quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Zuenir Ventura - A que não diz o nome

- O Globo

Governo nunca admitiu serem censura os vetos a temas como feminismo e homossexualidade

Ao contrário da censura dos tempos da ditadura militar, que era escancarada e tinha até um departamento oficial, a de Bolsonaro é uma daquelas doenças que têm vergonha de dizer o nome. Nas numerosas vezes em que tem censurado, escondeu-se atrás de disfarces como “filtro”, “contingenciamento”, “defesa dos valores cristãos”. Nunca admitiu serem censura os vetos a temas como feminismo, homossexualidade, Amazônia, milícias.

Assim foi com “Res Publica 2023”, cancelado pela Funarte em SP, com “Abrazo”, a que a Caixa Econômica deu o mesmo fim em Recife; com “Iago”, de Geraldo Carneiro, que denunciou com todas as letras: “Eu fui censurado”.

Em pelo menos um episódio, o alcance da censura de Bolsonaro ultrapassou fronteiras. Foi o caso do filme “Chico, artista brasileiro”, impedido de ser exibido no Brazil Film Festival 2019, em Montevidéu. O diretor Miguel Faria Jr. não teve dúvidas da ação da censura, mas o Itamaraty alegou ter feito apenas uma “sugestão”. Como a embaixada do Brasil no Uruguai apoiava o evento, uma “sugestão” deve ter sido suficiente.

Esta semana, porém, a boa notícia é que o público e a Justiça estão vencendo a onda de obscurantismo. A peça “Caranguejo overdrive”, que fora cancelada sem explicação da mostra comemorativa dos 30 anos do CCBB, teve que prolongar sua temporada no Espaço Sérgio Porto.

Ao mesmo tempo, a Justiça Federal derrubou, por liminar, a portaria em que o ministro da Cidadania, Osmar Terra, suspendia a seleção de projetos para TVs públicas. A juíza Laura Bastos Carvalho entendeu que o governo agiu com discriminação.

“A sensação é de justiça feita”, afirmou Allan Deberton, produtor de “Transversais”, um dos quatro atacados por Bolsonaro (com “Sexo reverso”, “Afronte, “Religare Queer”). “A Constituição é contra qualquer violação de direitos”, comemorou.
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Para não esquecer:
Em 29 de julho de 1985, o então ministro da Justiça, Fernando Lyra, em reconhecimento à luta do Teatro Casa Grande pela liberdade de expressão, escolheu o local para assinar, perante intelectuais e artistas de todo o país, o decreto que pôs fim à censura.

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