O Globo
Não há ainda mecanismos legais que garantam
o salário mínimo
Nesta semana foi lançada uma nova edição
do relatório Fairwork Brasil, que avalia a qualidade do trabalho
por plataformas, como Uber, iFood e
Parafuzo. Pouca coisa mudou desde a edição anterior, lançada em 2021, que
mostrava trabalhos mal pagos, sem equipamento de proteção, com contratos e
práticas gerenciais opacas e pouco respeito à liberdade de associação dos
trabalhadores.
Numa escala de zero a dez, a maior nota, do aplicativo AppJusto, foi de apenas três. iFood fez dois pontos. Parafuzo fez um. Americanas, 99, GetNinjas, Lalamove, Loggi, Rappi e Uber não pontuaram. A situação destoa de outros países da América Latina, como Colômbia ou Equador, que tiveram aplicativos, avaliados com os mesmos critérios, fazendo até oito pontos.
Quase 2% da força de trabalho no país (1,7 milhão
de pessoas) trabalha parcial ou exclusivamente por plataformas, segundo estimativa do Ipea, a partir de dados da Pnad Contínua. Embora
esse tipo de trabalho esteja coberto pelo sistema MEI (de microempreendores),
apenas 23,6% dos trabalhadores contribuem para o INSS.
Em 2021, a renda média (bruta) dos motoristas de aplicativo era de R$ 1.900, e
a dos entregadores de R$ 1.500. Pesquisa do Datafolha entrevistando motoristas do Uber e
entregadores do iFood, a pedido das empresas, mostrou que metade deles tem nos
aplicativos a única fonte de renda e outros 14% têm neles não a única fonte,
mas a principal.
A pesquisa Fairwork Brasil mostrou que a
remuneração, descontados os custos para o trabalho (por exemplo, no caso de
motoristas e entregadores, a manutenção dos veículos, combustível etc.), não
atinge o valor por hora do salário mínimo (R$ 6) em oito das dez plataformas
analisadas. As exceções são AppJusto e Parafuzo.
Nenhuma das empresas analisadas conseguiu
demonstrar que provê treinamento e equipamento adequados para garantir a saúde
e a segurança ocupacional dos trabalhadores. Essa dimensão da proteção do
trabalho é extremamente relevante. Segundo uma coordenadora técnica do Hospital
das Clínicas de São Paulo, em depoimento à CPI municipal dos aplicativos, entre
60% e 70% dos internados graves no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do
hospital são vítimas de acidentes de moto. A informação é do site Intercept
Brasil.
Apenas duas plataformas, iFood e AppJusto,
conseguiram demonstrar que o contrato ou termos da plataforma são claros,
transparentes e acessíveis aos trabalhadores. Nenhuma plataforma conseguiu
demonstrar que não impõe cláusulas abusivas ou que oferece transparência para
os cálculos das tarifas dinâmicas.
No tocante às decisões que afetam os
trabalhadores, outra vez apenas iFood e AppJusto demonstraram oferecer canais
claros e de fácil acesso para eles recorrerem de notas baixas, não pagamentos,
desativações e outras medidas.
Nenhuma plataforma demonstrou respeitar a
liberdade de associação e de expressão dos trabalhadores. Nesse item, as
plataformas deveriam demonstrar que a associação não é inibida, e os trabalhadores
não são prejudicados por se organizarem. No ano passado, reportagem da Agência
Pública mostrou que o iFood atuou
agressivamente contra a organização dos seus entregadores,
chegando a contratar marqueteiros e atores para se infiltrar e sabotar um
movimento grevista.
Embora os trabalhadores por aplicativos
sejam uma das categorias mais numerosas do país, seu trabalho continua, em
ampla medida, desprotegido. Não há ainda mecanismos legais que garantam que
eles recebam o salário mínimo, descontados os custos para o trabalho. Não há
disposição para que as empresas custeiem seguros e equipamentos de proteção.
Não há regulação exigindo transparência dos algoritmos das plataformas. E não
há obrigatoriedade de contribuição para o INSS, o que garantiria aposentadoria,
auxílio-doença, auxílio-maternidade e pensão por morte.
O Ministério do Trabalho formou um grupo de
trabalho tripartite (empresas, trabalhadores e governo) para elaborar uma
proposta de regulação do trabalho por plataforma que deve ser apresentada ainda
no segundo semestre. Vamos torcer para que uma regulação bem feita surja desse
esforço conjunto e que o Congresso a aprove com presteza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário