segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Programa social deve ter emprego como meta

O Globo

Para combater a pobreza extrema, não basta manter auxílio de R$ 600 e voltar a chamar de Bolsa Família

Para combater a pobreza extrema, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva deverá fazer muito mais que negociar com o Congresso a manutenção em 2023 do auxílio de R$ 600 para os mais necessitados. O foco principal deveria ser incentivar a reinserção dos pobres no mercado de trabalho. Esse objetivo só será atingido se o novo governo entender que a realidade hoje é distinta da que o PT viveu no passado.

Entre 2004 e 2014, houve redução significativa na pobreza e na desigualdade. A maré do crescimento econômico elevou todos os barcos, mas sobretudo a nau dos miseráveis. Nesse período, a expansão anual da renda per capita dos 10% mais pobres foi de quase 8%, muito acima dos 3,5% registrados no topo da pirâmide. Uma pesquisa recente liderada pelo economista Ricardo Paes de Barros, do Insper, mostrou que tal avanço foi resultado de transferência de renda, por meio de programas como o Bolsa Família, e também da remuneração do trabalho.

De 2014 a 2021, aconteceu o contrário. Os miseráveis foram os que mais perderam, e a chave para entender a queda está no mercado de trabalho. Entre os 10% mais pobres, só 18% dos em idade produtiva estavam ocupados em 2021. Há 4,2 milhões entre os mais pobres dispostos a trabalhar, mas menos de 1 milhão empregado. Mais: entre os ocupados, 38% afirmam querer trabalhar mais horas.

Qualquer política social digna do nome terá de se debruçar sobre essa questão. É preciso enxergar além da queda da taxa de desemprego para entender o que acontece com os mais pobres. Será inescapável examinar as atuais demandas do mercado de trabalho, buscar soluções para as consequências do desemprego “de longa duração” e entender os desafios educacionais das crianças e jovens desse segmento.

O novo governo precisará ir além de rebatizar de Bolsa Família seu programa de transferência de renda. As premissas exigem mudanças. Famílias com quatro ou mais crianças não podem receber o mesmo valor que as com um filho só. Melhorar o cadastramento dos mais pobres é outra necessidade urgente. Tudo isso sem esquecer a reinserção no mercado de trabalho. Em entrevista recente à revista Conjuntura Econômica, Paes de Barros defendeu a participação da sociedade civil e do setor produtivo para pensar em soluções e ajudar implementá-las.

Outra iniciativa, defendida pelos economistas Fernando Veloso e Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), é o Projeto de Lei (PL) 338/2018, do senador Tasso Jereissati (PSDB/CE), atualmente sob a relatoria da senadora Simone Tebet (MDB/MS). Ele cria um instrumento jurídico chamado contrato de impacto social. Se aprovado, permitirá a abertura de agências privadas para treinar trabalhadores e fazer o casamento entre desempregados e empresas. As que tiverem boas taxas de contratação e retenção da mão de obra serão remuneradas pelo governo. O mecanismo tem mais chance de sucesso que os tradicionais e ineficientes serviços estatais voltados para essas áreas.

A prioridade declarada de Lula é dar atenção redobrada aos brasileiros em situação mais vulnerável. O país já reduziu a pobreza e a desigualdade antes e tem o dever moral de repetir o feito. Para atingir o objetivo, porém, o governo precisa ampliar seu leque de estratégias.

Só é possível decidir sobre horário de verão com base em estudos robustos

O Globo

Se a economia de energia não for significativa, preocupação com a saúde da população deve prevalecer

Mudanças de governos são propícias a reivindicações. Por isso não soa fora de hora o debate que agita as redes sociais sobre a volta do horário de verão. A discussão estava adormecida desde 25 de abril de 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro revogou a prática que já integrava a rotina dos brasileiros. Na época, alegou que a decisão se baseava em estudos sobre a economia de energia e os efeitos na saúde da população. Dias antes, o Planalto informara que uma pesquisa do Ministério de Minas e Energia constatara que 53% eram favoráveis ao fim do horário de verão entre outubro e fevereiro.

No ano passado, diante de pressões pela volta, o Ministério de Minas e Energia divulgou um estudo do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostrando que adiantar o relógio em uma hora nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste não proporciona economia significativa. Segundo o ONS, a redução obtida no horário de maior demanda, entre 18h e 21h, era compensada pelo aumento de consumo noutros períodos. A medida também não tinha impacto no consumo da tarde, quando a demanda atinge o pico.

Entidades como Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Associação Nacional dos Restaurantes (ANR) e Confederação Nacional de Turismo (CNTur) têm defendido com vigor a volta do horário de verão. Argumentam que a medida seria benéfica tanto para país, pela economia de energia, quanto para o setor, um dos mais atingidos durante a pandemia. Na outra ponta, médicos afirmam que ela afetaria a quantidade e a qualidade do sono, prejudicando o rendimento de estudantes e trabalhadores.

Em meio à discussão, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva fez uma enquete: “O que vocês acham da volta do horário de verão?”. Mais de 2,3 milhões se manifestaram, 66% a favor da iniciativa. Claro que isso não tem valor como pesquisa. Serve apenas para engajar a militância.

O horário de verão foi adotado pela primeira vez no Brasil no governo de Getúlio Vargas. Vigorou por seis meses, entre outubro de 1931 e março de 1932. “Avançamos uma hora no tempo!”, registrava a manchete do GLOBO à época. Depois foi implementado de forma descontinuada até 1968, quando a ditadura acabou com a farra dos ponteiros. Somente a partir de 1985, na abertura, passou a ter caráter regular. Não se trata de invenção brasileira. É adotado em dezenas de países.

A discussão sobre a volta do horário de verão é legítima. Mas deveria ser pautada por um debate sério. O principal argumento em favor da medida no país sempre foi a economia de energia, pelo aproveitamento da luminosidade dos dias de verão. Se ela não é significativa para reduzir o risco de apagão, o argumento perde força. Por isso é fundamental que o novo governo faça estudos robustos sobre os prós e contras de adiantar o relógio. Qualquer decisão deve ser tomada em bases sólidas. Enquetes fajutas, ideologia e pressão de setores beneficiados não podem nortear uma decisão que afeta a rotina de milhões de brasileiros.

A China relaxa

Folha de S. Paulo

Flexibilização das restrições no país tende a diminuir risco de recessão mundial

Com juros em alta nos principais centros financeiros do mundo e risco de uma recaída recessiva, o que ocorrerá com a China no ano que vem terá especial importância. Aqui também, dado o peso do mercado chinês como importador de matéria-prima brasileira.

O gigante asiático enfrenta perda de dinamismo nos principais motores da economia das últimas décadas, notadamente os setores imobiliário e de infraestrutura.

A consequência é o aumento do risco financeiro. A projeção de crescimento para este ano não passa de 3,5%, dois pontos percentuais abaixo da meta do governo, ainda que por motivos transitórios.

A boa notícia é que a política restritiva de combate à pandemia, que manteve a economia sob pressão até agora, começa a ser afrouxada. Na última sexta-feira (11), foram anunciadas medidas que flexibilizam quarentenas e abrandam critérios de distanciamento social.

A médio prazo, contudo, há vários obstáculos, entre eles a demografia, com esperada queda acentuada da população ativa nas próximas duas décadas. O principal desafio será alterar o modelo de crescimento atual, muito lastreado na concessão de crédito dirigido para a infraestrutura e imóveis.

Há sinais de que esses investimentos não são produtivos, pois tem sido necessário cada vez mais crédito sem que se observe crescimento concomitante da atividade. A consequência é risco financeiro —apenas neste ano o endividamento geral da economia passará de 270% para 295% do PIB.

Há, ainda, insuficiência crônica de demanda interna. Ao contrário do que ocorreu em outros países, a China não passou por aumento relevante da inflação ao consumidor.

Os saldos comerciais, que se aproximam do montante de US$ 1 trilhão neste ano, também sugerem que o país precisa estimular o consumo doméstico. Do contrário, dependerá de mercados internacionais cada vez mais arredios.

Redirecionar o modelo de desenvolvimento para o consumo, contudo, não será fácil. No campo político, a centralização de poder nas mãos de Xi Jinping aponta para maior dirigismo na economia à frente, o que pode ter consequências negativas para o setor privado.

Essa perda de vigor da economia chinesa pode exacerbar o risco de recessão mundial, com efeito deletério nas exportações brasileiras.

Ao longo de 2023, contudo, o relaxamento das restrições do estado de emergência sanitária tende a estimular o consumo e a produtividade, impactando de modo positivo os preços de matérias-primas, o que pode favorecer o Brasil.

Desordem do dia

Folha de S. Paulo

A Constituição está sendo cumprida; às Forças Armadas cabe apenas respeitá-la

Por quase duas semanas, as Forças Armadas souberam manter silêncio diante dos manifestantes que se tornaram presença constante na porta de quartéis militares do país desde o anúncio do resultado da eleição presidencial.

Lamentavelmente, os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica abandonaram o resguardo na sexta (11) para divulgar uma nota tortuosa, com comentários impertinentes sobre a situação política do país.

Ao interpretar o sentido dos protestos, os militares observam primeiro que a lei garante a todos os brasileiros o direito de manifestação, inclusive para fazer críticas aos Poderes estabelecidos.

Em seguida, condenam eventuais excessos e reconhecem o óbvio ao afirmar que não há solução para as disputas políticas fora da ordem constitucional —mas nada dizem sobre as mensagens de conteúdo subversivo dos protestos.

Os que gritam na frente dos quartéis não escondem a motivação antidemocrática. Inconformados com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pedem uma interferência das Forças Armadas.

Em vez de rechaçar os aventureiros, os comandantes arrogam-se um papel moderador que nunca coube às Forças Armadas e recomendam atenção às reclamações dos manifestantes, para que se faça sabe-se lá o quê.

A nota ainda condena as autoridades que cerceiam seus direitos, fazendo referência velada às decisões judiciais que censuraram apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais, e exorta os Poderes a respeitar os limites de suas atribuições.

Indo mais longe, os comandantes apelam ao Poder Legislativo para que imponha restrições a arbitrariedades e excessos de outros Poderes —como se coubesse aos fardados interpretar as leis e definir o papel a ser exercido pelas instituições democráticas.

Horas depois da divulgação da nota, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou que forças policiais estaduais e federais desobstruíssem as vias públicas que estiverem bloqueadas por protestos e multassem os recalcitrantes.

Responsável por inquéritos que investigam grupos antidemocráticos, o magistrado também mandou recolher informações sobre pessoas e empresas que têm fornecido apoio material às manifestações e que eventualmente se recusem a cumprir sua decisão.

A Constituição está sendo cumprida. Às Forças Armadas, subordinadas ao poder civil há mais de três décadas, cabe respeitá-la.

A responsabilidade jurídica de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Não basta o juízo político das urnas. Se há indícios de que a lei penal foi descumprida, é preciso investigar. A paz não é fruto da impunidade, mas da efetiva igualdade de todos perante a lei

No regime democrático, o exercício do poder é submetido tanto ao controle político como ao jurídico. O presidente Jair Bolsonaro foi reprovado no controle político feito pelo eleitor. Nas urnas, a maioria da população rejeitou o modo como ele conduziu o Executivo federal, não lhe concedendo um segundo mandato presidencial.

Essa avaliação política feita pelo eleitor é elemento essencial do regime democrático, mas não é o único. Todo governante está submetido não apenas ao escrutínio popular, mas ao império da lei. Eventuais descumprimentos da legislação produzem consequências jurídicas. Na República, existe também uma responsabilização jurídica. Caso contrário, a lei seria inoperante, simplesmente inútil. Quem exerceu algum cargo público sabe, por exemplo, os muitos problemas que podem advir do desrespeito à Lei de Improbidade Administrativa. Literalmente, todo cuidado é pouco.

No caso de Jair Bolsonaro, os quatro anos de governo produziram um respeitável passivo jurídico, com incidência direta na esfera penal. Alguns inquéritos já foram abertos, por exemplo, com base nas suspeitas de interferência na Polícia Federal, denunciadas pelo ex-ministro Sergio Moro, e de prática do crime de prevaricação nas negociações da vacina Covaxin.

A partir do que a CPI da Covid apurou, uma comissão de juristas listou várias imputações penais potencialmente cabíveis por ações e omissões na pandemia: crimes de responsabilidade, crimes contra a saúde pública, crimes contra a paz pública, crimes contra a administração pública e crimes contra a humanidade. “O que restou evidente (...) é a ocorrência de uma gestão governamental deliberadamente irresponsável e que infringe a lei penal, devendo haver pronta responsabilização”, afirmou o parecer final, de setembro de 2021, assinado por Miguel Reale Júnior, Sylvia Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich.

Além disso, o comportamento de Jair Bolsonaro na Presidência da República motivou investigações envolvendo desinformação sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral, ataques contra as instituições democráticas e vazamento de dados de investigação sigilosa da Polícia Federal.

Tudo isso não pode ser colocado debaixo do tapete, como se já fosse suficiente o juízo político do eleitor. É preciso apurar a responsabilidade jurídica de Jair Bolsonaro e, nos casos cabíveis, aplicar as penas correspondentes. Toda impunidade é prejudicial ao País, mas ainda mais grave seria a eventual impunidade de quem ocupou o mais alto posto da República. Representaria um tremendo mau exemplo para toda a sociedade.

É notório o pouco apreço de Jair Bolsonaro pela lei. Um exemplo aparentemente banal, mas muito significativo é a condução de motocicleta sem usar capacete, infração gravíssima à qual o Código de Trânsito Brasileiro atribui a penalidade de multa e de suspensão do direito de dirigir. O presidente da República simplesmente acha que a lei não vale para ele.

Em seu parecer, a comissão de juristas da CPI da Covid fez um diagnóstico a respeito da gestão da pandemia que pode ser aplicado a todo o governo de Jair Bolsonaro. “Não são poucas as situações que, ao ver da comissão de especialistas, merecem o aprofundamento das investigações pelos órgãos de controle do Estado brasileiro, assim como são bastante evidentes as hipóteses reais de justa causa para diversas ações penais”, disse o parecer.

O País precisa exatamente disso: investigação serena e criteriosa, dentro da mais estrita legalidade, respeitando as competências funcionais, para apurar os indícios de crime e as respectivas responsabilidades, de forma a permitir depois, quando for o caso, a aplicação, pelas vias judiciais competentes, das penas legais cabíveis.

Não se trata de perseguir ninguém. Mas não é plausível que, diante de tantos indícios – pequenos ou grandes, como, por exemplo, são as suspeitas envolvendo o MEC –, nada seja investigado. Jair Bolsonaro não está acima da lei. A tão necessária pacificação nacional não virá da impunidade, mas da efetiva percepção de que todos são iguais perante a lei.

Em busca de novos paradigmas energéticos

O Estado de S. Paulo

A crise provocada pela Rússia não só impõe estratégias de diversificação no fornecimento de petróleo e gás, mas fortalece argumentos em favor de investimentos em tecnologias limpas

Além das atrocidades contra o povo ucraniano, a ameaça à segurança global ou as rupturas na cadeia alimentar, o impacto mais dramático da guerra criminosa de Vladimir Putin é sobre o sistema de energia global. O choque impôs pressões inflacionárias e riscos de recessão que castigam especialmente os mais pobres. Com a combinação da crise pandêmica, a Agência Internacional de Energia (AIE) estima que 70 milhões de pessoas que ganharam recentemente acesso à eletricidade devem perder a capacidade de pagar por ela e 100 milhões precisarão recorrer a combustíveis insalubres e perigosos para cozinhar.

A crise é uma advertência sobre a fragilidade e a insustentabilidade do sistema corrente de energia. Como os governos devem responder para remodelar os mercados de energia? Qual o impacto sobre a transição para energias limpas: retrocesso ou catalisação? O Panorama da Energia Mundial da AIE, o primeiro após a guerra, oferece subsídios importantes para enfrentar essas questões.

“O uso global de combustíveis fósseis cresceu junto ao PIB desde o início da Revolução Industrial”, lembra a AIE. “Reverter esse crescimento, continuando, ao mesmo tempo, a expansão da economia global, será um momento cardeal na história da energia.” Junto a medidas de curto prazo, muitos governos preparam estratégias de longo prazo, seja no sentido da diversificação do fornecimento de petróleo e gás, seja no da aceleração de mudanças estruturais. 

Segundo a AIE, a alta na utilização de carvão deve ser temporária. À medida que os mercados se reequilibram, as fontes renováveis, apoiadas pela energia nuclear, devem trazer ganhos sustentáveis. Há razões para um otimismo cauteloso. Pela primeira vez, o Panorama vislumbra, a se manterem as políticas implementadas nos últimos anos, um platô para os combustíveis fósseis. A partir de meados desta década, a demanda total deve passar a declinar continuamente, dos atuais 80% no sistema energético para 75% em 2030 e até 60% em 2050.

Novas políticas estão ampliando os investimentos em energia limpa, que podem chegar a US$ 2 trilhões em 2030, 50% a mais do que hoje. É uma arena para a competição econômica internacional, que pode gerar imensas oportunidades para o crescimento e empregos.

Os déficits de investimento em combustíveis limpos são naturalmente maiores em economias emergentes ou em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, é nelas que mais cresce a demanda por energia. “Um esforço internacional renovado é necessário para acelerar as finanças climáticas e enfrentar os vários riscos econômicos e em projetos específicos que detêm os investidores.” A velocidade com que os investidores reagirão a uma transição crível depende na prática de uma série de temas granulares. As cadeias de fornecimento são frágeis e o trabalho qualificado e a infraestrutura nem sempre estão disponíveis. Procedimentos claros para aprovação de projetos, sustentados por capacidades administrativas adequadas, são vitais para acelerar o fluxo de projetos viáveis e aptos a atrair investimentos.

À medida que o mundo avança a um novo paradigma de segurança energética, será preciso evitar novas vulnerabilidades decorrentes de preços altos e voláteis de minerais ou cadeias de fornecimento altamente concentradas de energia limpa. Assim como a dependência do petróleo da Rússia expôs a vulnerabilidade do sistema energético atual, uma dependência de países como a China para o fornecimento de minerais críticos e muitas tecnologias limpas impõe riscos que precisam ser ponderados.

Mas, tudo somado, a guerra fortaleceu os argumentos em favor de tecnologias limpas a preços viáveis. “Muito mais precisa ser feito, e à medida que esses esforços ganham tração é essencial trazer todos a bordo, especialmente em um momento em que as fraturas geopolíticas na energia e no clima estão mais visíveis”, conclui a AIE. “A jornada rumo a um sistema energético mais seguro e sustentável pode não ser suave. Mas a crise de hoje mostra com clareza cristalina porque precisamos de um impulso à frente.”

Aula contra desinformação

O Estado de S. Paulo

Como demonstra experiência da Finlândia, sala de aula pode ser aliada no enfrentamento das falsas notícias

Nunca se produziu nem consumiu tanta informação como depois da internet e das redes sociais. O que, por um lado, é uma boa notícia, por outro é também motivo de preocupação, dada a quantidade de falsas notícias ou fake news que ameaçam e desvirtuam o debate público. O problema desafia as democracias no mundo e, como se viu nas recém-concluídas eleições brasileiras, requer atenção constante por parte da Justiça eleitoral, da imprensa, das agências de checagem de dados e das empresas responsáveis pelas redes sociais. 

Desmascarar e punir quem deliberadamente propaga falsas notícias, por óbvio, são iniciativas necessárias e bem-vindas. Assim como todo o esforço de corretamente informar à sociedade, primando pela divulgação de fatos verdadeiros e apurados com rigor. O combate às fake news, porém, comporta outras frentes de atuação. Uma delas, a educação.

A sala de aula é o espaço onde se aprende a ler e a escrever. Nada mais natural, portanto, que seja o lugar também de outro tipo de alfabetização. No caso, da chamada alfabetização midiática, que consiste em desenvolver habilidades e competências para não se deixar enganar em meio à profusão de fake news. A esse respeito, a Finlândia é um país com importantes lições a dar. Como mostrou recente reportagem da BBC Brasil, o sistema de ensino finlandês incorporou tais preocupações aos currículos escolares.

A aposta finlandesa para enfrentar e desconstruir notícias falsas é incentivar o pensamento crítico. Uma professora entrevistada na reportagem citou exemplos de como isso ocorre em diferentes disciplinas. Em matemática, os alunos aprendem a perceber as possibilidades de manipulação estatística. Nas aulas de artes, são convidados a repensar peças de propaganda, apontando lacunas ou contradições entre o que é anunciado e a realidade. No estudo de línguas, são expostos a textos com versões distintas a respeito de um mesmo acontecimento.

A educação, sem dúvida, tem um enorme papel a desempenhar em relação à desinformação. A alfabetização midiática, contudo, requer escolas capazes de assegurar as aprendizagens básicas sem as quais os estudantes não darão conta de se proteger das fake news. Ou seja, para entender como as estatísticas podem ser manipuladas, é preciso antes ter clareza de uma série de conceitos matemáticos. Assim como a compreensão dos diferentes sentidos de um texto demanda que os alunos estejam efetivamente alfabetizados. 

Ensino de qualidade, portanto, é premissa da alfabetização midiática. Em tempos de polarização ideológica, as escolas têm ainda o desafio de ajudar os alunos a diferenciar fatos de opiniões. Confundir um e outro, não raro na esteira de fake news e de teorias da conspiração, acaba sendo um obstáculo para consensos mínimos sem os quais fica ainda mais difícil avançar. A luta contra as falsas notícias deve mirar tanto em quem as difunde intencionalmente, aplicando-se as devidas sanções legais, quanto em quem é enganado por elas. Nesse sentido, a educação tem um potencial gigantesco de formar gerações de alunos aptos a enfrentar essa verdadeira ameaça à democracia.

Queda da inflação depende de apoio da política fiscal

Valor Econômico

Um prolongamento das incertezas e estímulos fiscais deve dificultar o trabalho do BC, exigindo mais juros e mais tempo para baixar a inflação

A surpresa negativa na inflação de outubro mostra como, apesar de o Banco Central ter colocado os juros básicos nas alturas, será penoso o trabalho para baixar os índices de preços às metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Ficará ainda mais difícil caso, no futuro governo Lula, a política monetária não tenha a retaguarda da política fiscal.

Depois de três meses com inflação negativa, o IPCA de outubro ficou em 0,59%, superando a mediana das projeções dos analistas econômicos, de 0,49%, segundo 43 empresas de consultoria e instituições financeiras consultadas pelo Valor Data. O mais pessimista desse grupo de analistas econômicos havia previsto um avanço de preços de 0,54% no mês.

A despeito de todas as medidas adotadas pelo governo Bolsonaro para baixar a inflação durante a campanha eleitoral, como o corte de impostos e a pressão sobre a Petrobras para segurar reajustes, o IPCA segue muito alto em termos anuais. Chega a 4,7% nos dez primeiros meses do ano e, no acumulado em 12 meses, encontra-se em 6,47%. A não ser por um choque inesperado, fatalmente vai ficar acima da meta definida pelo CMN para o ano de 2022, de 3,5%.

A chamada tendência subjacente da inflação, porém, roda em patamares bem mais preocupantes. A média dos núcleos de inflação acompanhados pelo Banco Central avançou 9,69% no período de 12 meses até outubro. Esses núcleos excluem exatamente os preços mais voláteis, como energia, e mostram de forma mais fiel o retrato da inflação, sem o filtro das medidas do governo que baixaram artificialmente os preços.

O único sinal alentador foi o recuo dos serviços subjacentes, um indicador que captura a evolução dos preços mais sensíveis à atividade econômica e à politica monetária. Entre setembro e outubro, houve baixa de 9,54% para 9,2%, nos dados acumulados em 12 meses, na primeira redução desde a pandemia. Ainda assim, permanece muito alto, e só caíra para níveis mais razoáveis caso o Banco Central persevere na sua atuação para esfriar a atividade econômica.

Quem mais perde com a inflação, como sempre, são os mais pobres. Os preços dos alimentos em domicílio avançaram 0,72% em outubro, e respondem por uma boa parte da surpresa. Os preços dos alimentos seguem avançando acima da inflação cheia, numa taxa quase duas vezes maior. Esse grupo de produtos teve um aumento de 11,21% no período de 12 meses, comparando com a inflação geral de 6,47%.

A carestia é um fenômeno mundial, em grande parte provocada pela pandemia e a guerra na Ucrânia, que afeta praticamente todos os países do mundo. Mas isso não significa que as políticas domésticas não tenham sua parcela de culpa, sobretudo a execução da política fiscal.

A incertezas sobre as contas públicas, provocadas pelas seguidas manobras para furar o teto de gastos, fizeram o dólar operar num patamar mais alto, a despeito de fatores que deveriam contribuir para baixá-lo, como a valorização dos preços de commodities. Cortes de impostos sobre energia também afetaram negativamente as expectativas de inflação do mercado, que rapidamente entendeu que as ações não são sustentáveis.

Também houve um impacto mais direto da expansão fiscal sobre a demanda agregada. O impulso fiscal durante as eleições chegou perto de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), sem contar medidas parafiscais, como a liberação de saldos do FGTS e expansão dos crédito direcionado e dos bancos públicos. São fatores que atuaram na direção contrária do aperto monetário, que deveria ter surtido efeito já no terceiro trimestre sobre a atividade econômica e a inflação.

Com juros em 13,75% ao ano, o Banco Central promete perseverar. Suas projeções apontam para uma gradual queda do índice de preços para as metas até meados de 2024. Mas a condução da política fiscal será crucial para que esse quadro se confirme.

Nas contas do BC, o pressuposto é que, no ano que vem, não sejam prorrogados todos os estímulos fiscais feitos na economia durante a eleição. Mais importante, que o novo governo Lula adote um novo arcabouço fiscal que resgate a credibilidade perante os agentes econômicos.

Um prolongamento das incertezas e estímulos fiscais deve dificultar o trabalho do BC, exigindo mais juros e mais tempo para baixar a inflação. Uma eventual mudança para pior no regime fiscal poderá perpetuar o descontrole inflacionário no país.

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