domingo, 21 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

UE é responsável pela sina do acordo com Mercosul

Por O Globo

Protecionistas são poucos, mas fizeram de tudo para torpedear qualquer tipo de tratado

Em comunicado à Câmara dos Deputados da Itália na semana passada, a primeira-ministra Giorgia Meloni afirmou que a assinatura do acordo de livre-comércio entre União Europeia (UE) e Mercosul era “ainda prematura”. “É necessário aguardar que o pacote de medidas adicionais para proteger o setor agrícola seja aperfeiçoado e, ao mesmo tempo, apresentá-lo e discuti-lo com nossos agricultores”, disse Meloni. Ela cerrou fileiras contra o tratado com o presidente francês, Emmanuel Macron. Os dois comandaram a barreira erguida na reunião de cúpula dos 27 integrantes da UE em Bruxelas que deveria ter referendado o documento a tempo de ser assinado ontem, em Foz do Iguaçu (PR), na cúpula do Mercosul. Sem aval do Conselho Europeu, o acordo não saiu. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que uma nova data será marcada em janeiro.

Os perigos externos. Por Merval Pereira

O Globo

Lula alerta que uma intervenção armada dos EUA na Venezuela seria “uma catástrofe humanitária” e um “precedente perigoso para o mundo”.

Quando as ameaças dos Estados Unidos cada vez mais se transformam em possibilidade real de uma intervenção armada na Venezuela, o presidente Lula alerta que ela seria “uma catástrofe humanitária” e um “precedente perigoso para o mundo”. Mesmo com o Brasil se afastando da ditadura de Nicolas Maduro depois da eleição fraudada que o manteve no poder, não nos é possível, como principal líder da América do Sul, aceitar uma invasão militar num país vizinho. A questão em jogo tem duas faces, a política e a militar.

Os donos do futuro. Por Dorrit Karazim

O Globo

Filosofia de vida de barões da IA não se assenta na gestão da ordem existente, mas, pelo contrário, num desejo irreprimível de tudo chacoalhar

Tem sido difícil pinçar algo apaziguante sobre o amanhã à nossa espera — o futuro chegou muito antes de 2025 se esvair, e coisa boa não é. Veio a galope, sem pruridos de atropelar a cosmologia anterior. Para o veterano analista Alastair Crooke, ex-agente do serviço de inteligência britânico MI6 e fundador do Fórum de Conflitos com sede em Beirute, o pensamento populista conservador ocidental já conseguiu criar raízes como algo mais bruto, coercivo e radical.

Noturno do Chile. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Novo presidente se aproxima de Milei e Bukele; Trump amplia influência na América do Sul

O sorriso de Augusto Pinochet voltou às ruas de Santiago no último domingo. Eleitores de José Antonio Kast exibiram retratos do ditador para comemorar a vitória do ultradireitista na eleição do Chile.

O novo presidente nunca disfarçou a admiração pelo velho general. Votou contra o retorno à democracia no plebiscito de 1988 e prometeu tirar da cadeia militares condenados por crimes contra a humanidade.

“Se estivesse vivo, Pinochet votaria em mim”, garantiu Kast, na primeira campanha ao Palácio de La Moneda. Na terceira tentativa, ele chegou lá. Foi eleito com 58% dos votos em disputa com a comunista Jeannette Jara, apoiada pelo atual presidente Gabriel Boric.

Eu sou da América do Sul. Por Míriam Leitão

O Globo

Intensificação da presença militar americana na Venezuela eleva risco de intervenção e desafia o Brasil

A América do Sul vive neste fim de ano a tensão de uma situação militar de desdobramentos imprevisíveis. Os Estados Unidos instalaram seu maior porta-aviões, submarino nuclear, dez navios e tropas perto da região. Caças americanos sobrevoam áreas a 100 quilômetros de Caracas. O governo Donald Trump nem chega a alegar que está fazendo isso para defender a democracia, lembra o embaixador Roberto Abdenur. “Ele diz claramente que quer retomar os poços de petróleo que foram desapropriados de empresas americanas em tempos anteriores”. Abdenur acha que foi importante o Brasil se oferecer como mediador, ainda que não haja qualquer possibilidade de o governo americano aceitar.

Lulinha e o Careca no voo JJ-8148. Por Elio Gaspari

O Globo

Na noite de 8 de novembro de 2024, dois passageiros embarcaram no voo JJ-8148 da Latam com destino a Lisboa. Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente da República, foi para o assento 6J. Antônio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, foi para o assento 3A.

A revelação é do repórter André Shalders.

O fato de terem embarcado no mesmo voo para Lisboa meses antes da mudança de Lulinha para Madri não prova coisa alguma. O cheiro de queimado vem da conduta da tropa de choque do Planalto, bloqueando todas as tentativas da CPI do INSS para ouvir Lulinha. Bloquearam até mesmo o acesso à lista de passageiros do voo JJ-8148.

Já haviam bloqueado a tentativa de ouvir o irmão mais velho do presidente, diretor de um sindicato envolvido no roubo de dinheiro dos aposentados.

Orçamento sob medida para as eleições: R$ 61 bi em emendas impositivas. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Na prática, o que se vê é a substituição do planejamento público por uma lógica clientelista, em que a distribuição de verbas obedece mais à geografia eleitoral

Esqueçam o baixo clero, pois a expressão que designava os deputados que não decidiam os rumos da política do país caiu em desuso. Não se fala mais nisso. Hoje, o baixo clero manda na Câmara, já que os velhos cardeais que sobreviveram eleitoralmente estão na planície. Outra geração de políticos assumiu o protagonismo, numa Câmara que funciona a partir de um grupo restrito de líderes, agora em torno do deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB). O rally regressivo e as nas votações do Congresso mostram as consequências.

Conflito entre Poderes não é baderna institucional. Por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Democracias não operam em harmonia perfeita – operam por meio de tensão perpétua

Em qualquer democracia, independentemente do modelo institucional, os Poderes constituídos estão permanentemente engajados em disputas por influência e controle do processo decisório. O equilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário nunca é ótimo, tampouco estático. Ele é, por definição, dinâmico, contingente e frequentemente subótimo. Democracias não operam em harmonia perfeita – operam por meio de tensão perpétua.

Medicina: o futuro já chegou? Por José Gomes Temporão

O Estado de S. Paulo

A questão decisiva é se será também mais humano, equitativo e efetivo. Isso dependerá das escolhas que fizermos hoje

Vivemos um ponto de inflexão na história da medicina. Em poucas décadas, a convergência entre biotecnologia, inteligência artificial (IA), novos materiais, robótica, entre outras tecnologias, deslocou o centro de gravidade do cuidado de um ato isolado e prescritivo para um ambiente de cuidado tecnológico contínuo, preditivo e conectado. Novas tecnologias, como biópsia líquida e imagem molecular, possibilitam diagnósticos mais precisos e permitem que testes avançados sejam realizados fora de grandes centros hospitalares, chegando a Unidades de Saúde da Família e comunidades remotas.

Brasil precisa de um plano de inserção. Por Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Brasil tem de fazer acenos à Ásia-Pacífico, que concentra muitos países dinâmicos e abertos aos negócios

O ano de 2025 valeu por uma década. Uma nova ordem geoeconômica toma corpo. O Brasil precisa se elevar acima de suas aflições e disputas internas para elaborar um plano de inserção nesse mundo repleto de riscos e de oportunidades.

Assistimos a um encolhimento abrupto do Ocidente, entendido não como geografia, mas como conjunto de valores do pós-2.ª Guerra. A aliança transatlântica, que sustentava essa ordem, sofreu uma fratura muito difícil de reparar, porque envolve confiança.

Ela foi formalizada na nova Estratégia de Segurança Nacional (ESN) dos EUA, na qual a Europa é apresentada como adversário, por causa de seus valores liberais. Esse documento desloca as preocupações americanas da Ásia, Oriente Médio e Europa para a América Latina.

Congresso legalizou roubar voto de pobre. Por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Legislativo traiu os trabalhadores que, para votar, tiveram que driblar bloqueios de estrada ordenados por Bolsonaro

Roleta será instalada na porta do Congresso para que o sujeito de direita compre revisão de dosimetria em caso de golpe fracassado

Congresso Nacional reduziu a pena de quem tentou roubar voto de pobre.

Os que tentaram roubar as armas da República para perpetuar sua facção no poder e matar seus adversários sob tortura também foram beneficiados.

De agora em diante, uma roleta será instalada na porta do Congresso para que o sujeito de direita, em caso de golpe fracassado, já se dirija ao centrão para comprar "revisão de dosimetria" com emendas do orçamento secreto. Aceitarão dinheiro vivo também, Sóstenes, pode ficar tranquilo.

Com Marçal, Flávio Bolsonaro pode reviver campanha disruptiva de 2018. Por Juliano Spyer

Folha de S. Paulo

Silas Malafaia é contrário à candidatura do senador à Presidência

Conflito entre pastor e influenciador pode voltar à cena eleitoral

Estamos caminhando para um rompimento entre Jair Bolsonaro e Silas Malafaia? Na semana passada, o pastor se posicionou publicamente contra a pré-candidatura presidencial de Flávio Bolsonaro.

As declarações de Malafaia circularam nos jornais ao lado de outra notícia relevante: o influenciador Pablo Marçal se encontrou com Flávio e, durante um culto, orou por sua pré-candidatura.

Disputa eleitoral trava combate ao crime. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

O ano legislativo se encerra sem que deputados e senadores respondam à demanda popular por segurança

Tudo indica que 2026 será um ano perdido com promessas de palanque e embates improdutivos no Congresso

Foi-se mais um ano legislativo sem que o Congresso conseguisse produzir resposta consistente à aflição do público subtraído no seu sagrado direito de ir e vir em razoável segurança.

Isso ocorre num momento periclitante para o Judiciário, o agente detentor da punição de ilícitos, posto na berlinda por uma série de incorreções cometidas em suas variadas instâncias.

Genealogia do crime perfeito. Por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

O feminicídio é problema antigo, mas dele se falava pouco, fossem as vítimas ou as autoridades

O choque atual parece ter a ver com o fim de outra forma de violência, o silêncio

Epidemia (do grego "epi-demos") significa literalmente aquilo que incide de forma direta, sem mediações, sobre o povo. Por isso nomeia surtos inesperados de doenças infecciosas em várias regiões. Endemia, por outro lado, é a manifestação desse fenômeno de modo estável. Choque e perplexidade têm levado frações de público a falar de uma "epidemia" de feminicídios e violências contra as mulheres, talvez devido ao aumento extraordinário de casos, mas esse é um mal culturalmente endêmico. Sempre existiu como uma recorrência em graus variáveis, a depender da região.

INSS, roubança e incompetência. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Além de evidências cada vez mais extensas de fraude, fila cresce muito

Governo Lula 3 ainda não tomou providência maior para reformar o sistema

O sistema de concessão de benefícios da Previdência não funciona. Uma prova simples do problema é o número de cidadãos na fila do INSS, que aumentou em 49% em um ano, para 2,86 milhões de requerimentos à espera de solução. Esse escândalo administrativo dá o que pensar sobre inércia reformista e ativismo corrupto.

"Sistema de concessão" é uma expressão feia e obscura como quase todas as que incluem a palavra "sistema". Serve para dizer que o assunto é de responsabilidade, ao menos, do ministério da Previdência, do seu Departamento de Perícia Médica, do INSS (vinculado ao ministério) e da Dataprev (estatal que processa também os dados dos benefícios previdenciários, vinculada ao ministério da Gestão). Uns atribuem aos outros a conta da ruína.

(Gilvan e Graziela) Exilados voltam e passam o Natal presos - Feliz Natal a todos!


Jornal do Brasil - terça-feira, 26/12/78

Legenda: Graziela e Gilvan Cavalcanti de Melo foram liberados na Polícia Marítima às 11 horas

Exilados voltam e passam o Natal explicando por que voltaram sem passaportes

Fora do país há seis anos, absolvido em setembro último da acusação de pertencer ao PCB, o ex-funcionário do INPS Gilvan Cavalcanti Melo, chegou do Panamá com a mulher e os dois filhos, no domingo e foi preso. A Embaixada do Brasil informara que poderiam desembarcar só com a carteira de identidade, mas a polícia deteve o casal por 12 horas durante a noite de Natal, para saber porque estavam sem passaportes.

O Sr. Gilvan e D. Graziela Cavalcanti Melo passaram a noite num sofá da Delegacia de Polícia Marítima, onde foram interrogados ontem de manhã e liberados depois de preencherem um questionário mimeografado. Os filhos, Gilvan de 16 anos, paralítico, e Ana Amélia, de 12, foram dispensados pela polícia ainda no aeroporto e ficaram com parentes.

GARANTIA

Hoje, com 43 anos, o Sr. Gilvan de Cavalcanti Melo, nascido em Pernambuco, foi demitido do INPS por decreto baseado no AI-5, em 1972, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro. Logo após foi com a família para Buenos Aires, Porto Alegre e finalmente Santiago onde trabalhou na Corporação de Fomento.

Com a derrubada do Governo Allende, asilaram-se na Embaixada do Panamá, país onde o Sr. Gilvan conseguiu trabalho numa empresa de administração. Morou durante algum tempo em Cuba que lhe forneceu documento de identidade.

Ao saber de sua absolvição em processo na 2ª Auditoria da Marinha em 19 de setembro, o Sr. Gilvan consultou a Embaixada do Brasil no Panamá e recebeu a garantia de que poderia voltar normalmente apenas com a carteira de identidade brasileira emitida em 1972 se viajasse por uma empresa aérea brasileira.

A família embarcou num voo da Varig às 8,43 de domingo e chegou ao Aeroporto Internacional do Rio às 19,50. Levados para a Polícia Marítima e Aérea, o casal e os dois filhos foram informados de que teriam que prestar depoimentos, por não estarem com passaportes.

Após entendimento com os policiais, o Sr. Gilvan conseguiu que os filhos fossem liberados, enquanto ele e a mulher eram levados à sede da Polícia Marítima, na Av. Rodrigues Alves. Ali passaram a noite do Natal, recostados num sofá. O advogado Humberto Jansen chegou à delegacia às 7hs, mas só conseguiu liberar o casal, às 11h, depois que os dois prestaram depoimentos de uma hora cada um. 

No questionário tiveram que informar as condições de saída do país, como viviam e onde trabalhavam no exterior e porque voltaram. Agora o que quero fazer mesmo é assistir um jogo do meu Vasco”, disse o Sr. Gilvan.

E Carlos Drummond de Andrade decretou o verão: em crônica inédita, poeta ironizou o AI-5 em janeiro de 1978

Por Bolívar Torres / O Globo

Nunca publicado em livro, texto pedia que cariocas curtissem a ‘mais trepidante das estações’

Janeiro de 1978. No artigo 1º de seu “Ato Institucional do Verão Carioca”, Carlos Drummond de Andrade decreta: “Todos os moradores da cidade do Rio de Janeiro, ricos ou pobres, de qualquer raça, religião, profissão ou falta de profissão, convicção ou ausência de convicção política, têm igual direito a curtir as excelências do verão, também chamada estação calmosa, embora seja a mais trepidante das estações”.

Publicada na revista masculina Status naquele mesmo mês e ano, a crônica do poeta mineiro reúne 20 artigos que ironizam as regras de convivência, os abismos sociais e as estratégias de sobrevivência diante do caos urbano e do calor. Também satiriza os decretos da ditadura militar, que vivia o último suspiro do Ato Institucional nº 5 (AI-5) e ensaiava uma abertura lenta e gradual.

Como inúmeras outras colaborações de Drummond para a imprensa, este “Ato Institucional do Verão Carioca” permanece inédito em livro, e é obscuro até mesmo entre especialistas da obra do autor. Merece ser resgatado quase 50 anos depois, neste 21 de dezembro em que começa a mais carioca das estações.

— É um texto que destoa da obra do Drummond pela forma paródica do discurso oficial, no caso plena de absurdos e arbitrariedades — observa o crítico e poeta Antonio Carlos Secchin, que desconhecia a crônica. — Essa divisão em artigos de lei, numerados, não é usual.

Chopinho gelado

Responsável por encontrar diversos poemas inéditos de Drummond em 2009 e autor de “Papéis de poesia: Drummond & mais (2014)”, o imortal da Academia Brasileira de Letras destaca o lado satírico da crônica, que “atira em vários alvos”.

Drummond mira regras sociais, estruturas de poder, a ganância que inflaciona o chope e os refrescos, os privilégios que definem a experiência estival. Como um burocrata tentando domar o lirismo da vida, trata o calor como política pública, o bom humor como obrigação cívica e a praia como “praça do povo”.

Poesia | O Auto do frade - Frei Caneca, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Moreira da Silva - Rei do Gatilho

 

sábado, 20 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Bolsonarismo sofre baque com operação da PF

Por O Globo

Depois da cassação de três deputados, outros dois são alvo de acusações de corrupção com verba parlamentar

Depois da hesitação incompreensível na cassação da então deputada foragida Carla Zambelli (PL-SP), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), soube corrigir o rumo no caso dos também fugitivos Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), cujos mandatos foram cassados pela Mesa da Casa. Espera-se que atue também com rigor perante as acusações que agora pesam contra outros dois deputados do PL fluminense, Carlos Jordy e Sóstenes Cavalcante, líder do partido na Câmara. Ambos foram alvo de operação da Polícia Federal (PF) para coibir desvios de recursos da cota parlamentar.

Um golpe, um agrado. Por Flávia Oliveira

O Globo

Excelências só se preocupam em saciar os próprios desejos

Na mesma semana, a Câmara dos Deputados adiou para 2026 a apreciação do PL Antifacção e da PEC da Segurança Pública, em nova evidência de desprezo pela agenda prioritária da população. Pesquisa Datafolha, apurada nos primeiros dias de dezembro em 113 cidades brasileiras, mostrou que a violência é o maior problema do país para 16% da população, atrás apenas da saúde, citada por um quinto. Mais importante para Hugo Motta e seus pares, Senado incluído, é atenuar a pena de quem atentou contra a democracia, cláusula pétrea da Constituição. Promulgado o projeto da dosimetria (em letra minúscula, por favor), que passou como um raio pela Casa revisora, golpismo será crime menor, beneficiado com semiaberto após cumprimento de um sexto da pena em regime fechado; troca de dias de prisão por leitura, mesmo em custódia domiciliar; imposição ao Judiciário de fundir dois ataques distintos, abolição violenta do Estado Democrático e golpe.

A opção de Flávio pelo establishment. Por Thaís Oyama

O Globo

O senador não pretende tentar conciliar a retórica do candidato pragmático com o bolsonarismo

O senador Flávio Bolsonaro deu a largada em sua campanha à Presidência anunciando ser “o Bolsonaro que todo mundo quer”. Em encontros com empresários, tratou de listar seus pretensos atributos: “moderado”, “equilibrado” e, como disse num vídeo, alguém que até tomou vacina — sugerindo, assim, ter em comum com o pai só o sobrenome. Suas falas iniciais deixam claro que ele não pretende tentar conciliar a retórica do candidato pragmático com o bolsonarismo antissistema — investirá na primeira e desprezará a segunda. Isso porque, para Flávio e aliados, os eleitores de Jair estarão com ele haja o que houver e diga ele o que disser.

Chavão abre porta grande. Por Eduardo Affonso

O Globo

Clichês são uma faca de dois gumes. Se os repetimos tanto é porque tiveram poder de fogo e, em algum momento, foram um gol de placa

O clichê é um divisor de águas na vida de quem escreve. É a tábua de salvação quando o cérebro aciona o piloto automático, incapaz de qualquer esforço intelectual — e a dificuldade de pensar e elaborar simbolicamente nos faz tirar da cartola, ou do bolso do colete, uma imagem que valha mais que mil palavras.

Via de regra, é só a gente baixar a guarda e... lá está ele, dando o ar da sua graça e apontando a luz no fim do túnel do que parecia um beco sem saída ou o fundo do poço. Chega como uma bala de prata para que não seja preciso ficar dando murro em ponta de faca, enxugando gelo ou chorando sobre o leite derramado.

Subdesenvolvimento em marcha. Por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

O governo do Brasil está olhando os foguetes passarem sobre nossas cabeças. O país não tem sequer capacidade de colocar um satélite em órbita. Mas o Parlamento continua discutindo temas tão relevantes quanto a dosimetria

Mesmo após 26 anos de negociações, os líderes europeus pediram ainda mais um mês com objetivo de discutir, entre si, as condições finais para referendar o acordo com os países do Mercosul, o famoso e discutido tratado de livre comércio que seria assinado, com grande pompa, neste final de semana, em Foz do Iguaçu. Franceses e italianos se declararam contra o tratado, enquanto a maioria dos europeus pretende assinar o documento. Os alemães querem o acordo para abrir uma janela de oportunidades comerciais para o bloco europeu constrangido pelos russos, de um lado, e pelos norte-americanos, de outro. E os chineses olhando para avançar no momento certo. 

Reflexões do tipo a quem interessar possa. Por Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

Tudo isso somado deveria abrir nossos olhos para o fato de que somos um país teoricamente robusto, mas vulnerável a graves retrocessos

Peço vênia para repetir o que há tempos tenho feito: uma tentativa de diálogo com quem queira olhar o Brasil com os olhos abertos. Parto do que enxergo sem grande esforço, baseando-me apenas no que me chega pelos jornais.

Tenho para mim que o Brasil não é um país difícil de governar. Somos naturalmente protegidos pela extensão de nosso território e pelas enormes distâncias que nos separam das potências que nos varreriam do mapa se nos encrencássemos com elas no terreno bélico. Sublinhemos também que, pelo menos no setor externo, já não estamos ameaçados por vulnerabilidades como as de meio século atrás, quando a escassez de insumos essenciais nos estrangulava e endividamentos mastodônticos como o da era Geisel eram um tormento constante. Ao contrário, nosso pujante agronegócio e a mineração nos dão certa tranquilidade, sem embargo de serem poucos os produtos que somos capazes de exportar e poucos, também, os países compradores.

O PT aderiu ao acordão. Por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Davi Alcolumbre entregou a sua parte no trato. Não fez favor, como se verá. Faltava o governo Lula no acordão, que costurou bolsonarismo, Centrão, os comandos do Congresso e aquela porção do Supremo composta por senadores-consultores togados. Não falta mais. O governo aderiu. Aos 45 do segundo tempo, no Senado. Não sem cálculo. Certamente sem favor, como se verá.

Aderiu ao acordo pela aprovação do projeto de redução de penas, chamado de PL da Dosimetria. Projeto que tem Jair Bolsonaro como objeto beneficiado. O líder do governo, Jaques Wagner, admitiu. Argumentou que o trem seria aprovado de qualquer maneira, cedo ou tarde. Subentendido que via vantagem em acelerá-lo, em troca da aprovação de pauta fiscal decisiva para o Planalto. Subentendido no subentendimento de que Lula vetaria o texto adiante... Há um teatro. Lula o vetará. O Congresso derrubará o veto e ficará com o ônus, explorado pelos governistas, de “defensor de golpista”.

STF e Parlamento: o conflito inevitável. Por Juliana Diniz

O Povo (CE)

As cenas impressionantes do volume de dinheiro vivo encontrado nos apartamentos vistoriados pela Polícia expõem um resultado previsível do novo modelo de alocação orçamentária que teve lugar com o chamado orçamento secreto

As operações policiais que cumpriram medidas judiciais de busca e apreensão em apartamentos ligados aos deputados Sóstenes Cavalcante e Carlos Jordy, ambos do PL, apimentaram ainda mais as queixas de parlamentares sobre os supostos excessos do Supremo Tribunal Federal. As operações estão relacionadas a apurações de possíveis desvios de recursos públicos oriundos de emendas parlamentares. Muito queixosos, os políticos se dizem perseguidos, alvo deliberado de uma campanha do Executivo, do Judiciário e da Polícia Federal, contra a oposição.

A blindagem do Supremo. Por Ana Luiza Albuquerque

Folha de S. Paulo

Eventuais excessos durante o governo Bolsonaro poderiam se justificar diante de um momento agudo de ascensão autoritária, mas o cenário hoje é outro

Tentativas de blindagem da corte podem agravar a crise de confiança nas instituições e, por consequência, colocar em risco a própria democracia

O Poder Judiciário é um bastião fundamental contra avanços autoritários.

Por vezes, porém, como no Brasil, a missão foi exercida com atos que extrapolaram as prerrogativas ou que fugiram do rito processual. Está longe do ideal que um magistrado julgue fatos em que figura como personagem, como foi com o ministro do STF Alexandre de Moraes e o plano Punhal Verde e Amarelo.

Ainda assim, pode-se argumentar que o país passava por um momento de crise democrática aguda e que, fazendo valer o sistema de freios e contrapesos, a Suprema Corte respondeu aos excessos do Executivo diante de um Procurador-Geral da República omisso.

Facilitar o impeachment. Por Hélio Schwartsman

Folha de Paulo

Legislativo estuda alterações na lei de 1950 que estabelece regras para destituir autoridades

Lógica de freios e contrapesos, que compartimentaliza e divide o poder, precisa prevalecer

Sistemas de freios e contrapesos precisam ter roldanas grandes e pequenas. Sempre que se dá poder a uma autoridade, é necessário também criar um mecanismo para evitar que ela abuse desse poder. É nesse contexto que se inscreve o impeachment. Ele surgiu na Inglaterra do século 14 como um procedimento puramente penal, ganhou feições políticas na Constituição americana de 1787 e dali saltou para integrar a paisagem institucional de várias nações presidencialistas.

Mimimi de Flávio Bolsonaro esbarra na rejeição espetacular. Por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Jair sentou definitivamente em cima de seus votos

Flávio virou pesadelo para articuladores da candidatura Tarcísio

No início do mês, logo após lançar sua pré-candidatura à Presidência, seguindo as ordens dadas pelo pai de dentro da prisão, Flávio Bolsonaro provocou os descontentes: "Eu tenho um preço. Quem dá mais?".

Aberto o leilão, veio o primeiro lance. A proposta que reduz a pena de Bolsonaro e de outros condenados pelos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 foi aprovada na Câmara com rapidez e, para variar, na calada da madrugada.

Regras fiscais e sustentabilidade econômica. Por Marcus Pestana

O cenário macroeconômico para 2026 é de desaceleração, com a perspectiva de um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,3%, em 2025, 1,7%, em 2026, e uma taxa média de crescimento, de 2027 a 2035, de 2,2% a.a. Já em relação à inflação, verificamos a entrada do Indice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) na órbita do intervalo de tolerância do sistema de metas inflacionárias, em resposta à política monetária implementada pelo Banco Central, com a estimativa de fecharmos 2025 no patamar de 4,3%, experimentarmos ligeira queda para 3,9% em 2026, e convergirmos, de maneira suave, para o centro da meta de inflação (3,0%), no período entre 2027 e 2035. Quanto ao setor externo, não se espera nenhum impulso econômico extraordinário em função da permanência de riscos e incertezas relevantes.  Todos estes elementos influenciam o cenário fiscal.

Lula concede entrevista coletiva à imprensa

 

Motivos para brindar. Por Pedro Serrano

CartaCapital

O legado de 2025 é gigantesco. Foi dada uma lição fundamental às gerações atuais e às vindouras: a de que o País não admite mais, sob hipótese alguma, ataques à democracia

No esquadrinhamento dos fatos e feitos do ano, é inevitável elencar os julgamentos dos golpistas de 8 de janeiro de 2023 como um dos pontos altos de 2025, lembrando que seus efeitos benéficos devem perdurar por muito tempo. Ao todo, foram mais de cem dias de sessões, que resultaram na condenação de 29 réus, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro. Diante de provas irrefutáveis, não apenas de planos – incluindo os de sequestro e assassinato de autoridades –, mas também de atos efetivamente praticados, o processo representou a vitória do Estado Democrático de Direito que os articuladores do golpe tentaram derrocar, felizmente sem sucesso.

À espera do ploc! Por Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

A bolha da Inteligência Artificial está prestes a estourar, e outras não tardarão a se formar

Vamos iniciar a discussão com a advertência explicitada no Relatório Trimestral do Banco de Compensações Internacionais, o BIS. “O boom relacionado à Inteligência Artificial (IA) nos preços das ações continuou a moldar o comportamento dos mercados financeiros. As ações de grande capitalização da tecnologia continuaram a superar durante grande parte do período em análise, impulsionadas por lucros fortes. No entanto, eles mostraram sinais de retração no final do período, devido à maior cautela dos investidores em relação a avaliações mais longas”, afirma o texto.

Ruchir Sharma, presidente da ­Rockefeller International, soou mais um alarme no Financial Times. “Em meio à conversa sobre a mania da Inteligência Artificial, as pessoas começaram a brincar com a ideia de ‘uma bolha dentro da bolha’. As buscas no Google por IA associada à palavra ‘bolha’ dispararam, e o clima nos mercados parece exuberante. No entanto, além desses indicadores subjetivos, não existe uma métrica-padrão para definir uma bolha. Meu teste se concentra em quatro ‘Ss’: sobrevalorização, sobrepropriedade, sobreinvestimento e sobrealavancagem.”

Quando deixamos de ser franceses. Por Vladimir Safatle

CartaCapital

A recuperação do legado de Gérard Lebrun revela as aventuras da formação de um pensamento filosófico brasileiro

Há uma maneira de compreender a filosofia no Brasil através da história de sua profissionalização. Tal maneira consiste em afirmar que, antes da profissionalização universitária da filosofia, o que existia aqui não vale muito a pena ser recordado e integrado.

A experiência filosófica anterior seria composta de voos de fôlego curto, ecletismos os mais variados e de um ­ensaí­sm­o­ filosófico-literário ao qual faltaria certo “rigor”. Nenhum aluno de filosofia é levado atualmente a ler os textos de Sílvio Romero ou Tobias Barreto, para ficar em dois dos mais conhecidos representantes desse momento.

Mas eis que teria vindo a implantação universitária da filosofia entre nós e, com ela, a ideia de inaugurar um processo de formação que nos trouxesse o modo de funcionamento da formação que imperava nos países europeus. A criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934, sela esse “momento inaugural”.

O Velho Chico. Por Ivan Alves Filho*

Viajando pelo rio São Francisco, eu entendi que a natureza é um livro e, como tal, merece ser lido com cuidado. Plantas, insetos, pássaros, pântanos, peixes, árvores são suas páginas e bordas. Mais: há, no homem do sertão, uma inteireza que me faz pensar que não existe nele corte profundo entre Natureza e Cultura, de tal forma nos fascina a simbiose entre o homem e o meio. Presenciei situações quase alucinantes, pela beleza e estranheza, quando viajava para escrever o Velho Chico mineiro. 

Crônica | O poeta e os olhos da moça, de Rubem Braga

 

Música | Marília Batista - Cem Mil Réis (Noel Rosa)

 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Opinião do dia - Adam Przeworski*

Qual o significado do julgamento de Jair Bolsonaro para a democracia brasileira?

O que impressiona no julgamento não é apenas que Bolsonaro foi condenado, mas que oficiais militares de alto escalão também o foram. Isso é inédito no Brasil. E as Forças Armadas estão em silêncio. O julgamento mostra que Bolsonaro não sai impune, que a sua base potencial de apoio para desestabilizar a democracia foi desativada e que as Forças Armadas não vão desempenhar um papel político.

Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão, mas a Câmara discute um projeto que pode livrá-lo de punição. O que significaria a anistia?

Seria um desastre. A lição de uma anistia seria clara: pode-se levar a cabo ações criminosas contra a democracia e sair impune. Encorajaria o próprio Bolsonaro e qualquer outro líder político a tentar isso.

*Adam Przeworski (1940), professor de Ciência Política da Universidade de Nova York. Entrevista: Anistia a Bolsonaro seria um desastre e encorajaria novos golpes, O Globo, em 28/9/2025

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Inexiste solução simples para a inoperância da Enel

Por Folha de S. Paulo

Caducidade envolve processo intricado e de duração incerta; venda é opção, mas contrato já vence em 2028

Repetem-se problemas de anos anteriores, que deixaram sequelas irreparáveis na relação da concessionária com poder público e consumidores

Depois de mais uma demonstração de inoperância da Enel, incapaz de restaurar de forma tempestiva o acesso à energia de milhares de residências após o vendaval que atingiu a região metropolitana de São Paulo, criou-se um raro alinhamento entre prefeitura, governo estadual e Ministério de Minas e Energia para cobrar a caducidade da concessão.

O ciclone extratropical do último dia 10 deixou mais de 2,2 milhões de imóveis sem energia, e após mais de uma semana muitos assim permaneciam. Repetem-se problemas exasperantes de anos anteriores, que deixaram sequelas possivelmente irreparáveis na relação da concessionária com o poder público e, sobretudo, com os usuários paulistanos.