sábado, 29 de julho de 2023

João Gabriel de Lima* - Um crime que envergonha o Brasil

O Estado de S. Paulo

Além do assassinato de Marielle em si, a falta de solução para o crime enlameia a reputação do País

No prédio de número 64 na rua Gitschiner, em Berlim, há um mural para homenagear a vereadora brasileira Marielle Franco e lembrar seu assassinato em março de 2018. De lá, caminha-se 20 minutos pelo bairro boêmio de Kreuzberg e se chega à Marielle-Franco-Platz. Há espaços públicos com o nome de Marielle em Paris, Florença, Amsterdam e Buenos Aires. Em Lisboa, onde moro, há um mural em homenagem a Marielle no Monsanto, o maior parque da cidade.

A repercussão internacional do assassinato de Marielle foi um dos pretextos jurídicos para que a investigação saísse do Rio de Janeiro e passasse à alçada federal, no início deste ano. Nesta semana, em delação premiada, o ex-policial Élcio de Queiroz confirmou que o crime havia sido planejado, acusou o miliciano Ronnie Lessa de ser o executor e revelou detalhes fundamentais para que a Polícia Federal chegue ao mandante.

A delação e suas repercussões ganharam espaço na imprensa internacional. Assassinatos de políticos em democracias causam comoção mundo afora. “O crime mostra o que núcleos de poder autoritários são capazes de fazer para suprimir uma voz no debate público”, diz o jornalista Eugênio Bucci, colaborador do Estadão e entrevistado no minipodcast da semana.

Para Bucci, para além do assassinato em si, a falta de solução para o crime enlameia a reputação do Brasil. “O fato gera uma incerteza que é ruim para a democracia”, diz Bucci, que acaba de lançar um livro justamente sobre este tema – a incerteza.

Num dos capítulos da obra, Bucci faz uma diferenciação entre a investigação policial e a jornalística. O jornalismo se alimenta de entrevistas e fontes públicas, enquanto a polícia dispõe de um arsenal bem mais vasto de ferramentas de apuração.

Na investigação sobre o assassinato de Marielle, a polícia – mesmo com o poder de interrogar, apreender documentos e grampear telefones com a autorização da Justiça – ainda não esclareceu o fundamental. Se nem sempre consegue ter respostas, o jornalismo vem cumprindo sua missão de fazer as perguntas que ficaram no ar, mantendo-as vivas dentro do debate público. Quem mandou matar Marielle? E por quê?

A delação de Élcio de Queiroz é contribuição fundamental para que se desvende o mistério. Ela está disponível na íntegra no blog de Fausto Macedo, conhecido por anexar relatórios policiais às reportagens produzidas por sua equipe. Vale ir à página do Estadão conferir essa colaboração virtuosa entre investigação jornalística e investigação policial – e esperar os próximos passos na elucidação do crime que envergonha o Brasil.

*Escritor, pesquisador do Observatório da Qualidade da Democracia na Universidade de Lisboa e professor da Faap

 

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