quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Cora Rónai - O silêncio cúmplice dos generais

- O Globo

Cada vez que um general na administração pública se revela incompetente ajuda a destruir a reputação das Forças Armadas

A Academia Militar das Agulhas Negras é uma escola de ensino superior do Exército Brasileiro. Copiei essa frase da Wikipédia para não errar na definição. Ensino. Superior.

Lá se formam os oficiais de carreira das Armas de Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia e Comunicações, do Quadro de Material Bélico e do Serviço de Intendência do Exército. Não é qualquer um que tem acesso à AMAN. Jovens militares entre 17 e 22 têm que prestar concurso público para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, onde passam um ano antes de ser admitidos.

O ensino é puxado. Só no primeiro ano, por exemplo, os alunos têm que aprender idiomas estrangeiros, Economia, Estatística, Filosofia, Introdução à Pesquisa Científica, Informática, Língua Portuguesa, Técnicas Militares e Química, entre aulas de tiro e de treinamento físico. Eles têm ainda aulas de Direito e Psicologia no segundo ano e Metodologia do Ensino Superior no terceiro, e concluem os estudos com Direito Administrativo e Relações Internacionais, entre muitas e muitas matérias de cunho especializado.

Eu não conhecia os detalhes desse currículo até consultar a Wikipédia, mas, como todo mundo, conhecia a fama da AMAN, tida por formadora de pessoas disciplinadas e com bons conhecimentos técnicos.

Como os militares tiveram o bom senso de se manter em low profile depois da ditadura, muitos brasileiros passaram a acreditar no preparo dos seus generais. Eles podem não ser democráticos — ninguém que obedece hierarquia às cegas é inteiramente democrático —, mas imaginava-se que seriam bem preparados.

Bolsonaro é egresso da Academia Militar das Agulhas Negras, mas não teve sucesso como militar. Não mancha a imagem das Forças Armadas diretamente, porque elas tiveram a sorte (ou o bom senso: há divergências) de livrar-se dele a tempo.

Indiretamente, porém, os danos feitos pela sua eleição são incalculáveis. Cada vez que um general alçado à administração pública se revela incompetente, ou dá declarações fora de propósito, ajuda a destruir mais um pouco a reputação que as Forças Armadas levaram tantas décadas para recuperar.

Nenhum estrago, porém, se compara ao general Eduardo Pazuello, o “especialista em logística” que garantiu a pior resposta possível à pandemia — e que garante ao governo o vexame diário de ver os números da contaminação e da mortalidade divulgados por um consórcio de empresas jornalísticas, já que nos dados oficiais é impossível confiar.

Ele é a desmoralização concreta das FFAA, um homem que não se envergonha de faltar com a verdade, um estrategista incapaz de fazer uma simples licitação pública para comprar seringas, um ministro da Saúde que, até agora, não entendeu o que está acontecendo.

Um general que derruba, sozinho, o mito da boa preparação dos oficiais superiores do Exército Brasileiro.

Não é que não dê para se imaginar como chegou ao ministério: o fraco do presidente por pessoas inadequadas é bem conhecido. Num governo que tem Ricardo Salles no Meio Ambiente e Ernesto Araújo nas Relações Exteriores, Eduardo Pazuello faz todo o sentido na Saúde.

O que não dá para imaginar é como chegou ao generalato.

É duro constatar que, enquanto brasileiros morrem asfixiados pela sua incompetência, seus colegas de farda observam calados.

Tomem tenência, senhores: quem cala é cúmplice.

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