quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*

Vive-se em tempos sombrios e arriscados, embora seja plausível a argumentação de que as condições de vida, em escala planetária, comparadas com as do passado, estejam conhecendo avanços como sustenta o economista Thomas Piketty em sua última obra, Capital e ideologia. As ameaças às conquistas civilizatórias que o Ocidente trouxe ao mundo não teriam origem na dimensão econômica que se beneficia com a incorporação da ciência ao sistema produtivo, e sim na da política, lugar em que se manifesta uma encarniçada reação às pressões, cada vez mais generalizadas e intensas, aos ideais e lutas por igual-liberdade em maré montante em todos os quadrantes da terra. Dissemina-se a percepção de que a raiz das desigualdades reinantes provém de privilégios protegidos pelos que detém o poder.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. ‘A hipótese Bacurau’, Revista IHU On-Line | Blog Democracia Política e novo Reformismo, 8/10/2019

Merval Pereira – Dirigismo cultural

- O Globo

Critério do que é pornográfico é de Bolsonaro, como se dinheiro público também fosse dele. Essa não é a função do governo

A intromissão do governo na vida pessoal dos cidadãos é a ambição de todo governo autoritário, de esquerda ou de direita. Quando há uma ditadura, como na China, é fácil até mesmo controlar o dia a dia do cidadão, como o governo pretende fazer a partir do próximo ano pondo em prática o Sistema de Crédito Social, que dará nota aos cidadãos de acordo com seu comportamento cotidiano, que será monitorado pelo governo.

Esse programa definirá o grau de confiança do governo no cidadão. Conforme a pontuação, cidadãos serão proibidos de viajar, ou de colocar filhos em boas escolas, ou de trabalhar. Pode transformar alguém em pária, ou em burocrata bem-sucedido.

Aqui, como ainda somos uma democracia, o governo está inaugurando um sistema de monitoramento tupiniquim, com burocratas checando nas redes sociais o pensamento e o comportamento político de artistas e produtores que pretendam financiamento para suas obras dos órgãos públicos.

Na Caixa Econômica já começou. Para o presidente Bolsonaro, trata-se de não “perder a guerra da informação”. O que ele chama de “mudanças na questão da cultura, da Funarte, da Ancine”, é simplesmente censura oficializada, pois determinou que “não veremos mais certo tipo de obra por aí”.

Para Bolsonaro, “não é censura, isso é preservar os valores cristãos, é tratar com respeito a nossa juventude, reconhecer a família como uma unidade familiar, essa é a nossa linha”. O presidente já definiu claramente o que pensa: se quiserem fazer filmes pornográficos, façam com dinheiro próprio, não com dinheiro público.

Zuenir Ventura - A que não diz o nome

- O Globo

Governo nunca admitiu serem censura os vetos a temas como feminismo e homossexualidade

Ao contrário da censura dos tempos da ditadura militar, que era escancarada e tinha até um departamento oficial, a de Bolsonaro é uma daquelas doenças que têm vergonha de dizer o nome. Nas numerosas vezes em que tem censurado, escondeu-se atrás de disfarces como “filtro”, “contingenciamento”, “defesa dos valores cristãos”. Nunca admitiu serem censura os vetos a temas como feminismo, homossexualidade, Amazônia, milícias.

Assim foi com “Res Publica 2023”, cancelado pela Funarte em SP, com “Abrazo”, a que a Caixa Econômica deu o mesmo fim em Recife; com “Iago”, de Geraldo Carneiro, que denunciou com todas as letras: “Eu fui censurado”.

Em pelo menos um episódio, o alcance da censura de Bolsonaro ultrapassou fronteiras. Foi o caso do filme “Chico, artista brasileiro”, impedido de ser exibido no Brazil Film Festival 2019, em Montevidéu. O diretor Miguel Faria Jr. não teve dúvidas da ação da censura, mas o Itamaraty alegou ter feito apenas uma “sugestão”. Como a embaixada do Brasil no Uruguai apoiava o evento, uma “sugestão” deve ter sido suficiente.

Esta semana, porém, a boa notícia é que o público e a Justiça estão vencendo a onda de obscurantismo. A peça “Caranguejo overdrive”, que fora cancelada sem explicação da mostra comemorativa dos 30 anos do CCBB, teve que prolongar sua temporada no Espaço Sérgio Porto.

Bernardo Mello Franco - O preço do PSL: R$ 737 milhões

- O Globo

Parece perto do fim o casamento de conveniência entre Bolsonaro e o PSL. Por trás das escaramuças, trava-se uma disputa pelo dinheiro do fundo partidário

Parece perto do fim o casamento de conveniência entre Jair Bolsonaro e o PSL. Ontem o presidente torpedeou o dono do partido, Luciano Bivar, a quem chamou de “queimado”. Por trás das escaramuças, trava-se uma disputa pelo controle de R$ 737 milhões.

Este é o valor que a legenda deverá receber dos cofres públicos até 2022, segundo cálculos de Bruno Carazza, autor do livro “Dinheiro, Eleições e Poder”. A conta ainda pode engordar caso os parlamentares aprovem o sonhado aumento no fundo eleitoral.

Até o ano passado, o PSL passava despercebido na sopa de letrinhas da política brasileira. Vivia de migalhas do fundo partidário e do comércio de segundos na propaganda obrigatória. Com a eleição de Bolsonaro, a pequena sigla virou um grande negócio. Passou a receber mais dinheiro público que PT e PSDB.

Elio Gaspari - Quando foi que isso tudo começou?

- O Globo | Folha de S. Paulo

O que surgiu com o aplauso à cena de ‘Tropa de elite’ transformou-se numa necropolítica

Em 2007, o filme “Tropa de elite” mostrava uma cena na qual o Capitão Nascimento, do Bope da PM do Rio, queria saber onde estava o traficante Baiano, espancava um jovem e mandava que o torturassem asfixiando-o com um saco de plástico. Esse momento foi aplaudido em muitas salas do país. Passaram-se 12 anos, Jair Bolsonaro está no Planalto, e Wilson Witzel (Harvard Fake’15) governa o Rio de Janeiro. Durante a campanha do ano passado, o capitão-candidato foi a um quartel do Bope, discursou e repetiu o grito de guerra de “Caveira!”. Eleito governador, Witzel anunciou sua plataforma para bandidos que empunhassem fuzis: “A polícia vai mirar na cabecinha e... Fogo!”

As plateias de “Tropa de elite” haviam mandado um sinal, e ele materializou-se na eleição. Tudo começou ali. O cidadão que aplaudiu a cena da tortura acreditava que aquele deveria ser o jogo jogado, reservando-se o direito de achar que só se deve torturar quem se mete com traficante ou que só se deve acertar a cabecinha do sujeito que vai para a rua com um fuzil. Passou-se um ano, não se sabe como o ex-PM Fabrício Queiroz “fazia dinheiro”, e a polícia do Rio acerta não só cabecinhas de bandidos, como também crianças. O cidadão do aplauso é capaz de fingir que não sabia que essa seria uma das consequências da sua manifestação de felicidade. Por trás de cena do Capitão Nascimento havia muito mais.

O repórter Rafael Soares mostrou um aspecto desse desfecho. No dia 13 de novembro de 2014, um PM que servia no Bope tentou convencer o traficante Lacosta a executar um major que atrapalhava os negócios do setor:

“Manda ver onde mora e quando ele for sair da casa, forja um assalto e rasga ele”.

Depois entrou em detalhes:

“Glock com silenciador e carregador goiabada de 100 tiros pow vai brincar com ele. Esse cara tá com marra de brabo.”

Dois meses antes dessa conversa, a PM do Rio havia prendido 23 policiais acusados de extorsão. Entre eles estava o terceiro homem na hierarquia da corporação, sob cujas ordens ficavam os comandantes do Bope.

Míriam Leitão - O petróleo e a Previdência

- O Globo

Negociação da cessão onerosa teve bastidores tensos, com influência de disputas locais nos estados e briga entre governos do Sul e do Nordeste

O acordo fechado entre o governo, a Câmara e o Senado para aprovar a Previdência embute não apenas recursos que serão distribuídos através de emendas de parlamentares nos royalties futuros do pré-sal, mas também uma trava no dinheiro que vai agora para os governadores. Os estados ficarão com 15% do dinheiro que for arrecadado pelo leilão da cessão onerosa, mas terão que usar os valores para financiar seu rombo previdenciário.

Essa foi a equação política para resolver o conflito que vem desde o começo da tramitação da reforma da Previdência, que é a falta de disposição dos parlamentares de favorecer os governadores. Muitos deputados e senadores são de grupos políticos diferentes dos atuais administradores estaduais e, alguns deles, potenciais adversários nas próximas eleições. Tanto na aprovação da reforma, quanto na distribuição dos royalties do petróleo, bateu-se nesse mesmo impasse: como favorecer governadores que podem neste momento estar em posição oposta à do parlamentar que tem o voto no Congresso?

Paulo Delgado* - Saint Janot

- O Estado de S.Paulo

Falar do procurador, em certa medida, é ser atraído por seu abismo de sentido

“Tem que manter isso, viu?” Foi essa frase, plantada no processo contra o presidente da República, a pólvora do tiro real dado pelo procurador. O papo-furado do outro tiro no ministro do Supremo só Freud e a demagogia calculada explicam. As coisas estão assim. O privilegiado é um confortador de si mesmo. Usufrui com requinte o poder, quando o perde não sabe se comportar e escoa no País resíduos da alma. Só por falar já é um risco para os tolos interessados na imitação dos piores.

O verniz de justo se desfaz e revela que se alimenta dos que acusa. São os santos de vidro quebrado que metem medo, deixando lascas por aí. É impressionante como normalmente homens de paixões frias prosperam no meio das conspirações políticas. O poder não conhece ateus, todos o veneram.

Um ministro tenaz e impopular, alvo de fúria alegórica de um homicida ficcional, um presidente interino e reformador, a vítima política atingida, se encontram no rito secreto de um procurador mal-intencionado, fantasiado de sacerdote do sadomasoquismo da justiça. Nenhum pudor ou aviltamento na consciência. Talvez, atribuindo-se papel importante para alguma causa, tenha se sentido figurante mal pago.

O ostracismo impulsionou sua fragilidade e fez despontar a imagem que projeta: ele é sua própria causa e para compartilhar sem culpa esse horror o revela como crime passional. Os infelizes, quando fazem mal aos outros, só precisam de si mesmos para se ferirem. E, como em romance policial, quem volta ao mesmo caminho é sempre para voltar a ele. Claro que há muito crime de colarinho-branco, mas o desassombro impune do procurador passou da conta. Induzir à violência por imitação, forjar a derrubada de um presidente, expressar o direito de matar – o poder como êxtase, exercê-lo além do ponto, até a obscenidade.

É no mundo dos que se sentem donos do mundo que se compreende o homem em sua totalidade. Quantos eram uns e se tornaram outros com poder! E muitos procuradores, como as crianças para as religiões, decidiram representar para a sociedade o estado de graça original. Mesmo errados, não contabilizam seus atos como maus. Objetos de culto, beneficiam-se da confusão que é a ideia da justiça num país sem valores universais e dominado pelo apetite doentio da publicidade do poder.

Vera Magalhães - Jair e os partidos

- O Estado de S.Paulo

Propensão do bolsonarismo ao confronto já leva o presidente a cogitar fazer as malas

Não pode surpreender ninguém o fato de Jair Bolsonaro aproveitar uma de suas aparições para selfies em frente ao Alvorada para pedir que o apoiador “esqueça” o PSL, e aproveite para dar uma espinafrada em Luciano Bivar, o presidente da sigla. Bolsonaro nunca deu a mínima para partidos. Menos ainda para aliados. Seu partido é sua família.

O embarque do bolsonarismo no PSL foi um negócio conveniente para ambas as partes. Bivar desocupou a casa para que Bolsonaro se instalasse com os seus e colocasse o até então aliado Gustavo Bebianno no comando. A legenda tinha, então, R$ 1,2 milhão de Fundo Partidário em conta. Agora, com a eleição de 52 deputados na esteira do presidente, Bivar pegou o partido de volta com um Fundo Partidário de R$ 110 milhões neste ano. Não se tem conhecimento de aplicação tão rentável.

Bivar esperava que o negócio bom para ambas as partes continuasse no governo. O presidente e os filhos controlariam as seções do partido em São Paulo e no Rio, as duas principais; e ele seguiria tocando a lojinha, entre uma denúncia de laranjal aqui, outra ali.

Mas a propensão do bolsonarismo ao confronto transformou a sigla num balaio de gatos e já leva o presidente a cogitar fazer as malas de novo. Resta saber: para onde? As demais legendas nanicas com propensão a serem alugadas já têm seus donatários estabelecidos. E abrir mão de um partido sentado em tantos recursos não é uma decisão simples, nem com todo o voluntarismo belicista do presidente e de seu clã.

Luiz Carlos Azedo - Partido em crise

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A crise de Bolsonaro com o PSL tem por pano de fundo o caso das candidatas laranja e a distribuição de recursos dos fundos partidário e eleitoral nas eleições municipais”

É uma daquelas situações em que os políticos costumam dizer que a vaca estranha o bezerro. O presidente Jair Bolsonaro abriu uma crise com o seu próprio partido, o PSL, que tem 52 deputados e três senadores, e vem sendo o principal esteio do Palácio do Planalto nas votações do Congresso. Após um militante do PSL se apresentar como pré-candidato da legenda no Recife (PE) e aliado do presidente do partido, deputado federal Luciano Bivar (PE), ao sair do Palácio do Alvorada, Bolsonaro disse ao jovem correligionário que Bivar está muito queimado e que deveria esquecer o PSL. O vídeo da conversa viralizou nas redes sociais.

Foi um banho de água fria nas lideranças do partido, que teme perder a condição de aliado principal de Bolsonaro. O líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), saiu em defesa de Bivar e disse que estava perplexo com as declarações. Enfatizou que o PSL era o partido mais fiel ao governo no Congresso. De pronto, a reação de Olímpio provocou uma resposta do vereador carioca Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, que costuma comprar todas as brigas do pai: “Com todo respeito ao @majorolimpio. Lembro exatamente como foi sua campanha para senador e dos detalhes no hospital, mas que fazem parte da vida pública. Fico estarrecido da maneira como este senhor trata o Presidente hoje! Ninguém é imune a críticas, mas meu Deus! É surreal!”, escreveu no Twitter.

Nesta semana, foi a segunda vez que Olímpio se envolveu em disputas com a família Bolsonaro. Na segunda-feira, ao criticar a postura do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) sobre a CPI da Lava Toga, o líder do partido disse que o filho mais velho do presidente “acabou, não existe mais”, numa alusão ao caso Queiroz. Entre os políticos, porém, Flávio é apontado como o mais conciliador e equilibrado dos três. Ex-deputado estadual no Rio de Janeiro, é investigado no esquema de “rachadinhas” da Assembleia Legislativa fluminense, no qual o seu maior problema é o ex-assessor Fabrício Queiroz. Uma liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, sustou a investigação.

O episódio reflete as dificuldades da relação de Bolsonaro com a legenda, tendo por pano de fundo o caso das candidatas laranja nas eleições passadas, que ameaça derrubar o único ministro da legenda, o deputado Marcelo Álvaro Antônio (MG), recentemente indiciado pela Polícia Federal por suspeita de comandar o esquema; e a distribuição de recursos dos fundos partidário e eleitoral, controlada por Bivar, que envolve o financiamento das candidaturas nas eleições municipais. Muitos dos deputados e senadores eleitos pela legenda têm interesses eleitorais que não coincidem com os de Bolsonaro. Todos querem ter o apoio do presidente da República, mas Bolsonaro teme ser derrotado nas eleições municipais, principalmente nas capitais, e colocar em risco a sua própria reeleição em 2022, se não fizer alianças competitivas.

Bruno Boghossian - Culto à personalidade

- Folha de S. Paulo

Presidente desqualifica partido para concentrar influência sobre seu grupo político

Depois de passar a campanha e o início do governo em conflito com os partidos políticos, Jair Bolsonaro está prestes a romper com a própria sigla. O presidente ameaçou publicamente abandonar o PSL e deu um passo largo para concentrar ainda mais influência sobre seu grupo de apoiadores mais fiéis.

Bolsonaro opera há mais de nove meses no Palácio do Planalto sem uma plataforma de governo objetiva e sem coalizão no Congresso. Seu capital político é fruto de sua própria imagem. O provável divórcio com o partido que o elegeu tende a reforçar o culto à sua personalidade.

O presidente vive às turras com a cúpula do PSL e tenta se desviar das suspeitas que floresceram no laranjal de candidaturas de fachada operadas por dirigentes da sigla. Nesta terça (8), ao encontrar um eleitor que elogiava o chefe da legenda, Bolsonaro deu o golpe e se deixou gravar dizendo: "Esquece o PSL".

Em 30 anos de atividade política, o agora presidente nunca se apegou a um partido. Só no ano da última eleição, passou por duas siglas antes de fincar pé na legenda de aluguel que decidiu abrigá-lo para disputar e conquistar o novo cargo.

Hélio Schwartsman - As incongruências de cada dia

- Folha de S. Paulo

Mensagens trocadas entre Moro e investigadores produzem uma dessas situações

O bacana do cenário político brasileiro é que ele é tão dinâmico que não raro escancara as incongruências de atores relevantes. As mensagens trocadas entre o ex-juiz Sergio Moro e investigadores da Lava Jato produzem uma dessas situações.

Num dos polos, temos o ministro do STF Gilmar Mendes, que parece ansioso para periciar o material vazado e utilizá-lo para processar agentes públicos que, em sua opinião, cometeram crimes.

Estou de acordo que as mensagens trazem coisas cabeludas. Não saberia dizer com segurança quais seriam os delitos cometidos, se de fato os há, mas me parece que já está claro que, pelo menos em relação a Lula, Moro não agiu com a imparcialidade que seria de esperar de um magistrado. Acho que há elementos para anular a sentença que condenou o ex-presidente no caso do tríplex no Guarujá, preservando-se as provas produzidas. Caberia então ao juiz que assumiu a 13ª Vara Federal de Curitiba fazer um novo julgamento.

O que me parece difícil é conciliar a posição garantista que Mendes vem assumindo nos últimos juízos no STF --num passado recente ele já foi bem mais duro-- com a ideia de usar os diálogos para uma eventual condenação. A interceptação das mensagens não havia sido autorizada pela Justiça, o que as torna um caso exemplar de prova ilegal.

Vinicius Torres Freire – Um país por fazer e sem obras

- Folha de S. Paulo

Perspectivas para a retomada de investimentos em obras de infraestrutura ainda são limitadas

Os investimentos privados em concessões de rodovias, aeroportos, portos, ferrovias e transporte urbano devem ter um impacto quase nenhum na economia em 2020 e de 0,3% do PIB em 2022. A estimativa desse efeito muito miúdo é dos economistas do Itaú.

O pessoal do banco expressou em números um dos motivos desta era de expectativas reduzidas quanto ao crescimento brasileiro: falta de investimento na base da economia. Não é destino, não é previsão de que o investimento em obras públicas será um fracasso pelos próximos três anos. Mas temos problemas sérios para evitar que assim seja.

Entre fazer os estudos de uma obra relevante e abrir-se um canteiro de trabalhos, vão-se uns dois anos, sendo otimista. Quede esses grandes novos projetos? Por ora, não estão à vista. Logo, mesmo se o governo der tratos à bola, acelerar estudos e resolver logo problemas regulatórios e de garantias para investidores, teremos mais obras apenas em 2022 e olhe lá.

Sim, há outras possibilidades de investimento em infraestrutura. Os economistas do Itaú não trataram, por exemplo, de saneamento, energia elétrica, petróleo e gás.

Mesmo nesses casos, temos problemas.

Ricardo Noblat - Tudo por dinheiro

- Blog do Noblat | Veja

Em jogo, algo como mais de 700 milhões de reais em 4 anos
O presidente Jair Bolsonaro quer queimar o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL, para que ele e seus garotos possam controlar a fortuna destinada ao partido pelos fundos partidário e eleitoral. Nos próximos quatro anos, algo como R$ 740 milhões.

É isso o que está por trás do ataque feito, ontem, por ele a Bivar. À saída do Palácio da Alvorada, na paradinha que dá para falar diariamente com admiradores e, como de costume, ofender jornalistas, Bolsonaro disse a um filiado do PSL:

– [Bivar] está queimado pra caramba.

Bolsonaro não quer sair do PSL. Quer que Bivar se curve às suas ordens na hora de repartir o dinheiro do partido com vistas às eleições municipais do próximo ano e às eleições gerais de 2022 quando ele deverá ser candidato à reeleição.

Há quatro anos, o PSL só elegeu um deputado federal e nenhum senador. Temporariamente alugado a Bolsonaro no ano passado, o partido elegeu 52 deputados federais e quatro senadores. Na Câmara, é dono da segunda maior bancada. A primeira é do PT.

Bolsonaro não tem nenhum apreço por partidos. Foi filiado a oito deles nos seus quase 30 anos como deputado federal. O PSL é o nono. A essa altura, montar um novo partido demandaria muito tempo – e Bolsonaro não pode se dar a esse luxo.

Trocar o PSL por um partido nanico seria arriscado. Os deputados do PSL que o acompanhassem na aventura poderiam perder o mandato. Só não perderiam se o PSL os expulsasse ou concordasse com sua saída. Improvável. Perderia dinheiro.

O mais provável é que Bolsonaro e Bivar acabem se entendendo.

Um jantar de arromba

Cristian Klein - O presidente queimado

- Valor Econômico

Deputados mostram indisposição com aventura de Bolsonaro

A bola já estava cantada. Mas, como sempre acontece com Bolsonaro, há um tom de imprevisibilidade, quando um presidente da República escracha o seu próprio partido, na façanha de ontem.

Pegou de surpresa aliados e os 130 deputados federais e estaduais que se elegeram na sua esteira e dependem do cultivo mínimo da imagem partidária para a condução dos mandatos. Bolsonaro só prima pela reputação pessoal - se isso não fosse uma contradição em termos para quem defende e faz o que ele faz. Já deixou claro que joga ao mar quem quer que atrapalhe o plano de sobrevivência política, seu e dos filhos. A autofagia é um método do bolsonarismo.

Nada se agrega, tudo se desmancha, com a beligerância de quem se recusa a compor. Do braço-direito durante a campanha, Gustavo Bebianno, ao general Santos Cruz, colaboradores próximos são expelidos num ritmo frenético de desconfiança, paranoia e prepotência. Não é improvável que se desgarre dos correligionários, no atacado. Para que partido?

Para salvar a própria pele, com a imagem desgastada, e pelo controle de centenas de milhões de reais dos fundos eleitoral e partidário, Bolsonaro lança dúvidas e reforça suspeitas sobre a idoneidade do PSL e do presidente nacional da legenda, o deputado federal Luciano Bivar (PE). No final do mandato, o último presidente da ditadura militar, João Figueiredo (1979-1985), pediu: “Quero que me esqueçam”. Na manhã de ontem, em Brasília, ao ser abordado por um apoiador de Pernambuco, que gravava um vídeo com ele, Bolsonaro pediu ao simpatizante para esquecer o PSL e Bivar. “Ele tá queimado pra caramba”, disse o presidente. A contradição se faz lembrar. Desde o estouro do escândalo das candidaturas laranjas do PSL, Bolsonaro blinda o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e se recusa a demiti-lo, mesmo depois de denúncia do Ministério Público de Minas Gerais. Por que o presidente, inclemente com antigos aliados, protege tanto Álvaro Antônio?

Cristiano Romero – Anatocismo

- Valor Econômico

A União tem participação, direta ou indireta, em mais de 600 empresas e precisa vender, e se livrar, de tudo isso logo

Brasílio é um sujeito que possui um patrimônio razoável, mas tem, também, uma dívida enorme, sobre a qual incidem juros altos (principalmente, porque a dívida é grande). E foi quase sempre assim: patrimônio e dívida elevados. O problema do Brasílio é que ele não consegue cortar despesas nem gerar mais receitas e, assim, economizar uma quantia para pagar os juros e, assim, impedir que a dívida cresça. Resultado: o cidadão segue aumentando os compromissos financeiros para bancar as despesas correntes, que não param de crescer.

O gerente do banco onde o Brasílio tem conta, conhecedor de suas finanças, o aconselha a se desfazer do vasto patrimônio. Diz-lhe para vender imóveis, carros de luxo, barcos, coisas que, na idade do Brasílio, não fazem mais nenhum sentido na vida dele. O sujeito tem na garagem, entre outros carros, um Alfa Romeo 76 e uma Kombi 77 amarela, “vintage”. Uma coisa o Brasílio é: honesto. Tudo o que possui está registrado direitinho em sua declaração do Imposto de Renda.

Mas, pense num sujeito apegado a coisas sem utilidade... Por isso, pediu ao gerente uma avaliação do seu patrimônio. Feito isso, descobriu que, dos 146 ativos listados em seu patrimônio, poucos realmente valem um bom dinheiro. O gerente, visto pelo Brasílio como algoz, cidadão portador de más notícias, pessoa insensível, explicou-lhe que seria bom correr para vender logo os mimos porque alguns estão “apodrecendo”.

“No mundo real, Brasílio, as mudanças estão ocorrendo de maneira muito rápida. Alguns dos seus bens podem não valer coisa alguma se não forem passados adiante com a maior brevidade possível”, advertiu o gerente, pobre homem, acusado injustamente por mostrar a seu cliente a calamidade financeira em que ele vivia. “Sou bancário e não banqueiro, Brasílio.”

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Negociações tentam manter a ‘Geringonça’ em Portugal – Editorial | O Globo

Aliança de esquerda que deu sustentação a um ajuste é importante para o crescimento

Portugal cresce por mais de quatro anos consecutivos e consegue reduzir a taxa de desemprego de 16% em 2013 para, se for confirmada a estimativa, 6,2% este ano. No Brasil, está em 12%. Lisboa foi convertida em polo mundial de atração turística e mais uma vez brasileiros fogem de uma crise, esta a mais extensa de que se tem registro, em busca de oportunidades na ex-metrópole da velha colônia.

A recuperação de Portugal transcorre sob uma aliança política, batizada de “Geringonça”, uma coalizão à esquerda que conseguiu se entender em torno de um plano de ajuste duro negociado com a “troika”: Fundo Monetário (FMI), Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Como acontece nas correções de rumo em conjuntura de dívida fora de controle e inflação alta, houve recessão e desemprego. Não foi uma exclusividade portuguesa, porque a crise do sistema financeiro-imobiliário americano em 2008/9 se espalhou pelo mundo e também chegou à Europa. Onde havia países com alto endividamento, eles tiveram de se ajustar a duras penas.

Mas o programa foi bem-sucedido, sustentado pela “Geringonça”, porém com alívios negociados com a esquerda. As recentes eleições parlamentares colocam na agenda política a sua renegociação, para que o país continue a crescer, e em um mundo com incertezas: guerra comercial EUA-China, desaceleração ajudada por este embate, inclusive na Europa, e assim por diante.

Poesia | Vinicius de Moraes - Poema dos olhos da amada

Ó minha amada
Que olhos os teus

São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus…

Ó minha amada
Que olhos os teus

Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus…

Ó minha amada
Que olhos os teus

Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.

Ah, minha amada
De olhos ateus

Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

Música | Teresa Cristina - Senhora Tentação