quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Eliane Cantanhêde - Estado de Defesa, antessala das ditaduras

- O Estado de S. Paulo

Aras teme instabilidade institucional com a pandemia e diz que processo de crime de responsabilidade é com Legislativo

O mundo jurídico e político considerou extremamente grave a nota em que o procurador-geral da República, Augusto Aras, acenou com a possibilidade, ou risco, de decretação de Estado de Defesa diante da pandemia e de suas consequências sociais e políticas. Para uns, é um “alerta”. Para outros, uma “ameaça”. Como Aras alertou, o Estado de Calamidade é antessala do Estado de Defesa, mas faltou acrescentar: o Estado de Defesa é a antessala do Estado de Sítio e o Estado de Sítio, antessala das ditaduras.

Pela Constituição, no artigo 136, cabe ao presidente da República decretar o Estado de Defesa para, por exemplo, “restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”. Com a medida, o presidente se autoconcede o poder de determinar pesadas restrições até aos direitos de reunião e aos sigilos de correspondência e de comunicação telefônica e telegráfica.

Portanto, a pergunta que fica no ar é clara: o procurador-geral da República, apontado como aliado e defensor do presidente Jair Bolsonaro, considera seriamente a hipótese de instabilidade institucional, com crise social, econômica e política e até distúrbios de rua no País?

Por telefone, Aras disse que sua intenção “foi alertar que não vivemos um período de normalidade”. Segundo ele, “a segunda onda da pandemia está vindo muito forte e devemos ter temperança e prudência para que a pandemia não gere outros problemas tão ou ainda mais graves”. Na nota, ele deixa no ar o medo de crise política e institucional ao falar da necessidade de respeitar a Constituição e as leis para “preservar a estabilidade do Estado democrático”.

Em Brasília, a interpretação é que Aras sentiu o peso da pressão e refletiu o que todos sentem neste momento: quanto mais a pandemia se alastra e faltam vacinas por culpa direta de Bolsonaro, mais crescem a reação do Supremo e a pressão pelo impeachment do presidente. O temor é que Bolsonaro tente retaliar com alguma medida de exceção.

Na nota, Aras destacou que os processos por crime de responsabilidade de agentes públicos, inclusive do presidente da República, cabem ao Legislativo, não à PGR. Boa lembrança, quando os candidatos de Bolsonaro, deputado Arthur Lira (PP-AL) e senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), são favoritos para as presidências das duas casas do Congresso. No Senado, aliás, com apoio do PT, o principal partido de oposição.

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