Dilma gastou mais que Bolsonaro para tentar se reeleger
O Globo
Estudo estima as despesas dela em 3,1% do PIB
e as dele em 0,2% — mas ambos recorreram a gastos ocultos
O Brasil tem um longo e problemático
histórico de incúria fiscal em anos eleitorais. Tanto Dilma
Rousseff quanto Jair
Bolsonaro, apesar das diferenças ideológicas, recorreram a gastos
eleitoreiros em suas respectivas tentativas de reeleição. Ambos adotaram
mecanismos de contabilidade criativa para ocultar despesas. Mas um olhar atento
revela diferenças, constata um novo estudo dos economistas Alexandre Manoel,
Marcos Lisboa, Marcos Mendes e Samuel Pessôa, recém-publicado pelo Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Para comparar os gastos, eles estimaram a variação entre os dois primeiros e os dois últimos anos de cada mandato. Constataram que, na tentativa de reeleição de Dilma em 2014, sua administração aumentara as despesas primárias em 1,4% do PIB. A maior extensão da prodigalidade fiscal, porém, ficou oculta. Pelos cálculos dos economistas, Dilma ainda acumulou 1,7% adicional do PIB em “gastos encobertos”, como adiamento de despesas para o próximo governo (restos a pagar) e manipulação da contabilidade das empresas estatais. Ao todo, entre o visível e o oculto, Dilma gastou 3,1% do PIB para se reeleger.
Bolsonaro adotou estratégia diferente em
2022. Em sua gestão, houve redução de 0,7% nos gastos primários visíveis,
comparando o biênio 2021-2022 ao 2019-2020. Em contrapartida, ele também
recorreu a “gastos encobertos” estimados em 0,9% do PIB. Isso inclui o atraso
de pagamentos de precatórios no valor de R$ 27,2 bilhões ao longo de quatro
anos e o aumento do estoque de contas não pagas em R$ 65,5 bilhões. Uma
diferença crucial emerge na comparação: enquanto, sob Dilma, as despesas
adicionais visíveis e ocultas atingiram 3,1% do PIB, sob Bolsonaro ficaram em
apenas 0,2%.
Houve outra diferença crítica: a intervenção
no mercado de câmbio. O governo Dilma, sem Banco Central (BC) independente,
sustentou artificialmente o real antes da eleição de 2014, aumentando o estoque
de contratos cambiais de zero para 4% do PIB entre 2013 e o terceiro trimestre
de 2014, quando o déficit em conta-corrente comprovava a necessidade de
desvalorização. Essa intervenção se revelou insustentável e prejudicou a
economia. Em contraste, Bolsonaro se beneficiou da independência do BC,
aprovada em 2021. Seu governo não se envolveu em manipulação cambial. A
evolução institucional impôs uma restrição crucial ao populismo em ano
eleitoral.
É verdade que é difícil definir com precisão
gastos eleitorais. Para garantir uma comparação justa, os economistas
exploraram vários ajustes nos cálculos, considerando fatores como subsídios aos
combustíveis, incentivos fiscais, o ciclo econômico e diferentes classificações
para as contas não pagas. Mesmo após aplicar os ajustes mais favoráveis a
Dilma, concluem que os gastos dela antes da eleição superaram os de Bolsonaro.
Ambas as gestões priorizaram ganhos políticos
de curto prazo em detrimento da estabilidade no longo prazo. Tanto Dilma quanto
Bolsonaro exploraram fraquezas institucionais para manipular a política fiscal.
O estudo revela a necessidade de maior transparência e de mecanismos de
supervisão mais fortes para evitar a exploração de “gastos encobertos” à margem
das regras fiscais, também frequentes agora, no governo Luiz Inácio Lula da
Silva.
Êxito dos estados na educação não depende de
riqueza nem de região
O Globo
Pará, Goiás e Paraná foram os que mais
avançaram, de acordo com novo estudo. No Rio, houve maior recuo
Na educação,
o governo federal tem o papel insubstituível de determinar políticas nacionais
e de coordenar a implementação. Mas os maiores responsáveis são os governos
estaduais. Está nas mãos deles a capacidade de gerir as redes de ensino e
promover mudanças. Os resultados não são uniformes, mas a experiência dos
estados bem-sucedidos deveria ser estudada em mais detalhes para inspirar os
demais.
A ONG Todos Pela Educação analisou as notas
de alunos do ensino médio no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) nos
16 estados com governadores em segundo mandato, onde é possível verificar
continuidade nas políticas educacionais. De 2017 a 2023, a rede de ensino do
Pará foi a que registrou avanço mais expressivo. O estado saiu da 27ª posição
no ranking nacional para a 16ª. Os casos de Goiás e Paraná também chamam a
atenção. Os dois estados já estavam entre os primeiros colocados antes da
chegada ao poder dos atuais governadores e continuaram progredindo. Goiás pulou
do terceiro para o primeiro lugar. O Paraná, do sétimo para o segundo. Entre os
estados com governo em apenas um mandato, o maior avanço ocorreu no Piauí.
Estados que pontuam acima da média, como Pernambuco e Ceará, também avançaram,
mas o período estudado (dois anos) é pequeno demais para permitir conclusões
robustas.
De todos os estados cujo governo está no
segundo mandato, o Rio obteve o pior desempenho. Foi o único com retrocesso no
indicador de aprendizagem. Caiu do 15º lugar para o 25º, a antepenúltima
posição. Entre os governos no primeiro mandato, os maiores retrocessos
ocorreram em Santa Catarina e em São Paulo, mas novamente o período é curto
para tirar conclusões.
A nota da Secretaria de Educação fluminense
traz pouca esperança de mudança de rumo. Ao afirmar que a gestão atual herdou
“déficit histórico no índice de aprendizagem”, ignora que o Pará estava muito
atrás do Rio em 2017. Uma pista das razões do mau desempenho está na própria
nota. Ela ressalta esforços na “compra e distribuição de material”. Ora, ações
de logística são a parte mais fácil da evolução. Num país em que as escolas
ficaram mais tempo com as portas fechadas durante a pandemia, o Rio foi destaque
negativo, por ter sido o último a retomar as aulas presenciais. Distrito
Federal, Rondônia e Tocantins também tiveram desempenho sofrível.
Pará, Goiás e Paraná ensinam que o
engajamento dos governadores na gestão da educação é crucial. Sem isso, não há
blindagem política para as mudanças. A atenção ajuda a coordenar políticas como
expansão da educação integral e formação de professores a partir dos resultados
de avaliações. A análise do desempenho de 2017 a 2023 traz uma boa notícia ao
país. Não existe limitação de geografia ou riqueza para melhorar o ensino. Cada
um dos destaques positivos está em região diferente. E o Pará não foi o único
estado com renda per capita baixa a avançar acima da média. A diferença está na
vontade política e na competência. Esses casos de sucesso deveriam servir de
exemplo.
De olho em Trump, Pequim lança pacote de US$
1,4 tri
Valor Econômico
Pequim esteja acelerando a reparação de suas fragilidades econômicas antes que Donald Trump jogue suas bombas tarifárias contra a China
O governo chinês lançou um pacote de medidas
de US$ 1,4 trilhão para consertar as finanças dos governos locais, altamentente
endividados com créditos problemáticos que bancaram a bolha imobiliária, que
explodiu há 3 anos. Autoridades locais usaram veículos especiais para captar
recursos e bancar esses investimentos, que permanecem fora de seus balanços. As
medidas destinam-se a trazer parte destes débitos às claras, na contabilidade
normal dos governos locais. O Fundo Monetário Internacional calcula que a dívida
desses veículos chegue a cerca de US$ 7 trilhões.
Os pacotes estão tendo agora uma frequência
quase mensal e é possível que Pequim esteja acelerando a reparação de suas
fragilidades econômicas antes que Donald Trump jogue suas bombas tarifárias
contra a China. O presidente Xi Jinping cumprimentou Donald Trump por sua
vitória no mesmo dia em que o renminbi teve sua maior desvalorização diária
desde abril de 2022 - o câmbio depreciado anula parte de aumentos de tarifas
sobre as mercadorias que exporta.
Os investidores e analistas ficaram
desapontados na sexta-feira porque não houve anúncio de uma grande liberação de
recursos para estimular o consumo, retraído após o colapso imobiliário. Medidas
nesse sentido podem vir a qualquer momento, mas a preocupação do governo de Xi
tem sido depurar as empresas do setor, aliviar o enorme imbróglio de dívidas e
calotes e, também, fazer com que o objetivo de crescimento do ano, de 5%, seja
atingido. No terceiro trimestre, o PIB cresceu 4,6%, e boa parte das previsões dos
analistas privados estima a expansão este ano em 4,8%-5%, ou seja, a meta será
cumprida. O grande problema chinês é a ameaça deflacionária. O núcleo de
inflação evoluiu apenas 0,1% em 12 meses em setembro e os preços ao produtor só
caem há dois anos.
Os governos locais fazem a maior parte dos
gastos públicos do país, 85%, mas detêm apenas 60% da arrecadação (Oxford
Economics). Eles estão proibidos de emitir dívidas, daí por que o endividamento
fora do balanço, em veículos especiais, foi a solução conveniente para
impulsionar a bolha imobiliária até ameaçar sair do controle. Pequim quer
retomar as rédeas dessas despesas e autorizou-os a emitir US$ 280 bilhões por
ano no período de 2025-2026 e trocar esses títulos por dívidas dos veículos.
Segundo o ministro das Finanças, Lo Fo’an, isso regularizará US$ 1,75 trilhão
de débitos, com uma economia de juros de US$ 85 bilhões.
Pacotes anteriores atacaram o mesmo problema.
Em setembro, houve emissões de longo prazo do governo central em troca de
papéis dos governos locais para permitir que estes pudessem comprar e/ou
financiar o término do grande estoque de 20 milhões de unidades inacabadas,
abandonadas por construtoras falidas. As autoridades poderão transformá-las em
habitações populares e financiar a remodelação de cortiços e habitações
insalubres.
Em 12 de outubro, o Banco Central entrou em campo para reduzir as hipotecas, baixar os juros, encolher o pagamento à vista da compra do segundo imóvel de 25% para 15% e diminuir os depósitos compulsórios, liberando US$ 140 bilhões para o crédito. No conjunto de medidas, foram injetados US$ 110 bilhões para que empresas, seguradoras e bancos financiassem a compra de ações. Com o mercado acionário em baixa, o estímulo também daria uma opção de investimentos aos chineses, cujo maior patrimônio são os imóveis, e faria circular os enormes recursos dos poupadores, que fugiram do consumo e desaceleraram a economia.
Com o consumo doméstico combalido (3,2% em
setembro, ritmo fraco para padrões chineses), um dos maiores fatores de
dinamismo são as exportações, que em outubro cresceram 12,7% ante o mesmo mês
de 2023, o maior salto em dois anos. As fortes vendas ao exterior têm servido
de válvula de escape para a baixa margem de lucro da indústria doméstica, mas
têm data para acabar. O ótimo desempenho do mês passado pode ter sido já
inflado por compras antecipadas para escapar dos 60% de aumentos de tarifas
prometidos por Donald Trump.
Pequim promete há anos que mudará os motores
de sua economia das exportações e investimentos para o consumo doméstico e
estímulos à renda. Isso até agora não ocorreu. Xi Jinping colocou suas cartas
nas “novas forças produtivas”, o esforço de reorientação dos investimentos para
tecnologias de ponta e transição energética. Cumprir metas de crescimento ainda
é importante porque Xi acredita que em 2035 o PIB chinês ultrapassará o
americano. Mas a ultrapassagem na qual os líderes chineses estão interessados é
a tecnológica - uma fuga para a frente diante do cerco que EUA e Europa
aperfeiçoam para evitar que Pequim tome a dianteira.
Os planos podem dar errado, no entanto. Com a
retração imobiliária pesando e uma deflação às portas, a economia chinesa pode
desacelerar, o que seria má notícia para a economia mundial e péssima para o
Brasil, que tem na China seu maior parceiro comercial. De qualquer forma, o
governo de Xi tem grande margem de manobra em uma economia estatal de comando
único, e, se tiver que reviver velhos pacotes de estímulo, não hesitará em
fazê-lo.
Número de pessoas nas favelas é vergonha para
o Brasil
Folha de S. Paulo
Censo indica mais de 16 milhões de moradores;
estatística reflete déficit civilizatório que demanda respostas urgentes
Divulgou-se na sexta-feira (8) o tamanho de
uma das facetas brasileiras que, para vergonha geral, está entre as mais
conhecidas no exterior: nada menos que 16.349.928
pessoas vivem em favelas e comunidades
urbanas, diz o Censo
Demográfico 2022. O contingente equivale a cerca de 8% da população.
Embora o IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) desaconselhe comparações diretas devido
a melhorias no recenseamento, não se pode deixar de lembrar que os dados
colhidos em 2010 indicavam 11.425.644 moradores de favelas, ou 6% da população
brasileira naquele ano.
Trata-se de aumento assustador, sobretudo
quando se leva em conta o total dessas comunidades país afora: eram 6.329
antes, passaram a 12.348 agora —quase a metade delas (48,7%) situada na região
Sudeste.
Ainda que se tenha em mente a ressalva do
IBGE, há explicações plausíveis para esse crescimento. A grave crise econômica
da última década e a pandemia de
Covid, por exemplo, talvez tenham levado muita gente a decidir entre
o aluguel nas áreas mais centrais e o prato de comida na mesa.
Seja como for, é forçoso reconhecer o déficit
civilizatório refletido nessas estatísticas. São milhões de brasileiros que,
para usar a terminologia superada, habitam "aglomerados subnormais"
—um eufemismo para algo fora da norma e abaixo da média.
Se esconder o problema atrás de palavras não
ajudava a resolvê-lo, a simples troca de nomenclatura tampouco constitui avanço
de monta. Favela,
ocupação, comunidade, grota, baixada, vila, mocambo, palafita ou loteamento
informal —pouco importa o nome, mas sim o que ele designa.
De acordo com o IBGE, essas localidades têm
em comum um senso de identidade comunitária e uma série de características
reveladoras da deficiência estatal, como habitações precárias, políticas
públicas insuficientes, infraestrutura vulnerável e posse sem nenhuma segurança
jurídica.
Isso para não mencionar a violência.
Por dificuldades reais ou omissão deliberada, a polícia pouco faz para levar a
força da lei a esses territórios, que terminam dominados por traficantes ou
controlados por milícias.
E nem se diga que tudo isso acontece nas
periferias; no Rio de Janeiro, por exemplo, as favelas se confundem com o
cenário dos cartões postais; nas concentrações
urbanas de Belém e Manaus, mais da metade dos habitantes está nessas
comunidades.
Para piorar o quadro, em um país no qual
ainda se convive com a chaga do racismo, não surpreende, lamentavelmente, que
os negros
(pretos e pardos) estejam sobrerrepresentados nas favelas: nelas,
eles são 73%, mas 55,5% no conjunto da população.
Por qualquer ângulo que se observe, portanto,
a situação é alarmante e inaceitável. O poder público precisa agir em todas as
frentes, mas serão em vão os esforços locais se o governo federal não conduzir
a economia com a devida responsabilidade.
A audácia criminosa no maior aeroporto do
país
Folha de S. Paulo
Atentado contra delator do PCC escancara
impotência das autoridades; combate depende de inteligência e colaboração entre
estados
Não se faz necessária hipérbole nenhuma para
dar conta da gravidade do atentado
contra o empresário Antônio Gritzbach, 38, delator da facção
criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), no maior
aeroporto do país.
O assassinato
de Gritzbach a tiros em plena luz do dia na área de desembarque
do terminal 2 do Aeroporto Internacional de São Paulo,
em Guarulhos, na sexta-feira (8), evidencia tanto a impotência das autoridade
quanto a audácia dos criminosos.
O caso requer
investigação da Polícia Civil de
São Paulo e da Polícia
Federal, por se tratar de um complexo aeroportuário sob
responsabilidade da União. Até o momento, as circunstâncias sugerem o caráter
premeditado do homicídio e informações privilegiadas sobre o alvo.
Dois homens
encapuzados saíram de um carro segundos depois que o empresário
deixou a área de desembarque do aeroporto, matando-o em meio a outros
passageiros. No sábado (9), um motorista de aplicativo que havia sido atingido
durante o ataque também morreu.
A hipótese mais óbvia é a de que o
assassinato do delator, outrora envolvido no financiamento do PCC, tenha sido
levado a cabo pela facção criminosa que o jurou de morte após o acordo de
colaboração premiada.
Principais agremiações do crime organizado no
país, o PCC e o Comando Vermelho já estão presentes em presídios em 25 dos 26
estados, e a atuação do primeiro, tudo indica, se estende da política ao
empresariado.
Investigações indicam financiamento de
campanhas nas eleições municipais deste ano; policiais suspeitam que empresas
ligadas à facção movimentaram bilhões para financiar políticos.
Dada a crescente capilaridade do crime
organizado, o poder público precisa investir em inteligência policial e
integração de dados sobre movimentações financeiras e compras de armas.
Apenas policiamento ostensivo não dará conta
da intrepidez do PCC. Deve-se igualmente investigar, com o rigor exigido,
as suspeitas de
envolvimento de policiais no atentado.
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), prometeu que os responsáveis
serão "severamente
punidos". Qualquer que seja o desfecho da investigação, a
estratégia mais adequada contra as facções é cortar o acesso delas a armas,
políticos e recursos financeiros.
Se a vasta e funesta história do envolvimento
de organizações criminosas em atentados na América Latina serve de referência,
a tarefa é urgente.
A recalcitrância dos dinossauros
O Estado de S. Paulo
Ministros ameaçam pedir demissão caso sejam
atingidos por cortes do pacote fiscal, confrontam equipe econômica e Lula da
Silva apenas assiste, sem tentar sequer conter a insurgência
No curto espaço de uma semana, dois ministros
do governo Lula da Silva ameaçaram de forma explícita e categórica pedir
demissão caso suas pastas sejam atingidas pelo corte de gastos defendido pela
equipe econômica. A recalcitrância de Carlos Lupi (Previdência) e Luiz Marinho
(Trabalho), dois dinossauros da política oriundos do trabalhismo e do
sindicalismo, em nada surpreende. O que perturba é a conduta de mero espectador
assumida pelo presidente da República.
Lula da Silva acompanha com incômoda
indiferença as declarações intimidatórias a eventuais medidas de seu governo.
Por muito menos, ministros já foram desautorizados em comentários considerados
insubordinados ou dissonantes, e não há nada de errado nisso. Faz parte do
exercício da Presidência manter a equipe coesa e garantir certo grau de
disciplina para que a máquina pública funcione dentro do roteiro traçado pelo
governo.
Reportagem do Estadão informou que, em
recente reunião no Palácio do Planalto, Luiz Marinho discutiu com o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, na frente de Lula, reclamando do pacote de corte de
gastos. Em resposta, Haddad afirmou que o governo conduz a discussão desde
fevereiro e que o ministro do Trabalho tem ciência disso. Há meses vêm sendo
cogitadas mudanças no abono salarial, seguro-desemprego e na multa de 40% do
FGTS em demissões sem justa causa.
Dias antes da reunião, ao ser questionado por
jornalistas sobre essas propostas, Marinho respondeu que nada disso ocorreria,
“a não ser que o governo me demita”. Em outra frente, Carlos Lupi, que também
já havia se colocado contra qualquer mudança nos gastos previdenciários,
declarou, em entrevista ao jornal O Globo, que não aceitará que o pacote
venha a “pegar a Previdência”, desvinculando, por exemplo, benefícios da regra
de aumento real do salário mínimo. “Se isso acontecer, não tenho como ficar no
governo”, afirmou.
Como se fossem insubstituíveis ases da
administração pública, os ministros assumem um comportamento afrontoso diante
do pacote fiscal que, ao que tudo indica, terminará por propor um corte
franciscano e sem mirar no equilíbrio entre receitas e despesas, como prevê o
arcabouço fiscal. Sem o mesmo tom de ameaça dos colegas, o ministro do
Desenvolvimento Social, Wellington Dias, também fez declarações descartando a
possibilidade de desindexação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do
salário mínimo, outra proposta que chegou a ser debatida.
O governo, que se contenta em alcançar a
borda inferior das metas fiscais, também reduziu drasticamente as metas
originais do arcabouço antes de a nova legislação completar um ano, o que minou
a confiança na consolidação fiscal. Originalmente, o compromisso de Lula da
Silva era chegar ao fim do mandato com superávit nas contas públicas de 1% do
PIB. Agora, na melhor das hipóteses, a previsão de superávit foi empurrada para
2028 e, assim mesmo, cercada de ceticismo.
Na gestão Lula da Silva, a única ameaça de
demissão que poderia fazer alguma diferença seria a de Fernando Haddad, que,
com alguma coerência, tenta dotar de um mínimo controle fiscal o dispêndio de
recursos públicos do governo. Seria exagero dizer que tem sido bem-sucedido na
tarefa, mas ao menos tem conseguido evitar a total quebra de confiança no
governo.
Levadas a termo, as ameaças dos ministros da
Previdência e do Trabalho não fariam diferença nem mesmo em termos de apoio
político. Mas os ultimatos bradados diante de um Planalto apático enfraquecem a
equipe econômica e aumentam as dúvidas sobre o verdadeiro papel de Lula no
esforço para caminhar na direção do equilíbrio sustentável das contas públicas.
Sabe-se, de antemão, que parcimônia nos gastos é conceito inexistente na
cartilha lulopetista, repleta de políticas populistas mantidas com dinheiro público.
A ferocidade dos ministros no combate ao
corte de gastos parece se basear na certeza de que não precisarão cumprir
ameaças de debandar do governo. Afinal, antes delas, Lula já havia interditado
debate sobre as políticas que mais poderiam ajudar no ajuste e que atingem
justamente suas áreas.
Crônica de um vexame anunciado
O Estado de S. Paulo
Belém é pouco aparelhada para um evento
internacional como a COP em 2025. O prazo é curto e as adaptações podem custar
caro e se tornar obsoletas. É preciso considerar alternativas
Entre os desafios do Brasil na 30.ª
Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), a ser realizada daqui a
apenas um ano em Belém do Pará, dois são cruciais: demonstrar ao mundo a
importância de investimentos para promover o desenvolvimento sustentável – a
combinação de preservação ambiental e prosperidade social – na Amazônia; e
provar que tem capacidade de gerir estes recursos com responsabilidade e
eficiência. O primeiro é fácil: a realidade fala por si. Mas essa mesma
realidade pode ser uma barreira ao segundo.
Sem excluir outras motivações – como as
afinidades do presidente Lula com o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB),
e o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL) –, a escolha, em maio do ano
passado, da capital paraense tem uma razão óbvia: sediar a COP na Amazônia.
Menos evidente é sua capacidade de receber um evento deste porte. O
voluntarismo pode custar caro.
A COP-30 será particularmente importante por
marcar dez anos do principal pacto climático do planeta, o Acordo de Paris.
Estima-se que no mínimo 50 mil pessoas virão à cúpula. A última, em Dubai,
recebeu 80 mil. Entre autoridades e suas comitivas, esperam-se de 120 a 150
chefes de Estado.
Belém é uma cidade antiga, com ruas estreitas
e trânsito caótico. Com 1,3 milhão de habitantes, a oferta de leitos, segundo
levantamento encomendado pelo governo estadual, é de 12 mil – um déficit de 40
mil para a COP. Há apenas quatro hotéis cinco-estrelas e cerca de 800 leitos de
luxo. Belém é a capital brasileira com maior porcentual de habitantes em
favelas (54%); 80% da população não tem coleta de esgoto; e apenas 2,4% do
esgoto é tratado – o resto é descartado na Baía do Guajará. (Diga-se de passagem,
assim como o PT foi contra o marco do saneamento que eliminou o monopólio
estatal, seus deputados estaduais foram contra a privatização da companhia
responsável pelo saneamento na região.)
O governo do Pará oferece empréstimos para
reformas ou construção de hotéis. Mas os próprios interessados têm reservas. “A
cidade estará lotada o ano inteiro – mas e depois?”, indagou Fernando Soares,
do Sindicato de Hotéis e Restaurantes do Pará, a um repórter da Deutsche Welle.
“O empresário do turismo, do setor de alimentação, vai pegar os empréstimos
oferecidos pelos bancos, vai reformar seus negócios para um único ano? Belém
não tem vocação turística. Não tem praia, não é porta de entrada do Brasil. É por
isso que esse é um gargalo difícil de ser resolvido.”
Fala-se em utilizar navios para hospedagem.
Mas boa parte das operadoras de cruzeiro já fechou suas rotas em 2025, e seria
preciso dragar o leito do Rio Guajará e ampliar terminais e estruturas para
embarcações menores. O aeroporto não tem capacidade de receber o volume de voos
esperado. O governo federal anunciou a disponibilidade de R$ 5 bilhões em
linhas de crédito do BNDES para melhorar a infraestrutura até a COP. Mas,
segundo levantamento do Valor, só R$ 1,5 bilhão está contratado e em fase
avançada de obras e desembolsos. O governo estadual promete ampliações, mas com
o prazo apertado o custo será maior, e sabe-se lá qual será a higidez das
licitações, sem falar na qualidade das entregas. E resta a questão: e depois?
Um dos legados da Copa e da Olimpíada foi um
cemitério de elefantes brancos e esqueletos de concreto. Estádios deficitários,
obras de mobilidade inacabadas e centros de treinamento abandonados são
verdadeiros monumentos ao desperdício de dinheiro público.
A área ambiental é estratégica para o Brasil.
O governo já não tem um cardápio de ofertas muito apetitoso e coleciona
fracassos em áreas cruciais, como cuidados com os povos indígenas, combate às
queimadas e crimes ambientais, regularização fundiária ou a regulação do
mercado de carbono. Se o banquete for servido num local precário, o vexame pode
ser redobrado.
A carga simbólica da COP na Amazônia tem sua
relevância e Belém tem suas virtudes. Não é preciso renunciar a isso. Mas
outras cidades se ofereceram para receber eventos e compartilhar a
responsabilidade. É preciso avaliar seriamente essa possibilidade.
Fed contém a politização
O Estado de S. Paulo
Indicado por Trump, Powell não se dobra e
demonstra a importância de um banco central independente
O Federal Reserve (Fed), banco central (BC)
dos EUA, reduziu de forma unânime os juros de referência americanos em 0,25
ponto porcentual, medida que traz alívio ao mundo, mas, apesar dos esforços do
próprio Fed em isolar a decisão da politização, acabou em segundo plano.
Tradicionalmente anunciada às quartas-feiras, desta vez, a decisão sobre a
política monetária foi extraordinariamente tomada e divulgada em uma
quinta-feira para não conflitar com a eleição presidencial. Mas a vitória de
Donald Trump nas urnas fez com que a usual entrevista coletiva após a reunião
fosse marcada, em grande parte, justamente por questões políticas.
Motivos para isso não faltaram e todos eles
derivam do próprio Trump, que durante sua primeira passagem pela Casa Branca
indicou Jerome Powell ao cargo de presidente do Fed. As divergências entre os
dois não tardaram a surgir. Trump vociferou contra Powell diversas vezes por
subir os juros ou por não reduzi-los, tal qual Lula da Silva fez repetidas
vezes com Roberto Campos Neto por aqui.
Durante a campanha eleitoral de 2020, aquela
em que perdeu para o democrata Joe Biden, o controverso republicano queixou-se
bastante do Fed por não afrouxar os juros. Note-se que na campanha eleitoral de
2022, o BC brasileiro presidido pelo indicado de Jair Bolsonaro – o mesmo
Campos Neto “desafeto” de Lula – elevou a Selic. Tanto lá quanto aqui, a
independência dos bancos centrais permitiu que as autoridades monetárias
tomassem as decisões que julgaram ser mais adequadas do ponto de vista técnico,
não cedendo às pressões do governo de turno. Não fosse essa independência, os
interesses eleitorais de Trump e Lula, que divergem em quase tudo, mas
coincidem na visão de que entendem mais da dinâmica de juros do que os
técnicos, teriam maior chance de prevalecer.
A postura de Powell na mais recente
entrevista sobre política monetária é um exemplo de como devem se portar as
autoridades à frente de instituições públicas. Embora provocado, Powell não fez
comentários sobre as potenciais políticas do presidente eleito, afinal elas
ainda não foram anunciadas. Mas quando precisou responder a Trump, Powell foi
preciso: lembrou que não pode ser demitido pelo futuro presidente, o que é
verdade justamente porque o Fed é independente. O atual presidente do Fed
também afirmou que não renunciará ao seu mandato, que só termina em 2026.
Por ora, a trajetória dos juros nos Estados
Unidos é de queda. Porém, como boa parte das promessas de campanha de Trump tem
elevado teor inflacionário, serão elas que, se postas em prática, forçarão a
autoridade monetária a redirecionar a rota e voltar a subir os juros.
Logo, tanto nos Estados Unidos quanto no
Brasil ou em qualquer lugar do mundo, a redução dos juros depende não de
declarações mal-humoradas de presidentes da República, mas de medidas
econômicas que permitam que a inflação não saia do controle. Atacar os BCs
independentes, além de inócuo, não é o caminho para juros benignos.
Segurança viária e suas esferas
Correio Braziliense
Com tantos desafios urgentes, o financiamento
para a garantia da segurança viária precisa ser destaque em projetos de
governos e da iniciativa privada
Ações que visam reduzir o número de
ocorrências, melhorar a mobilidade urbana e promover o comportamento adequado
de motoristas e pedestres não podem sair do foco enquanto os números se
mantiverem alarmantes - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)
A violência no trânsito brasileiro há décadas
se transformou em um problema de saúde pública. Dados do Ministério da Saúde,
que monitora as internações e as mortes no tráfego, mostram que, em 2022, 34
mil pessoas perderam a vida no país em razão de acidentes. Foram contabilizadas
ainda 212 mil hospitalizações, gerando um custo total de R$ 350 milhões para o
setor. Diante desse cenário agravante, é necessário manter a discussão sobre o
tema, buscar o engajamento da população e propagar o conhecimento, abordando a
amplitude que a questão exige em todas as esferas. A segurança viária, um dos
pontos fundamentais nesse debate, precisa ganhar força.
Ações que visam reduzir o número de
ocorrências, melhorar a mobilidade urbana e promover o comportamento adequado
de motoristas e pedestres não podem sair do foco enquanto os números se
mantiverem alarmantes. Além de estabelecer as normas sobre os direitos e
deveres no trânsito, fazendo com que as leis sejam respeitadas, é indispensável
a garantia de vias e veículos seguros. O conjunto de iniciativas, unindo
cidadãos e governos, cria uma condição favorável para que as estatísticas de
tragédias comecem a recuar.
Aos motoristas, motociclistas e pedestres,
personagens principais nesse contexto, cabe agir com urbanidade e educação,
adotando posturas que ultrapassam a legislação, como realizar manutenções
periódicas nos veículos e ter respeito ao espaço de cada um.
Na esfera da responsabilidade governamental,
o processo parte da criação de políticas controladoras que devem ser seguidas,
avançando para a fiscalização e a aplicação das devidas sanções em caso de
descumprimento. O uso de equipamentos de controle em locais específicos, a
determinação do limite de velocidade, o traçado das pistas e outras atribuições
das gestões públicas que contribuem para a segurança viária exigem estudos e
investimentos constantes.
Com tantos desafios urgentes, o financiamento
para a garantia da segurança viária precisa ser destaque em projetos de
governos e da iniciativa privada. À medida que as vias urbanas e as estradas
apresentam perigo, é fundamental ter integração em busca do compromisso
principal de salvar vidas e, em segundo plano, de viabilizar os negócios.
Investimentos constantes e campanhas
permanentes fazem parte do caminho a ser percorrido até a conquista de um
trânsito menos agressivo. Para que o pilar da segurança viária sustente uma
realidade sem tantos desastres, é fundamental ter estrutura e respeito atuando
em equilíbrio.
As perdas humanas com os acidentes são
imensuráveis. A dor de ter um ente querido morto ou ferido gravemente em uma
ocorrência de trânsito atinge diariamente muitas famílias pelo país. Reduzir os
riscos que levam a esse sofrimento é uma obrigação do poder público. A
sociedade, por sua vez, precisa adotar os comportamentos corretos nesse campo.
A imprudência, partindo de qualquer um dos atores envolvidos, não pode mais ser
naturalizada. Assegurar um trânsito menos violento no Brasil é uma meta que
ainda está distante e, também por isso, exige empenho. Assim como a segurança
pública, que vem motivando propostas de melhoria em nível nacional, a segurança
viária no país depende de uma mobilização que estabeleça diretrizes e coloque a
questão como prioridade.
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