Programa social deve ter emprego como meta
O Globo
Para combater a pobreza extrema, não basta
manter auxílio de R$ 600 e voltar a chamar de Bolsa Família
Para combater a pobreza extrema, o
presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva deverá fazer muito mais que
negociar com o Congresso a manutenção em 2023 do auxílio de R$ 600 para os mais
necessitados. O foco principal deveria ser incentivar a reinserção dos pobres
no mercado de trabalho. Esse objetivo só será atingido se o novo governo
entender que a realidade hoje é distinta da que o PT viveu no passado.
Entre 2004 e 2014, houve redução
significativa na pobreza e na desigualdade. A maré do crescimento econômico
elevou todos os barcos, mas sobretudo a nau dos miseráveis. Nesse período, a
expansão anual da renda per capita dos 10% mais pobres foi de quase 8%, muito
acima dos 3,5% registrados no topo da pirâmide. Uma pesquisa recente liderada
pelo economista Ricardo Paes de Barros, do Insper, mostrou que tal avanço foi
resultado de transferência de renda, por meio de programas como o Bolsa Família,
e também da remuneração do trabalho.
De 2014 a 2021, aconteceu o contrário. Os miseráveis foram os que mais perderam, e a chave para entender a queda está no mercado de trabalho. Entre os 10% mais pobres, só 18% dos em idade produtiva estavam ocupados em 2021. Há 4,2 milhões entre os mais pobres dispostos a trabalhar, mas menos de 1 milhão empregado. Mais: entre os ocupados, 38% afirmam querer trabalhar mais horas.
Qualquer política social digna do nome terá
de se debruçar sobre essa questão. É preciso enxergar além da queda da taxa de
desemprego para entender o que acontece com os mais pobres. Será inescapável
examinar as atuais demandas do mercado de trabalho, buscar soluções para as
consequências do desemprego “de longa duração” e entender os desafios
educacionais das crianças e jovens desse segmento.
O novo governo precisará ir além de
rebatizar de Bolsa Família seu programa de transferência de renda. As premissas
exigem mudanças. Famílias com quatro ou mais crianças não podem receber o mesmo
valor que as com um filho só. Melhorar o cadastramento dos mais pobres é outra
necessidade urgente. Tudo isso sem esquecer a reinserção no mercado de
trabalho. Em entrevista recente à revista Conjuntura Econômica, Paes de Barros
defendeu a participação da sociedade civil e do setor produtivo para pensar em
soluções e ajudar implementá-las.
Outra iniciativa, defendida pelos
economistas Fernando Veloso e Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), é o Projeto de
Lei (PL) 338/2018, do senador Tasso Jereissati (PSDB/CE), atualmente sob a
relatoria da senadora Simone Tebet (MDB/MS). Ele cria um instrumento jurídico
chamado contrato de impacto social. Se aprovado, permitirá a abertura de
agências privadas para treinar trabalhadores e fazer o casamento entre
desempregados e empresas. As que tiverem boas taxas de contratação e retenção
da mão de obra serão remuneradas pelo governo. O mecanismo tem mais chance de
sucesso que os tradicionais e ineficientes serviços estatais voltados para
essas áreas.
A prioridade declarada de Lula é dar atenção
redobrada aos brasileiros em situação mais vulnerável. O país já reduziu a
pobreza e a desigualdade antes e tem o dever moral de repetir o feito. Para
atingir o objetivo, porém, o governo precisa ampliar seu leque de estratégias.
Só é possível decidir sobre horário de
verão com base em estudos robustos
O Globo
Se a economia de energia não for
significativa, preocupação com a saúde da população deve prevalecer
Mudanças de governos são propícias a
reivindicações. Por isso não soa fora de hora o debate que agita as redes
sociais sobre a volta do horário de verão. A discussão estava adormecida desde
25 de abril de 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro revogou a prática que
já integrava a rotina dos brasileiros. Na época, alegou que a decisão se
baseava em estudos sobre a economia de energia e os efeitos na saúde da
população. Dias antes, o Planalto informara que uma pesquisa do Ministério de
Minas e Energia constatara que 53% eram favoráveis ao fim do horário de verão
entre outubro e fevereiro.
No ano passado, diante de pressões pela
volta, o Ministério de Minas e Energia divulgou um estudo do Operador Nacional
do Sistema Elétrico (ONS) mostrando que adiantar o relógio em uma hora nas
regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste não proporciona economia significativa.
Segundo o ONS, a redução obtida no horário de maior demanda, entre 18h e 21h,
era compensada pelo aumento de consumo noutros períodos. A medida também não tinha
impacto no consumo da tarde, quando a demanda atinge o pico.
Entidades como Associação Brasileira de
Bares e Restaurantes (Abrasel), Associação Nacional dos Restaurantes (ANR) e
Confederação Nacional de Turismo (CNTur) têm defendido com vigor a volta do
horário de verão. Argumentam que a medida seria benéfica tanto para país, pela
economia de energia, quanto para o setor, um dos mais atingidos durante a
pandemia. Na outra ponta, médicos afirmam que ela afetaria a quantidade e a
qualidade do sono, prejudicando o rendimento de estudantes e trabalhadores.
Em meio à discussão, o presidente eleito
Luiz Inácio Lula da Silva fez uma enquete: “O que vocês acham da volta do
horário de verão?”. Mais de 2,3 milhões se manifestaram, 66% a favor da
iniciativa. Claro que isso não tem valor como pesquisa. Serve apenas para
engajar a militância.
O horário de verão foi adotado pela
primeira vez no Brasil no governo de Getúlio Vargas. Vigorou por seis meses,
entre outubro de 1931 e março de 1932. “Avançamos uma hora no tempo!”,
registrava a manchete do GLOBO à época. Depois foi implementado de forma descontinuada
até 1968, quando a ditadura acabou com a farra dos ponteiros. Somente a partir
de 1985, na abertura, passou a ter caráter regular. Não se trata de invenção
brasileira. É adotado em dezenas de países.
A discussão sobre a volta do horário de verão é legítima. Mas deveria ser pautada por um debate sério. O principal argumento em favor da medida no país sempre foi a economia de energia, pelo aproveitamento da luminosidade dos dias de verão. Se ela não é significativa para reduzir o risco de apagão, o argumento perde força. Por isso é fundamental que o novo governo faça estudos robustos sobre os prós e contras de adiantar o relógio. Qualquer decisão deve ser tomada em bases sólidas. Enquetes fajutas, ideologia e pressão de setores beneficiados não podem nortear uma decisão que afeta a rotina de milhões de brasileiros.
A China relaxa
Folha de S. Paulo
Flexibilização das restrições no país tende
a diminuir risco de recessão mundial
Com juros em alta nos principais centros
financeiros do mundo e risco de uma recaída recessiva, o que ocorrerá com a
China no ano que vem terá especial importância. Aqui também, dado o peso do
mercado chinês como importador de matéria-prima brasileira.
O gigante asiático enfrenta perda de
dinamismo nos principais motores da economia das últimas décadas, notadamente
os setores imobiliário e de infraestrutura.
A consequência é o aumento do risco
financeiro. A projeção de crescimento para este ano não passa de 3,5%, dois
pontos percentuais abaixo da meta do governo, ainda que por motivos transitórios.
A boa notícia é que a política restritiva
de combate à pandemia, que manteve a economia sob pressão até agora, começa a
ser afrouxada. Na última
sexta-feira (11), foram anunciadas medidas que flexibilizam quarentenas e
abrandam critérios de distanciamento social.
A médio prazo, contudo, há vários
obstáculos, entre eles a demografia, com esperada queda acentuada da população
ativa nas próximas duas décadas. O principal desafio será alterar o modelo de
crescimento atual, muito lastreado na concessão de crédito dirigido para a
infraestrutura e imóveis.
Há sinais de que esses investimentos não
são produtivos, pois tem sido necessário cada vez mais crédito sem que se
observe crescimento concomitante da atividade. A consequência é risco
financeiro —apenas neste ano o endividamento geral da economia passará de 270%
para 295% do PIB.
Há, ainda, insuficiência crônica de demanda
interna. Ao contrário do que ocorreu em outros países, a China não passou por
aumento relevante da inflação ao consumidor.
Os saldos comerciais, que se aproximam do
montante de US$ 1 trilhão neste ano, também sugerem que o país precisa
estimular o consumo doméstico. Do contrário, dependerá de mercados
internacionais cada vez mais arredios.
Redirecionar o modelo de desenvolvimento
para o consumo, contudo, não será fácil. No campo político, a centralização
de poder nas mãos de Xi Jinping aponta para maior dirigismo na
economia à frente, o que pode ter consequências negativas para o setor privado.
Essa perda de vigor da economia chinesa
pode exacerbar o risco de recessão mundial, com efeito deletério nas
exportações brasileiras.
Ao longo de 2023, contudo, o relaxamento das restrições do estado de emergência sanitária tende a estimular o consumo e a produtividade, impactando de modo positivo os preços de matérias-primas, o que pode favorecer o Brasil.
Desordem do dia
Folha de S. Paulo
A Constituição está sendo cumprida; às
Forças Armadas cabe apenas respeitá-la
Por quase duas semanas, as Forças Armadas
souberam manter silêncio diante dos manifestantes que se tornaram presença
constante na porta de quartéis militares do país desde o anúncio do resultado
da eleição presidencial.
Lamentavelmente, os comandantes do Exército, da
Marinha e da Aeronáutica abandonaram o resguardo na sexta (11) para
divulgar uma nota tortuosa, com comentários impertinentes sobre a situação
política do país.
Ao interpretar o sentido dos protestos, os
militares observam primeiro que a lei garante a todos os brasileiros o direito
de manifestação, inclusive para fazer críticas aos Poderes estabelecidos.
Em seguida, condenam eventuais excessos e
reconhecem o óbvio ao afirmar que não há solução para as disputas políticas
fora da ordem constitucional —mas nada
dizem sobre as mensagens de conteúdo subversivo dos protestos.
Os que gritam na frente dos quartéis não
escondem a motivação antidemocrática. Inconformados com a vitória de Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), pedem uma interferência das Forças Armadas.
Em vez de rechaçar os aventureiros, os
comandantes arrogam-se um papel moderador que nunca coube às Forças Armadas e
recomendam atenção às reclamações dos manifestantes, para que se faça sabe-se
lá o quê.
A nota ainda condena as autoridades que
cerceiam seus direitos, fazendo referência velada às decisões judiciais que
censuraram apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais, e
exorta os Poderes a respeitar os limites de suas atribuições.
Indo mais longe, os comandantes apelam ao
Poder Legislativo para que imponha restrições a arbitrariedades e excessos de
outros Poderes —como se coubesse aos fardados interpretar as leis e definir o
papel a ser exercido pelas instituições democráticas.
Horas depois da divulgação da nota, o
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou que
forças policiais estaduais e federais desobstruíssem as vias públicas que
estiverem bloqueadas por protestos e multassem os recalcitrantes.
Responsável por inquéritos que investigam
grupos antidemocráticos, o magistrado também mandou recolher informações sobre
pessoas e empresas que têm fornecido apoio material às manifestações e que
eventualmente se recusem a cumprir sua decisão.
A Constituição está sendo cumprida. Às Forças Armadas, subordinadas ao poder civil há mais de três décadas, cabe respeitá-la.
A responsabilidade jurídica de Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Não basta o juízo político das urnas. Se há indícios de que a lei penal foi descumprida, é preciso investigar. A paz não é fruto da impunidade, mas da efetiva igualdade de todos perante a lei
No regime democrático, o exercício do poder
é submetido tanto ao controle político como ao jurídico. O presidente Jair
Bolsonaro foi reprovado no controle político feito pelo eleitor. Nas urnas, a
maioria da população rejeitou o modo como ele conduziu o Executivo federal, não
lhe concedendo um segundo mandato presidencial.
Essa avaliação política feita pelo eleitor
é elemento essencial do regime democrático, mas não é o único. Todo governante
está submetido não apenas ao escrutínio popular, mas ao império da lei.
Eventuais descumprimentos da legislação produzem consequências jurídicas. Na
República, existe também uma responsabilização jurídica. Caso contrário, a lei
seria inoperante, simplesmente inútil. Quem exerceu algum cargo público sabe,
por exemplo, os muitos problemas que podem advir do desrespeito à Lei de
Improbidade Administrativa. Literalmente, todo cuidado é pouco.
No caso de Jair Bolsonaro, os quatro anos
de governo produziram um respeitável passivo jurídico, com incidência direta na
esfera penal. Alguns inquéritos já foram abertos, por exemplo, com base nas
suspeitas de interferência na Polícia Federal, denunciadas pelo ex-ministro
Sergio Moro, e de prática do crime de prevaricação nas negociações da vacina
Covaxin.
A partir do que a CPI da Covid apurou, uma
comissão de juristas listou várias imputações penais potencialmente cabíveis
por ações e omissões na pandemia: crimes de responsabilidade, crimes contra a
saúde pública, crimes contra a paz pública, crimes contra a administração
pública e crimes contra a humanidade. “O que restou evidente (...) é a
ocorrência de uma gestão governamental deliberadamente irresponsável e que
infringe a lei penal, devendo haver pronta responsabilização”, afirmou o
parecer final, de setembro de 2021, assinado por Miguel Reale Júnior, Sylvia
Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich.
Além disso, o comportamento de Jair
Bolsonaro na Presidência da República motivou investigações envolvendo
desinformação sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral, ataques contra
as instituições democráticas e vazamento de dados de investigação sigilosa da
Polícia Federal.
Tudo isso não pode ser colocado debaixo do
tapete, como se já fosse suficiente o juízo político do eleitor. É preciso
apurar a responsabilidade jurídica de Jair Bolsonaro e, nos casos cabíveis,
aplicar as penas correspondentes. Toda impunidade é prejudicial ao País, mas
ainda mais grave seria a eventual impunidade de quem ocupou o mais alto posto
da República. Representaria um tremendo mau exemplo para toda a sociedade.
É notório o pouco apreço de Jair Bolsonaro
pela lei. Um exemplo aparentemente banal, mas muito significativo é a condução
de motocicleta sem usar capacete, infração gravíssima à qual o Código de
Trânsito Brasileiro atribui a penalidade de multa e de suspensão do direito de
dirigir. O presidente da República simplesmente acha que a lei não vale para
ele.
Em seu parecer, a comissão de juristas da
CPI da Covid fez um diagnóstico a respeito da gestão da pandemia que pode ser
aplicado a todo o governo de Jair Bolsonaro. “Não são poucas as situações que,
ao ver da comissão de especialistas, merecem o aprofundamento das investigações
pelos órgãos de controle do Estado brasileiro, assim como são bastante
evidentes as hipóteses reais de justa causa para diversas ações penais”, disse
o parecer.
O País precisa exatamente disso:
investigação serena e criteriosa, dentro da mais estrita legalidade,
respeitando as competências funcionais, para apurar os indícios de crime e as
respectivas responsabilidades, de forma a permitir depois, quando for o caso, a
aplicação, pelas vias judiciais competentes, das penas legais cabíveis.
Não se trata de perseguir ninguém. Mas não
é plausível que, diante de tantos indícios – pequenos ou grandes, como, por
exemplo, são as suspeitas envolvendo o MEC –, nada seja investigado. Jair
Bolsonaro não está acima da lei. A tão necessária pacificação nacional não virá
da impunidade, mas da efetiva percepção de que todos são iguais perante a lei.
Em busca de novos paradigmas energéticos
O Estado de S. Paulo
A crise provocada pela Rússia não só impõe estratégias de diversificação no fornecimento de petróleo e gás, mas fortalece argumentos em favor de investimentos em tecnologias limpas
Além das atrocidades contra o povo
ucraniano, a ameaça à segurança global ou as rupturas na cadeia alimentar, o
impacto mais dramático da guerra criminosa de Vladimir Putin é sobre o sistema
de energia global. O choque impôs pressões inflacionárias e riscos de recessão
que castigam especialmente os mais pobres. Com a combinação da crise pandêmica,
a Agência Internacional de Energia (AIE) estima que 70 milhões de pessoas que
ganharam recentemente acesso à eletricidade devem perder a capacidade de pagar
por ela e 100 milhões precisarão recorrer a combustíveis insalubres e perigosos
para cozinhar.
A crise é uma advertência sobre a
fragilidade e a insustentabilidade do sistema corrente de energia. Como os
governos devem responder para remodelar os mercados de energia? Qual o impacto
sobre a transição para energias limpas: retrocesso ou catalisação? O Panorama da
Energia Mundial da AIE, o primeiro após a guerra, oferece
subsídios importantes para enfrentar essas questões.
“O uso global de combustíveis fósseis
cresceu junto ao PIB desde o início da Revolução Industrial”, lembra a AIE.
“Reverter esse crescimento, continuando, ao mesmo tempo, a expansão da economia
global, será um momento cardeal na história da energia.” Junto a medidas de
curto prazo, muitos governos preparam estratégias de longo prazo, seja no
sentido da diversificação do fornecimento de petróleo e gás, seja no da
aceleração de mudanças estruturais.
Segundo a AIE, a alta na utilização de
carvão deve ser temporária. À medida que os mercados se reequilibram, as fontes
renováveis, apoiadas pela energia nuclear, devem trazer ganhos sustentáveis. Há
razões para um otimismo cauteloso. Pela primeira vez, o Panorama vislumbra,
a se manterem as políticas implementadas nos últimos anos, um platô para os
combustíveis fósseis. A partir de meados desta década, a demanda total deve
passar a declinar continuamente, dos atuais 80% no sistema energético para 75%
em 2030 e até 60% em 2050.
Novas políticas estão ampliando os
investimentos em energia limpa, que podem chegar a US$ 2 trilhões em 2030, 50%
a mais do que hoje. É uma arena para a competição econômica internacional, que
pode gerar imensas oportunidades para o crescimento e empregos.
Os déficits de investimento em combustíveis
limpos são naturalmente maiores em economias emergentes ou em desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, é nelas que mais cresce a demanda por energia. “Um esforço
internacional renovado é necessário para acelerar as finanças climáticas e
enfrentar os vários riscos econômicos e em projetos específicos que detêm os
investidores.” A velocidade com que os investidores reagirão a uma transição
crível depende na prática de uma série de temas granulares. As cadeias de
fornecimento são frágeis e o trabalho qualificado e a infraestrutura nem sempre
estão disponíveis. Procedimentos claros para aprovação de projetos, sustentados
por capacidades administrativas adequadas, são vitais para acelerar o fluxo de
projetos viáveis e aptos a atrair investimentos.
À medida que o mundo avança a um novo
paradigma de segurança energética, será preciso evitar novas vulnerabilidades
decorrentes de preços altos e voláteis de minerais ou cadeias de fornecimento
altamente concentradas de energia limpa. Assim como a dependência do petróleo
da Rússia expôs a vulnerabilidade do sistema energético atual, uma dependência
de países como a China para o fornecimento de minerais críticos e muitas
tecnologias limpas impõe riscos que precisam ser ponderados.
Mas, tudo somado, a guerra fortaleceu os
argumentos em favor de tecnologias limpas a preços viáveis. “Muito mais precisa
ser feito, e à medida que esses esforços ganham tração é essencial trazer todos
a bordo, especialmente em um momento em que as fraturas geopolíticas na energia
e no clima estão mais visíveis”, conclui a AIE. “A jornada rumo a um sistema
energético mais seguro e sustentável pode não ser suave. Mas a crise de hoje
mostra com clareza cristalina porque precisamos de um impulso à frente.”
Aula contra desinformação
O Estado de S. Paulo
Como demonstra experiência da Finlândia, sala de aula pode ser aliada no enfrentamento das falsas notícias
Nunca se produziu nem consumiu tanta
informação como depois da internet e das redes sociais. O que, por um lado, é
uma boa notícia, por outro é também motivo de preocupação, dada a quantidade de
falsas notícias ou fake news que ameaçam e desvirtuam o debate
público. O problema desafia as democracias no mundo e, como se viu nas
recém-concluídas eleições brasileiras, requer atenção constante por parte da
Justiça eleitoral, da imprensa, das agências de checagem de dados e das empresas
responsáveis pelas redes sociais.
Desmascarar e punir quem deliberadamente
propaga falsas notícias, por óbvio, são iniciativas necessárias e bem-vindas.
Assim como todo o esforço de corretamente informar à sociedade, primando pela
divulgação de fatos verdadeiros e apurados com rigor. O combate às fake
news, porém, comporta outras frentes de atuação. Uma delas, a educação.
A sala de aula é o espaço onde se aprende a
ler e a escrever. Nada mais natural, portanto, que seja o lugar também de outro
tipo de alfabetização. No caso, da chamada alfabetização midiática, que
consiste em desenvolver habilidades e competências para não se deixar enganar
em meio à profusão de fake news. A esse respeito, a Finlândia é um país
com importantes lições a dar. Como mostrou recente reportagem da BBC Brasil, o
sistema de ensino finlandês incorporou tais preocupações aos currículos
escolares.
A aposta finlandesa para enfrentar e
desconstruir notícias falsas é incentivar o pensamento crítico. Uma professora
entrevistada na reportagem citou exemplos de como isso ocorre em diferentes
disciplinas. Em matemática, os alunos aprendem a perceber as possibilidades de
manipulação estatística. Nas aulas de artes, são convidados a repensar peças de
propaganda, apontando lacunas ou contradições entre o que é anunciado e a
realidade. No estudo de línguas, são expostos a textos com versões distintas a
respeito de um mesmo acontecimento.
A educação, sem dúvida, tem um enorme papel
a desempenhar em relação à desinformação. A alfabetização midiática, contudo,
requer escolas capazes de assegurar as aprendizagens básicas sem as quais os
estudantes não darão conta de se proteger das fake news. Ou seja, para
entender como as estatísticas podem ser manipuladas, é preciso antes ter
clareza de uma série de conceitos matemáticos. Assim como a compreensão dos
diferentes sentidos de um texto demanda que os alunos estejam efetivamente
alfabetizados.
Ensino de qualidade, portanto, é premissa da alfabetização midiática. Em tempos de polarização ideológica, as escolas têm ainda o desafio de ajudar os alunos a diferenciar fatos de opiniões. Confundir um e outro, não raro na esteira de fake news e de teorias da conspiração, acaba sendo um obstáculo para consensos mínimos sem os quais fica ainda mais difícil avançar. A luta contra as falsas notícias deve mirar tanto em quem as difunde intencionalmente, aplicando-se as devidas sanções legais, quanto em quem é enganado por elas. Nesse sentido, a educação tem um potencial gigantesco de formar gerações de alunos aptos a enfrentar essa verdadeira ameaça à democracia.
Queda da inflação depende de apoio da
política fiscal
Valor Econômico
Um prolongamento das incertezas e estímulos
fiscais deve dificultar o trabalho do BC, exigindo mais juros e mais tempo para
baixar a inflação
A surpresa negativa na inflação de outubro
mostra como, apesar de o Banco Central ter colocado os juros básicos nas
alturas, será penoso o trabalho para baixar os índices de preços às metas
definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Ficará ainda mais difícil
caso, no futuro governo Lula, a política monetária não tenha a retaguarda da
política fiscal.
Depois de três meses com inflação negativa,
o IPCA de outubro ficou em 0,59%, superando a mediana das projeções dos
analistas econômicos, de 0,49%, segundo 43 empresas de consultoria e
instituições financeiras consultadas pelo Valor Data. O mais pessimista desse grupo de
analistas econômicos havia previsto um avanço de preços de 0,54% no mês.
A despeito de todas as medidas adotadas
pelo governo Bolsonaro para baixar a inflação durante a campanha eleitoral,
como o corte de impostos e a pressão sobre a Petrobras para segurar reajustes,
o IPCA segue muito alto em termos anuais. Chega a 4,7% nos dez primeiros meses
do ano e, no acumulado em 12 meses, encontra-se em 6,47%. A não ser por um
choque inesperado, fatalmente vai ficar acima da meta definida pelo CMN para o
ano de 2022, de 3,5%.
A chamada tendência subjacente da inflação,
porém, roda em patamares bem mais preocupantes. A média dos núcleos de inflação
acompanhados pelo Banco Central avançou 9,69% no período de 12 meses até outubro.
Esses núcleos excluem exatamente os preços mais voláteis, como energia, e
mostram de forma mais fiel o retrato da inflação, sem o filtro das medidas do
governo que baixaram artificialmente os preços.
O único sinal alentador foi o recuo dos
serviços subjacentes, um indicador que captura a evolução dos preços mais
sensíveis à atividade econômica e à politica monetária. Entre setembro e
outubro, houve baixa de 9,54% para 9,2%, nos dados acumulados em 12 meses, na
primeira redução desde a pandemia. Ainda assim, permanece muito alto, e só
caíra para níveis mais razoáveis caso o Banco Central persevere na sua atuação
para esfriar a atividade econômica.
Quem mais perde com a inflação, como
sempre, são os mais pobres. Os preços dos alimentos em domicílio avançaram
0,72% em outubro, e respondem por uma boa parte da surpresa. Os preços dos
alimentos seguem avançando acima da inflação cheia, numa taxa quase duas vezes
maior. Esse grupo de produtos teve um aumento de 11,21% no período de 12 meses,
comparando com a inflação geral de 6,47%.
A carestia é um fenômeno mundial, em grande
parte provocada pela pandemia e a guerra na Ucrânia, que afeta praticamente
todos os países do mundo. Mas isso não significa que as políticas domésticas
não tenham sua parcela de culpa, sobretudo a execução da política fiscal.
A incertezas sobre as contas públicas,
provocadas pelas seguidas manobras para furar o teto de gastos, fizeram o dólar
operar num patamar mais alto, a despeito de fatores que deveriam contribuir
para baixá-lo, como a valorização dos preços de commodities. Cortes de impostos
sobre energia também afetaram negativamente as expectativas de inflação do
mercado, que rapidamente entendeu que as ações não são sustentáveis.
Também houve um impacto mais direto da
expansão fiscal sobre a demanda agregada. O impulso fiscal durante as eleições
chegou perto de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), sem contar medidas
parafiscais, como a liberação de saldos do FGTS e expansão dos crédito
direcionado e dos bancos públicos. São fatores que atuaram na direção contrária
do aperto monetário, que deveria ter surtido efeito já no terceiro trimestre
sobre a atividade econômica e a inflação.
Com juros em 13,75% ao ano, o Banco Central
promete perseverar. Suas projeções apontam para uma gradual queda do índice de
preços para as metas até meados de 2024. Mas a condução da política fiscal será
crucial para que esse quadro se confirme.
Nas contas do BC, o pressuposto é que, no
ano que vem, não sejam prorrogados todos os estímulos fiscais feitos na
economia durante a eleição. Mais importante, que o novo governo Lula adote um
novo arcabouço fiscal que resgate a credibilidade perante os agentes
econômicos.
Um prolongamento das incertezas e estímulos
fiscais deve dificultar o trabalho do BC, exigindo mais juros e mais tempo para
baixar a inflação. Uma eventual mudança para pior no regime fiscal poderá
perpetuar o descontrole inflacionário no país.
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