil.
Existem
canais de comunicação alternativos, que passam pela Vice-Presidência, pelo
Ministério da Agricultura e até pelo estado de São Paulo. Mas não poder contar
com o Itamaraty significa que o chanceler se tornou um ônus.
Essa
condição de estorvo se faz ainda mais evidente com a saída de
Donald Trump da Casa Branca. Nesse cenário, remover Araújo decerto
não basta para reposicionar a diplomacia do país; trata-se, porém, de medida
imprescindível.
Economia pode ter contração no primeiro trimestre – Opinião | Valor Econômico
Maior
disponibilidade de vacinas e competência em sua distribuição e aplicação podem
mudar este quadro
A
vacinação contra a covid-19 vai ditar o grau de recuperação da economia, assim
como a duração e extensão da segunda onda da pandemia, que afeta mais de uma
dezena de Estados nos quais o contágio está em progressão acelerada. As vacinas
irão atrasar devido a problemas na entrega dos insumos ativos para sua
confecção - no caso da Fiocruz, que produzirá o imunizante das AstraZeneca
-Oxford, elas só estarão disponíveis a partir de março. Esses são mais alguns
indícios de que o primeiro trimestre poderá terminar com um recuo na economia,
que deverá ser compensado por uma aceleração a partir daí, se a aplicação das
vacinas deslanchar.
Os
índices de desempenho divulgados até novembro refletem uma perda de fôlego do
ritmo de recuperação, até certo ponto previsível. A recuperação tem um formato
de V, mas minúsculo, já que apenas em 2022 a economia voltará ao nível de
crescimento que apresentava antes da pandemia. Os dados confirmam este
arrefecimento. O mais recente deles, o IBC-Br, uma prévia do PIB, teve
desaceleração, para 0,59%. No ano, há queda de 4,63%. Com a expansão esperada
em dezembro, o país terminará com um recuo entre 4% e 4,5%. Foi o país
latino-americano com as menores perdas causadas pelo coronavírus.
Apesar
disso, mesmo retornar ao nível indigente de crescimento de antes da pandemia
pode demandar esforço. O recrudescimento da pandemia, um novo cerco (moderado)
à mobilidade, o fim do auxílio emergencial, que despejou R$ 361 bilhões na
economia em 2020 e aumento do desemprego devem conter a recuperação no primeiro
trimestre.
A
redução do auxílio, de R$ 600 para R$ 300, teve alguma influência. As vendas no
varejo apontaram estabilidade em novembro (-0,1%), após seis altas mensais
consecutivas. A média móvel trimestral avançou 1,2%, mas também mostrou perda
de fôlego.
O
consumo impulsionado pelo auxílio de R$ 600 parece dar sinais de esgotamento.
Menos dinheiro e mais inflação diminuíram as vendas de hipermercados,
supermercados, alimentos e bebidas (-2,2%), setor que concentra boa fatia dos
gastos das pessoas contempladas com o benefício. Chama a atenção ainda, no caso
do varejo ampliado, a contração do setor de material de construção (-0,8%).
Ainda assim, a expansão no ano foi de 10%.
O
varejo é um segmento de peso no setor de serviços, que compõem mais de dois
terços do PIB. Ele foi o mais duramente atingido pelo distanciamento e as
restrições à mobilidade impostas pelo combate à pandemia. Apesar da expansão de
2,6% em novembro e de 19,2% em seis meses, continuará oscilando ao sabor da
covid-19, e pode interromper a recuperação em breve. Com a reação, o acumulado
do ano ainda apresenta uma queda de 8,2% e o resultado em 12 meses findos em
novembro é um recuo de 7,4%, o maior desde dezembro de 2012.
A
parte dos serviços movidos à renda dificilmente terá uma performance brilhante
nos próximos meses, ou capaz pelo menos de fechar a distância do nível
alcançado antes da covid-19 chegar ao país. Falta um avanço de 5,4% para que os
serviços de transportes cheguem lá. O hiato para os serviços às famílias é
muito maior, de 34,2%. Apenas os serviços de informação e comunicação e o de
outros serviços (com destaque para serviços financeiros auxiliares) deixaram
para trás o forte baque dos primeiros meses de pandemia.
A
conjunção de fim do auxílio e alta dos contágios na segunda onda levou a uma
gradual revisão suave para baixo das expectativas de crescimento do PIB em
2021. Entretanto, superam em pouco a expansão esperada decorrente do
carregamento estatístico, de 3% a 3,5%. A consultoria Oxford Economics, por
exemplo, prevê avanço de 1,7% do PIB no quarto trimestre, e uma contração da
economia neste primeiro trimestre do ano. Mesmo assim, projeta um PIB 3,8%
maior em 2021, perspectiva mais otimista que a mediana de 3,45% agregada pelo
boletim Focus, do Banco Central.
Sem um claro alívio no front econômico, e no sufoco no campo sanitário, haverá pressões políticas pela renovação do auxílio emergencial, assunto que parece ter entrado de vez na disputa pelo comando da Câmara e do Senado. E, com aumento do desemprego e a economia fraca, o BC terá motivos para retardar a elevação dos juros. Maior disponibilidade de vacinas e competência em sua distribuição e aplicação - ambas em falta - poderão mudar bastante este quadro, para melhor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário