sábado, 18 de março de 2023

Pablo Ortellado - A política está adoecendo a esquerda?

O Globo

Uma pesquisa publicada no fim do ano passado disparou um grande debate nos Estados Unidos sobre a relação entre saúde mental e política. O estudo, publicado na revista SSM Mental Health, apontou uma correlação intrigante entre a identidade política dos adolescentes e uma escala que mede depressão. Estudantes do último ano do ensino médio (17 e 18 anos) que se identificam como “liberais” (na tradição americana, de esquerda) têm pontuação média significativamente maior na escala que mede depressão do que aqueles que se identificam como “conservadores”. A diferença aparece em toda a série histórica e, mesmo quando a depressão entre todos os adolescentes dispara, no começo dos anos 2010 (provavelmente pelo maior uso de mídias sociais), a pontuação é maior para adolescentes de esquerda e maior ainda para meninas de esquerda.

A recepção da pesquisa ficou restrita aos círculos acadêmicos até o fim de fevereiro, quando foi descoberta e passou a ser discutida nas redes sociais e na imprensa americana. O debate produziu dois tipos de explicação.

A primeira acredita que os jovens de esquerda adoecem mais porque são mais sensíveis e mais impactados pelas mazelas do mundo. Essa é a hipótese dos próprios autores do artigo. Eles especulam que, no período do estudo, “guerra, aquecimento global, tiroteios nas escolas, racismo estrutural, violência policial contra negros, machismo generalizado e desigualdade socioeconômica desenfreada” tomaram o discurso político e geraram uma reação de movimentos juvenis. Assim, “adolescentes liberais [de esquerda] podem ter se sentido alienados num clima político conservador, de modo que sua saúde mental sofreu mais em comparação com a de seus pares conservadores cujas visões hegemônicas floresciam”.

A colunista do jornal The New York Times Michelle Goldberg logo percebeu que a hipótese dos autores do estudo não era muito consistente com os dados. Embora fosse razoável supor que o misógino governo Trump deprimisse meninas adolescentes, não era isso o que os dados mostravam. O maior índice de depressão entre adolescentes de esquerda não pareceu ser afetado pela mudança de governo, permanecendo mais elevado tanto no governo progressista de Barack Obama (2013-2016) como no governo conservador de Donald Trump (a partir de 2017).

A tese dos autores também despreza que seria igualmente razoável esperar descompasso entre valores e percepção do mundo entre os adolescentes conservadores, já que, no entendimento desse grupo, eles é que estão deslocados num mundo controlado por elites progressistas que destroem a família convencional e os valores americanos tradicionais.

A segunda linha de interpretação, capitaneada pelo psicólogo social Jonathan Haidt, tenta explicar o adoecimento dos jovens de esquerda pela política progressista contemporânea, que, diz ele, estimula a sensibilidade diante de pequenas agressões e enxerga simples ofensas como grandes e insuportáveis violências. Essa política se difunde pelas mídias sociais. Para Haidt, as meninas adoecem mais porque fazem mais uso delas. Ele compara esse tipo de política a uma terapia reversa: enquanto na terapia se busca contextualizar, criar distanciamento e aprender a lidar com os traumas, nessa política há um esforço para ver ofensas como violências intoleráveis que não devem ser esquecidas.

A explicação de Haidt faz sentido e, se for mesmo verdadeira, deveria servir como alerta — e não apenas para os progressistas mais jovens. Talvez devamos seguir nos esforçando para perceber e condenar as injustiças, mas discernindo o mais grave do menos grave e não deixando a existência no mundo se tornar uma provação insuportável.

3 comentários:

Mais um amador disse...

Mais uma ótima coluna.

Anônimo disse...

Bem superficial, mas interessante.

ADEMAR AMANCIO disse...

Legal.