domingo, 9 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Mesquinhez e estreiteza

Revista Será? (7.6.24)

Nos últimos meses, o Congresso Nacional dedicou muitas das sessões a várias horas de negociação e a uma enorme arenga política para decidir sobre a taxa de importação de “bugigangas” chinesas — as blusinhas das plataformas — e para suspender o direito de saídas temporárias de presos em visita a familiares — as chamadas saidinhas. Entre outras bugigangas políticas.

Diante dos grandes e delicados problemas nacionais, como a persistente pobreza e as desigualdades sociais, a lamentável situação da educação, a violência e a estagnação da economia, é muita mediocridade dos representantes políticos da nação, eleitos e pagos pela sociedade para decidir sobre os destinos do Brasil, afundarem em debates e decisões de pouco significado, além de carregados de perversidade. A suspensão da saída de prisioneiros é uma decisão cruel, sem nenhum efeito sobre a dramática crise de segurança do Brasil, e ainda elimina um instrumento de ressocialização dos prisioneiros de bom comportamento (apenas 2% dos que saem não retornam).

A taxa de importação sobre produtos chineses de até US$ 50 não é de todo irrelevante, pois protege a indústria e o comércio nacionais do que seria uma concorrência desleal e gera receita pública adicional, penalizando, é verdade, o consumidor de baixa e média renda. Ocorre que, segundo o artigo 153 da Constituição, a definição do imposto de importação é uma prerrogativa do Executivo, tornando inadequada e desnecessária toda esta controvérsia gerada pelo Congresso Nacional. Fernando Haddad deve ter gostado; Lula foi contra e ameaçou vetar, pois temia perda de popularidade, e os parlamentares enfiaram o jabuti das blusinhas na Medida Provisória Mobilidade Verde (Mover), que concede créditos para a indústria automobilística investir em pesquisa voltada para redução de emissões de CO2. A MP foi aprovada e o jabuti virou a grande controvérsia. No fundo, uma briguinha política de baixa qualidade para ver quem se desgastava mais com os compradores das bugigangas chinesas, o Congresso tentando forçar Lula a vetar a taxa e, desta forma, queimar sua imagem com os consumidores pobres. É muita mediocridade e mesquinhez juntas!

Derrotas em série

Revista Veja (7.6.24)

Cada vez mais, o incensado talento político de Lula precisa reaparecer para que o governo não fique perdido e à mercê do Congresso

Ao longo de sua impressionante e vitoriosa trajetória, Lula se notabilizou pela habilidade acima da média no jogo das articulações políticas. Esse sempre foi um talento reconhecido até pelos mais renhidos adversários. Durante a campanha de 2022, talvez por confiar demais nessa capacidade, o petista se comportou com uma certa soberba ao ser questionado sobre como construiria os alicerces de apoio sustentado por uma base minoritária de esquerda dentro de um Parlamento majoritariamente de direita e fortalecido como nunca se viu antes na história. À época, Lula disse que o diálogo iria ser sua principal arma para sair dessa autêntica sinuca de bico da governabilidade (“Conversar na boa, à luz do dia”, afirmou). Aproveitou ainda para alfinetar o antecessor, Jair Bolsonaro, prometendo que teria um comportamento diferente no trato com deputados e senadores. “A gente não pode continuar com um Congresso que tornou o presidente da República refém”, declarou.

Até aqui, no entanto, as tentativas para fazer valer os pontos de vista de seu governo no Legislativo são um fracasso retumbante. Exemplos recentes disso foram as derrotas sucessivas colhidas nas últimas semanas em questões que vão da segurança pública à regulação das redes. Mesmo os triunfos relevantes obtidos no primeiro ano, como a aprovação da reforma tributária, acabaram sendo conquistados em boa parte graças ao empenho de líderes do Congresso, como Arthur Lira, o presidente da Câmara. Ironicamente, o petista, que criticou o antecessor por ter se tornado, nas suas palavras, refém do Congresso, adotou tática semelhante para tentar garantir a governabilidade, só que com resultados até aqui piores do que os de Bolsonaro por esse mesmo critério.

Conforme mostra reportagem da edição, a distribuição de emendas parlamentares na administração Lula vem privilegiando partidos que, na teoria, formam a base do governo, como PSD, MDB e União Brasil. Na prática, porém, mesmo agraciadas com esse dinheiro, nas votações importantes para o Palácio do Planalto essas legendas demonstram um alto grau de falta de compromisso — em alguns casos, mais da metade da bancada comporta-se de forma infiel. Se não bastasse isso, as legendas desse grupo são justamente as aquinhoadas com o fatiamento da Esplanada dos Ministérios aos aliados. Ainda que o atual governo tente minimizar a situação, ela é preocupante, pois o próprio Lula não parece convencido de que a realidade atual é bem distinta daquela encontrada por ele nos seus dois governos anteriores. Em outros termos, a ficha ainda não caiu para um presidente que vai se aproximando de completar dois anos de mandato e ainda patina em suas relações com o Legislativo. Cada vez mais, o incensado talento político do petista precisa reaparecer para que o governo não fique perdido e à mercê do Congresso nas grandes questões do país.

Lula e a greve no ensino superior

Correio Braziliense

O protesto dos profissionais da educação entra em uma semana decisiva, com a participação do presidente Lula nas negociações para encerrar o movimento grevista. O chefe do Executivo tem uma reunião agendada para amanhã com os representantes dos reitores das universidades.

A greve das universidades públicas e institutos federais está próxima dos 60 dias, com graves prejuízos para o ensino superior em 2024. Pelo menos 60 instituições de ensino superior mantêm adesão ao movimento, segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes). A paralisação dos técnicos-administrativos se estende há ainda mais tempo. Desde 11 de março a categoria não cumpre expediente, como forma de pressionar o governo.

O protesto dos profissionais da educação entra em uma semana decisiva, com a participação do presidente Lula nas negociações para encerrar o movimento grevista. O chefe do Executivo tem uma reunião agendada para amanhã com os representantes dos reitores das universidades. Há uma expectativa de que o governo amplie as verbas de custeio, hoje orçadas em R$ 6,8 bilhões para 2024. Segundo cálculos dos dirigentes das instituições, esse montante é insuficiente para cobrir as despesas até o fim do ano. Além disso, o presidente Lula deve anunciar um conjunto de obras e reformas na rede de ensino superior, dentro do programa PAC universidades.

Com essas medidas, o governo espera obter o apoio dos reitores no esforço para encerrar o movimento grevista de professores e servidores. Não será tarefa fácil. O Ministério da Gestão e Inovação (MGI) negocia com as categorias desde abril, mas, no caso dos docentes, a proposta de reajuste em 2025 e 2026 vem sendo sistematicamente rejeitada. Para complicar a situação, há dissenso até entre os grevistas. O acordo firmado entre o MGI e a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes) foi anulado pela Justiça Federal. Em suma, há uma grande confusão na Educação do Brasil.

Ninguém em sã consciência desconhece as dificuldades enfrentadas pelas universidades públicas e institutos federais. Mas, após meses de paralisação, há a possibilidade de os danos acumulados pela inatividade superarem os ganhos já obtidos nas negociações salariais. A greve prejudica a formação de milhares de estudantes — especialmente aqueles de classes menos favorecidas e que veem na educação pública e gratuita uma chance de progressão social. Há ainda o risco de o movimento despertar uma reprovação da sociedade. É o dinheiro dos contribuintes que sustenta o ensino público superior, e nem todos haverão de concordar com a manutenção de um movimento grevista que, mal ou bem, já obteve uma atualização salarial.

É preciso reconhecer, ainda, o esforço do governo Lula em dialogar com as categorias da educação. Em 2023, houve uma recomposição salarial de 9% para todos os servidores, além de aumento no pagamento das bolsas de pesquisa científica. São avanços concretos e relevantes, levando-se em conta que o governo anterior, contaminado por uma ideologia obtusa, somente se dirigia às universidades por meio de cortes orçamentários e ofensas.

A valorização do ensino superior não é tarefa apenas deste governo; trata-se de política de Estado. Historicamente, o Estado tem alternado avanços e retrocessos no trato com as instituições educadoras. Não se pode esperar, portanto, que todos os problemas de universidades e institutos federais sejam sanados em dois ou três anos. Há de se buscar outras formas de garantir conquistas para a educação — entre elas, eleger parlamentares que valorizem a educação no orçamento, e não apenas no discurso de campanha.

Resultado do PIB não é motivo para complacência

O Globo

Sem ajuste fiscal, não será possível manter desempenho compatível com o obtido no primeiro trimestre

Depois da estagnação no segundo semestre do ano passado, é boa notícia que o PIB tenha voltado a crescer de modo robusto — entre janeiro e março, 0,8% na comparação com o trimestre anterior ou 2,5% em relação ao mesmo período de 2023. Nos 12 meses encerrados em março, a economia cresceu 2,5%, e a expectativa é que no fim do ano esteja 2% maior que no início, em razão da “herança estatística” de 1% atribuída ao crescimento já registrado. O bom momento, porém, não permite complacência.

O desempenho positivo do primeiro trimestre traz lições que deveriam reverberar no Executivo e no Congresso, fortalecendo a urgência na aprovação de reformas e na responsabilidade fiscal. A alta do PIB neste início de ano foi puxada pelo setor de serviços, principalmente devido à contribuição do comércio varejista e dos serviços pessoais. Na base de sustentação do crescimento do consumo das famílias está um mercado de trabalho aquecido, com mais empregos formais e mais renda — reflexo das mudanças das leis trabalhistas feitas em 2017. Olhando para a frente, os parlamentares deveriam priorizar a regulamentação da reforma tributária, que tem andado a passos lentos, mas tem potencial de aumentar o ritmo de crescimento da economia no médio e longo prazos.

Assim que o IBGE anunciou os dados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou: “O PIB avançou no primeiro trimestre deste ano puxado por maior consumo das famílias e serviços. E outra boa notícia é que, segundo o FMI, o Brasil subirá mais uma posição, chegando a oitavo PIB mundial. Mais uma prova de que estamos no rumo certo”. Lula está no seu papel de comemorar um número positivo. Que presidente não faria o mesmo? Mas seria mais realista se também mencionasse os temores sobre o futuro da economia. Eles têm relação inequívoca com as ações do governo. Decididamente, não estamos no melhor rumo.

Decisões erráticas têm corroído a credibilidade da política fiscal e alimentado a pressão inflacionária. Uma das boas-novas anunciadas pelo IBGE foi o aumento dos investimentos. Alavancados pela alta na importação de bens de capital, no desenvolvimento de software e na construção, eles cresceram 4,1% entre janeiro e março, ante o último trimestre de 2023. Como proporção do PIB, porém, a taxa de investimento segue baixa (16,9%). Na hora de decidir ampliar seus negócios, empresas levam em consideração o cenário da política monetária, influenciada pela perda de credibilidade fiscal.

O corte de juros promovido pelo Banco Central desde agosto certamente teve peso no resultado do PIB. Mas como se comportarão os investimentos no futuro? Há dúvidas pertinentes sobre o compromisso fiscal de Lula. Quanto maior o rombo nas contas do governo, maiores a incerteza sobre a trajetória da dívida pública e a pressão sobre a inflação e o BC. Também serão decisivos para definir o quadro futuro a política de juros nos Estados Unidos e o saldo da catástrofe no Rio Grande do Sul. O Brasil já perdeu pelo menos uma década com o PIB per capita estagnado. A população está envelhecendo antes de o país enriquecer. Para reverter isso, crescer mais e de forma sustentada deve ser prioridade. Isso é impossível sem um robusto ajuste fiscal, capaz de acomodar as necessidades de um Estado a cada dia mais voraz à capacidade produtiva de uma sociedade prestes a entrar em exaustão.

Distância entre mercado de trabalho e universidades virou fonte de frustração

O Globo

Minoria dos recém-formados nos cinco cursos mais procurados encontra emprego na própria área

O Brasil atingiu em 2022 o recorde de 9,4 milhões de estudantes na universidade, revelam dados do Censo do Ensino Superior. Segundo o IBGE, 19,7% da população tem curso superior, índice acanhado em comparação com os países desenvolvidos, mas mais que o dobro dos 7,9% da década passada. Infelizmente, as faculdades continuam a formar profissionais sem as competências exigidas pelo mercado de trabalho. Há um fosso entre o perfil das matrículas no ensino superior e a carência de mão de obra.

Cinco cursos de graduação atraem mais de 25% dos universitários: Pedagogia (821,8 mil), Direito (671,7 mil), Administração (638,7 mil), Enfermagem (457,9 mil) e Contabilidade (327,4 mil). Uma minoria dos recém-formados nessas profissões obtém emprego formal na área, segundo estudo da consultoria Geofusion com 400 mil formandos: 15,5% dos pedagogos, 13,3% dos contadores, 8,9% dos advogados, 7% dos enfermeiros e 3,4% dos administradores. Há enorme frustração entre os demais. Terminam deixando o diploma na gaveta e trabalham em atividades para as quais, em muitos casos, bastaria ensino médio ou profissionalizante.

Hoje as empresas necessitam sobretudo de profissionais formados em áreas relacionadas à sigla em inglês STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática). Só na área de tecnologia da informação e comunicação (TIC), a procura por profissionais cresce a 10% ao ano, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre). Um levantamento feito pelo Google com a Associação Brasileira de Startups (Abstartups) prevê, até o ano que vem, a falta de 530 mil profissionais de tecnologia no país.

Isso resulta em situações impensáveis. A CloudWalk, dona da maquininha de pagamentos InfinitePay, aumentou sua equipe dedicada à inteligência artificial (IA) de 34 para 45 pessoas em um ano, fazendo seleção de candidatos aberta ao mundo. Como faltam profissionais no Brasil e o trabalho pode ser feito de forma remota, os estrangeiros foram a salvação. Fazem parte do quadro da empresa profissionais de países como África do Sul, Índia, Canadá e Bolívia.

Tal constatação deveria ser suficiente para legisladores e governo tratarem de formular um amplo programa para acabar com a distância entre o perfil de matrículas nas universidades e a demanda das empresas. Desde o ensino fundamental deve haver ênfase nas disciplinas relacionadas às profissões exigidas pelo mercado de trabalho. Mal acabou de aprovar um currículo comum para o ensino básico, o Brasil já está atrasado e precisa atualizar sua política educacional.

Desvincular Orçamento é reforma urgente

Folha de S. Paulo

Destinação obrigatória enrijece 90% do gasto federal, eleva dívida e juros e mina debate sobre prioridades e eficiência

Alguns indicadores econômicos brasileiros, de tão destoantes do padrão no mundo desenvolvido, deveriam fazer soar alertas para a correção urgente dos rumos.

Um deles, sem dúvida, é o nível extravagante das despesas de execução obrigatória no Orçamento da União, permanentemente alimentado por engrenagens legais de indexação automática. Em razão desse mecanismo, 90% do desembolso federal hoje tem a sua destinação assentada em pedra.

Nos EUA, a taxa de rigidez orçamentária do governo nacional pouco supera os 60%. A da Coreia do Sul, caso exemplar de enriquecimento acelerado nas décadas finais do século 20, fica em torno de 50%.

Algumas das desvantagens e dos custos de sustentar tamanha calcificação financeira tornaram-se evidentes na resposta ao desastre das enchentes no Rio Grande do Sul.

Impossibilitado por regras constitucionais de rever parcela majoritária da execução orçamentária vigente diante de uma emergência, restou ao governo federal o recurso, caríssimo, de autorizar a tomada de ainda mais dinheiro emprestado dos credores do Tesouro.

O apoio federal à reconstrução da infraestrutura gaúcha, a qual se estenderá pelos próximos anos, tampouco terá o volume e a fluidez possíveis num regime orçamentário mais flexível. Comprimida pelos dispêndios obrigatórios, a rubrica dos investimentos da União em obras e melhorias para todo o país nem sequer atinge 0,8% do PIB.

Se nada for feito, vai continuar o processo de esmagamento dos gastos chamados de discricionários —aqueles cuja destinação pode ser objeto de deliberação pelos representantes da população.

Entre os defeitos das leis que criaram o atual marco fiscal, precocemente desgastado pela inclinação à gastança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), consta o de ter voltado a destampar a caixa de Pandora da feroz vinculação de despesas com saúde e educação.

Antes submetidas à correção pela inflação do sepultado teto de gastos, elas agora assumem um percentual da arrecadação federal. Essa arapuca transforma qualquer aumento de receita tributária —o único modo perseguido por este governo perdulário de diminuir o rombo fiscal— em elevação obrigatória de despesa no ato seguinte.

Some-se a isso o retorno, pela mão da administração petista, das correções do salário mínimo acima da inflação. Como o piso salarial indexa 60% dos benefícios da Previdência, o resultado é um crescimento veloz e insustentável desse item polpudo da despesa federal.

Quando os desembolsos obrigatórios crescem rapidamente, e quando o aumento de receita implica mais gasto, a compressão dos discricionários só não é inexorável com recurso ao endividamento.

Não é por outra razão que a dívida bruta do governo federal, hoje de 76% do PIB, deve continuar a crescer pelos próximos anos se o statu quo das instituições fiscais não for alterado. Esperar que o país retome juros civilizados nesse contexto equivale a crer em magia.

Recolocar as instituições fiscais no caminho condizente com o crescimento sustentável da economia passa por uma reforma do Orçamento que desvincule as despesas e reduza sobremaneira o peso dos gastos obrigatórios.

A boa prática internacional, adotada só no papel pelo Brasil, preconiza que se discutam antes de tudo o mérito e o objetivo dos programas candidatos a ser financiados pelo erário. O custeio deve estar submetido a esse debate, ao cotejo de prioridades e à avaliação constante dos resultados.

Por que a política social no Brasil protege muito mais os idosos do que as crianças? A lógica dos reajustes e pisos automáticos dificulta que se chegue a uma outra alocação desses recursos, de acordo com a vontade dos políticos eleitos hoje, e não num passado em que os desafios eram diferentes.

Já está demonstrado fartamente que a simples garantia —ou mesmo o aumento— de verbas não assegura uma boa política pública. Reservas orçamentárias frequentemente alimentam mais os lobbies bem posicionados do que atacam o problema do cidadão na ponta.

Por isso não há nenhuma surpresa no fato de a governança política brasileira ter entrado numa espiral que combina descontrole fiscal —com aumento contínuo e insustentável de despesas— e péssimos serviços prestados à população.

Para escapar da maldição, que retarda o desenvolvimento do país, cumpre recuperar a centralidade do debate orçamentário na política nacional. Há pouca coisa mais importante na democracia do que estabelecer os níveis e modos da tributação e da despesa feita com o suor e em nome dos cidadãos.

Anistia inaceitável

O Estado de S. Paulo

No cenário de desordem institucional, está em curso um plano para reabilitar Bolsonaro com vista a 2026. Ou as instituições democráticas recobram o prumo ou o golpismo prospera

Está em curso um plano de reabilitação de Jair Bolsonaro para permitir que ele concorra à Presidência em 2026. Fossem estes tempos normais, esse cenário seria um devaneio dos apoiadores mais fervorosos do ex-presidente. Mas estes não são tempos normais, não do ponto de vista institucional. E o bolsonarismo, como se sabe, vampiriza sua força da atimia das instituições – seja pela tibieza, falta de espírito público ou desvios de comportamento de alguns de seus membros.

O Congresso só faz aumentar seu poder, pela via do controle do Orçamento, sem a devida responsabilização pelas escolhas que faz. Some-se a isso a fragmentação partidária e estão dados os reveses inauditos ao chamado presidencialismo de coalizão. O presidente Lula da Silva, por sua vez, parece alheio à realidade do País. Governa como se tivesse sido eleito por folgada maioria de ditos “progressistas”, fechado que está em seus interesses mais imediatos e na fracassada agenda do PT. Já o Supremo Tribunal Federal (STF) tem agido com denodo para macular sua imagem perante a opinião pública – e não só entre bolsonaristas. Não raro, ministros têm se comportado como se fossem maiores do que a própria Corte, minando a legitimidade que não apenas é o esteio do Poder Judiciário, mas do próprio Estado Democrático de Direito.

É nesse contexto de desordem institucional que se tem tratado, à luz do dia, de algumas medidas que têm por fim anistiar o maior vândalo político que esta República democrática conheceu nos últimos 35 anos, o “mito” inspirador de uma tentativa de golpe de Estado. Nada menos. Das duas, uma: ou as instituições democráticas recobram o prumo ou o golpismo prospera.

Há poucos dias, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Caroline de Toni (PL-SC), designou o colega Rodrigo Valadares (União-SE) como relator de um projeto de lei que concede anistia aos golpistas do 8 de Janeiro. Como ambos são bolsonaristas de quatro costados, não é difícil imaginar como serão os trabalhos na CCJ e o relatório final. É igualmente cristalino o fato de que ninguém se importa com a desdita dos liberticidas que tomaram Brasília de assalto naquele dia infame. Fossem mais honestos os patrocinadores desse descabido projeto de lei, dar-lhe-iam o nome de “emenda Bolsonaro”, pois é de livrá-lo da Justiça e reabilitá-lo eleitoralmente que se trata.

Em outra manobra claramente oportunista, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), resolveu desengavetar um projeto de lei de 2016 que proíbe a homologação judicial de acordos de colaboração premiada firmados por colaboradores presos, além de punir quem divulgar o conteúdo das delações – uma óbvia criminalização do jornalismo profissional. São dois os objetivos de Lira com essa manobra. Primeiro, cortejar o PL, partido de Bolsonaro. Com uma bancada de 95 deputados, a sigla é crucial para a pretensão do presidente da Casa de fazer seu sucessor. No limite, o projeto – de autoria do ex-deputado petista Wadih Damous (RJ) – pode anular a delação do tenente-coronel Mauro César Cid contra o ex-chefe. Além disso, Lira sacou de seu baú de maldades mais um instrumento para fustigar Lula, que agora não tem mais qualquer interesse nesse projeto, a fim de manter o governo em rédea curta. Não à toa, Bolsonaro declarou publicamente que apoiará “o nome do Lira” à presidência da Câmara em fevereiro de 2025.

A anistia se tornou a maior obsessão de Bolsonaro depois das fracassadas tentativas, legais e ilegais, de se manter no poder. Esse arranjo intolerável, entretanto, interessa apenas e tão somente ao ex-presidente e a seu grupo político, em particular sua família.

Não é do interesse nacional perdoar os golpistas – nenhum deles. É absolutamente inaceitável tolerar qualquer indulgência com intolerantes que tentaram cassar as liberdades democráticas neste país. A punição exemplar de todos os golpistas é a melhor defesa da democracia, se não a única, contra os seus inimigos. Para estes, é preciso deixar claro que a conta de sua ousadia é pesada. Só isso poderá evitar que a barbaridade se repita.

A várzea lulopetista

O Estado de S. Paulo

Lula entra em campo para tentar salvar a articulação do governo, que vive fazendo gol contra. Mas de nada adianta ter o ‘Pelé da política’ se o PT não passa a bola para ninguém

A semana em Brasília terminou pior do que como começou, apesar da promessa do presidente Lula da Silva de azeitar a articulação política do governo. Após as fragorosas derrotas durante a análise de vetos no Congresso – sobretudo à chamada pauta de costumes –, que culminaram, entre outros reveses, no fim da chamada “saidinha” de presos do regime semiaberto, a ala responsável pela interlocução com parlamentares naufragou, a princípio, na missão de dinamizar a relação com o Legislativo.

Lula reuniu os aliados de sempre para debater o problema. Começou mal. Sem sinal da tal da frente ampla, participaram do encontro os líderes do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE); no Senado, Jaques Wagner (PT-BA); e no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) – que, embora sem legenda, só falta assinar a ficha de filiação ao PT. Estavam presentes também os secretários executivos da Casa Civil, Miriam Belchior, e da Fazenda, Dario Durigan.

Como o lulopetismo crê nunca errar, a conta de seus infortúnios, claro, cai sempre no colo dos outros. Sobrou para ministros do Centrão, por supostamente não entregarem votos; para a comunicação, pela incapacidade de transmitir à sociedade quão geniais são as ideias do governo; e até para o Congresso, representante do povo, que com seu conservadorismo não consegue captar o vanguardismo do governo petista.

Mesmo assim, há quem diga que houve mea culpa. Ficou decidido, então, que Lula da Silva – qualificado pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, como “o Pelé da política” – vestirá a camisa após mais de um terço de mandato para, enfim, dialogar, negociar e governar. É um iniciativa reiteradamente anunciada e não cumprida, o que obviamente suscita ceticismo. Em entrevista ao jornal O Globo, Jacques Wagner reconheceu que político quer é “foto com o presidente”.

Em um lampejo de lucidez, Randolfe, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, recomendou foco na economia. Ao que tudo indica, um conselho vão. Na semana da pretensa concertação, a tensão aumentou e contaminou pautas relevantes, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, visitava o papa.

A votação no Senado da “taxação das blusinhas”, que mira compras de até US$ 50 em plataformas asiáticas, foi ameaçada por uma disputa paroquial em Alagoas e estremeceu ainda mais a já abalada relação do governo Lula da Silva com Arthur Lira, que foi surpreendido pela retirada “do jabuti” do projeto do Mover. Lira chegou a colocar em dúvida a aprovação do programa de estímulo à indústria automotiva. Ao fim, a taxação foi aprovada e voltou para a Câmara – agora, aguardam-se os próximos capítulos.

A medida provisória (MP) editada para compensar a desoneração da folha de pagamento de empresas de 17 setores da economia e de prefeituras, com a limitação do uso de crédito de PIS/Cofins, já enfrenta resistência. Alguém achou por bem não consultar previamente as lideranças no Legislativo. Deu no que deu. Nada menos do que 27 frentes parlamentares pediram ao presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSDMG), a devolução da MP, o que tornaria evidente o mal-estar entre os Poderes.

Diálogo e afagos à parte, fato é que, nos últimos anos, a correlação de forças mudou. O Congresso aumentou o controle sobre o Orçamento, com o avanço sobre as emendas, e há quem tenha anunciado o funeral do presidencialismo de coalizão. O fato, no entanto, é que o presidencialismo de coalizão só funciona se houver vontade e habilidade do presidente para formar uma coalizão, como fez Michel Temer ao governar o País em meio ao tumulto pós-impeachment de Dilma Rousseff. Como bem lembrou o cientista político Carlos Pereira em recente coluna no Estadão, “os insucessos legislativos de presidentes estão, na realidade, relacionados às suas escolhas de como montar e gerenciar sua coalizão”.

Cabe ao presidente o gerenciamento de sua base, a partilha de poder e a abertura ao diálogo. Só discurso não basta. Para isso, porém, seria necessário superar o projeto hegemônico do PT, cuja tradicional predominância nas áreas mais sensíveis do governo é inversamente proporcional à sua capacidade de agregar apoio parlamentar. E isso Lula jamais fará.

A picuinha de Lula com Israel

O Estado de S. Paulo

Por causa do narcisismo ideológico do petista, o Brasil ainda não tem embaixador em Israel

Em meio ao maior conflito no Oriente Médio em anos, o Brasil está há quase quatro meses sem representação adequada em Israel, e, pelas sinalizações do governo, seguirá assim indefinidamente. Em fevereiro, o embaixador Frederico Meyer foi convocado ao Brasil. Agora, o governo o transferiu para a Suíça, sem indicar um substituto. É o pior momento em mais de 70 anos de relação entre os dois países. O estupefaciente é que só se pode falar em “crise” entre aspas. Não há razão de Estado para o cisma. Não há conflito entre os países, só entre Lula da Silva e Israel.

Lula insultou israelenses e judeus ao equiparar a operação de Israel em Gaza ao Holocausto. Num gesto de desaprovação, o governo israelense convocou Meyer ao Museu do Holocausto, onde declarou Lula

persona non grata até que se retratasse. Em seu cinismo passivo-agressivo, a propaganda governista alardeia que a descompostura foi passada em hebraico, língua que Meyer desconhece.

É essa suposta “humilhação” do embaixador que o lulopetismo tenta vender como “ofensa” ao Brasil, e usa de pretexto para crispar as relações com Israel. Ora, autoridades de um país não têm obrigação de se comunicar neste país em outro idioma que não o nativo. Já um embaixador deveria ter alguma familiaridade com ele. Não sendo o caso, pode recorrer a um intérprete.

O Brasil não foi ofendido, e 8 em 10 brasileiros, segundo pesquisa Big Data, entendem que foi Lula quem ofendeu Israel. Mesmo admitindo-se a inadequação da réplica de Israel, a tréplica foi desproporcional. Bastaria uma manifestação de censura. Convocar o embaixador equivale ao último passo antes do rompimento. O embaixador de Israel segue operando no Brasil. Já o governo Lula, ao deixar o posto vacante, faz um novo gesto de hostilidade.

Israel é a democracia mais sólida do Oriente Médio, a rigor a única, e tem com o Brasil uma longa relação de amizade, em certa medida umbilical: foi o Brasil que em 1947 conduziu a votação na ONU que lançou as bases para a criação do Estado de Israel e também o da Palestina.

Em calamidades recentes, como em Brumadinho e na pandemia, Israel ofereceu ajuda humanitária ao Brasil. O comércio entre os dois vinha crescendo, chegando a um auge de US$ 4 bilhões em 2022. Em 2023, importações e exportações diminuíram. Em 2022, Brasil e Israel ratificaram um acordo de cooperação em segurança cibernética, em que Israel é líder mundial, mas Lula engavetou sua promulgação. Uma licitação do Exército vencida por uma empresa israelense foi suspensa por razões opacas.

Há poucos dias, Israel resgatou o cadáver de um brasileiro sequestrado e executado pelos terroristas genocidas que Lula se recusa a chamar de terroristas genocidas. Os 15 mil brasileiros em Israel estão desassistidos por seu governo, que, para piorar, pulverizou as chances de o Brasil atuar como articulador da paz entre Israel e Palestina.

São só alguns dos custos que o Brasil paga pela submissão de sua política externa às taras ideológicas antiocidentais de Lula e pelo sequestro do Itamaraty por seu ego. Isso sim humilha os brasileiros.

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