Folha de S. Paulo
STF prolonga as exceções jurídicas para
além do período de excepcionalidade política
Em Israel, o poder político avança sobre as
prerrogativas e a independência da Suprema Corte. A sociedade israelense reage,
em defesa da democracia ameaçada. No Brasil, temos um problema quase oposto com
o STF, que opera há tempos como protagonista político. Contudo, desviamos o
debate substancial para a esfera das guerrilhas identitárias. A sucessão de
Rosa Weber é uma oportunidade para enfrentá-lo.
"In Fux we trust", replicou
Sergio Moro a uma mensagem de seu fiel escudeiro Dallagnol, em abril de 2016.
Não era só Luiz Fux: o juiz político podia confiar na maioria do STF. Ao longo
daqueles anos, o tribunal superior funcionou como câmara de eco do partido
clandestino da Lava Jato.
O STF militava. Embriagado pelos aplausos da opinião pública, fabricava leis implícitas de exceção. Então, suspendeu mandatos parlamentares, legalizou a prisão em segunda instância e referendou os acordos espúrios de delação premiada firmados pelo Ministério Público. A inflação do poder do tribunal refletia a desmoralização do Executivo e do Congresso.
Na etapa seguinte, premido pelas nuvens
sombrias do bolsonarismo, o STF mudou de foco, mas continuou a se embrenhar na
selva da política. Os fins eram nobres: proteger as instituições democráticas,
inclusive a própria corte suprema. Os meios, inventados no calor da batalha,
eram improvisações legais: um inquérito de ofício com horizonte indefinido e
alvos mutáveis, ordens de censura prévia e de cancelamento de contas em redes
sociais.
O STF militava novamente, agora enfrentando
um Executivo subversivo e um Congresso imobilizado pelo feitiço do orçamento
secreto. No fim, suas ações heterodoxas revelaram-se eficazes, talvez
decisivas, na resistência aos impulsos golpistas de Bolsonaro e sua trupe
cívico-militar. O problema é que o triunfo sedimentou-se como teoria: no lugar
de um parêntesis, uma doutrina.
O nome da doutrina, emprestada
impropriamente da Alemanha, é "democracia militante". À sombra dela,
o STF prolonga as exceções jurídicas para além do período de excepcionalidade
política, encerrado com a prisão dos vândalos do 8 de janeiro. Prova mais
recente: a ordem de busca e apreensão contra indivíduos sem foro especial
acusados de ofender e agredir Alexandre de Moraes e seus familiares no
aeroporto de Roma. Nesse caso, tenta-se justificar a intervenção do tribunal
superior sob a alegação imaterial de conexão com um movimento golpista
derrotado.
O protagonismo político do STF tende a
esculpir as indicações presidenciais de magistrados da corte. Bolsonaro indicou
dois juízes partidários, desmatando uma vereda que Lula começa a seguir: Zanin,
o advogado particular, foi uma primeira réplica lulista a Mendonça e Nunes
Marques. Sobram indícios de que o presidente cozinha uma segunda réplica,
contrariando mais uma vez sua promessa eleitoral de abster-se de conduzir
"amigos" à corte suprema.
Engajados na defesa de sua Suprema Corte,
os sindicatos de Israel articulam uma greve geral, os reservistas declaram
boicote às convocações militares e os partidos de oposição revelam-se dispostos
a deflagrar uma crise constitucional. Por aqui, nada disso é necessário, pois a
democracia não está em jogo. Mesmo assim, não temos o direito de ignorar a
crônica politização e a crescente partidarização do STF.
O "lulismo partidário" choca-se com o "lulismo identitário". Na hora da sucessão de Rosa Weber, os contestadores organizam-se em torno das bandeiras de gênero e cor. "Uma mulher!, uma mulher-negra!" –clamam os sacerdotes da política identitária. Alguns deles vão além, convertendo seus espaços de opinião na imprensa profissional em manifestos lobistas por nomes específicos: a "justiça histórica" tem mil e uma utilidades. Na algazarra inócua, enterramos os dilemas verdadeiros sobre a função do STF e o equilíbrio de Poderes.
Um comentário:
Pois é,ele fala mesmo,ou escreve mesmo,rs.
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