sexta-feira, 7 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasil tem de fazer mais para cumprir metas de emissões

Por O Globo

Queda recorde no desmatamento é um alento. Infelizmente, insuficiente para país honrar compromissos

Pela primeira vez, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente reconheceu oficialmente aquilo que já se sabia: será impossível para a humanidade cumprir a meta de conter o aquecimento global até fim do século a apenas 1,5oC acima da temperatura da Era Pré-Industrial levando em conta as metas traçadas no âmbito do Acordo de Paris. O Relatório da Lacuna de Emissões divulgado nesta semana como subsídio para as discussões na COP30 em Belém estima, a partir da simulação de vários modelos científicos baseada nos compromissos assumidos até agora, um aumento entre 2,3oC e 2,5oC — isso se tais compromissos forem cumpridos. Como não têm sido, a estimativa realista fala em 2,8oC, o equivalente a um quadro climático no limiar do catastrófico. Não há, portanto, tempo a perder.

Segurança tem de superar o dia da marmota, por Fernando Abrucio

Valor Econômico

Sem um plano realmente consistente para lidar com o alastramento das facções do crime organizado, a política para a área volta sempre às mesmas infrutíferas iniciativas

A política de segurança pública no Brasil tem seguido predominantemente a lógica do dia da marmota. Para quem não conhece a metáfora, ela diz respeito à festa americana do dia 2 de fevereiro, quando se tenta prever a duração efetiva do inverno pelo comportamento desse peculiar bicho. Todo ano uma marmota é observada, como um eterno retorno. O filme traduzido para o português como “Feitiço do Tempo” usa esse evento para retratar a vida de um homem que diariamente acorda revivendo que o fez no dia anterior. Parece ser essa a sina da proposta hegemônica para resolver os males da criminalidade brasileira.

O que foi feito no Complexo do Alemão pelo governador Cláudio Castro é a reprodução da mesma estratégia tentada por muitos governadores do Rio de Janeiro e de outros estados desde a redemocratização. Há um dia mágico em que uma comunidade é invadida para acabar com traficantes e afins, pessoas morrem e são presas, sem que sejam pegos os verdadeiros chefes das facções, e se decreta que, a partir de então, um combate duro contra o crime será instalado.

A população local é oprimida pelo crime organizado há décadas - e por vezes pela própria polícia - e anseia pela recuperação de seus direitos básicos. A primeira operação, como o dia da marmota, é comemorada efusivamente como algo redentor, capaz de mudar a vida de toda a comunidade. Parte dos moradores desconfia do eterno retorno nesse jogo, mas aposta inicialmente no sucesso porque, para lembrar da peça de Paulo Pontes, o brasileiro tem a esperança como profissão.

No dia seguinte, comunicadores populares e políticos, especialmente os mais à direita, exploram essa esperança e dizem que é preciso endurecer a estratégia contra o crime, na linha do “tiro, porrada e bomba”, e parar de ouvir o “o pessoal dos direitos humanos”. Surgem várias propostas de alteração legislativa e medidas que terão um efeito salvador e mágico contra a bandidagem. Uma onda da opinião pública se instala abarcando quase todas as classes sociais.

Não é só o crime organizado que aterroriza a população, por José de Souza Martins

Valor Econômico

Tudo indica que a massa das vítimas da criminalidade desorganizada e artesanal não tem defesas para se proteger ou para reagir

As ocorrências trágicas do Rio de Janeiro, em dias passados, com seus numerosos mortos, expõem indícios da gravíssima situação da ordem social, mas também da ordem política, no Brasil.

O país está mergulhado em profundo estado de anomia, regulado por normas sociais que não funcionam e por normas antissociais que funcionam ao contrário do que se necessita para ter ordem.

É equívoco e ilusão pensar que se trata de um embate entre polícia e criminosos do crime organizado. Há outras personagens nesse cenário. Ao dar uma visibilidade meramente repressiva ao seu trabalho, as polícias estão deixando de lado o crime desorganizado. O que se manifesta nas ações criminosas que aterrorizam a população na vida cotidiana, sem letalidade. Para essa vítima, é essa modalidade de crime que mais preocupa.

A dupla de craques em tempos de miséria política, por Andrea Jubé

Valor Econômico

Renan Calheiros e Eduardo Braga vêm tocando de ouvido, em uma parceria rara à política contemporânea

Vale redobrar a atenção para os recentes acontecimentos no Senado, que dialogam com tempos remotos, na era pré-Davi Alcolumbre (União-AP), em que o MDB era hegemônico, e dava as cartas na Casa Alta do Parlamento. Salta aos olhos a atuação de uma dupla de veteranos emedebistas, afinada como há tempos não se via na política nacional, cujas entregas têm feito o Palácio do Planalto e o Ministério da Fazenda sorrirem.

A afinidade da dupla de senadores evoca exemplos de pares citados na música de Adriana Calcanhoto, como “avião sem asa, fogueira sem brasa, Buchecha sem Claudinho, Piu-piu sem Frajola, futebol sem bola...” Evoca o entrosamento de craques da bola como Pelé e Coutinho no Santos nos anos 60. Uma sintonia improvável se o jogo fosse futebol e não política, já que um deles é Botafogo, e outro é Fluminense, dois rivais encarniçados.

COP30 põe Amazônia no epicentro da geopolítica climática, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A conferência é estratégica para a integração dos países da Bacia Amazônica: Brasil, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname. Essas nações abrigam 60% das florestas tropicais do planeta

A ausência dos presidentes Donald Trump e Xi Jinping na COP30, em Belém, destacou ainda mais o protagonismo do Brasil e da Amazônia no debate climático global. A conferência reposiciona a floresta não apenas como patrimônio natural, mas como ativo estratégico, essencial para a estabilidade climática e a sobrevivência dos ecossistemas do planeta. Pela primeira vez, a Amazônia ocupa o centro político de uma cúpula mundial não como símbolo de vulnerabilidade, mas como valor ambiental e civilizatório.

A floresta amazônica concentra cerca de 20% da água doce superficial do planeta. É responsável por grande parte da reciclagem de chuvas na América do Sul e abriga uma das maiores reservas de biodiversidade da Terra. Ao transformar a Amazônia em tema central da COP30, o Brasil assume o papel de guardião de um bem comum global, redefinindo o equilíbrio entre soberania e responsabilidade planetária.

Muitas guerras e pouca tática, por Vera Magalhães

O Globo

Presidente mistura temas com potencial de ganho de imagem e votos, como IR e COP, com outros propícios a desgaste, como segurança e geopolítica continental

Montar uma aliança pela paz, puxando a crise da segurança para a antessala da Presidência da República; convencer, na base do gogó, países ricos a tirar o escorpião do bolso e financiar um fundo para a preservação de florestas; chamar o Banco Central para uma DR e convencê-lo a começar a baixar os juros e, em meio a tudo isso, pegar um voo até Santa Marta para prestar solidariedade à Colômbia e à Venezuela diante da escalada de intervencionismo militar dos Estados Unidos na América do Sul.

A lista de tarefas assumidas por Lula ou que aliados (sic) querem empurrar para ele é maior que a dos trabalhos de Hércules na mitologia grega. Tirando a necessária e auspiciosa liderança na agenda climática, o resto do roteiro inclui uma série de ciladas evidentes e é impossível de cumprir com êxito sem efeitos colaterais para o Brasil e políticos para o petista.

A profecia de Richard Rorty, por Pablo Ortellado

O Globo

'Eleitorado decidirá que o sistema falhou e começará a procurar um homem forte para votar', afirmou filósofo em 1997

Um grande analista é aquele que observa um fenômeno em sua gênese e consegue extrair dele todas as consequências e também as consequências das consequências, antecipando desdobramentos causais que podem levar anos para se materializar. Farejar algo que emergirá plenamente em algumas décadas é um dom valioso e raro. Aqui mesmo nesta coluna, noutra ocasião, lembrei o historiador cultural Christopher Lasch. No livro “A cultura do narcisismo”, dos anos 1970, ele antecipou traços da cultura contemporânea que atribuímos hoje à influência das redes sociais.

O boicote do Tio Sam, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Lula criticou "forças extremistas" que negam aquecimento global; Boric e Petro atacaram republicano, cuja ausência virou assunto incômodo em Belém

O Tio Sam não quis conhecer o nosso carimbó. Depois de abandonarem o Acordo de Paris, que estabeleceu metas para frear o aquecimento global, os Estados Unidos ignoraram a primeira COP realizada na Amazônia. O boicote transformou Donald Trump num assunto tão incômodo quanto incontornável em Belém.

Além de não vir, o inquilino da Casa Branca se recusou a enviar representantes à capital paraense. A decisão foi recebida como um ato de hostilidade ao multilateralismo e ao esforço coletivo para reduzir as emissões.

União nacional contra o crime organizado, por Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

Se houver uma concordância de que a questão da segurança pública é uma questão de Estado e implica um trabalho conjunto, as chances de solução são maiores

A questão da segurança pública não é insolúvel, sobretudo quanto à libertação de territórios ocupados pelo crime organizado. Mas ela exige um nível de unidade nacional que não conseguimos obter na pandemia e quase alcançamos nas enchentes no Sul. Existem problemas que são maiores que as divergências políticas. Infelizmente, este é o caso da segurança pública, que, paradoxalmente, acabou acentuando a divisão após a operação policial no Rio de Janeiro. Verdade é que toda esta comoção ocorre próxima de um período eleitoral. Torna-se uma tarefa difícil convencer de que é possível um jogo de ganha-ganha. Mas a verdade é que, isoladamente, nem governo nem oposição conseguem um resultado satisfatório.

Lula e sua montanha-russa, por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Governadores fortes e palanques fracos nos Estados são desafios para Lula, agora e depois

O presidente Lula, que adora um palanque, vive em campanha e sobe no salto alto com muita facilidade, é o franco favorito, quase candidato único para 2026, mas enfrenta um obstáculo e tanto: a falta de candidatos competitivos, não apenas do PT, mas da própria esquerda, sobretudo em Estados decisivos como São Paulo, Rio e Minas. Não se trata só de um problema eleitoral, mas também de uma ameaça à governabilidade a partir de 2027.

A ida de Guilherme Boulos para a Secretaria-Geral da Presidência é exemplo de cobertor curto. Reforça o Planalto e o diálogo do governo com os movimentos sociais, mas deixa o chamado campo progressista descoberto em SP. Sem Boulos, que nem é do PT, mas do PSOL, e já perdeu a eleição para a Prefeitura da capital, quem sobra? Fernando Haddad vai de novo para o sacrifício?

O jabuti judicial, por Raphael Di Cunto

Folha de S. Paulo

Ministros do STF aproveitam processos sobre outros temas para julgarem em causa própria

TCU rejeitou investigar Banco Central por omissão no Banco Master, mas reabre processo para apurar se houve irregularidade na rejeição da compra pelo BRB

criação de jabutis se tornou um negócio tão rentável em Brasília que se disseminou até para decisões judiciais, talvez inspiradas nas experiências pregressas de ministros ou nos convescotes com parlamentares.

O simpático réptil é sinônimo na capital do país para assuntos estranhos, incluídos por congressistas em medidas provisórias para acelerar matérias de interesse próprio ou de empresários, mesmo que não tivessem relação com aquela proposta.

Governo 'esquece' que pode ajudar nos juros, por Carolina Mandl

Folha de S. Paulo

Enquanto o BC tenta conter a inflação, o governo despeja bilhões de reais em políticas de estímulo à economia

É a política fiscal em choque com a política monetária às vésperas do ano eleitoral

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece ter se esquecido que o governo, do qual faz parte, também contribui para o trabalho do Banco Central. Na terça (4), ele disse que, se fosse diretor, votaria pelo corte da taxa básica de juros. Era uma tentativa de influenciar a decisão do Comitê de Política Monetária, que se reuniria no dia seguinte.

O recado, como todo o mercado já previa, foi ignorado. Na quarta (5), o Copom votou pela manutenção da Selic em 15% ao ano, patamar mais alto em quase 20 anos. Desde fevereiro de 2022, a taxa está em dois dígitos.

No comunicado em que detalha sua decisão de não cortar os juros, o comitê explicou que os riscos para a inflação continuam a rondar, assim como as incertezas trazidas pelas tarifas comerciais impostas pelos EUA ao Brasil.

Poesia | William Shakespeare por Fernanda Montenegro | Solilóquio de MacBeth

 

Música | Casuarina - Disritmia

 

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Vitória nos EUA expõe dilemas dos democratas

Por O Globo

Seria uma lástima se, para derrotar o populismo de direita, os americanos abraçassem o populismo de esquerda

A vitória democrata nas eleições de terça-feira nos Estados Unidos foi inquestionável. Duas governadoras foram eleitas — a ex-piloto de helicóptero da Marinha Mikie Sherrill, em Nova Jersey, e a ex-agente da CIA Abigail Spanberger, que será a primeira mulher a governar a Virgínia. A maior cidade do país, Nova York, elegeu o primeiro prefeito muçulmano e o mais jovem em sua História, Zohran Mamdani, representante da ala radical dos autointitulados “socialistas democráticos”. E, na Califórnia, o governador Gavin Newsom conseguiu aprovar seu plano de redivisão distrital cujo objetivo é render mais cinco cadeiras ao Partido Democrata na Câmara.

A motivação é outra, por Merval Pereira

O Globo

Direita quer conseguir a adesão dos Estados Unidos para o combate ao que chamam de “narcoterrorismo”.

A insistência da direita em classificar de “terrorismo” as ações do crime organizado no país tem seu lado eleitoreiro, mas inclui também uma visão estratégica que parece inteligente até que seja revelada estúpida. Trata-se de conseguir a adesão dos Estados Unidos para o combate ao que chamam de “narcoterrorismo”. É o mesmo que pretendiam com os militares, em nível interno, com a decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) depois da baderna golpista de janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Ou com a atuação de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, que culminou com o tarifaço contra a economia brasileira, em busca da proteção a Bolsonaro por Trump, como queriam.

Caô contra o crime organizado, por Malu Gaspar

O Globo

Na gíria das ruas cariocas já incorporada Brasil afora, caô significa mentira, papo furado, enrolação. Foi o que mais se viu durante a crise que sobreveio à operação da polícia do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha.

Talvez pouca gente lembre que há dois anos, em outubro de 2023, o Rio foi aterrorizado por criminosos que queimaram 35 ônibus e um vagão de trem durante a operação que visava a prender o miliciano Zinho.

Na ocasião, Cláudio Castro (PL) se vangloriou de ter feito um “duro ataque” às milícias e disse que seu governo não descansaria enquanto não prendesse Zinho e dois outros bandidos perigosos, o também miliciano Tandera e o traficante Abelha. Zinho se entregou dois meses depois — à Polícia Federal (PF). Nunca mais se soube dos outros.

Coragem x revisionismo no STM, por Julia Duailibi

O Globo

Áudios das sessões do tribunal funcionam como excelente vacina contra o negacionismo histórico

No final de outubro, numa sessão do Superior Tribunal Militar (STM), o ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, tenente-brigadeiro do ar, achou por bem passar uma descompostura pública na presidente da Corte, Maria Elizabeth Rocha, sem a presença dela e na frente dos seus pares, a maioria homens. Amaral estava incomodado com um discurso feito pela ministra dias antes, em que ela se desculpou por “equívocos judiciários cometidos pela Justiça Militar Federal em detrimento da democracia e favoráveis ao regime autoritário”. Amaral sugeriu à ministra, doutora em Direito Constitucional e a primeira mulher a integrar e presidir a Corte mais antiga do país, de 1808, “estudar um pouco mais a história do tribunal”.

No dia 25 de outubro, a presidente do STM havia feito um discurso, em São Paulo, num evento inter-religioso em memória aos 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog. “Na qualidade de presidente da Justiça Militar da União”, pediu perdão “a todos os que tombaram e sofreram lutando pela liberdade”. Foi uma manifestação curta e corajosa, feita por uma representante do Estado brasileiro e em consonância com o Estado brasileiro, que, em diferentes momentos desde 1978, reconheceu o assassinato de Herzog por agentes públicos.

Juros mantidos e dúvida das contas, por Míriam Leitão

O Globo

O BC manteve a Selic, apesar da queda da inflação. No governo, os números mostram a queda do déficit primário em relação às antigas administrações

Banco Central manteve os juros na estratosférica taxa de 15% e alertou que o cenário atual exige “cautela na condução da política monetária”. O Copom tem razão porque a estimativa de inflação está acima do teto da meta e a projeção é de que o índice ficará acima do centro da meta até 2028. O ministro Fernando Haddad disse que votaria para o corte dos juros e também tem razão porque a inflação e as projeções de mercado estão caindo. Há bancos grandes prevendo que o índice ficará dentro do intervalo de flutuação este ano, contudo, o mandato do BC é levar o IPCA para o centro, ou seja, 3%. Essa diferença de opinião entre Haddad e o Banco Central tem a vantagem de mostrar a independência da instituição e elevar a confiança do mercado na política monetária.

As lições da derrota, em casa, do inimigo da COP30, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Presidente americano intensifica pressão contra a cúpula do clima; para enfrentá-lo, a política ambiental terá que aprender, com Mamdani, a ouvir as pessoas antes de tentar convencê-las

Donald Trump não será o único ausente da COP30, que terá sua largada nesta quinta com a cúpula dos líderes em Belém, mas caminha para ser aquele do qual mais se falará pelas costas. Não exatamente pelo anfitrião, que acabou de conseguir seu celular, mas pelos demais. Além de não enviar representantes, o governo americano estaria a pressionar delegados de outros países a também abandonar o acordo de Paris, que fixou as metas de mitigação do aquecimento global.

Nesta quarta, a economista francesa Laurence Tubiana, enviada especial da União Europeia para a COP30 e mentora do acordo de Paris, confirmou a Victoria Netto, do Valor, a postura agressiva do governo americano sobre negociadores para que abandonem a ideia do financiamento climático.

Desafio maior para o agro brasileiro na Ásia, por Assis Moreira

Valor Econômico

Brasília não tem como influenciar a agenda de Washington, mas o Brasil pode se tornar mais difícil de ser substituído mantendo-se como um fornecedor mais barato e mais ecológico

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornou de recente viagem à Indonésia, Malásia e participação na cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) apontando potencial de mais negócios do agro brasileiro nessa que é a região mais dinâmica da economia mundial. Isso pode acontecer, mas em menor escala do que esperado. O presidente americano, Donald Trump, esteve ao mesmo tempo na região e, usando o arsenal das tarifas, arrancou concessões imediatas de países asiáticos para comparem mais produtos americanos.

O comércio hoje não se decide apenas por fatores como custo e frete, e mais e mais por motivações políticas. Isso é ilustrado também na trégua acertada entre Trump e o presidente chinês, Xi Jinping.

Após meses de compras paralisadas, a China aceitou compromissos de importação de 12 milhões de toneladas de soja dos Estados Unidos até o fim deste ano, e de pelo menos 25 milhões de toneladas anuais até 2028. Historicamente, a China comprou entre 25 milhões e 30 milhões de toneladas de soja americana por ano nos últimos anos. Os americanos veem agora uma “base sólida” para o retorno a esses volumes.

BC não pode atuar a reboque do mercado, por Maria Clara R. M. do Prado

Valor Econômico

Há uma concorrência surda e desleal entre o setor produtivo e o sistema financeiro, principal parceiro do déficit do setor público

A decisão do Comitê de Política Monetária, colegiado do Banco Central, de manter a economia em estado de contração tem suscitado queixas por parte de grandes e pequenos empresários em posição diametralmente oposta à do chamado “mercado financeiro”. São realidades diferentes, enquanto a primeira é obrigada a incorrer em custos maiores quanto mais alta for a taxa de juros, bancos e fundos de investimento são favorecidos pela enxurrada de recursos em seus portfolios, atraída pelo rendimento dos juros elevados.

Há uma concorrência surda e, via de regra, desleal entre o setor produtivo do país e o sistema financeiro, principal parceiro do déficit do setor público. O maior endividamento do governo amplia a necessidade de atrair dinheiro para financiar os gastos públicos. Com isso, a Selic - taxa pela qual transitam os títulos públicos nas operações de compra e venda entre os bancos e o Banco Central na regulação da liquidez do sistema - tornou-se o principal referencial do custo de oportunidade da alocação do dinheiro na economia brasileira.

Potência econômica e país desenvolvido, por Marcello Averbug

Correio Braziliense

Ao longo dos últimos anos ampliou-se a ambição de atingir o status de potência econômica em detrimento do anseio pelo desenvolvimento integrado

Após a Segunda Guerra Mundial, mudou a maneira de interpretar os antes chamados países economicamente atrasados. Até 1945, predominava a ideia de que alguns deles iriam progredir espontaneamente graças ao adequado aproveitamento, via mercado, de suas vocações naturais e vantagens comparativas.

Ao final da guerra, ganhou força a convicção de que a fuga da condição de atrasado ou pobre, sob o regime capitalista, exigia algo mais incisivo: a execução de intensas políticas governamentais. Esse seria o caminho que conduziria ao progresso e a profundas melhorias nos indicadores sociais. O processo que atendesse a tais requisitos foi denominado como desenvolvimento integrado.

Nova York, da diáspora judaica à eleição de um prefeito muçulmano, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Mamdani representa uma síntese do mundo globalizado — africano, asiático, muçulmano e nova-iorquino —, em meio à polarização alimentada por Trump

Mais do que qualquer outra metrópole ocidental, Nova York é a mais cosmopolita cidade do mundo, graças a sucessivas ondas migratórias que, a cada geração, redefiniram seu perfil econômico, social e cultural. Essa vocação cosmopolita remonta ao episódio quase lendário de 1654, quando 23 judeus — expulsos do Recife após a derrota holandesa para os portugueses — desembarcaram na então colônia de Nova Amsterdã, que deu origem à cidade.

Vindos de Pernambuco a bordo do navio Valk, depois de escaparem de piratas, de prisões e da Inquisição, encontraram abrigo precário na cidade governada pelo calvinista Peter Stuyvesant. Mesmo assim, fundaram a primeira comunidade judaica estável das Américas, gênese do pluralismo que seria o germe da identidade nova-iorquina moderna: a convivência tensa, mas fértil, de culturas, crenças e etnias em permanente metamorfose.

Em Nova York, é a cidade, estúpido! Por Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

É risível a estridência de republicanos e centristas com a vitória de Mamdani

Eleito concentrou campanha nos problemas reais da cidade, não em moinhos de vento

"It is the economy, stupid!" Tornou-se um jargão político lembrar o papel da economia nas eleições. A expressão "é a economia, estúpido" —atribuída à campanha de Bill Clinton que derrotou o republicano George W. Bush em 1992— força estrategistas a lembrarem que eleitores se preocupam, e muito, com as condições materiais de suas vidas: se seus filhos têm acesso à educação de qualidade, se a comida está cara, se os aluguéis não são exorbitantes, se os mais ricos pagam a parte que devem em impostos e assim por diante.

Chega a ser risível a estridência de republicanos e centristas diante da vitória do imigrante muçulmano e socialista democrático Zohran Mamdani —chamado por Trump de "lunático comunista completo". É uma mentira. Mamdani não vai estatizar os meios de produção numa das cidades mais ricas do mundo, nem nunca chegou perto de propor isso.

Voto distrital misto é uma luz nas trevas, por Luiz Carlos Bresser-Pereira

Folha de S. Paulo

Novo formato frearia a proliferação de partidos e ajudaria eleitor a escolher melhor seu deputado

No sistema atual, legenda do presidente eleito não forma bancada suficiente para apoiá-lo

O sistema eleitoral brasileiro de voto proporcional com listas abertas parece muito democrático, mas é uma aberração política. Se o Brasil fosse um país pequeno e relativamente homogêneo, como Dinamarca e Noruega, esse formato poderia ser uma boa solução, mas não diante das nossas características exatamente opostas.

Por isso, ao ler nesta Folha (1º/11) que o presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB), e o relator Domingos Neto (PSD-CE) estão prestes a acelerar a tramitação do projeto de lei que estabelece o voto distrital misto, fiquei surpreso e animado. É uma luz nas trevas. A ideia é que o projeto possa ser aprovado pelas duas Casas do Congresso para valer nas eleições gerais de 2030.

Eu defendo o voto distrital misto desde 1961, quando soube que o novo sistema eleitoral da Alemanha era dessa natureza. No sistema alemão, o eleitor deposita dois votos: um para seu candidato no distrito e o outro para o partido político que apoia —que, como os demais, tem uma lista fechada de candidatos a serem possivelmente eleitos pelo voto proporcional, ordenados conforme decisão da legenda. Assim, apurados os votos, os primeiros das listas serão eleitos, observando-se o número de votos que a sigla obteve.

Até quando vai o arrocho do BC, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Projeção de inflação do BC para o segundo trimestre de 2027 cai para 3,3%, mas não basta

Selic fica em 15%, BC espera mercado de trabalho mais frio e expectativa de IPCA menor

A estimativa de inflação do Banco Central para o segundo trimestre de 2027 caiu de 3,4% para 3,3% (em 12 meses, em um ano), lê-se no comunicado em que a autoridade monetária anunciou Selic ainda em 15% ao ano.

A meta de inflação é de 3%. Parece que se está perto da meta, nas contas do BC, pois. Mas o BC, ao que parece, quer ver contenção maior em emprego e salário e expectativa de inflação menor. Corte da Selic, por ora, só a partir de março de 2026.

Parêntese: por que interessa o segundo trimestre de 2027? É o "horizonte relevante" para o BC, aquele momento em que a política monetária, de juros, deveria estar fazendo mais efeito.

Queda dos juros para o ano eleitoral, por Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Manutenção desagrada governo e deverá ter consequências na escolha de Lula para os dois novos diretores

Presidente do BC parece querer fazer todo o trabalho de ancoragem das expectativas de inflação enquanto a pressão política ainda está suportável

manutenção da taxa Selic no patamar de 15% pela terceira vez consecutiva eleva as cobranças sobre o presidente do Banco CentralGabriel Galípolo, que passou a enfrentar uma artilharia mais pesada de críticas de integrantes do governo contra a política de juros altos.

No comunicado da decisão desta quarta (5), Galípolo e os demais diretores foram duros ao insistir na avaliação de que será preciso manter a taxa no nível atual por um período "bastante" prolongado. O bastante, nesse caso, tem peso e pode, inclusive, empurrar o início da queda dos juros de janeiro para março de 2026.

Chacina é a única saída para questão da segurança? Por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

No mesmo mês, duas concepções opostas de como lidar com o crime organizado

Ações precisam ser multidimensionais, como são as atividades das máfias

sangrenta operação policial promovida na semana passada pelo governador Cláudio Castro foi a sua quarta desde 2021, quando ele passou a comandar o estado do Rio de Janeiro. Denominada Contenção, teve o mesmo intuito e seguiu o mesmo roteiro das anteriores, delas diferindo apenas na multiplicação dos cadáveres que deixou expostos.

Em todas elas, armamentos e munições foram apreendidos, prisões feitas —e muita gente morreu: 28 pessoas na Favela do Jacarezinho, em maio de 2021; entre 23 e 25 na Vila Cruzeiro, no mesmo mês do ano seguinte; 19 em julho de 2022, no Complexo do Alemão. Não há o mais remoto indício de que essas mortes tenham servido para diminuir o controle do crime organizado sobre aqueles territórios. Esse será o provável resultado da operação que, agora, custou a vida de mais de uma centena de pessoas, no Complexo do Alemão.

Troca de favores, por William Waack

O Estado de S. Paulo

Lula ganhou nos erros dos adversários, mas adotou agora tática arriscada

Lula decidiu desafiar uma convenção do marketing político segundo a qual, se a onda é forte, o melhor é passar por baixo dela. E passou a criminalizar a atuação da polícia na megaoperação no Rio, que desfruta hoje de um apoio na população tão inédito quanto o número de mortos registrado no confronto com uma organização criminosa preparada para combater.

Considerando que segurança pública é a preocupação n.º 1 do eleitor, o tipo de assunto no qual governos petistas apanham fácil, peitar a onda em favor da megaoperação é postura de alto risco. O que levaria um político experiente a optar por um cálculo que só promete desvantagens?

STF entra de cabeça em nova polêmica, por Carolina Brígido

O Estado de S. Paulo

Nem todo ministro compartilha o mesmo conceito de institucionalidade de Edson Fachin

Há pouco mais de um mês no comando do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin já viu fracassar seu plano de manter a Corte longe da rinha política. Ele preferia que o tribunal se manifestasse sobre a megaoperação no Rio de Janeiro em decisões judiciais, mas outros ministros optaram por declarações públicas. Alexandre de Moraes foi além: viajou até a capital fluminense para se reunir com autoridades locais.

A intenção de Fachin era dar uma contribuição institucional para solucionar a crise no Rio. Entretanto, nem todo ministro do STF compartilha o mesmo conceito de institucionalidade. O governador Cláudio Castro chamou de “maldita” a decisão do tribunal que criou regras para a realização de operações policiais na cidade. Diante do silêncio de Fachin, Gilmar Mendes e Flávio Dino saíram em defesa do tribunal.

O novo teste para Lula e para a direita, por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

A violência não se explica por variáveis macroeconômicas. Ela invade o cotidiano e redefine prioridades

Como quase tudo na vida, os equilíbrios alcançados na política, mesmo quando ótimos, não são estáticos nem perenes. A durabilidade de um equilíbrio político depende da capacidade das instituições e dos líderes de oferecer respostas congruentes com as expectativas da maioria da sociedade diante de choques e imprevistos.

Choques podem ter naturezas variadas. Às vezes são endógenos, nascem do próprio sistema político – como o surgimento de um novo líder carismático. Outras vezes são exógenos, resultado de eventos externos, como uma crise econômica internacional ou uma pandemia.

Se o tarifaço imposto pelos EUA foi um presente para Lula – que antes estava nas cordas e voltou à condição de favorito à reeleição em 2026 –, a dificuldade de oferecer uma resposta consistente às expectativas da sociedade diante da crise da segurança pública e da violência do crime organizado tem o potencial de fragilizá-lo.

Ninguém quer cortar gastos no Brasil, por Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

Ou bem avançamos com uma reforma fiscal e orçamentária, para valer, ou o País caminhará a passos largos para o vinagre

O mais recente episódio da saga para dilapidar as contas públicas ocorreu nesta semana, no Congresso Nacional. Aprovou-se medida para blindar uma parte dos gastos da Defesa Nacional, afastando-se as chamadas regras fiscais.

Em paralelo, há um cardápio de propostas a serem aprovadas, com urgência, sem as quais o governo terá de mudar a meta fiscal de 2026. Não se verifica nem um fiapo do vigor presente na defesa dessa nova contabilidade criativa nos gastos com Defesa quando se trata de apoiar a agenda do ajuste.

Para ter claro, a blindagem dos R$ 33 bilhões de gastos com programas e ações orçamentários na área de Defesa Nacional é um escárnio. Fere a lógica básica do novo arcabouço fiscal ( Le i Complementar n . º 200/2023) e comprova que, na hora do vamos ver, ninguém está disposto a cortar gastos.

Boa notícia sobre voto distrital, por Roberto Macedo

O Estado de S. Paulo

Há ainda muito chão pela frente. Cabe também uma melhoria do sistema atual

Matéria na Folha de S. Paulo no dia 1.º deste mês v e i o com este título: Relator diz que voto distrital afasta facções e tem sinal positivo dos maiores partidos. O relator do projeto é o deputado Domingos Neto (PSD-CE), que disse também que a “urgência do projeto pode ser aprovada em novembro”, o que facilitaria o trâmite. O presidente da Câmara, Hugo Motta, defendeu a mudança do sistema eleitoral para 2030, o que já demonstra que não será tão simples. E o sistema distrital seria misto, acomodando em parte o sistema atual.

Poesia | Aos que virão depois de nós, Bertolt Brecht

 

Música | Milton Nascimento, Lo Borges - Nada será como antes

 

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Decretar GLO em Belém é medida correta

Por O Globo

Operações com militares já obtiveram sucesso em eventos internacionais — e crime organizado na região preocupa

Foi acertada a decisão do governo federal de decretar operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para a segurança da Cúpula de Líderes e da Conferência da ONU sobre o Clima (COP30), que acontecerão nos próximos dias em Belém, com a presença de autoridades nacionais e internacionais. O decreto atende a pedido do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e abrange, além da capital, os municípios paraenses de Altamira e Tucuruí, permitindo o uso das Forças Armadas no patrulhamento. Não se pode arriscar diante de um megaevento, especialmente num momento em que o país vive crise aguda na segurança pública.

A agenda climática, o mapa e o dinheiro, por Vera Magalhães

O Globo

Brasil tem a chance de ocupar vácuo deixado pelos EUA e por outras grandes potências que recuam da agenda climática

A ministra Marina Silva tem usado com frequência a expressão “mapa do caminho” para designar o que deveria ser o eixo da COP30: implementar todos os acordos já traçados em conferências anteriores do clima para frear o aquecimento global e evitar as consequências para o planeta.

Trata-se de um diagnóstico como sempre correto, mas que esbarra em dois problemas. Primeiro, não falta um mapa para saber o que precisa ser feito, mas sim dinheiro para fazer. Segundo, no caminho, também do Brasil, há vários obstáculos que não se superam apenas com mapa, mas com vontade política firme e inequívoca.

O plano proposto por Marina, que deverá fazer parte da colaboração do Brasil durante a COP30 em Belém, prevê um cronograma para a redução e, em longo prazo, o fim do uso de combustíveis fósseis, com a definição de setores prioritários que deveriam acabar com a dependência de petróleo, gás e carvão.

Talibã na Penha, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Proposta da direita abre caminho a sanções econômicas e intervenções militares no Brasil

A direita descobriu uma fórmula mágica para acabar com o tráfico: rotular as facções criminosas como organizações terroristas.

A proposta já passou pela Comissão de Segurança da Câmara, dominada pela bancada da bala. Agora pode ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, com apoio de governadores bolsonaristas.

A ideia parte de uma premissa verdadeira para chegar a uma conclusão falsa. A verdadeira: os bandidos são violentos, oprimem as comunidades e precisam ser combatidos. A falsa: isso exigiria equipará-los a terroristas.