Folha de S. Paulo
Problemas em bancos trarão maior custo de crédito e diminuição do crescimento
Apertem os cintos, o regulador sumiu. A quebra do banco Silicon
Valley (SVB, em inglês) acendeu o alerta no mercado financeiro
mundial.
Estamos à beira de uma crise financeira
global como a de 2008? Felizmente não, mas isso pode contribuir para
desacelerar a economia global.
Há chance de uma crise
financeira no Brasil? Também não, já que temos um dos reguladores
mais conservadores do mundo.
O SVB quebrou por ter dinheiro demais, o que parece estranho à primeira vista, é claro. O banco recebeu uma enxurrada de mais de US$ 120 bilhões em novos depósitos em 2020 e 2021, com preços de ativos financeiros nas alturas; em 2019, o total de depósitos não chegava a metade disso.
Não conseguiu emprestar boa parte desse
dinheiro, que seria o normal para um banco. Escolheu comprar títulos públicos
americanos de dez anos, mesmo que estivessem pagando uma ninharia de juros à
época.
O banco esperava usar o retorno dos
títulos, mesmo que pequeno, para se remunerar pelo "inconveniente" de
guardar mais de US$ 100 bilhões dos seus clientes. Mas, em 2022, o Federal
Reserve começou a jogar os juros para
cima a fim de combater a inflação americana. E, com isso, o
preço dos títulos despencou, para compensar a alta dos rendimentos.
O SVB cometeu dois erros crassos: comprou
títulos de longo prazo, sujeitos à flutuação de taxa de juros, em vez de
títulos de curto prazo, e não fez operações de hedge (seguro) para se proteger
de aumento de taxa de juros. Durante a maior parte de 2022 o banco não tinha um
diretor de risco, incompetência gerencial pura e algo impensável em outras
instituições.
Em somente algumas horas, no dia 9 de
março, os clientes retiraram US$ 42 bilhões das suas contas, ou cerca de US$ 5
bilhões por hora, depois que o banco anunciou que iria precisar captar recursos
para cobrir o rombo criado, em parte, pelo aumento dos juros americanos.
Não é todo dia que se vê banco indo à
falência porque os juros subiram; durante os últimos dez anos, investidores nos
Estados Unidos e na Europa reclamavam da baixa rentabilidade dos bancos pelas
baixas receitas com empréstimos. Se isso fosse comum, não haveria um banco em
pé no Brasil.
Para evitar situações como essa, bancos
devem fazer testes de estresse, no qual estimam o efeito de mudanças em
variáveis como taxas de juros sobre seus balanços. Contudo, os Estados Unidos
cometeram um erro: desregulamentaram os testes de estresse para bancos
regionais como o SVB em 2018.
A moral da história é que bancos quebram
por vários erros, não um só. O problema é que crises bancárias se espalham. O
banco central suíço já anunciou que vai emprestar
mais de US$ 50 bilhões para que o Credit Suisse, um dos maiores
bancos do mundo, não siga pelo caminho do SVB.
Ainda assim, a crise não deve se espalhar,
a não ser que haja mais algum foco de problemas escondido e que vá ser revelado
nos próximos dias. E, se houver algum problema, as autoridades monetárias vão
ter seu momento Mario Draghi, que, como presidente do Banco Central Europeu,
anunciou, em 2012, que faria "tudo o que fosse necessário" para
manter a zona do euro intacta. Conseguiu, assim como os reguladores vão
conseguir frear uma nova crise.
Mas uma coisa é certa: problemas
bancários vão travar mercados de crédito no mundo, seja por
receio das instituições, seja por resposta dos reguladores. E o resultado já
sabemos: maior custo de crédito e diminuição do crescimento econômico.
Recuperação mundial? Talvez em 2024.
*Professor da New York University Shanghai
(China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
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