quinta-feira, 3 de julho de 2025

Opinião do dia - Ulysses Guimarães*

“O inimigo mortal do homem é a miséria. Não há pior discriminação do que a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com o estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria.”

*Trecho de discurso em 5 de outubro de 1988, durante a sessão de promulgação da nova Constituição brasileira.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Governo extrapola ao recorrer ao STF para manter alta do IOF

O Globo

Decisão é juridicamente frágil e contribui para acirrar tensões em momento que exige negociação

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou uma decisão temerária ao orientar a Advocacia-Geral da União (AGU) a entrar com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a derrubada do decreto legislativo que suspendeu o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A iniciativa acirra o conflito entre Executivo e Legislativo num momento em que o país não precisa de mais tensão, mas de tranquilidade e capacidade de negociação para pôr em ordem as finanças públicas.

O Executivo não deveria ter insistido na estratégia de aumentar impostos para cobrir buracos no Orçamento. O risco político era evidente. Líderes do Congresso haviam deixado claro ser contra ampliar a carga tributária já excessiva. A reação era previsível. Em derrota acachapante para o Planalto, a Câmara aprovou por 383 votos a 98 o decreto legislativo anulando o aumento do IOF, referendado no Senado por votação simbólica. Para espanto de ninguém, a derrubada contou com a votação maciça de parlamentares da base governista. A raridade da decisão — desde 1989, a Câmara aprovou menos de 1% dos projetos de decreto legislativo que visavam à suspensão de atos presidenciais — demonstra o grau de insatisfação no Parlamento.

Os fatos nas palavras - Merval Pereira

O Globo

A partir do momento em que um deputado se recusou a ser ministro, partiu-se o cristal. Acredito que o governo Lula, para este Congresso, está acabado

O Brasil, onde na teoria vigora o regime presidencialista, na prática hoje exercita um sistema semiparlamentarista, tendo já passado pelo hiperpresidencialismo muito recentemente. O povo brasileiro já reafirmou sua preferência pelo presidencialismo em pesquisas e plebiscitos. Parece fadada ao insucesso a tentativa de mudar o regime para o parlamentarismo, que já adotamos numa emergência política depois da renúncia do presidente Jânio Quadros, para que o vice João Goulart fosse aceito pelos militares.

Há ainda propostas para adotarmos o semipresidencialismo, que vige em Portugal e na França. Todos esses regimes são tentativas de superar problemas político-partidários que nos perseguem, pois não conseguimos alcançar um equilíbrio institucional que permita ao país se desenvolver. O hiperpresidencialismo recente anulava o Congresso, que era manipulado pelos presidentes por meio da distribuição de emendas parlamentares, cargos públicos e até ministérios. Regimes presidencialistas como os Estados Unidos têm uma divisão de Poderes bastante rígida, tanto que um parlamentar que queira virar ministro (secretário por lá) de um governo precisa abrir mão do mandato que ganhou nas urnas para representar os eleitores. No Brasil, há muito tempo o presidencialismo tem uma porta giratória por onde entram e saem políticos, num vaivém constante entre Executivo e Legislativo.

Semipresidencialismo ganha força como saída para crises - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

É um sistema de governo que combina o presidencialismo e o parlamentarismo. Os dois modelos clássicos são os da França e de Portugal. Duas PECs tramitam no Congresso

Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assume a presidência do Mercosul, em Buenos Aires, na Argentina, a elite política e a alta magistratura brasileira se reúnem no Fórum Jurídico de Lisboa, criado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), um dos autores da proposta de implantação do semipresidencialismo no Brasil. Ao saudar os presentes, entre eles o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), destacou o caráter transdisciplinar e internacional do evento, que conta com 57 painéis, quase 500 palestrantes de várias nacionalidades e estimativa de 2,5 mil participantes. “O Fórum se consolidou como um ponto de encontro fundamental para o diálogo entre o Brasil e a Europa”, afirmou.

Brics: a busca da agenda concreta - Míriam Leitão

O Globo

Mesmo com a sombra dos conflitos globais, o desejo do Brasil na presidência do bloco é ter uma pauta para enfrentamento de problemas reais

Os negociadores que preparam a reunião de cúpula do Brics estão tentando fechar declarações à parte sobre três assuntos: saúde, clima e inteligência artificial. Isso além da declaração conjunta dos chefes de Estado. O objetivo do Brasil é fortalecer a agenda de desenvolvimento nos debates e buscar avanços concretos. Mesmo assim, a sombra dos conflitos globais estará presente. O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, não virá mais. Ele chegou a confirmar a presença logo após o ataque de Israel, mas quando houve o bombardeio americano, avisou que não poderia deixar o país.

O que o Brasil quer é menos geopolítica e mais agenda de desenvolvimento que foque na natureza econômica do bloco. Um diplomata que está no centro da negociação dos documentos me explicou a visão brasileira.

Sem recuo à vista no #congresso damamata - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Governo escalou o tom nas redes para abrir espaço ao armistício

A estética do confronto chegou para ficar como condição necessária, ainda que insuficiente, para o governo chegar ao armistício com o Congresso. O primeiro sinal de que o bombardeio #congressodamamata incomodou foram os recibos passados pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), (“Quem alimenta o nós contra eles acaba governando contra todos”) e pelo presidente do União, Antônio Rueda, (“Não consegue resolver o problema fiscal e joga a culpa no Congresso”).

Esta percepção, de um ministro que é conselheiro de colegas petistas sem nunca ter sido do PT, e tem linha direta com os presidentes da Câmara e do Senado, não se restringe a aplaudir a reação governista até aqui. Advoga que o próprio presidente da República vá pra cima nas redes sociais dizendo que o Congresso não quer votar a isenção do IR ou o aumento de imposto para rico e pretende congelar o salário-mínimo.

Por um orçamento compreensível - Maria Clara R. M. do Prado

Valor Econômico

A ignorância alija o cidadão da possibilidade de influenciar o conteúdo dos orçamentos públicos

PPA, LDO, LOA. Quem consegue entender essas siglas? Pouca gente. Por certo, os especialistas em orçamento, os analistas fiscais e, talvez, alguns congressistas. Todas dizem respeito a procedimentos relacionados às contas públicas do governo federal, uma trata do planejamento com metas para quatro anos, outra aponta as orientações para o orçamento e a terceira define receitas e despesas para cada ano. Sem dúvida, são providências importantes nos trâmites do Orçamento Geral da União, mas nada dizem aos contribuintes brasileiros que sustentam as despesas públicas.

Despesas, diga-se, em boa parte arbitradas ao sabor de quem detém poder na cúpula de Brasília. Em nome do povo, tomam-se decisões nem sempre benéficas à uma sociedade seccionada por um fosso profundo, uma realidade conhecida há pelo menos dois séculos e que tende a se agravar com a polarização entre a direita e a esquerda.

Os donos do poder - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

Sem respeito ao dinheiro público, todos brigam, quase ninguém tem razão e o pão continua a faltar. O essencial, cuidar dos interesses dos que mais dependem do Estado, torna-se secundário

O clássico  Os donos do poder, de Raymundo Faoro, publicado em 1958, nunca foi tão atual. Na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, onde me graduei, ganhei um exemplar das mãos do estimado Professor Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, há 20 anos.

Apreendi sua mensagem, que é muito clara: o Estado brasileiro compõe-se, em muitos casos, de estamentos, fatias ou nacos de poder voltados a interesses privados. Atacar esses interesses desperta os instintos mais primitivos dos que operam esse sistema não republicano.

O episódio do decreto presidencial do IOF, especialmente no capítulo mais recente – sua derrubada pelo Congresso seguida de judicialização – é sintomático. Vivemos uma situação delicada e perigosa, em que a responsabilidade fiscal é confrontada diuturnamente.

Sem respeito ao dinheiro público, todos brigam, quase ninguém tem razão e o pão continua a faltar. O essencial, cuidar dos interesses dos que mais dependem do Estado, torna-se secundário. O privilégio aos amigos do rei, principal. Responsabilidade fiscal não é tecnicismo de especialista, mas o único caminho para promover políticas públicas sustentáveis, fazendo cumprir a Constituição Cidadã.

Estratégia tresloucada - William Waack

O Estado de S. Paulo

É óbvio que o PT sem Lula corre o sério risco de resvalar para o ocaso. As últimas decisões políticas do chefão estão acelerando esse processo.

A causa principal é a perda de leitura da realidade por parte do próprio Lula. Leia-se mudanças sociais no País, alteração das relações de força entre os poderes e o enfraquecimento das capacidades físicas e intelectuais do líder.

Tem remotas possibilidades de sucesso as mais recentes decisões “estratégicas” para ganhar as eleições de 2026 e reverter poderes do Congresso. De novo, pelo óbvio: não reúne a massa crítica política necessária nem para um nem para o outro.

Lula se encontra hoje vítima da tática “boa constrictor” (o nome científico da jiboia) do Centrão, e sua ida ao STF para anular o decreto legislativo que anulou o decreto executivo não vai folgar o aperto dos anéis dessa gulosa serpente. Ao contrário, qualquer que seja a decisão do Supremo.

IOF colocou a corrida eleitoral na rua - Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Não havia outra saída para Lula, porque é uma questão de sobrevivência

A crise política gerada pelo decreto de alta do IOF do ministro Fernando Haddad colocou a corrida eleitoral de 2026 na rua.

Ainda que os principais atores da disputa façam gestos na direção de abertura do diálogo, como fez nesta quarta-feira (02), Davi Alcolumbre ao receber o número 2 da Fazenda, a guerra está em curso e com chance quase nenhuma de um acordo de paz até o desfecho eleitoral no final do ano que vem.

Não havia outra saída para o presidente Lula. Trata-se de uma questão de sobrevivência. Como ele mesmo explicitou ao reconhecer que, se não fosse ao STF contra a derrubada do IOF pelo Congresso, não governaria mais.

Lula vs. Congresso ou justiça tributária? - Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

A imprensa está perdendo a oportunidade de debater seriamente a justiça tributária

A cobertura da imprensa nacional, inclusive da Folha, sobre o decreto do IOF superdimensiona a linha editorial Lula vs. Congresso e, assim, perde a oportunidade de debater seriamente a justiça tributária.

Ao leitor vende-se a ideia de que a notícia do dia é, para usar a famosa metáfora jornalística, que o cachorro mordeu seu dono, quando na verdade estamos diante da rara situação em que desta vez foi o dono que mordeu seu cão: no debate sobre IOF, estamos diante não de mais um episódio corriqueiro de picuinhas políticas, mas sim de um momento atípico, em que se discutem, finalmente, projetos distintos de país.

No vale-tudo dos jornais —no qual o debate sobre taxação de super-ricos é traduzido como pauta antiCongresso e de polarização social—, sabe-se mais sobre quem almoçou com quem e quem ignorou a ligação de quem e menos sobre os interesses privados que sustentam a pouca ou nula taxação de super-ricos no país e como esses interesses interseccionam com os de parlamentares dispostos a sacrificar a estabilidade fiscal.

Sem mágicas no Brasil real - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

O conservadorismo do Congresso não é o efeito espúrio do sistema eleitoral

O conflito entre o Executivo e o Congresso sobre o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) põe a nu tensões de várias origens.

De um lado, trata-se de um capítulo do rearranjo das relações entre os dois Poderes, requerido pelas mudanças nas respectivas forças relativas.

Como se sabe, a Presidência perdeu em parte sua capacidade de controlar a agenda legislativa e o Parlamento ganhou mais protagonismo, por força de mudanças institucionais que se sucederam ao longo dos anos. Entre elas, a regulamentação das medidas provisórias; o crescimento, em tipo e valor, das emendas impositivas; e o aumento do fundo partidário, que fortaleceu as lideranças das legendas representadas na Câmara e no Senado.

Onde a fome se junta à vontade de jantar - Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

Quem tem boca vai a Lisboa; só a ingenuidade não foi convidada

Começou o mais bonito encontro da conciliação colonial. O "Festival do Arranjinho", nas palavras da mídia portuguesa, apegada à letra e ao antieufemismo.

Onde jabá corporativo e dinheiro público alimentam a corrupção supramagistocrática. Onde a fome por lobby se junta à vontade de jantar. De jantar muitos jantares com empresários, políticos, magistrados e ministros de governo. De entreter conversas anódinas, de risadas amigas e programadas.

Onde presidente da Câmara, o do Senado e o anfitrião devem pedir pacificação: supersalários e subsídios não se discutem; tributação equânime entre ricos e pobres, entre professor de escola pública, policial militar, médico do SUS e CEOs não se discute; cortar recursos da saúde e de políticas de redução da pobreza se discute. Em mais uma vitoriosa conciliação nacional.

Poesia | A espantosa realidade das coisas, de Fernando Pessoa (Por Mário Viegas)

 

Crônica | Divagação sobre as ilhas, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | "Último Dia"/ "Mexe com Tudo"- Antonio Nóbrega - DVD Nove de Frevereiro

 

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Opinião do dia - Gaetano Salvemini*

“Ridicularizar, desvalorizar, injuriar a democracia, na medida em que é conjunto das ‘instituições democráticas’ modernas, é algo que se compreende nos militares, na alta burocracia civil, nos magnatas da terra e da indústria, das finanças, nos intelectuais que alcançaram uma posição econômica superior... Mas que as pessoas em geral, que militam em partidos não-oligárquicos, não-plutocráticos, não-autoritários, e mais, que pretendem combater as plutocracias, as oligarquias rígidas e hereditárias, os regimes autoritários, ridicularizarem a democracia, é prova de uma verdadeira estupidez.”

*Gaetano Salvemini (1873-1957), foi um político, historiador e escritor antifascista italiano, texto escrito logo depois da Marcha sobre Roma, citado por Norberto Bobbio, “Ensaio sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil”, p.86. Paz e Terra, 2002.

 

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Decisão do STF não resolve crise fiscal fluminense

O Globo

Liminar de Toffoli traz alívio, mas, enquanto não fizer ajuste robusto nas contas, estado precisará de socorro

A decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de prorrogar até o fim do ano a permanência do Rio de Janeiro no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) dá algum fôlego às combalidas finanças fluminenses. O estado poderá continuar pagando parcelas mais suaves da dívida que, no mês passado, chegou a R$ 224 bilhões, além de ganhar tempo para negociar adesão ao novo programa federal de financiamento, o Propag. Mas o governo precisa ter em mente que, se não promover um ajuste robusto nas suas contas, logo estará novamente batendo à porta da União ou da Corte em busca de socorro.

No entendimento de técnicos federais, o Rio descumpriu as regras do RRF ao tomar decisões — como aumento salarial para servidores — que geraram rombo de mais de R$ 3 bilhões em 2023. O governo fluminense contesta e recorreu ao STF. Toffoli manteve o Rio no RRF e estabeleceu um teto de R$ 4,9 bilhões por ano para pagamentos da dívida (equivalente ao de 2023). Não tivesse conseguido um novo respiro, o Rio poderia ser obrigado a quitar R$ 8,2 bilhões até o fim do ano.

Lula e o cerco invisível: a maratona de governar um país que se recusa a ser nação - Paulo Baía*

Há países que caminham. Outros correm. O Brasil parece arrastar consigo as correntes de sua própria história, como se cada passo fosse vigiado por fantasmas antigos. Desde que Luiz Inácio Lula da Silva retornou ao centro do poder, eleito não apenas pelas urnas mas pela esperança fatigada de um povo exausto, o que se viu não foi a travessia serena de um novo tempo, mas o cerco sutil e persistente de um país que, em seu íntimo, parece se recusar a ser governado.

Lula não venceu um oponente. Tocou em feridas abertas. Despertou memórias inconciliadas. Provocou, com sua vitória, não apenas a derrota de um projeto anterior, mas o retorno do medo, o acirramento dos ressentimentos e a reanimação de uma máquina de negação que opera em silêncio, com precisão cirúrgica. A oposição não desapareceu com a derrota de Bolsonaro. Antes, se alicerçou. Reorganizou-se com disciplina. Não apenas resiste, mas disputa, com intensidade e inteligência, o campo simbólico e concreto da política nacional. O bolsonarismo não é mero eco do passado. É estrutura viva, operante, ardilosa. Tem narrativa, tem fé, tem povo. Tem um líder que, mesmo silenciado por circunstâncias jurídicas, permanece como espelho e estandarte.

Não é possível revogar o ano de 2025 - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Votos de deputados e senadores para anular uma medida do Executivo mostram que as eleições de 2026 estão no comando dos fatos

Mais do que o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o decreto legislativo baixado pelo Congresso Nacional na semana passada parece ter revogado o ano de 2025. Os votos de deputados e senadores para anular uma medida do Executivo mostram que as eleições de 2026 estão no comando dos fatos. Ontem, contrariando os conselhos da turma do “deixa disso” que quer preservar o diálogo com o Legislativo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorreu à Justiça para combater o que julga ser uma invasão de suas prerrogativas constitucionais no caso do IOF. O modo embate segue acionado.

Desembarque do Centrão ao som de Tim Maia - Fernando Exman

Valor Econômico

Marcar posição defendendo limites a um impopular aumento da carga tributária era tudo o que as legendas de centro e direita queriam

A turbulência institucional provocada pelo impasse envolvendo o decreto que elevava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) tem trilha sonora. É “Me dê motivo”, clássico da MPB consagrado na voz de Tim Maia e transformado em música de fundo pelo Centrão para colocar um pé fora da canoa do governo Lula.

Marcar posição defendendo limites a um impopular aumento da carga tributária, mas sem necessariamente deixar de imediato os cargos que ocupam na máquina pública federal, era tudo o que as legendas de centro e direita queriam neste momento em que piscam para os pré-candidatos de oposição.

A caixa de vinho de Tarcísio - Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo

Não há nada pior para a estabilidade e a segurança do que a complacência com os criminosos

Não há nada que tenha feito mais mal à estabilidade e à segurança do País do que a complacência com criminosos. Na Itália, a máfia matou o juiz Giovanni Falcone. No Brasil, foram policiais que mataram a juíza Patrícia Acioli e o delator Antonio Vinícius Gritzbach. A violência policial e a ligação desta com facções e milícias têm como uma de suas causas a impunidade.

Estudou-se muito as consequências políticas da Lei de Anistia e pouco as policiais. Quem era o delegado envolvido com tortura e achaques no sequestro do banqueiro Beltran Martinez se não um ex-integrante da equipe de Sérgio Fleury? Ou os PMs que saíram do DOI-Codi e passaram a matar na Rota e o capitão bicheiro no Rio? A impunidade no nível operacional gerou mais crime, levando baderna onde havia desordem. E permitiu ao crime se organizar e a policiais roubar e matar. Se isso é terrível na Segurança, pior nas Forças Armadas. Aqui estão em jogo as liberdades. Não é por outra razão que aspirar à tirania é o pior dos crimes em uma República. Se nenhum país se pacificou com punições injustas e amplas - como querem os defensores de Cuba e de El Salvador -, tampouco o fez com impunidade de ocasião.

A cidade, a leitura e um novo mundo possível - Nicolau da Rocha Cavalcanti

O Estado de S. Paulo

A Feira do Livro é a sociedade resgatando, a partir de novos usos, o sentido mais basilar de espaço público: o encontro

Diante de tantos malfeitos, descuidos, omissões e irresponsabilidades, é possível perder de vista as muitas coisas boas que ocorrem diariamente no País. É possível esquecer-se de contemplar o todo. Destaco uma iniciativa incrível, resultado da audácia de pessoas que não apenas sonharam grande, mas realizaram grande. Uma observação: elas não estão sozinhas. Há muitas pessoas, famílias, entidades e empresas fazendo a diferença em várias áreas. Menciono esta iniciativa como exemplo – como sintoma – de uma realidade cívica maior. Apesar de todas as dificuldades, o Brasil tem sido palco de expressões de genuíno zelo pelo que é público, pelo que é coletivo.

Futebol e igualdade - Roberto DaMatta

O Globo

Em campo, as leis valem para o campeão e para o lanterninha. Valem para os craques e para os ‘pernas de pau’

Convidado pelos professores Carmen Rial e Fábio Machado Pinto, realizarei, gratificado, a conferência de abertura do Terceiro Colóquio Internacional INCT/Futebol. Saliento a coincidência do diálogo de pesquisadores do antigo “esporte bretão” no mesmo ano de uma Copa do Mundo de Clubes, no contexto de um espetáculo jurídico deprimente, em que se discutem culpabilidades causadas pelo rompimento de leis por golpistas. No STF discute-se a aplicação de leis por ministros e juristas, exato oposto da universal jurisprudência futebolística.

Na política, a lei tem espaço para anistia e burla. No futebol, a política é vencer seguindo as regras que legitimam vitória, empate ou derrota, porque valem para nós e — eis a novidade — para eles!

O futebol se mundializou pela capacidade de produzir igualdade democrática, ao lado da experiência de vitória e excelência em competições. Nada mais gratificante para sociedades colonizadas, marcadas pela autodepreciação, do que dar “um banho de bola” nos branquelos invencíveis. O roubo do futebol pelo Brasil e por outros povos periféricos é uma façanha revolucionária justamente porque não é definitiva e porque nega o determinismo.

Direita tem sido melhor para captar atenção - Rui Tavares

Folha de S. Paulo

Como resposta, esquerda tem de polarizar generosamente, voltando a ser o partido do futuro

Para responder à pergunta que todo o mundo faz —como pode a esquerda enfrentar a vaga das direitas— precisamos de uma teoria da atenção, uma teoria da mobilização, uma teoria da mudança e uma teoria da memória. Todas juntas, chamo-lhe de teoria dos objetos de desejo político.

É nela que penso ao olhar para os últimos eventos desta luta global, das primárias que levaram à eleição de Zohran Mamdani como candidato democrata à Prefeitura de Nova York às brigas pela reforma do Imposto de Renda que Fernando Haddad vem travando no Brasil. A ocasião para coligir alguns desses pensamentos soltos foi o convite para fazer um discurso de abertura numa reunião da Fundação Verde Europeia, mas a validade deles é transversal a geografias (e talvez até a épocas) diferentes.

Minorias não erram, só são perseguidas – Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Politização identitária transforma toda e qualquer crítica em crime moral e impede a continuidade do debate democrático

Caros críticos, detratores e discordantes, saibam que eu sei que vocês só fazem isso comigo porque não sou branco, sudestino ou rico. O que automaticamente transforma críticas, ataques e divergências dirigidas a mim em atos infames de preconceito —e, portanto, condenáveis por qualquer tribunal moral.

Um argumento desconfortável para vocês e muito conveniente para mim, não é? Já ganhei a discussão antes mesmo de lutar e ainda posso usar essa premissa como uma espécie de imunidade preventiva em qualquer situação futura.

Afinal, o que poderia ser melhor do que o poder de desmoralizar antecipadamente qualquer acusação e de desqualificar qualquer crítico? E sem precisar apresentar razões ou evidências, apenas sendo quem eu sou: a vítima mais merecedora.

Uma sociedade que considere isso um modelo normal de discussão pública está no caminho errado. Um debate baseado nessa lógica é viciado, desonesto e injusto. Implode o princípio do melhor argumento e assume que algumas pessoas, ao reivindicar o status de vítimas, gozam de privilégios morais especiais.

Lula recorreu ao STF para não derreter como sorvete – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A virada de mesa pegou o presidente de surpresa. Sua reação foi deslocar o eixo da disputa para a sociedade e mudar a narrativa do ajuste fiscal para a justiça tributária

O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, anunciou, ontem, que protocolou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual sustenta que o decreto presidencial é um ato constitucional, válido e lícito, e não poderia ter sido objeto de sustação por decreto legislativo. Para o governo, a medida do Congresso violou o princípio da separação de poderes.

Messias disse que o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que anulou os efeitos do decreto presidencial impactou negativamente a política econômica e tributária". A decisão do governo escala a crise entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Congresso, mas não havia outra alternativa. Se aceitasse a decisão do Legislativo, Lula perderia toda e qualquer capacidade de iniciativa nas negociações com o Centrão. E seu governo derreteria como sorvete no sol quente.

Povo não tem máquina do tempo - Vera Magalhães

O Globo

Faltam pragmatismo, sentido de urgência e responsabilidade institucional na guerra de narrativas entre o governo e o Congresso

Os políticos decidiram se transportar direto para 2026. O problema: o povo que paga contas, vai ao supermercado e até vota não tem à disposição na Shopee uma máquina do tempo que lhe permita fazer a viagem temporal com as autoridades que têm de decidir sobre sua vida. Aí fica bem disfuncional.

Enquanto egos transitam entre Brasília e Lisboa — numa competição que lembra as mais toscas exibições de masculinidade frágil para saber quem fala mais grosso e por último —, questões bastante concretas para o bolso da população, como o preço da conta de luz, o valor a pagar em transações financeiras (não só pelos ricos, como querem fazer crer os aliados do governo) e a alíquota do Imposto de Renda (IR) ficam em suspenso.

O novo herói do Brasil - Bernardo Mello Franco

O Globo

Presidente da Câmara abre fogo contra o governo e é festejado por João Doria

O deputado Hugo Motta acusou o governo de fomentar a “radicalização social” e o discurso do “nós contra eles”. Ecoou a velha conversa de que Lula incita pobres contra ricos, ouvida desde os tempos em que ele vestia macacão e liderava greves no ABC.

O presidente da Câmara se elegeu com apoio do Planalto. Nas últimas semanas, passou a tabelar com a oposição para torpedear o pacote fiscal. A guinada não parece ter sido motivada por divergências sobre o conceito de luta de classes.

Motta recebeu Fernando Haddad e saiu festejando uma “noite histórica” de entendimentos entre Congresso e governo. Dois dias depois, rasgou o acordo e abriu fogo contra as medidas que havia elogiado. A ofensiva culminou na derrubada de um decreto presidencial, o que não ocorria desde 1992.

Lula preferiu jogo de perde-perde com o Congresso – Elio Gaspari

O Globo

Existe um mau espírito em Brasília, e ele às vezes captura o presidente, fazendo com que exacerbe as crises que entram no Palácio do Planalto. Com Bolsonaro, o mau espírito fez a festa, levando-o a falar em “meu Exército”, louvando a cloroquina e demonizando as vacinas. Lá se foi o tempo de Fernando Henrique Cardoso, quando as crises entravam gordas no Planalto e saíam magras.

Lula decidiu levar ao Supremo Tribunal Federal a questão do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Seja qual for a decisão do STF, o governo de Lula perde. Se perder, perdeu; se ganhar, terá de lidar com um Congresso ferido. Tudo isso por causa de um aumento de imposto incentivado na sanduicheria do Ministério da Fazenda, sem que fossem ouvidos o Banco Central e ministros que cuidam da imagem do governo. Se os çábios da Fazenda tivessem mais humildade, teriam tirado o “combo” do escurinho de Brasília; ouvindo colegas do governo, buscariam outras ideias.

Os riscos de financiar Estados por meio de um sistema especulativo - Martin Wolf

Valor Econômico

É fácil imaginar condições nas quais o dinheiro simplesmente seca, talvez em resposta a grandes movimentos nos juros

Investir a longo prazo, tomar empréstimos a curto prazo e alavancar o máximo possível. Essa é a maneira de ganhar dinheiro em finanças. É assim que os bancos sempre ganharam a vida. Mas também sabemos muito bem que essa história pode terminar em corridas desesperadas para a saída e crises financeiras.

Foi o que aconteceu na grande crise financeira de 2007 a 2009. Desde então, como o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês, o banco central dos bancos centrais) explica em seu mais recente Relatório Econômico Anual, o sistema financeiro mudou muito. Mas essa característica central não mudou.

Por que o capitalismo vive de bolhas? - Cláudio Carraly*

Você já ouviu falar da febre das tulipas? Em pleno século XVII, na Holanda, o preço de certos bulbos de tulipa chegou a valer mais do que uma casa, sim, uma futura flor valia mais do que um imóvel. Isso durou pouco, um dia, os compradores sumiram, os preços despencaram e muita gente perdeu tudo.

Esse episódio, conhecido como a primeira bolha especulativa documentada, ajuda a entender uma lógica que se repetiria inúmeras vezes ao longo dos séculos. Da tulipomania às criptomoedas, passando por bolhas como a da internet nos anos 2000 ou a do mercado imobiliário em 2008, o que se vê é um padrão: a economia entra em euforia, os preços disparam, o medo desaparece, até que tudo desaba. Mas por que isso acontece com tanta frequência? Seria só ganância? Falta de regulação? Ou será que, no fundo, o capitalismo precisa dessas bolhas para continuar existindo? Vamos entender melhor:

Em decisões recentes, STF foi a favor de alta por decreto

Por Tiago Angelo / Valor Econômico

Nos bastidores, ministros afirmam que tensão com Congresso tornam decisão delicada

Se seguir as próprias decisões recentes, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve restabelecer o decreto do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Em reserva, no entanto, ministros da Corte afirmam que a judicialização do tema em momento de embate com o Congresso torna a situação mais delicada.

Segundo advogados consultados pelo Valor, a jurisprudência predominante no STF é no sentido de que o Executivo pode alterar alíquotas, desde que respeite limites estabelecidos em lei, e que atos do governo não podem ser sustados pelo Congresso, salvo se “exorbitarem do poder regulamentar” conferido ao presidente.

Há na Corte duas ações questionando a decisão do Congresso de derrubar o aumento do IOF. Uma foi ajuizada pelo Psol na semana passada. A outra é da Advocacia-Geral da União (AGU), que, em nome do governo, pediu na terça-feira (1) para o Supremo declarar a constitucionalidade do aumento. Os dois pedidos estão sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Governo vai ao STF a favor do seu ato e não contra o Congresso - Míriam Leitão

O Globo

O caminho jurídico escolhido pelo governo foi inteligente e respeitoso ao Congresso. Ele vai ao STF para perguntar se o seu decreto do IOF respeita à Constituição. Se for constitucional, o que se conclui que se é privativo do chefe do Executivo essa decisão, não cabe portanto o Projeto de Decreto Legislativo (PDL).

O ministro chefe da AGU, Jorge Messias, disse que é seu dever de entrar no Supremo quando há um problema na separação dos Poderes.

Manobra perigosa - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Lula quer jogar os pobres contra o Congresso, mas arrisca atrair contra si as demais faixas de renda

O governo faz uma manobra de alto risco ao partir para o enfrentamento social, na tentativa de imprimir ao Congresso a pecha de protetor dos ricos e, portanto, opositor dos pobres.

Joga os parlamentares contra uma parcela da população e se arrisca com isso a lançar contra si os demais estratos da sociedade, sem a garantia de que a totalidade dos mais pobres enxergará aí motivo suficiente para considerar Lula um bom presidente a ponto de dar um novo mandato ao PT.

Inclusive sua avaliação negativa atual pesa menos nessa faixa, o que leva à obvia necessidade de recuperar popularidade justamente naquelas que parece excluir de suas preocupações.

Democratas flertam com guinada à esquerda - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Zohran Mamdani colhe resultados com discurso mais radical, mas é duvidoso que estratégia funcione nacionalmente

A estrela do momento é Zohran Mamdani, o democrata que venceu as primárias do partido para disputar a prefeitura de Nova York. Zohran é declaradamente socialista num país que forjou sua identidade no anticomunismo. É muçulmano num país que não esconde suas inclinações islamofóbicas. E faz críticas pesadas a Israel numa cidade em que 12% da população é judia.

Não obstante, são grandes as chances de virar prefeito. Zohran é jovem e domina como poucos a linguagem das redes sociais. Seu sucesso é tamanho que o Partido Democrata já se pergunta se o caminho para sair da crise não é radicalizar o discurso de esquerda.

Tenho dúvidas. Acho que a guinada à esquerda pode funcionar em Nova York, Boston, Chicago e alguns lugares da Califórnia, mas não creio que baste para vencer uma eleição nacional.

Poesia | Ode a dois de julho, de Castro Alves

 

Música | Hino ao 2 de Julho - Catharina Gonzaga

 

terça-feira, 1 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Lula é quem mais tem a perder com o ‘nós contra eles’

O Globo

PT erra ao tentar manter aumento de impostos e ao dizer que só os mais ricos pagarão a conta

No embate com o Congresso em torno do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT optaram mais uma vez pela tática do “nós contra eles”. Em vídeos feitos para redes sociais, o “povo” carrega pesados fardos nas costas (os impostos), enquanto personagens bem vestidos, representando os “ricos”, levam pequenas sacolas simbolizando taxação leve. Mais uma vez, o governo tenta justificar sua tentativa de promover um ajuste fiscal aumentando receitas, em vez de cortar gastos. A tática usada para fustigar o Congresso é um equívoco tanto do ponto de vista econômico quanto do político.

É verdade que a estrutura de impostos brasileira é regressiva (em termos proporcionais, as faixas de renda mais alta arcam com carga menor de impostos). Pode fazer sentido, por isso, corrigir a base de cálculo do Imposto de Renda em benefício das faixas de menor renda. Mas é absurdo acreditar que a alta do IOF afete apenas os mais ricos. O tributo recai sobre empréstimos, cartões de crédito e outras operações financeiras. Seu aumento nas transações cambiais encarece importações, alimentando a inflação e punindo os mais pobres. O empréstimo rotativo do cartão, usado sobretudo pelos pobres, também fica mais caro. E saem perdendo os microempreendedores individuais (MEIs), que buscam crédito para financiar equipamentos como carrinhos de venda ou máquinas de costura.

Os bastiões democráticos - Merval Pereira

O Globo

O Congresso, mesmo com seus defeitos, tem as qualidades necessárias para ser a garantia democrática no país

O Brasil recente tem vários responsáveis por manter a democracia a salvo de usurpadores. Além da imprensa independente, o Supremo Tribunal Federal (STF), na tentativa de golpe bolsonarista, ou as Forças Armadas, que negaram apoio ao golpe, mesmo que alguns de seus integrantes estivessem metidos nele. Assim como partidos políticos de centro, ou mesmo de direita não radical, ajudaram a equilibrar o cenário político quando surgiram ameaças, como nos primeiros governos petistas.

Quando o PMDB aderiu ao petismo, havia a certeza de que eventuais tentativas de avanços autoritários seriam barradas, o mesmo acontecendo com o Centrão. O Congresso, de maneira geral, tem sido o esteio democrático, pelo simples fato de que partidos políticos não se dão bem com ditaduras. Ao mesmo tempo, nossos salvadores passaram a se achar merecedores de licenças especiais para seus privilégios e benefícios e não aceitam críticas a desvios que se mostram cada vez mais frequentes, como as emendas parlamentares ou os penduricalhos do Judiciário.