sábado, 18 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Políticos precisam cumprir exigências da Lei das Estatais

O Globo

Liminar do ministro Lewandowski dispensou de quarentena líderes de partidos e campanhas eleitorais

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) tem a missão de rever a suspensão, pelo ministro Ricardo Lewandowski, de obrigações impostas pela Lei das Estatais. Em liminar feita sob medida para atender aos interesses do Planalto, Lewandowski dispensou lideranças de partidos e campanhas eleitorais de cumprir a quarentena de três anos antes de assumir cargos de direção nessas empresas.

Trata-se de um retrocesso evidente, por enfraquecer a legislação que tenta manter a gestão das empresas estatais imune à interferência de interesses políticos. Toda vez que políticos as subordinam a seus desígnios, estão dadas as condições para escândalos que resultam em prejuízos à sociedade e ao contribuinte — quando não em cadeia.

O interesse dos partidos em obter cargos para apaniguados nas estatais é evidente. É grande a pressa para indicar nomes neste início de governo. Daí o PCdoB — partido da base governista que entrou com o processo contra a Lei das Estatais — ter solicitado uma liminar sobre o assunto sem esperar o pedido de vista feito na semana passada pelo ministro André Mendonça no plenário virtual, onde tramita a ação. Para que a decisão de Lewandowski seja examinada também com rapidez, Mendonça decidiu então devolver o processo ao plenário físico.

Em sua decisão, Lewandowski argumentou que, ao procurarem, por meio da Lei das Estatais, evitar o aparelhamento político das empresas públicas, os legisladores “acabaram por estabelecer discriminações desarrazoadas e desproporcionais — por isso mesmo, inconstitucionais —, contra aqueles que atuam legitimamente na esfera governamental ou partidária”.

A imposição da quarentena é, ao contrário do que diz Lewandowski, não apenas razoável, como necessária. Não há, da parte dele, nenhuma preocupação com o efeito deletério das indicações políticas na gestão das empresas, que deprecia o patrimônio público e prejudica o serviço prestado à população. O objetivo parece ser apenas facilitar o desejo do governo de encontrar uma boquinha para os seus.

Tome-se um entre inúmeros exemplos que tornam isso evidente: o ex-governador de Pernambuco, Paulo Câmara, foi indicado para dirigir o Banco do Nordeste num acerto político com o Planalto. Até janeiro ele era vice-presidente do PSB, portanto teria de cumprir a quarentena. Lewandowski decidiu sozinho que agora não precisa mais. Também suspendeu o impedimento a que ministros e secretários de estado, sem vínculo permanente com o serviço público, sejam diretores ou conselheiros de estatais. Está liberada, portanto, a rotina de indicar ministros e outras altas autoridades para o conselho de empresas públicas como forma de complemento salarial. Um absurdo.

A Lei das Estatais, que também exige qualificações profissionais para cargos de direção em empresas públicas, foi aprovada em 2016 quando ainda reverberavam os casos de corrupção desvendados pela Operação Lava-Jato. No seu texto original, reflete o anseio da sociedade e a necessidade de disciplinar a relação entre as empresas públicas e o mundo da política, com o objetivo de reduzir o risco de roubalheira como a que houve na Petrobras nas gestões do PT. Não faz sentido que a anulação de condenações da Lava-Jato por questões processuais sirva de pretexto para o retrocesso numa das conquistas legislativas que ela legou ao país.

Imposição de visto para americanos deve mais à ideologia que à realidade

O Globo

Argumentos usados pelo governo para justificar a decisão se chocam com a resistência no setor de turismo

O governo brasileiro anunciou que voltará a exigir visto de visitantes de Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão. A decisão foi tomada com base em dois argumentos. Primeiro, nenhum desses países deixou de exigir visto dos brasileiros depois que, em 2019, o Brasil dispensou unilateralmente seus cidadãos da obrigação. Segundo, o governo afirma que a mudança não cumpriu o objetivo de aumentar o turismo no Brasil.

Ambos os argumentos são ruins. O primeiro, embora sedutor por invocar o valioso princípio da reciprocidade nas relações diplomáticas, esquece o óbvio: jamais foi interesse brasileiro impor dificuldades à entrada de cidadãos desses países. O visto sempre lhes foi imposto como meio de pressão para que um dia os brasileiros pudessem ser isentados. É um meio legítimo, mas a relação nunca foi equilibrada. Se ele tivesse algum poder de convencimento, a exigência aos brasileiros já teria acabado faz tempo. O poder de decidir se acabaria sempre esteve lá fora, com americanos, canadenses, japoneses e australianos. Exigir visto deles nunca mudou isso.

Vários países consideram a imposição do visto uma forma de coibir a imigração ilegal, visão considerada superada por outros. Cabe à diplomacia brasileira convencer quem faz a exigência de que ela se tornou descabida. Quando o governo Jair Bolsonaro anunciou a suspensão para americanos, abortou negociações em curso para o fim da exigência nos dois países, na expectativa de que os Estados Unidos fizessem o mesmo. Deu errado. No recente encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden, o assunto nem entrou na pauta. Deveria ter entrado, até para permitir que a decisão de voltar a impor visto aos americanos tivesse sido mais qualificada.

Que ela deve muito à ideologia e pouco à realidade, fica claro ao analisar o segundo argumento do governo: o impacto no turismo aquém do desejado. Ora, em 2019, o Brasil recebeu 590.520 americanos, quase 10% acima de 2018. As visitas de australianos (56.158), canadenses (77.043) e japoneses (78.914) também aumentaram (33%, 8,3% e 24%, respectivamente) — evidentemente, a partir de 2020, com a pandemia, todos os números despencaram. Não é difícil, portanto, entender por que a reviravolta do governo Lula provocou uma rebelião no setor de turismo. Empresas aéreas, aeroportuárias e de hotelaria enviaram ofício a vários ministros e à Embratur pedindo a manutenção da isenção de visto.

É verdade que Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão não agiram segundo o princípio da reciprocidade. Mas é preciso levar em conta os prejuízos que a mudança trará. Claro que dispensar americanos, canadenses, japoneses e australianos de visto não terá, por si só, o condão de recuperar o desempenho tíbio do turismo no Brasil, resultado de problemas de violência, infraestrutura, profissionalismo, competitividade e promoção no exterior. Mas são esses problemas que o governo deveria tratar de resolver, em vez de criar um novo.

Lição da Lava Jato

Folha de S. Paulo

Operação completa nove anos com extensa lista de processos arquivados

Há pouco mais que melancolia no aniversário de nove anos da Lava Jato. A operação, que um dia galvanizou o país, é hoje lembrada mais pelos inúmeros erros do que pelos incontestáveis acertos, e ninguém contribuiu mais para isso do que seus próprios protagonistas.

O ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, por exemplo, atropelaram garantias processuais no intuito de assegurar o combate à corrupção. À luz do dia, a dupla mobilizava a opinião pública para secundar heterodoxias jurídicas; às escondidas, ensaiava jogadas que mandavam às favas os escrúpulos constitucionais.

A estratégia funcionou por bom tempo, mas a reiteração dos abusos reduziu a tolerância a eles, enquanto o vazamento de mensagens trocadas entre Moro e procuradores revelou a inaceitável parcialidade dos condutores da operação.

Tamanho foi o abalo de credibilidade da Lava Jato que o Supremo Tribunal Federal, após anos endossando as decisões de Moro, acabou considerando o então juiz federal suspeito para julgar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e anulou as condenações do atual presidente da República.

O STF ainda decidiu que os processos de Lula não deveriam ter corrido em Curitiba, abrindo uma avenida processual para deleite dos advogados de muitos outros réus.

Também nos fóruns fluminenses a Lava Jato sofreu revés com o recente afastamento do juiz Marcelo Bretas, outrora conhecido como "o Sergio Moro do Rio de Janeiro".

Embora o processo administrativo ainda esteja em curso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) detectou indícios suficientes de irregularidades na condução dos casos sob sua guarda.

Bretas, assim como Moro, não esconde sua proximidade com o campo bolsonarista —comportamento legítimo para políticos, mas não para juízes, de quem se exige independência e imparcialidade.

Não admira, portanto, que a Lava Jato ostente extensa lista de processos arquivados em todas as instâncias do Judiciário. Só Lula, que chegou a ser condenado em terceira instância, conta 23 investigações que não devem prosseguir.

É triste a ironia desse quadro: o punitivismo parcial de certos membros do sistema judicial resultou na impunidade a que muitos políticos sempre aspiraram.

Triste, mas também didática. Não se enfrenta a corrupção com vedetismo e parcialidade, muito menos ao arrepio da lei. Tampouco existe mágica nesse tema. O necessário combate a desvios na máquina pública toma tempo e deve acontecer de maneira incremental, com ganhos de controle e transparência dentro das esferas de poder.

Vergonha mundial

Folha de S. Paulo

Índice de mortalidade materna brasileiro piorou com a pandemia, mas já era ruim

O Brasil é um país de contrastes. Ao mesmo tempo em que há bolhas sociais de riqueza voluptuosa, metade da população nem sequer tem acesso à rede de esgoto. Outra área na qual a desigualdade extrema fica patente é a da saúde, notadamente a materna. Nesse quesito, temos números similares aos da África subsaariana.

Pelo indicador de razão de mortalidade materna (RMM), que computa óbitos relacionados a complicações na gravidez e em até 42 dias após o parto, a cada 100 mil nascidos vivos, houve 110 mortes de mulheres em 2021 no país.

Em Roraima, a RMM foi de incríveis 281,7, índice similar ao de Moçambique —que, segundo o FMI, tem um PIB per capta em torno de US$ 1.200, enquanto o do Brasil é cerca de US$ 15.000. O estado com menor taxa de óbitos foi Pernambuco, e mesmo assim atingiu 61. Nos países desenvolvidos, a média é de apenas 10.

A mortalidade materna no Brasil aumentou durante a pandemia de Covid-19, que impactou o sistema de saúde. Gestantes enfrentaram dificuldades para conseguir vagas para internação ou em UTIs.

Se, em 2020, a taxa de mortes foi de 71,9, em 2021, chegou-se a 100, ante 57,9 em 2019, antes da crise sanitária. O impacto foi generalizado.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, entre 2018 e 2021, a RMM entre brancas passou de 49,9 para 118,6. Entre as negras, foi de 104 para 190,8 mortes por 100 mil, a maior entre todos os grupos étnicos. Há ainda, portanto, desigualdade social e racial patente no atendimento à saúde das brasileiras.

Segundo especialistas, 90% dessas mortes seriam facilmente evitáveis com atendimento pré-natal, já que a maioria dos óbitos deve-se a problemas cardiovasculares e à hipertensão. Mas o Brasil falha nessa tarefa mesmo antes da pandemia.

Levantamento do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde mostra que, em 2014, 52,9% das gestantes negras do Norte do país não tiveram acesso ao pré-natal, ante 21,7% entre brancas do Sudeste.

A Covid-19, assim, piorou o que era ruim. Em 2015, o país já havia assinado com a ONU acordo de redução do RMM para 30 até 2030.

Mas, segundo relatório do Ministério da Saúde obtido pela Folha, há 95% de probabilidade de que essa meta não seja alcançada —a razão projetada para 2030 é de 55,6 mortes por 100 mil nascidos vivos.

Incrementos na oferta de pré-natal, considerando disparidades por região e raça, pelo menos contribuiriam para diminuir esse índice de mortalidade vexatório.

STF precisa respeitar a Lei das Estatais

O Estado de S. Paulo.

Assim como a população tem de cumprir decisões judiciais das quais discorda, ministros da Corte precisam respeitar leis constitucionais que divergem de suas preferências políticas

Tem horas que o Supremo Tribunal Federal (STF) se esforça por ser parte do problema, e não da solução. Em vez de rejeitar liminarmente uma ação inepta – a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 7331, contra a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) –, a Corte, por decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski, suspendeu, no dia 16 de março, trechos da lei. Trata-se de afronta ao Congresso e à Constituição.

Proposta pelo PCdoB, a Adin 7331 questiona os dispositivos que restringem as indicações, para empresas estatais, de conselheiros e diretores titulares de alguns cargos públicos ou que tenham atuado, nos três anos anteriores, na estrutura de partido político ou em campanha eleitoral. A Adin 7331 constitui caso paradigmático de judicialização da política. Tendo perdido no Congresso, o PCdoB foi ao Judiciário tentar reverter a derrota.

Na Lei das Estatais, não há nada que fira a Constituição. O Congresso tem competência para definir critérios e restrições para os cargos nas estatais e empresas de economia mista. É matéria que cabe ao Legislativo decidir. No caso da Lei 13.303/2016, foi a própria política quem definiu os limites para a política. Como dissemos neste espaço (Cabe ao STF rejeitar a judicialização da política, 20/2/2023), “mais legítimo e constitucional, impossível”.

Pode-se discutir se o Congresso estabeleceu os melhores critérios, se eles são adequados às atuais circunstâncias, se a experiência de quase sete anos de vigência da Lei das Estatais recomenda manter as restrições originais ou alterá-las. Há todo um vasto campo de estudo, debate e negociação sobre o tema. No entanto, em razão do princípio da separação dos Poderes e, principalmente, do próprio princípio democrático, cabe ao Legislativo, e não ao Judiciário, realizar esse debate. Questões políticas devem ser resolvidas pelos representantes eleitos, e não por juízes.

Defender a Constituição não é apenas impedir que leis inconstitucionais continuem vigentes. É também assegurar que as leis constitucionais produzam, sem obstáculos e entraves, todos os efeitos que o Congresso estabeleceu. Por isso, a Lei 9.868/1999, que disciplina o processamento das Adins e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (Adc), determina que “a petição inicial inepta, não fundamentada, e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator”. No entanto, não satisfeito em não rejeitar liminarmente a ação, o relator ainda deu liminar contra a lei.

O caso explicita um ponto importante, que afeta diretamente o funcionamento do Estado Democrático de Direito. Assim como existem decisões do STF perfeitamente técnicas e corretas que desagradam profundamente a parte considerável da população – e faz parte do regime democrático exigir que todos respeitem essas decisões –, há também leis perfeitamente constitucionais que desagradam profundamente às opiniões e opções políticas de ministros do Supremo. E também faz parte do Estado Democrático de Direito exigir que todos, também os integrantes do Judiciário, respeitem essas leis.

O juízo sobre a constitucionalidade de ato do Legislativo ou do Executivo não tem nenhuma relação com o exercício de escolhas políticas. São outros critérios, outros fundamentos e outros procedimentos. É por isso que este jornal tem profundas ressalvas, por exemplo, ao “controle de constitucionalidade” baseado em negociações políticas mediadas pelo Supremo. É muito positivo que haja composição entre as partes em disputas judiciais sobre bens e direitos disponíveis. Mas o respeito à Constituição não é um valor que se negocia.

Em conformidade com sua missão de defender a Constituição, cabe ao plenário do STF rejeitar a liminar do ministro Lewandowski. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a decisão não fortalece o Supremo. Ao invadir as competências do Congresso, ela torna o STF submisso às vontades do Executivo e de quem perdeu na política. Em respeito à sua própria autoridade, o Judiciário tem o dever de devolver a palavra ao Legislativo.

Persistente, desigualdade não é insuperável

O Estado de S. Paulo.

Estudo da FGV mostra encolhimento da classe média e abismo socioeconômico mesmo em regiões ricas; é possível reduzir esse desnível, mas não com as velhas fórmulas demagógicas

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Com a pandemia, ficou mais. Não pelo distanciamento entre os extremos, mas pelo encolhimento da classe média. Segundo pesquisa da FGV Social (O Mapa da Riqueza), em 2020 a queda nos rendimentos dos 10% mais ricos foi de 1,2%. Entre os 40% mais pobres, houve até um ganho marginal de 0,2%. Para os ricos, o choque foi amortecido por seus ativos e patrimônio; para os pobres, por programas assistenciais. Sem riqueza privada nem proteção pública, a renda da classe média – já em corrosão desde a recessão de 2014 – desabou 4,2%.

Há outros cortes elucidativos. As localidades mais ricas estão associadas ao poder público federal ou à produção de commodities. O município de Nova Lima (MG), rico em minérios, tem a maior renda média: R$ 8.897 por mês. Entre os Estados, é o Distrito Federal que concentra os mais abastados. Mesmo nas zonas ricas, há brutais disparidades. Os habitantes do Lago Sul de Brasília, por exemplo, têm renda média de R$ 23.241 – três vezes a de Nova Lima – e um patrimônio médio de R$ 1,4 milhão – nada menos que 1.000 vezes o dos moradores do bairro brasiliense de Itapuã.

Ao acentuar problemas crônicos, a pandemia alerta para a necessidade de abandonar velhos remédios que, na melhor das hipóteses, aliviam momentaneamente sintomas, mas não atacam o mal pela raiz, e, na pior, são um veneno que o aprofunda.

Não há soluções mágicas. Nem por isso há um enigma insolúvel. O Banco Mundial, por exemplo, sintetizou quatro focos para esforços de longo prazo: investimentos em capital humano, em infraestrutura e acesso a ativos produtivos (como terra e ferramentas digitais), em reformas modernizantes (como a administrativa ou a tributária) e em modelos estatísticos para avaliar e corrigir políticas públicas. São fins relativamente consensuais. A divergência está nos meios.

No início dos anos 2000, o País deixara para trás uma sucessão de crises. Engrenagens forjadas no governo FHC controlaram a inflação, liberalizaram o comércio, consolidaram marcos de governança, ampliaram o acesso à educação e aperfeiçoaram políticas sociais. Em seu primeiro mandato, o governo Lula adotou esse maquinário. Turbinado pelo superciclo das commodities, ele viabilizou a primeira queda sensível da desigualdade em décadas. Finda a bonança, lançou-se mão de uma série de políticas exasperadas e imediatistas que desencadearam um novo ciclo de retrocessos.

Em 2022, o economista Marcos Mendes compilou uma coletânea de artigos em um livro cujo título diz tudo: Para não esquecer – Políticas públicas que empobrecem o Brasil. Como explica Mendes, as evidências são abundantes: o crescimento sustentável é basicamente fruto do aumento de produtividade. Fazendo mais e melhor, uma economia gera mais valor e renda. Em outras palavras: trata-se de aumentar a capacidade da oferta. Mas recorrentemente prevalece a opção artificial e demagógica do crescimento pela demanda. Remédios emergenciais para choques excepcionais (como o de 2008), como gastos públicos para incentivar o consumo e capitalizar empresas, reduções forçadas de juros, subsídios ou barreiras protecionistas, tornam-se regra. Os benefícios restam concentrados em enclaves políticos e econômicos poderosos, mas diminutos, e os custos são dispersados para a população. A produtividade e a previsibilidade caem, e com elas o crescimento que se supunha estimulado.

Há uma correlação entre igualdade, civilidade e prosperidade. Em geral, países mais igualitários são mais ricos e democráticos. A desigualdade persistente, por sua vez, corrói o tecido civil e corrompe as instituições públicas, em uma espiral de degradação. Como tudo na vida humana, a evolução social se faz por tentativas e erros. Mas, como diz a sabedoria popular, errar uma vez é humano; duas, é burrice. O PT inicia seu quinto mandato no Executivo em 20 anos. Se – como tudo indica – persistir nos mesmos erros, já será perversidade. Nem por isso a sociedade civil organizada, os governos regionais ou o Congresso precisam seguir pelo mesmo caminho.

A trapalhada do crédito consignado

O Estado de S. Paulo.

Governo implode linha de crédito de aposentados e pensionistas ao fixar juro máximo na base da canetada

O presidente Lula da Silva começou a se dar conta de que a falta de coordenação de seu governo pode ter efeitos desastrosos e, muitas vezes, contrários aos imaginados. A mais recente trapalhada se deu no âmbito do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), que, na última segunda-feira, decidiu reduzir o teto da taxa de juros cobrada em empréstimos consignados de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de 2,14% para 1,70% ao mês. O colegiado, formado por representantes do governo, aposentados, pensionistas, centrais sindicais e empregadores, aprovou o ato por 12 votos a 3. Para o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, que preside o CNPS, a taxa anterior era abusiva.

Com a Selic em 13,75% ao ano, que corresponde ao custo de captação dos recursos no mercado, a maioria das 27 instituições que operavam linhas de crédito consignado já trabalhava com margens apertadas e próximas de zero. A decisão do Conselho, no entanto, ignorou a lógica econômica, e o que se seguiu a essa canetada não surpreendeu ninguém. Como o corte dos juros inviabilizaria os empréstimos, os bancos optaram por suspender novas operações por tempo indeterminado.

Ninguém gosta de pagar juros altos, mas não havia nada no ambiente macroeconômico a justificar tal anúncio – a não ser uma mistura de voluntarismo e pensamento mágico, infelizmente muito comum em se tratando de governos populistas. Assim, eivado de boas intenções, Lupi conseguiu o exato oposto do que queria e implodiu a linha de crédito mais barata e acessível a aposentados e pensionistas, sobretudo os mais pobres e mais idosos.

Como muitos políticos, o ministro parece não ter refletido sobre a consequência de sua atitude. Se é verdade que o governo pode fixar o juro máximo da modalidade de crédito, também é fato que nenhum banco é obrigado a operar essas linhas – prova disso é que mesmo as instituições públicas, como o Banco do Brasil e a Caixa, deixaram de ofertá-las.

Embora as parcelas do consignado sejam descontadas na folha, não se trata de uma operação sem custos ou riscos. Para ficar em poucos exemplos, há uma rede de correspondentes bancários que empregam milhares de pessoas, bem como uma controvérsia legal e jurídica sobre o que acontece com a dívida em caso de morte do beneficiário.

Na guerra de versões que sucede a toda decisão estapafúrdia, o Ministério da Previdência disse que a redução dos juros teve apoio de Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Não parece. Na mesma semana, o presidente pediu a seus ministros que se abstivessem de anunciar “genialidades” que não tivessem aval de todo o governo. Já a Fazenda estuda formas de apagar esse incêndio.

Do total de 31,6 milhões de beneficiários do INSS, 14,5 milhões têm contratos de empréstimo consignado, e 42% deles estão com o nome sujo na praça. Até que a confusão seja resolvida, restará aos mais endividados acessar as linhas ofertadas para negativados, em torno de 20% ao mês, ou recorrer a agiotas. Espera-se que essa história sirva de lição a todo o governo.

 

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