segunda-feira, 11 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Dilma gastou mais que Bolsonaro para tentar se reeleger

O Globo

Estudo estima as despesas dela em 3,1% do PIB e as dele em 0,2% — mas ambos recorreram a gastos ocultos

O Brasil tem um longo e problemático histórico de incúria fiscal em anos eleitorais. Tanto Dilma Rousseff quanto Jair Bolsonaro, apesar das diferenças ideológicas, recorreram a gastos eleitoreiros em suas respectivas tentativas de reeleição. Ambos adotaram mecanismos de contabilidade criativa para ocultar despesas. Mas um olhar atento revela diferenças, constata um novo estudo dos economistas Alexandre Manoel, Marcos Lisboa, Marcos Mendes e Samuel Pessôa, recém-publicado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Para comparar os gastos, eles estimaram a variação entre os dois primeiros e os dois últimos anos de cada mandato. Constataram que, na tentativa de reeleição de Dilma em 2014, sua administração aumentara as despesas primárias em 1,4% do PIB. A maior extensão da prodigalidade fiscal, porém, ficou oculta. Pelos cálculos dos economistas, Dilma ainda acumulou 1,7% adicional do PIB em “gastos encobertos”, como adiamento de despesas para o próximo governo (restos a pagar) e manipulação da contabilidade das empresas estatais. Ao todo, entre o visível e o oculto, Dilma gastou 3,1% do PIB para se reeleger.

Bolsonaro adotou estratégia diferente em 2022. Em sua gestão, houve redução de 0,7% nos gastos primários visíveis, comparando o biênio 2021-2022 ao 2019-2020. Em contrapartida, ele também recorreu a “gastos encobertos” estimados em 0,9% do PIB. Isso inclui o atraso de pagamentos de precatórios no valor de R$ 27,2 bilhões ao longo de quatro anos e o aumento do estoque de contas não pagas em R$ 65,5 bilhões. Uma diferença crucial emerge na comparação: enquanto, sob Dilma, as despesas adicionais visíveis e ocultas atingiram 3,1% do PIB, sob Bolsonaro ficaram em apenas 0,2%.

Houve outra diferença crítica: a intervenção no mercado de câmbio. O governo Dilma, sem Banco Central (BC) independente, sustentou artificialmente o real antes da eleição de 2014, aumentando o estoque de contratos cambiais de zero para 4% do PIB entre 2013 e o terceiro trimestre de 2014, quando o déficit em conta-corrente comprovava a necessidade de desvalorização. Essa intervenção se revelou insustentável e prejudicou a economia. Em contraste, Bolsonaro se beneficiou da independência do BC, aprovada em 2021. Seu governo não se envolveu em manipulação cambial. A evolução institucional impôs uma restrição crucial ao populismo em ano eleitoral.

É verdade que é difícil definir com precisão gastos eleitorais. Para garantir uma comparação justa, os economistas exploraram vários ajustes nos cálculos, considerando fatores como subsídios aos combustíveis, incentivos fiscais, o ciclo econômico e diferentes classificações para as contas não pagas. Mesmo após aplicar os ajustes mais favoráveis a Dilma, concluem que os gastos dela antes da eleição superaram os de Bolsonaro.

Ambas as gestões priorizaram ganhos políticos de curto prazo em detrimento da estabilidade no longo prazo. Tanto Dilma quanto Bolsonaro exploraram fraquezas institucionais para manipular a política fiscal. O estudo revela a necessidade de maior transparência e de mecanismos de supervisão mais fortes para evitar a exploração de “gastos encobertos” à margem das regras fiscais, também frequentes agora, no governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Êxito dos estados na educação não depende de riqueza nem de região

O Globo

Pará, Goiás e Paraná foram os que mais avançaram, de acordo com novo estudo. No Rio, houve maior recuo

Na educação, o governo federal tem o papel insubstituível de determinar políticas nacionais e de coordenar a implementação. Mas os maiores responsáveis são os governos estaduais. Está nas mãos deles a capacidade de gerir as redes de ensino e promover mudanças. Os resultados não são uniformes, mas a experiência dos estados bem-sucedidos deveria ser estudada em mais detalhes para inspirar os demais.

A ONG Todos Pela Educação analisou as notas de alunos do ensino médio no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) nos 16 estados com governadores em segundo mandato, onde é possível verificar continuidade nas políticas educacionais. De 2017 a 2023, a rede de ensino do Pará foi a que registrou avanço mais expressivo. O estado saiu da 27ª posição no ranking nacional para a 16ª. Os casos de Goiás e Paraná também chamam a atenção. Os dois estados já estavam entre os primeiros colocados antes da chegada ao poder dos atuais governadores e continuaram progredindo. Goiás pulou do terceiro para o primeiro lugar. O Paraná, do sétimo para o segundo. Entre os estados com governo em apenas um mandato, o maior avanço ocorreu no Piauí. Estados que pontuam acima da média, como Pernambuco e Ceará, também avançaram, mas o período estudado (dois anos) é pequeno demais para permitir conclusões robustas.

De todos os estados cujo governo está no segundo mandato, o Rio obteve o pior desempenho. Foi o único com retrocesso no indicador de aprendizagem. Caiu do 15º lugar para o 25º, a antepenúltima posição. Entre os governos no primeiro mandato, os maiores retrocessos ocorreram em Santa Catarina e em São Paulo, mas novamente o período é curto para tirar conclusões.

A nota da Secretaria de Educação fluminense traz pouca esperança de mudança de rumo. Ao afirmar que a gestão atual herdou “déficit histórico no índice de aprendizagem”, ignora que o Pará estava muito atrás do Rio em 2017. Uma pista das razões do mau desempenho está na própria nota. Ela ressalta esforços na “compra e distribuição de material”. Ora, ações de logística são a parte mais fácil da evolução. Num país em que as escolas ficaram mais tempo com as portas fechadas durante a pandemia, o Rio foi destaque negativo, por ter sido o último a retomar as aulas presenciais. Distrito Federal, Rondônia e Tocantins também tiveram desempenho sofrível.

Pará, Goiás e Paraná ensinam que o engajamento dos governadores na gestão da educação é crucial. Sem isso, não há blindagem política para as mudanças. A atenção ajuda a coordenar políticas como expansão da educação integral e formação de professores a partir dos resultados de avaliações. A análise do desempenho de 2017 a 2023 traz uma boa notícia ao país. Não existe limitação de geografia ou riqueza para melhorar o ensino. Cada um dos destaques positivos está em região diferente. E o Pará não foi o único estado com renda per capita baixa a avançar acima da média. A diferença está na vontade política e na competência. Esses casos de sucesso deveriam servir de exemplo.

De olho em Trump, Pequim lança pacote de US$ 1,4 tri

Valor Econômico

Pequim esteja acelerando a reparação de suas fragilidades econômicas antes que Donald Trump jogue suas bombas tarifárias contra a China

O governo chinês lançou um pacote de medidas de US$ 1,4 trilhão para consertar as finanças dos governos locais, altamentente endividados com créditos problemáticos que bancaram a bolha imobiliária, que explodiu há 3 anos. Autoridades locais usaram veículos especiais para captar recursos e bancar esses investimentos, que permanecem fora de seus balanços. As medidas destinam-se a trazer parte destes débitos às claras, na contabilidade normal dos governos locais. O Fundo Monetário Internacional calcula que a dívida desses veículos chegue a cerca de US$ 7 trilhões.

Os pacotes estão tendo agora uma frequência quase mensal e é possível que Pequim esteja acelerando a reparação de suas fragilidades econômicas antes que Donald Trump jogue suas bombas tarifárias contra a China. O presidente Xi Jinping cumprimentou Donald Trump por sua vitória no mesmo dia em que o renminbi teve sua maior desvalorização diária desde abril de 2022 - o câmbio depreciado anula parte de aumentos de tarifas sobre as mercadorias que exporta.

Os investidores e analistas ficaram desapontados na sexta-feira porque não houve anúncio de uma grande liberação de recursos para estimular o consumo, retraído após o colapso imobiliário. Medidas nesse sentido podem vir a qualquer momento, mas a preocupação do governo de Xi tem sido depurar as empresas do setor, aliviar o enorme imbróglio de dívidas e calotes e, também, fazer com que o objetivo de crescimento do ano, de 5%, seja atingido. No terceiro trimestre, o PIB cresceu 4,6%, e boa parte das previsões dos analistas privados estima a expansão este ano em 4,8%-5%, ou seja, a meta será cumprida. O grande problema chinês é a ameaça deflacionária. O núcleo de inflação evoluiu apenas 0,1% em 12 meses em setembro e os preços ao produtor só caem há dois anos.

Os governos locais fazem a maior parte dos gastos públicos do país, 85%, mas detêm apenas 60% da arrecadação (Oxford Economics). Eles estão proibidos de emitir dívidas, daí por que o endividamento fora do balanço, em veículos especiais, foi a solução conveniente para impulsionar a bolha imobiliária até ameaçar sair do controle. Pequim quer retomar as rédeas dessas despesas e autorizou-os a emitir US$ 280 bilhões por ano no período de 2025-2026 e trocar esses títulos por dívidas dos veículos. Segundo o ministro das Finanças, Lo Fo’an, isso regularizará US$ 1,75 trilhão de débitos, com uma economia de juros de US$ 85 bilhões.

Pacotes anteriores atacaram o mesmo problema. Em setembro, houve emissões de longo prazo do governo central em troca de papéis dos governos locais para permitir que estes pudessem comprar e/ou financiar o término do grande estoque de 20 milhões de unidades inacabadas, abandonadas por construtoras falidas. As autoridades poderão transformá-las em habitações populares e financiar a remodelação de cortiços e habitações insalubres.

Em 12 de outubro, o Banco Central entrou em campo para reduzir as hipotecas, baixar os juros, encolher o pagamento à vista da compra do segundo imóvel de 25% para 15% e diminuir os depósitos compulsórios, liberando US$ 140 bilhões para o crédito. No conjunto de medidas, foram injetados US$ 110 bilhões para que empresas, seguradoras e bancos financiassem a compra de ações. Com o mercado acionário em baixa, o estímulo também daria uma opção de investimentos aos chineses, cujo maior patrimônio são os imóveis, e faria circular os enormes recursos dos poupadores, que fugiram do consumo e desaceleraram a economia.

Com o consumo doméstico combalido (3,2% em setembro, ritmo fraco para padrões chineses), um dos maiores fatores de dinamismo são as exportações, que em outubro cresceram 12,7% ante o mesmo mês de 2023, o maior salto em dois anos. As fortes vendas ao exterior têm servido de válvula de escape para a baixa margem de lucro da indústria doméstica, mas têm data para acabar. O ótimo desempenho do mês passado pode ter sido já inflado por compras antecipadas para escapar dos 60% de aumentos de tarifas prometidos por Donald Trump.

Pequim promete há anos que mudará os motores de sua economia das exportações e investimentos para o consumo doméstico e estímulos à renda. Isso até agora não ocorreu. Xi Jinping colocou suas cartas nas “novas forças produtivas”, o esforço de reorientação dos investimentos para tecnologias de ponta e transição energética. Cumprir metas de crescimento ainda é importante porque Xi acredita que em 2035 o PIB chinês ultrapassará o americano. Mas a ultrapassagem na qual os líderes chineses estão interessados é a tecnológica - uma fuga para a frente diante do cerco que EUA e Europa aperfeiçoam para evitar que Pequim tome a dianteira.

Os planos podem dar errado, no entanto. Com a retração imobiliária pesando e uma deflação às portas, a economia chinesa pode desacelerar, o que seria má notícia para a economia mundial e péssima para o Brasil, que tem na China seu maior parceiro comercial. De qualquer forma, o governo de Xi tem grande margem de manobra em uma economia estatal de comando único, e, se tiver que reviver velhos pacotes de estímulo, não hesitará em fazê-lo.

Número de pessoas nas favelas é vergonha para o Brasil

Folha de S. Paulo

Censo indica mais de 16 milhões de moradores; estatística reflete déficit civilizatório que demanda respostas urgentes

Divulgou-se na sexta-feira (8) o tamanho de uma das facetas brasileiras que, para vergonha geral, está entre as mais conhecidas no exterior: nada menos que 16.349.928 pessoas vivem em favelas e comunidades urbanas, diz o Censo Demográfico 2022. O contingente equivale a cerca de 8% da população.

Embora o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) desaconselhe comparações diretas devido a melhorias no recenseamento, não se pode deixar de lembrar que os dados colhidos em 2010 indicavam 11.425.644 moradores de favelas, ou 6% da população brasileira naquele ano.

Trata-se de aumento assustador, sobretudo quando se leva em conta o total dessas comunidades país afora: eram 6.329 antes, passaram a 12.348 agora —quase a metade delas (48,7%) situada na região Sudeste.

Ainda que se tenha em mente a ressalva do IBGE, há explicações plausíveis para esse crescimento. A grave crise econômica da última década e a pandemia de Covid, por exemplo, talvez tenham levado muita gente a decidir entre o aluguel nas áreas mais centrais e o prato de comida na mesa.

Seja como for, é forçoso reconhecer o déficit civilizatório refletido nessas estatísticas. São milhões de brasileiros que, para usar a terminologia superada, habitam "aglomerados subnormais" —um eufemismo para algo fora da norma e abaixo da média.

Se esconder o problema atrás de palavras não ajudava a resolvê-lo, a simples troca de nomenclatura tampouco constitui avanço de monta. Favela, ocupação, comunidade, grota, baixada, vila, mocambo, palafita ou loteamento informal —pouco importa o nome, mas sim o que ele designa.

De acordo com o IBGE, essas localidades têm em comum um senso de identidade comunitária e uma série de características reveladoras da deficiência estatal, como habitações precárias, políticas públicas insuficientes, infraestrutura vulnerável e posse sem nenhuma segurança jurídica.

Isso para não mencionar a violência. Por dificuldades reais ou omissão deliberada, a polícia pouco faz para levar a força da lei a esses territórios, que terminam dominados por traficantes ou controlados por milícias.

E nem se diga que tudo isso acontece nas periferias; no Rio de Janeiro, por exemplo, as favelas se confundem com o cenário dos cartões postais; nas concentrações urbanas de Belém e Manaus, mais da metade dos habitantes está nessas comunidades.

Para piorar o quadro, em um país no qual ainda se convive com a chaga do racismo, não surpreende, lamentavelmente, que os negros (pretos e pardos) estejam sobrerrepresentados nas favelas: nelas, eles são 73%, mas 55,5% no conjunto da população.

Por qualquer ângulo que se observe, portanto, a situação é alarmante e inaceitável. O poder público precisa agir em todas as frentes, mas serão em vão os esforços locais se o governo federal não conduzir a economia com a devida responsabilidade.

A audácia criminosa no maior aeroporto do país

Folha de S. Paulo

Atentado contra delator do PCC escancara impotência das autoridades; combate depende de inteligência e colaboração entre estados

Não se faz necessária hipérbole nenhuma para dar conta da gravidade do atentado contra o empresário Antônio Gritzbach, 38, delator da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), no maior aeroporto do país.

assassinato de Gritzbach a tiros em plena luz do dia na área de desembarque do terminal 2 do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, na sexta-feira (8), evidencia tanto a impotência das autoridade quanto a audácia dos criminosos.

caso requer investigação da Polícia Civil de São Paulo e da Polícia Federal, por se tratar de um complexo aeroportuário sob responsabilidade da União. Até o momento, as circunstâncias sugerem o caráter premeditado do homicídio e informações privilegiadas sobre o alvo.

Dois homens encapuzados saíram de um carro segundos depois que o empresário deixou a área de desembarque do aeroporto, matando-o em meio a outros passageiros. No sábado (9), um motorista de aplicativo que havia sido atingido durante o ataque também morreu.

A hipótese mais óbvia é a de que o assassinato do delator, outrora envolvido no financiamento do PCC, tenha sido levado a cabo pela facção criminosa que o jurou de morte após o acordo de colaboração premiada.

Principais agremiações do crime organizado no país, o PCC e o Comando Vermelho já estão presentes em presídios em 25 dos 26 estados, e a atuação do primeiro, tudo indica, se estende da política ao empresariado.

Investigações indicam financiamento de campanhas nas eleições municipais deste ano; policiais suspeitam que empresas ligadas à facção movimentaram bilhões para financiar políticos.

Dada a crescente capilaridade do crime organizado, o poder público precisa investir em inteligência policial e integração de dados sobre movimentações financeiras e compras de armas.

Apenas policiamento ostensivo não dará conta da intrepidez do PCC. Deve-se igualmente investigar, com o rigor exigido, as suspeitas de envolvimento de policiais no atentado.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), prometeu que os responsáveis serão "severamente punidos". Qualquer que seja o desfecho da investigação, a estratégia mais adequada contra as facções é cortar o acesso delas a armas, políticos e recursos financeiros.

Se a vasta e funesta história do envolvimento de organizações criminosas em atentados na América Latina serve de referência, a tarefa é urgente.

A recalcitrância dos dinossauros

O Estado de S. Paulo

Ministros ameaçam pedir demissão caso sejam atingidos por cortes do pacote fiscal, confrontam equipe econômica e Lula da Silva apenas assiste, sem tentar sequer conter a insurgência

No curto espaço de uma semana, dois ministros do governo Lula da Silva ameaçaram de forma explícita e categórica pedir demissão caso suas pastas sejam atingidas pelo corte de gastos defendido pela equipe econômica. A recalcitrância de Carlos Lupi (Previdência) e Luiz Marinho (Trabalho), dois dinossauros da política oriundos do trabalhismo e do sindicalismo, em nada surpreende. O que perturba é a conduta de mero espectador assumida pelo presidente da República.

Lula da Silva acompanha com incômoda indiferença as declarações intimidatórias a eventuais medidas de seu governo. Por muito menos, ministros já foram desautorizados em comentários considerados insubordinados ou dissonantes, e não há nada de errado nisso. Faz parte do exercício da Presidência manter a equipe coesa e garantir certo grau de disciplina para que a máquina pública funcione dentro do roteiro traçado pelo governo.

Reportagem do Estadão informou que, em recente reunião no Palácio do Planalto, Luiz Marinho discutiu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na frente de Lula, reclamando do pacote de corte de gastos. Em resposta, Haddad afirmou que o governo conduz a discussão desde fevereiro e que o ministro do Trabalho tem ciência disso. Há meses vêm sendo cogitadas mudanças no abono salarial, seguro-desemprego e na multa de 40% do FGTS em demissões sem justa causa.

Dias antes da reunião, ao ser questionado por jornalistas sobre essas propostas, Marinho respondeu que nada disso ocorreria, “a não ser que o governo me demita”. Em outra frente, Carlos Lupi, que também já havia se colocado contra qualquer mudança nos gastos previdenciários, declarou, em entrevista ao jornal O Globo, que não aceitará que o pacote venha a “pegar a Previdência”, desvinculando, por exemplo, benefícios da regra de aumento real do salário mínimo. “Se isso acontecer, não tenho como ficar no governo”, afirmou.

Como se fossem insubstituíveis ases da administração pública, os ministros assumem um comportamento afrontoso diante do pacote fiscal que, ao que tudo indica, terminará por propor um corte franciscano e sem mirar no equilíbrio entre receitas e despesas, como prevê o arcabouço fiscal. Sem o mesmo tom de ameaça dos colegas, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, também fez declarações descartando a possibilidade de desindexação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo, outra proposta que chegou a ser debatida.

O governo, que se contenta em alcançar a borda inferior das metas fiscais, também reduziu drasticamente as metas originais do arcabouço antes de a nova legislação completar um ano, o que minou a confiança na consolidação fiscal. Originalmente, o compromisso de Lula da Silva era chegar ao fim do mandato com superávit nas contas públicas de 1% do PIB. Agora, na melhor das hipóteses, a previsão de superávit foi empurrada para 2028 e, assim mesmo, cercada de ceticismo.

Na gestão Lula da Silva, a única ameaça de demissão que poderia fazer alguma diferença seria a de Fernando Haddad, que, com alguma coerência, tenta dotar de um mínimo controle fiscal o dispêndio de recursos públicos do governo. Seria exagero dizer que tem sido bem-sucedido na tarefa, mas ao menos tem conseguido evitar a total quebra de confiança no governo.

Levadas a termo, as ameaças dos ministros da Previdência e do Trabalho não fariam diferença nem mesmo em termos de apoio político. Mas os ultimatos bradados diante de um Planalto apático enfraquecem a equipe econômica e aumentam as dúvidas sobre o verdadeiro papel de Lula no esforço para caminhar na direção do equilíbrio sustentável das contas públicas. Sabe-se, de antemão, que parcimônia nos gastos é conceito inexistente na cartilha lulopetista, repleta de políticas populistas mantidas com dinheiro público.

A ferocidade dos ministros no combate ao corte de gastos parece se basear na certeza de que não precisarão cumprir ameaças de debandar do governo. Afinal, antes delas, Lula já havia interditado debate sobre as políticas que mais poderiam ajudar no ajuste e que atingem justamente suas áreas.

Crônica de um vexame anunciado

O Estado de S. Paulo

Belém é pouco aparelhada para um evento internacional como a COP em 2025. O prazo é curto e as adaptações podem custar caro e se tornar obsoletas. É preciso considerar alternativas

Entre os desafios do Brasil na 30.ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), a ser realizada daqui a apenas um ano em Belém do Pará, dois são cruciais: demonstrar ao mundo a importância de investimentos para promover o desenvolvimento sustentável – a combinação de preservação ambiental e prosperidade social – na Amazônia; e provar que tem capacidade de gerir estes recursos com responsabilidade e eficiência. O primeiro é fácil: a realidade fala por si. Mas essa mesma realidade pode ser uma barreira ao segundo.

Sem excluir outras motivações – como as afinidades do presidente Lula com o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL) –, a escolha, em maio do ano passado, da capital paraense tem uma razão óbvia: sediar a COP na Amazônia. Menos evidente é sua capacidade de receber um evento deste porte. O voluntarismo pode custar caro.

A COP-30 será particularmente importante por marcar dez anos do principal pacto climático do planeta, o Acordo de Paris. Estima-se que no mínimo 50 mil pessoas virão à cúpula. A última, em Dubai, recebeu 80 mil. Entre autoridades e suas comitivas, esperam-se de 120 a 150 chefes de Estado.

Belém é uma cidade antiga, com ruas estreitas e trânsito caótico. Com 1,3 milhão de habitantes, a oferta de leitos, segundo levantamento encomendado pelo governo estadual, é de 12 mil – um déficit de 40 mil para a COP. Há apenas quatro hotéis cinco-estrelas e cerca de 800 leitos de luxo. Belém é a capital brasileira com maior porcentual de habitantes em favelas (54%); 80% da população não tem coleta de esgoto; e apenas 2,4% do esgoto é tratado – o resto é descartado na Baía do Guajará. (Diga-se de passagem, assim como o PT foi contra o marco do saneamento que eliminou o monopólio estatal, seus deputados estaduais foram contra a privatização da companhia responsável pelo saneamento na região.)

O governo do Pará oferece empréstimos para reformas ou construção de hotéis. Mas os próprios interessados têm reservas. “A cidade estará lotada o ano inteiro – mas e depois?”, indagou Fernando Soares, do Sindicato de Hotéis e Restaurantes do Pará, a um repórter da Deutsche Welle. “O empresário do turismo, do setor de alimentação, vai pegar os empréstimos oferecidos pelos bancos, vai reformar seus negócios para um único ano? Belém não tem vocação turística. Não tem praia, não é porta de entrada do Brasil. É por isso que esse é um gargalo difícil de ser resolvido.”

Fala-se em utilizar navios para hospedagem. Mas boa parte das operadoras de cruzeiro já fechou suas rotas em 2025, e seria preciso dragar o leito do Rio Guajará e ampliar terminais e estruturas para embarcações menores. O aeroporto não tem capacidade de receber o volume de voos esperado. O governo federal anunciou a disponibilidade de R$ 5 bilhões em linhas de crédito do BNDES para melhorar a infraestrutura até a COP. Mas, segundo levantamento do Valor, só R$ 1,5 bilhão está contratado e em fase avançada de obras e desembolsos. O governo estadual promete ampliações, mas com o prazo apertado o custo será maior, e sabe-se lá qual será a higidez das licitações, sem falar na qualidade das entregas. E resta a questão: e depois?

Um dos legados da Copa e da Olimpíada foi um cemitério de elefantes brancos e esqueletos de concreto. Estádios deficitários, obras de mobilidade inacabadas e centros de treinamento abandonados são verdadeiros monumentos ao desperdício de dinheiro público.

A área ambiental é estratégica para o Brasil. O governo já não tem um cardápio de ofertas muito apetitoso e coleciona fracassos em áreas cruciais, como cuidados com os povos indígenas, combate às queimadas e crimes ambientais, regularização fundiária ou a regulação do mercado de carbono. Se o banquete for servido num local precário, o vexame pode ser redobrado.

A carga simbólica da COP na Amazônia tem sua relevância e Belém tem suas virtudes. Não é preciso renunciar a isso. Mas outras cidades se ofereceram para receber eventos e compartilhar a responsabilidade. É preciso avaliar seriamente essa possibilidade.

Fed contém a politização

O Estado de S. Paulo

Indicado por Trump, Powell não se dobra e demonstra a importância de um banco central independente

O Federal Reserve (Fed), banco central (BC) dos EUA, reduziu de forma unânime os juros de referência americanos em 0,25 ponto porcentual, medida que traz alívio ao mundo, mas, apesar dos esforços do próprio Fed em isolar a decisão da politização, acabou em segundo plano. Tradicionalmente anunciada às quartas-feiras, desta vez, a decisão sobre a política monetária foi extraordinariamente tomada e divulgada em uma quinta-feira para não conflitar com a eleição presidencial. Mas a vitória de Donald Trump nas urnas fez com que a usual entrevista coletiva após a reunião fosse marcada, em grande parte, justamente por questões políticas.

Motivos para isso não faltaram e todos eles derivam do próprio Trump, que durante sua primeira passagem pela Casa Branca indicou Jerome Powell ao cargo de presidente do Fed. As divergências entre os dois não tardaram a surgir. Trump vociferou contra Powell diversas vezes por subir os juros ou por não reduzi-los, tal qual Lula da Silva fez repetidas vezes com Roberto Campos Neto por aqui.

Durante a campanha eleitoral de 2020, aquela em que perdeu para o democrata Joe Biden, o controverso republicano queixou-se bastante do Fed por não afrouxar os juros. Note-se que na campanha eleitoral de 2022, o BC brasileiro presidido pelo indicado de Jair Bolsonaro – o mesmo Campos Neto “desafeto” de Lula – elevou a Selic. Tanto lá quanto aqui, a independência dos bancos centrais permitiu que as autoridades monetárias tomassem as decisões que julgaram ser mais adequadas do ponto de vista técnico, não cedendo às pressões do governo de turno. Não fosse essa independência, os interesses eleitorais de Trump e Lula, que divergem em quase tudo, mas coincidem na visão de que entendem mais da dinâmica de juros do que os técnicos, teriam maior chance de prevalecer.

A postura de Powell na mais recente entrevista sobre política monetária é um exemplo de como devem se portar as autoridades à frente de instituições públicas. Embora provocado, Powell não fez comentários sobre as potenciais políticas do presidente eleito, afinal elas ainda não foram anunciadas. Mas quando precisou responder a Trump, Powell foi preciso: lembrou que não pode ser demitido pelo futuro presidente, o que é verdade justamente porque o Fed é independente. O atual presidente do Fed também afirmou que não renunciará ao seu mandato, que só termina em 2026.

Por ora, a trajetória dos juros nos Estados Unidos é de queda. Porém, como boa parte das promessas de campanha de Trump tem elevado teor inflacionário, serão elas que, se postas em prática, forçarão a autoridade monetária a redirecionar a rota e voltar a subir os juros.

Logo, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, a redução dos juros depende não de declarações mal-humoradas de presidentes da República, mas de medidas econômicas que permitam que a inflação não saia do controle. Atacar os BCs independentes, além de inócuo, não é o caminho para juros benignos.

Segurança viária e suas esferas

Correio Braziliense

Com tantos desafios urgentes, o financiamento para a garantia da segurança viária precisa ser destaque em projetos de governos e da iniciativa privada

Ações que visam reduzir o número de ocorrências, melhorar a mobilidade urbana e promover o comportamento adequado de motoristas e pedestres não podem sair do foco enquanto os números se mantiverem alarmantes - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)

A violência no trânsito brasileiro há décadas se transformou em um problema de saúde pública. Dados do Ministério da Saúde, que monitora as internações e as mortes no tráfego, mostram que, em 2022, 34 mil pessoas perderam a vida no país em razão de acidentes. Foram contabilizadas ainda 212 mil hospitalizações, gerando um custo total de R$ 350 milhões para o setor. Diante desse cenário agravante, é necessário manter a discussão sobre o tema, buscar o engajamento da população e propagar o conhecimento, abordando a amplitude que a questão exige em todas as esferas. A segurança viária, um dos pontos fundamentais nesse debate, precisa ganhar força.

Ações que visam reduzir o número de ocorrências, melhorar a mobilidade urbana e promover o comportamento adequado de motoristas e pedestres não podem sair do foco enquanto os números se mantiverem alarmantes. Além de estabelecer as normas sobre os direitos e deveres no trânsito, fazendo com que as leis sejam respeitadas, é indispensável a garantia de vias e veículos seguros. O conjunto de iniciativas, unindo cidadãos e governos, cria uma condição favorável para que as estatísticas de tragédias comecem a recuar.

Aos motoristas, motociclistas e pedestres, personagens principais nesse contexto, cabe agir com urbanidade e educação, adotando posturas que ultrapassam a legislação, como realizar manutenções periódicas nos veículos e ter respeito ao espaço de cada um.

Na esfera da responsabilidade governamental, o processo parte da criação de políticas controladoras que devem ser seguidas, avançando para a fiscalização e a aplicação das devidas sanções em caso de descumprimento. O uso de equipamentos de controle em locais específicos, a determinação do limite de velocidade, o traçado das pistas e outras atribuições das gestões públicas que contribuem para a segurança viária exigem estudos e investimentos constantes.

Com tantos desafios urgentes, o financiamento para a garantia da segurança viária precisa ser destaque em projetos de governos e da iniciativa privada. À medida que as vias urbanas e as estradas apresentam perigo, é fundamental ter integração em busca do compromisso principal de salvar vidas e, em segundo plano, de viabilizar os negócios.

Investimentos constantes e campanhas permanentes fazem parte do caminho a ser percorrido até a conquista de um trânsito menos agressivo. Para que o pilar da segurança viária sustente uma realidade sem tantos desastres, é fundamental ter estrutura e respeito atuando em equilíbrio.

As perdas humanas com os acidentes são imensuráveis. A dor de ter um ente querido morto ou ferido gravemente em uma ocorrência de trânsito atinge diariamente muitas famílias pelo país. Reduzir os riscos que levam a esse sofrimento é uma obrigação do poder público. A sociedade, por sua vez, precisa adotar os comportamentos corretos nesse campo. A imprudência, partindo de qualquer um dos atores envolvidos, não pode mais ser naturalizada. Assegurar um trânsito menos violento no Brasil é uma meta que ainda está distante e, também por isso, exige empenho. Assim como a segurança pública, que vem motivando propostas de melhoria em nível nacional, a segurança viária no país depende de uma mobilização que estabeleça diretrizes e coloque a questão como prioridade.

 

 

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