domingo, 16 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais /Opiniões

Combater facções é fator crítico para preservar Amazônia

Por O Globo

Crime organizado se tornou um dos maiores responsáveis pela devastação florestal, revelam estudos

O crime organizado é um dos maiores vetores de destruição da Floresta Amazônica. As facções criminosas são responsáveis não apenas pela explosão de violência na região, mas também por dificuldades para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Por isso se tornaram objeto de estudos recentes e tema de debates na COP30, em Belém.

“O crime organizado se tornou um grande agente de desmatamento. Ele fragmenta a floresta e as comunidades”, diz o climatologista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia (SPA), uma rede de cientistas e líderes indígenas. Em relatório recém-lançado, o SPA constata que as quadrilhas do tráfico, do garimpo ilegal e da grilagem encontraram na devastação florestal uma fonte de lucro, usado para ocupar território e lavar dinheiro, como relatou reportagem do GLOBO.

A quem interessa? Por Merval Pereira

O Globo

O momento é de disputa com o crime organizado, não entre as instituições públicas responsáveis pelo bem-estar da população

O debate sobre a segurança pública no país, que pela primeira vez em muito tempo está saindo do papel para entrar na realidade do cotidiano dos brasileiros, pode estar gerando uma ação política eficaz se os lados que se contrapõem entenderem que o momento é de consenso, e não de disputa. Ou melhor, o momento é de disputa com o crime organizado, não entre as instituições públicas responsáveis pelo bem-estar da população. Pelo andar dos debates, ainda não se convenceram disso, e a dificuldade maior está no momento em que ele se dá, vésperas da eleição presidencial.

Derrite contra a Polícia Federal, por Elio Gaspari

O Globo

Secretário de Segurança de São Paulo produziu um monstrengo revelador dos interesses estabelecidos na máquina da segurança do país

Se Guilherme Derrite fosse um transeunte laçado na Praça dos Três Poderes para redigir um projeto de combate ao crime organizado, teria sido compreensível a barafunda que ele produziu com as várias versões de seu relatório para o projeto de lei contra as facções criminosas.

Infelizmente, Derrite é um veterano policial e secretário de Segurança do governador Tarcísio de Freitas, possível candidato a presidente da República. Mais: Derrite é um deputado federal e provável candidato ao Senado em nome do que seria um desejo do eleitorado por mais segurança. Foi laçado pelo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, para relatar o projeto de lei contra as facções criminosas.

Com quatro versões, Derrite produziu um monstrengo revelador dos interesses estabelecidos na máquina da segurança do país.

A direita e a segurança, por Míriam Leitão

O Globo

A direita tomou para si a pauta da segurança, mas não apresenta políticas eficazes de combate a este problema que tanto aflige a população

No Brasil, há um mito de que a direita sabe como fazer política de segurança. A extrema direita governou o país por quatro anos, de 2019 a 2022, e não apresentou qualquer proposta boa. Ao receber das mãos de Hugo Motta a relatoria do projeto do governo contra as facções criminosas, teve nova chance. Foi um fiasco. O secretário licenciado de segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, fez um relatório inicial perigoso porque enfraquecia a Polícia Federal, além de abrir um flanco para ações militares de outros países em território brasileiro. Quatro recuos depois, o relatório ainda tem defeitos.

O fim do caso dos 9 chineses, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Regime torturou e condenou estrangeiros sem provas; caso levou 21.930 dias para ser encerrado

Aconteceu em 3 de abril de 1964, nas primeiras horas do golpe. A polícia do governador Carlos Lacerda, fervoroso apoiador da quartelada, prendeu nove cidadãos chineses que viviam no Rio. Sem acusação formal, eles foram espancados e levados à sede do Dops. Penaram um ano em prisões militares até serem expulsos do país.

Para a ditadura, os chineses obedeciam ordens de Pequim e queriam implantar um regime maoíosta nos trópicos. Tudo paranoia. Dois deles eram jornalistas da agência estatal Xinhua e cumpriam a tarefa revolucionária de correr atrás de notícias. Os outros sete integravam missões comerciais.

Indiferença ao mal, por Dorrit Harazim

O Globo

Mulheres e idosos podiam ser mortos gratuitamente. Quando o alvo era uma criança ou homem, havia cobrança adicional

O preço do silêncio é sempre alto. Os mortos no Valle de los Caídos (hoje Valle de Cuelgamuros) na Espanha, em Auschwitz, Sarajevo ou Gaza não puderam falar. E os que ousaram abrir nossos olhos não foram ouvidos à sua época. Os muitos abismos de indiferença humana levam tempo até receber uma primeira lufada de verdade. Mas, uma vez aberta a comporta, ela — a verdade — emerge e matura, ora em jorro, ora aos pingos. E graças a uma característica tão humana quanto a indiferença: a perseverança. A busca por justiça, mesmo que tardia, responde a nossa incontornável obrigação de confrontar traumas coletivos e responsabilizar seus perpetradores.

— Toda a bondade e o heroísmo ressurgirão, para depois ser destruídos e ressurgir novamente. Não é que o mal vença (nunca vencerá), mas ele apenas não morre — escreveu John Steinbeck a um amigo no auge da Segunda Guerra.

O sonho acabou: chilenos vão às urnas neste domingo sob o signo do medo, Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O governo Boric chega enfraquecido ao fim do mandato. Sua agenda de reformas — tributária, previdenciária e trabalhista — esbarrou no Congresso conservador

Como aconteceu com as últimas eleições na Bolívia, no Equador e na Argentina, o Chile vota neste domingo polarizado entre a esquerda e a ultradireita. Jeannette Jara (Partido Comunista do Chile), apoiada pelo presidente Gabriel Boric, e José Antonio Kast (Partido Republicano, pinochetista), lideram a disputa.

Durante décadas, o país alternou presidências de esquerda e de direita moderadas, tornando-se um “case” de crescimento alto, estabilidade macroeconômica, redução da pobreza e instituições sólidas. Governos de centro-esquerda e centro-direita partilharam o mesmo “sonho chileno”: transformar o país em desenvolvido até 2020. Esse ciclo ruiu com o tsunami social de 2019, que expôs os limites do modelo: desigualdade social, serviços públicos precários, sistema de pensões privatizado e endividamento das famílias.

Tarcísio de volta ao jogo, por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Quanto mais pesadelo Lula tem, mais Tarcísio sonha com o Planalto em 2026

O impacto da operação policial mais letal da história não apenas conteve o embalo do presidente Lula como empurrou o governador Tarcísio de Freitas de volta para a disputa de 2026. Depois de sucessivos erros, idas e vindas e pedidos de desculpas, Tarcísio está se poupando e avaliando para onde os ventos – e as candidaturas – vão.

Desde o início, Tarcísio e seu principal mentor político, Gilberto Kassab, combinam duas táticas. A primeira é jamais admitir uma candidatura presidencial já em 2026, para evitar as chuvas, trovoadas e ataques, naturais contra quem se destaca. A outra é monitorar quais as condições de vitória, antes de qualquer decisão.

Só aumentar pena não previne o crime, por José Roberto Batochio

O Estado de S. Paulo

A isolada e abstrata exacerbação de penas para coibir a criminalidade constitui impenitente falácia há muito descartada pela Ciência Penal

Em mais um capítulo da interminável e demagógica novela do populismo penal, o Senado aprovou, em 14 de outubro, o Projeto de Lei n.º 4.809/24, que majora penas de certos crimes, em especial os cometidos com violência. Aproveitandose do sumário feito pelo site jurídico Migalhas, serão alteradas as punições para:

“Roubo qualificado: quando praticado em grupo ou contra transporte de valores, passa a ter pena de seis a doze anos de reclusão (antes, de quatro a dez anos);

Roubo com arma de fogo de uso restrito: de oito a vinte anos de prisão (atualmente, de quatro a dez, com aumento de dois terços);

Roubo com lesão corporal grave: de dez a vinte anos (antes, de sete a dezoito anos);

Constituição de milícia privada: de seis a dez anos (atualmente, de quatro a oito anos);

Receptação: de dois a seis anos (antes, de um a quatro anos);

Receptação culposa: de um a cinco anos (antes, de um mês a um ano ou multa); e

Homicídio simples: de oito a vinte anos (antes, de seis a vinte anos)”.

Engendrado na Comissão de Segurança Pública, sob a presidência do senador Flávio Bolsonaro, o projeto será agora apreciado pela Câmara dos Deputados, que tanto pode alterar como pode manter o texto. Causa preocupação que mais uma norma de viés populista passe a integrar nosso ordenamento jurídico-penal. Onde se irá parar?

Avanço com os EUA exige cautela, Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Engajamento entre os governos americano e brasileiro passou por teste de estresse

A suspensão das chamadas “tarifas recíprocas” por Donald Trump favorece o Brasil ao retirar os primeiros 10% do total de 50% de alíquota sobre os produtos brasileiros, e ao revelar a sensibilidade do presidente americano aos preços altos.

Na minha última coluna, escrevi que Trump precisaria mudar de estratégia. Isso tinha ficado claro nas derrotas dos republicanos nas eleições do dia 3, causadas pelo alto custo de vida. O decreto de sexta-feira retirou as tarifas apenas sobre produtos que os EUA não produzem o bastante, como café, frutas, suco de laranja e carne.

A medida pode reduzir a competitividade das exportações brasileiras, sujeitas a 40% de tarifas, enquanto os concorrentes ficam isentos. A Casa Branca anunciou na quinta-feira acordos comerciais com Argentina, Equador, El Salvador e Guatemala, que concorrem com o Brasil nesses produtos.

A guerra de Trump na Venezuela, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Presidente dos EUA parecerá derrotado por Maduro se não fizer nada agora, dizem analistas

Força militar reunida não basta para uma invasão, mas é similar a de outros ataques

O dito mais poderoso porta-aviões dos Estados Unidos, o Ford, chegou na semana passada ao Caribe. Em breve, estaria em posição de lançar aviões para atacar a Venezuela, assim como outros navios da frota poderiam atirar contra os venezuelanos. Na quinta, 13, Pete Hegseth, secretário (ministro) da Guerra, anunciou a operação Lança do Sul para a Nossa Pátria, por ordem de Donald Trump, com o objetivo de eliminar o "narcoterrorismo" da "vizinhança" e do hemisfério (as Américas). No dia 3 de novembro, Trump havia dito que "os dias de Maduro estão contados".

Analistas ou integrantes anônimos do governo americano entrevistados pela mídia dos EUA não veem ou não sugerem plano coerente para o amontoamento de tropas e navios no Caribe e a mobilização de tropas e unidades aéreas em território americano. Não se sabe o objetivo do movimento e os meios militares reunidos ainda não explicitam um plano.

A derrota de Derrite, por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

É uma pena que não haja oposição com quadros qualificados o suficiente para melhorar PL Antifacção

A política de segurança de Bolsonaro foi liberar armas para que cada um enfrente o crime por conta própria

Os fracassos de Guilherme Derrite (PP-SP) na semana passada provaram que o bolsonarismo sabe muito menos sobre segurança pública do que gosta de pensar que sabe. Foi feio de ver, mas foi educativo.

Quando Derrite tornou-se relator do projeto de lei Antifacções proposto pelo governo Lula, a direita lhe deu duas tarefas. A primeira era equiparar as quadrilhas de traficantes de drogas a terroristas, abrindo caminho para uma intervenção de Trump no Brasil. A segunda era manter o combate ao crime sob controle dos governadores.

Deu errado, e não tinha como dar certo.

Um prefeito bossa-nova, por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Sem academicismo, Zohran Mamdani oferece uma perspectiva de enraizamento avessa à conduzida pela extrema direita

Existe um fio mal percebido entre figuras como o príncipe William Zohran Mamdani, recém-eleito prefeito de Nova York. William (43 anos), herdeiro do trono inglês, visitou o Brasil como co-fundador do Prêmio Earthshot, o Oscar da sustentabilidade. No Rio e em Belém, ele aplaudiu as oportunidades de inovação climática que discerniu entre nós. Já Mamdani (34 anos) vem galvanizando o seu eleitorado feminino, jovem, gentrificados do Brooklin e imigrantes. Um toque especial de juventude pode ser o elo inicial entre as duas personalidades. Mais profunda, porém, é a moção da diversidade.

O povo de Hitler, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro esmiúça os processos que levaram à nazificação da Alemanha

População foi ao mesmo tempo vítima e participante ativa do regime

Como indivíduos e grupos que defendem ideias que a maioria de seus concidadãos considera desprezíveis ou absurdas conseguem ascender ao poder numa democracia? E como, uma vez no poder, são capazes de instalar, com pouca ou nenhuma contestação, um regime de terror?

O caso mais extremo desse processo se deu na Alemanha com o nazismo. Embora racismo e antissemitismo já fizessem parte da paisagem teutônica, a maioria da população alemã dos anos 1930, que incluía a fina flor da "intelligentsia" europeia, não era favorável a espancar judeus nas ruas e menos ainda de exterminá-los junto com outros grupos tidos como indesejáveis. Ainda assim, Hitler, que nunca escondeu suas ideias mais chocantes, se tornou chanceler num sistema democrático e se converteu em ditador com amplo apoio popular.

O duto do crime, por Carlos Drummond

CartaCapital

A cruzada para regulamentar as fintechs tem dimensão internacional

A principal instituição financeira do País, segundo os usuários, não é o Itaú, o Bradesco ou o Banco do Brasil, inconfundíveis e tradicionais, com suas logomarcas e cores próprias em cada esquina do Brasil, mas o Nubank, fintech criada em 2013 que não tem agências físicas, não capta depósitos e opera totalmente online por meio de aplicativos e da internet. É o que apurou um levantamento da empresa de pesquisas de mercado Okiar. O Nubank é preferido por 21,7% da população, o Itaú por uma parcela de 14,2% e o Bradesco, por 12%. Em outubro, seu valor de mercado, de 77,7 bilhões de dólares, superou, pela primeira vez, aquele da Petrobras, maior estatal brasileira e detentora do direito à exploração de milhões de barris de petróleo. PicPay, PagSeguro, XP Investimentos, Mercado Pago e C6 Bank são outros integrantes do que poderia ser chamado “Lado A” das fintechs. O lado B inclui o 2Go Bank e o InvBank, citados pela Polícia Federal como suspeitos de utilização pelo PCC para lavagem de dinheiro, o T10 Bank, usado em esquemas de criptomoedas em conexão com o crime organizado, e o BK Bank, braço financeiro do Primeiro Comando da Capital, entre várias instituições menos conhecidas.

Chile: Quatro contra uma, por Murilo Matias

CartaCapital

Um quarteto reacionário disputa a vaga de adversário da comunista Jeannette Jara no segundo turno das eleições

Na primeira eleição presidencial após a instituição do voto obrigatório, sob pena de multas que podem variar ao equivalente entre 100 e 500 reais, mais de 15 milhões de chilenos escolherão no domingo 16 os dois candidatos que se enfrentarão no segundo turno. A comunista Jeannette Jara­, candidata oficial, lidera as intenções de voto, mas a direita, caso se una, reúne maiores condições de eleger o substituto de Gabriel Boric. Quatro nomes direitistas disputam palmo a palmo a vaga oposicionista para enfrentar Jara: o veterano senador Jose Antonio Kast, o extremista Johannes Kaiser, ­Evelyn ­Matthei e Franco Parisi. “Milhões que irão votar pela primeira vez não possuem cultura política ou ideologia, podendo escolher no último momento, com grande influência das redes sociais. São eleitores que podem optar por Jara, Kast ou Kaiser sem maiores contradições”, afirma o sociólogo Ivan Carrasco Mora.

Poesia | A arte de ser feliz, de Cecília Meireles

 

Música | Samba pretexto, por Roberto Riberti

 

sábado, 15 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

E a estratégia? A lei é apenas um meio

Por Revista Será?  

Diante do impacto político gerado pela desastrosa invasão das favelas do Rio – Complexo do Alemão e da Penha – e da evidência do poder das facções criminosas nos territórios – a capacidade militar e logística e a produção própria de poderosos armamentos – os partidos, de direita e esquerda, se apressaram a mostrar serviço. Tinham que reagir. Como? Criando mais lei ou reformando as leis existentes. Não resolve nada, mas mostra que o governo e o Congresso estão preocupados, reagindo à crise de segurança pública do Brasil. Governo e oposição levam a disputa política para o conteúdo da legislação que possa lidar com o problema, divergindo em diferentes aspectos do projeto de lei que, supostamente, serviriam para conter a propagação do crime organizado no Brasil. Alguém já dizia: “se não quer enfrentar um problema, formule uma lei”. Não resolve e, em muitos casos ainda arrisca piorar. Como a proposta da direita e de alguns governadores, contida no primeiro relatório do PL Anti-facção apresentado pelo deputado Guilherme Derrite, enquadrando o crime organizado como terrorismo e tentando subordinar a atuação da Polícia Federal a autorizações dos governos estaduais. Todos concordam na introdução de penas mais elevadas e de maior rigor no regime prisional dos traficantes. Mas, como vão prender os chefões do crime organizado refugiados no quartel general das favelas ou nos presídios?

Lula perdeu a conexão com o povo? Por Thaís Oyama

O Globo

Quando o PT ancorava sua agenda na defesa dos direitos humanos em 1980, o cenário da criminalidade no país era outro

‘Reage, D’Alema, responde! Diz qualquer coisa de esquerda!’ A frase é de Nanni Moretti no filme “Abril”. Na cena, o italiano grita para a TV ao ver seu candidato, Massimo D’Alema, tomar um baile do populista de direita Silvio Berlusconi num debate eleitoral. No longa de 1998, Moretti faz uma versão ficcional dele mesmo — um cineasta de esquerda frustrado com a tibieza de seu campo político.

Lula, para alívio de seus Morettis, disse uma “coisa de esquerda” — aliás, duas — sobre a Operação Contenção, no Rio, e a consequência, como mostrou a pesquisa Quaest desta semana, foi a queda na sua popularidade. As frases do presidente — a operação “foi desastrosa do ponto de vista da ação do Estado” e traficantes são “vítimas dos usuários”, esta última dita e depois desdita — mereceram franca rejeição da maior parte dos brasileiros. Estaria Lula em Marte e os eleitores em Vênus?

Sociedade organizada, por Flávia Oliveira

O Globo

A conferência em plena Amazônia brasileira é também sinal da importância da democracia

A COP30 já é a segunda maior em número de participantes, 56,1 mil, ao todo — e isso tem muito a ver com a mobilização da sociedade civil organizada. As três últimas edições do encontro da ONU aconteceram em países sob regimes autoritários: Egito (2022), Emirados Árabes Unidos (2023) e Azerbaijão (2024). A conferência em plena Amazônia brasileira, portanto, é também sinal da importância da democracia. Belém está tomada por ações de organizações e movimentos sociais. E não apenas nos espaços oficiais; por toda a capital paraense, ao menos 80 endereços abrigam iniciativas sobre os impactos dramáticos da crise climática. Um conjunto robusto de estudos, relatórios, pesquisas, denúncias, inciativas, reivindicações e manifestações compõe o repertório a que as delegações diplomáticas pareciam desacostumadas.

Genealogia é carma? Por Eduardo Affonso

O Globo

O identitarismo inventou o pecado, mas, como na canção de Chico Buarque, se esqueceu de inventar o perdão

Pelos critérios da 36ª Bienal de arte de São Paulo, você não leria esta coluna. Haveria um conflito entre os temas abordados (quaisquer que fossem) e o trágico passado colonial mineiro.

É que um dos meus tetravôs foi o major José Luís da Silva Vianna. Pelos serviços prestados na Guerra do Paraguai, ele ganhou de D. Pedro II a patente militar e as terras onde mais tarde mandou erguer uma capela. No entorno, formou-se uma aldeia de indígenas catequizados, que deu origem à Vila de São Sebastião de Pedra do Anta, hoje um pacato município da Zona da Mata mineira.

O major não só participou do etnocídio no Paraguai e em Minas, como se valia de trabalho escravo em suas lavouras de café. Cinco gerações depois, ainda deve respingar sangue no teclado em que digito — motivo suficiente para que este texto não deva ser lido.

Quando a maioria é injusta, por Juliana Diniz

O Povo (CE)

A espetacularização das operações policiais rende votos porque alimenta a sede de justiçamento de uma sociedade cansada da insegurança. O cadáver do bandido gera gozo: os cidadãos de bem se sentem "vingados" pela eliminação desse inimigo personificado no corpo abatido pela polícia

A operação policial que ocorreu há dias nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, ficou marcada como a mais letal de todas as já realizadas. As imagens dos cadáveres não foram suficientes para impactar a opinião pública: pesquisas indicam que a maioria aprovou o ato. Os números influenciaram a movimentação dos políticos de direita, assim como contiveram instituições como Poder Judiciário e Ministério Público, que reagiram timidamente.

A espetacularização das operações policiais rende votos porque alimenta a sede de justiçamento de uma sociedade cansada da insegurança. O cadáver do bandido gera gozo: os cidadãos de bem se sentem “vingados” pela eliminação desse inimigo personificado no corpo abatido pela polícia. Pouco importa se o morto é inocente ou não; se havia mandado de prisão ou denúncia formal.

Jogo ainda aberto, por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Estamos na quarta versão do relatório de Guilherme Derrite para o projeto Antifacção. Iremos à quinta, pelo menos. A estratégia de seu assessor parlamentar Hugo Motta – de atropelar à la Lira – fracassou. O governo, desapropriado, que teve tomada a autoria-gestão sobre proposta originalmente sua, provocou e colhe o desgaste do relator. Ganhou tempo e ar; e investe em que tenhamos as sexta, sétima, oitava versões como expressões de improviso.

Se não tem mais a propriedade sobre o que criara, trabalha para que o projeto ao menos não tenha a cara da oposição. Gestão de danos, depois da trairagem fundamental de Motta, que pegou a proposta de Lula para segurança pública – para 2026 – e deu na mão da oposição, precisamente na de Tarcísio de Freitas, o provável desafiante. Assim foi posta a mesa, em função da qual o Planalto organizou o seu jogo. Reagir imediatamente ao relatório da hora para lhe apontar “fragilidades e inconsistências”.

Prisão, rotina dos presidentes, por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Prisão é um risco permanente para quem se lança na política. O normal é cumprir um curto pedaço da pena, depois encontrar o caminho para a liberdade

A luta parlamentar que ocorre no Congresso em torno da aprovação do Marco Legal do Combate ao Crime Organizado é apenas uma faceta da disputa entre governo e oposição pela apropriação da narrativa sobre quem combate melhor o crime organizado ou desorganizado. Os brasileiros já manifestaram em diversas pesquisas de opinião que o maior problema brasileiro na atualidade é a criminalidade. E a administração do PT é percebida como leniente com os meliantes, considerados pessoas perseguidas pelo sistema econômico injusto. Essa curiosa visão da sociedade coloca toda comunidade em risco, porque a dona de casa que vai ao supermercado está ameaçada pela bandidagem. Ninguém gosta disso.

Planalto aplaude queda da inflação e Haddad critica Galípolo, por Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Ministro da Secom, o marqueteiro Sidônio Palmeira tem batido bumbo para os resultados de outubro

Haddad hoje é um ministro carente de elogios e afagos

Com o ano eleitoral se aproximando, o Palácio do Planalto começou a exaltar a queda da inflação —um ativo importante na busca de votos dos eleitores na tentativa de reeleição do presidente Lula, em 2026, para o seu quarto mandato.

O marqueteiro de campanhas vitoriosas do PT e ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, já começou a explorar a queda. Ele tratou de divulgar nesta semana uma nota para alardear que a inflação registrou o menor índice para outubro em 27 anos. O IPCA fechou em 0,09%, a mais baixa variação para o mesmo mês desde 1998, quando o índice foi de 0,02%.

Ênio Silveira, 100, por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Ênio Silveira ganha biografia no centenário de seu nascimento

A Civilização Brasileira foi alvo de incêndio criminoso e atentado a bomba

Durante a ditadura militar, o editor Ênio Silveira teve os direitos políticos cassados. Seus livros foram recolhidos, confiscados e queimados; sua livraria na rua Sete de Setembro, no Rio, e a editora Civilização Brasileira, alvos de incêndio criminoso, atentado a bomba e estrangulamento econômico. Um de seus principais autores, Carlos Heitor Cony, foi preso seis vezes pelo regime. Ênio conseguiu superar a marca: preso em oito oportunidades, acusado de "subversão cultural" e "propaganda comunista".

Segurança não é só repressão, por Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Políticas estritamente repressivas apenas aumentam a demanda por mais violência

É preciso integrar as políticas de segurança às demais políticas públicas

A Câmara dos Deputados ofereceu nesta semana mais um espetáculo de irresponsabilidade política e desprezo pelo destino de milhões de brasileiros submetidos cotidianamente à tirania do crime organizado.

O despreparo do deputado indicado para a tarefa de relatar a proposta do chamado Marco Legal do Combate ao Crime Organizado ficou patente pelas sucessivas e contraditórias versões dos relatórios apresentadas ao longo da semana. Até restringir a competência da Polícia Federal para investigar o crime organizado aventou-se, sabe-se lá com que objetivo.

Um dos paradoxos das políticas de segurança, como destacado por Theo Dias e Carolina Ricardo em recente artigo nesta Folha, é que a ineficácia de políticas estritamente repressivas apenas aumenta a demanda por mais repressão, criando um enorme mercado para o populismo penal.

Lições para a universidade, por Cristovam Buarque

Veja

O ensino superior é atalho para a democracia e o humanismo

O Congresso do Futuro, liderado há quinze anos pelo ex-senador chileno Guido Girardi, se reuniu na semana passada em Madri. Dezenas de pensadores debateram o fundamental: para onde caminha a civilização. O rumo atual indica desequilíbrio ecológico e agravamento da desigualdade social. Um desenvolvimento harmônico entre os seres humanos e deles com a natureza não será concebido por partidos políticos, comprometidos em atender aos eleitores no curto prazo; nem por igrejas, cuja preocupação é com o mundo espiritual; ainda menos por sindicatos, cuja visão se limita aos interesses de sua categoria profissional na próxima data-­base. A universidade é a instituição capaz de formular ideias para retomar a aliança quebrada entre democracia nacional e humanismo planetário.

A política da crueldade, por Luiz Gonzaga Belluzzo e Nathan Caixeta

CartaCapital

A ideologia fascista não aflora imediatamente nas elites, ela desliza via positivismo e racionalismo

Para ilustrar a complexidade da quadra histórica que atravessamos, consideramos pertinente a visita ao último artigo de Paul ­Krugman, intitulado “The Big Smirk”, ou O Grande Sorriso.

Krugman cuida de investigar a dinâmica política do trumpismo, que mora no coração do movimento Make America Great Again e tem replicado exemplares ao redor do mundo. As figuras de Javier Milei, Jair Bolsonaro, suas proles e aspirantes à replica não nos deixam mentir.

A suntuosa festividade de Halloween promovida por Donald Trump, inspirada em O Grande Gatsby, exibiu como símbolo cuidadosamente escolhido uma modelo seminua dentro de uma gigantesca taça de martini. No mesmo dia, relata Krugman:

“…42 milhões de americanos perderam o auxílio alimentar federal, enquanto 1,4 milhão de funcionários federais estão sem receber salário”.

Para muitos comentaristas, o evento expressou a alma de playboy de ­Manhattan que sobrevive no presidente norte-americano. A imagem entrega, à primeira vista, a ideia de insensibilidade em relação à condição de milhões de americanos em situação precária e falimentar. Nada novo no cotidiano de um ricaço de Nova York, ou de um bem-nascido dos Jardins paulistanos.

Fusão fatal, por Aldo Fornazieri

CartaCapital

Nixon fracassou na “guerra às drogas”. George W. Bush, na “guerra ao terror”. Trump tenta unir as duas, com a adesão da direita no Brasil. O resultado é previsível

A matança promovida pelo governo do Rio de Janeiro nas comunidades da Penha e do Alemão, a operação policial mais letal da história do País, desencadeou uma intensa ­disputa política em torno da segurança pública. Com 121 mortos, a incursão revelou-se desastrosa, já que a função da polícia é prender e levar os suspeitos a julgamento. Agora, a conduta dos próprios agentes estatais está sob investigação do Supremo Tribunal Federal.

Há fortes indícios de que a ação determinada pelo governador Cláudio Castro foi deliberada, com o objetivo de se apoderar e de entregar para a direita a bandeira da segurança pública, nos termos de ações violentas como modus ­operandi. As articulações que Castro fez com os governadores bolsonaristas no pós-massacre evidenciam a manobra eleitoral.

Segundas intenções, por Jamil Chade

CartaCapital

A proposta de Derrite visava enquadrar movimentos sociais como organizações terroristas

Se hoje a extrema-direita busca formas para transformar grupos criminosos e o narcotráfico em facções terroristas, a ofensiva pode ser apenas o início de um processo que ameaça movimentos sociais. Um documento preparado pelo Executivo ao qual CartaCapital teve acesso aponta uma das preocupações em relação às mudanças no PL Antifacção apresentadas pelo deputado Guilherme Derrite: o risco de criminalização de entidades como o MST. Sob pressão, as alterações de Derrite acabaram desidratadas, mas o fato de terem sido propostas revelou a muitos a intenção de criar uma brecha para classificar como terroristas basicamente qualquer protesto, manifestação e a atuação de diversos movimentos sociais, entre eles o MST e o MTST, ou manifestações legítimas, como aquelas de trabalhadores de aplicativos, caminhoneiros ou professores.

A nova PEC da Bandidagem, por Cláudio Couto

CartaCapital

O presidente da Câmara associou-se a Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite para desidratar o PL Antifacção

Hugo Motta, o Débil, parece não aprender com os próprios erros. Depois da lambança da PEC da Bandidagem, volta a aprontar. Desta vez, contudo, é outro o instrumento legislativo: em vez de uma Proposta de Emenda Constitucional, um Projeto de Lei. Agora, Motta nem sequer se deu ao trabalho de propor um projeto próprio ou encomendado a um de seus aliados na Câmara. Em vez disso, pegou carona na proposta do Executivo sobre as facções criminosas, optando por ­desfigurá-lo. Nessa sabotagem, articulou-se com seu colega de partido no Republicanos, o bolsonarista moderado (sic) governador de São Paulo. Tarcísio de Freitas liberou seu secretário de segurança, o deputado licenciado Guilherme Derrite, para reassumir momentaneamente sua cadeira em Brasília, com a única e exclusiva tarefa de levar a cabo a empreitada e, assim, simultaneamente, atrapalhar o governo federal e se autopromover para a disputa por uma cadeira no Senado em 2026.

Na mão grande, por André Barrocal

CartaCapital

Com o apoio de Motta, o bolsonarismo se apropria e insiste em desfigurar o PL Antifacção. Mas o plano tem furos

Furto custa quatro anos de cadeia. A pena dobra quando o autor se aproveita da confiança da vítima. A Lei Antifacção proposta pelo governo Lula contra o crime organizado foi surrupiada metaforicamente na Câmara dos Deputados. Enquanto bandeira política, foi parar nas mãos do bolsonarismo. Seu nome e teor­ de momento não lembram em nada a proposta presidencial. O líder do PT, ­Lindbergh Farias, citou nas redes sociais a acusação de furto com abuso de confiança. E culpou Guilherme Derrite, o deputado PM que é secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo. Derrite encaixa-se melhor no papel de receptador. O verdadeiro culpado, aquele que afanou a lei lulista e entregou ao receptador, é outro, o presidente da Câmara, Hugo Motta.

A segurança pública e a política, por Marcus Pestana

Todos nós ficamos perplexos e alarmados com os acontecimentos ocorridos semanas atrás no Rio de Janeiro. A megaoperação nos Morros do Alemão e no Complexo da Penha foi a mais letal até hoje, com 117 mortos e 2.500 policiais mobilizados. O nível de sofisticação das facções criminosas ficou demonstrado com drones despejando granadas; fuzis, metralhadoras e pistolas de última geração; um moderno sistema de vigilância eletrônica do território dominado, como um Estado paralelo instalado (inclusive “poder judiciário e penal” próprio para a comunidade dominada); e uma capacidade inequívoca de retaliação evidenciada no caos gerado, logo após, em artérias principais da capital fluminense. Foi revelado também que a região funciona como QG nacional do Comando Vermelho, e ponto de acolhimento de membros refugiados da organização vindos de diversos estados brasileiros.

Conquistar, perder e recuperar territórios, por Marco Aurélio Nogueira

Revista Será?

O controle sobre o território é a base do Estado moderno e da soberania nacional. Ao controlar um território, as nações controlam também as populações que nele habitam. Como garantia, organizam sistemáticos serviços de vigilância das fronteiras territoriais e de repressão aos rebeldes.

Nas melhores situações, tomam providências para prestar serviços essenciais (educação, saúde, cultura) e investir em melhorias na infraestrutura, com o que incentivam o desejo de pertencimento e a lealdade dos habitantes. Materializam, assim, a ideia de que quem manda em um território é quem o controla.

Os Estados valeram-se de vários argumentos para postular a posse de um território. A ancestralidade, a identidade étnica, a religião, a presença de uma população homogênea, o interesse econômico, a geopolítica. Mas foi sobretudo por meio de guerras, de conquistas violentas e disputas diplomáticas que limites territoriais se estabeleceram.

Poesia | Na véspera de não partir nunca, de Fernando Pessoa

 

Música | Jair Rodrigues - Disparada

 

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PF faz bem em apertar cerco por fraude no INSS

Por O Globo

Operação prendeu ex-presidente do instituto, acusado de atuar em favor de confederação sindical

A Polícia Federal (PF) apertou o cerco contra os suspeitos da fraude bilionária que lesou aposentados e pensionistas por meio de descontos indevidos. Prendeu nesta quinta-feira o ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto, demitido após o escândalo vir à tona. Ele é acusado de ter atuado para liberar descontos a favor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura depois de parecer contrário da procuradoria do INSS e de receber propina de uma das entidades investigadas (a defesa dele considerou a prisão “completamente ilegal” e alegou que Stefanutto tem colaborado com as apurações).

A operação da PF, em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), cumpriu dez mandados de prisão e 63 de busca e apreensão em 14 estados e no Distrito Federal. Entre os alvos estavam José Carlos Oliveira, ministro do Trabalho e Previdência no governo Bolsonaro (ele terá de usar tornozeleira eletrônica), o deputado federal Euclydes Pettersen (Republicanos-MG) e o deputado estadual do Maranhão Edson Araújo (PSB). São investigados os crimes de inserção de dados falsos em sistemas oficiais, constituição de organização criminosa, estelionato previdenciário, corrupção ativa e passiva, além de atos de ocultação e dilapidação patrimonial. As medidas foram autorizadas pelo ministro André Mendonça, relator do caso no Supremo.

O protagonismo ambiental dos invisíveis, por José de Souza Martins

Valor Econômico

Pequenas iniciativas mostram uma insurreição e o germe de um imenso movimento social em favor do planeta e do que ele representa para a condição humana

“Seu” Joãozinho, um antigo morador de favela que existia à margem de um córrego, hoje ladeado pela avenida Escola Politécnica de São Paulo, nos fundos da Cidade Universitária, viu ali um terrenão que poderia ser aproveitado para o bem comum.

Nas margens plantou árvores, especialmente árvores frutíferas que alimentassem os pássaros que buscassem refúgio na cidade, expulsos das matas devastadas do entorno. “Seu” Joãozinho se aposentou e retornou à sua localidade do interior. Deixou o pomar que civiliza a avenida.