sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Fim do ciclo, por Pablo Ortellado

O Globo

Está na hora de encerrar os inquéritos contra as mobilizações antidemocráticas e de conferir transparência ao processo

Com a condenação de Jair Bolsonaro e dos generais conspiradores transitada em julgado, encerramos o ciclo de resposta institucional ao golpismo dos anos de 2022 e 2023. De lá até agora, o Supremo Tribunal Federal (STF) assumiu poderes extraordinários que esperamos ter sido excepcionais e transitórios. Está na hora de encerrar os inquéritos contra as mobilizações antidemocráticas e de conferir transparência ao processo, para que a sociedade possa avaliar o que foi feito.

Cruzadinha no xadrez, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Jair Renan deixou Balneário Camboriú para visitar o pai na cadeia em Brasília. “Tentei levantar o ânimo do meu velho”, declarou, ao sair da Polícia Federal. O Zero Quatro disse ter levado “alguns livros” para o capitão. A frase despertou a curiosidade dos repórteres, que quiseram saber os títulos escolhidos. “Trouxe um caça-palavras para ele”, informou o vereador.

O chefe do clã nunca foi conhecido pelo hábito da leitura. Apesar disso, sempre teve opiniões fortes sobre a cena editorial. No Planalto, tentou interferir no formato dos livros didáticos. “Os livros hoje em dia, como regra, é (sic) um montão, um amontoado de muita coisa escrita. Tem que suavizar aquilo”, ordenou, em janeiro de 2020.

Hugo Motta foi estrela de jantar oferecido pela Refit em Nova York, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Presidente da Câmara é criticado por não pautar projeto contra devedores contumazes

O presidente da Câmara, Hugo Motta, foi a estrela de um jantar oferecido em Nova York pela Refit, alvo da megaoperação da Receita Federal contra fraudes fiscais.

O jantar ocorreu há seis meses, na noite de 12 de maio. Estava presente o dono da refinaria, Ricardo Magro, além de outros empresários e políticos brasileiros.

Na época, a Refit já era conhecida como a maior sonegadora de ICMS do país.

A irresponsabilidade fiscal do Congresso, por Bráulio Borges

Folha de S. Paulo

Não é só o Executivo federal que deve ser cobrado

Legislativo precisa apontar fontes de financiamento para as isenções

Estão em discussão no Congresso várias pautas-bomba fiscais, como a regulamentação da aposentadoria especial de agentes comunitários (aprovada no Senado nesta semana), aumentos dos limites de faturamento do Simples e MEI, ampliação dos critérios de elegibilidade para o BPC/Loas e criação de adicional de insalubridade para professores. Caso todas elas sejam aprovadas, o impacto sobre as contas públicas pode chegar a R$ 100 bilhões no acumulado de 2026 e 2027.

Ainda que algumas dessas medidas possam ser meritórias (várias certamente não o são), o problema é que o Congresso brasileiro quase nunca aponta a fonte de financiamento para essas novas medidas – algo que poderia ser feito por meio de aumento da carga tributária, por uma redução de outras despesas e renúncias fiscais ou por uma combinação delas. Esse tipo de postura do Congresso é uma afronta à responsabilidade fiscal, em particular ao artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Centrão vai mesmo barrar Messias? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Grupo parlamentar costuma criar problemas para o governo e depois vender soluções

Apesar de desserviços prestados ao país, bloco funciona como anteparo a forças antissistema

Senadores do chamado centrão vão mesmo vetar o ingresso de Jorge Messias no STF? É difícil dizer. A estratégia básica do grupo é criar dificuldades para extrair facilidades. Se o governo Lula der a Davi Alcolumbre compensações que o parlamentar considere justas, é perfeitamente possível que ele se torne, da noite para o dia, o melhor amigo de Messias.

Ocorre que, de tempos em tempos, o centrão promove um reajuste geral da tabela de preços. Desfere um golpe mais duro contra a administração para indicar que o apoio passou a custar mais caro. É numa dessas que o indicado de Lula para o tribunal pode ter seu nome vetado.

Lula enfrenta parada indigesta, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Na democracia, presidente algum se sustenta em estado de contraposição acentuada ao Parlamento

Lula tem muito a perder se não assumir a tarefa de reequilibrar o jogo de forças com o Congresso

Convites de presidente de República habitualmente não se recusam, ainda mais quando dirigidos a autoridades que estão na mesma cidade e sem afazeres que as impeçam de comparecer. A não ser que as ausências contenham significado e recado explícitos de contrariedade.

Foi assim interpretada a decisão dos presidentes da Câmara e do Senado de faltar à cerimônia de assinatura da lei de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000.

O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União-AP) atiraram em várias direções: conseguiram que as ausências tivessem mais destaque que o projeto e mostraram que o desacerto vai além de atritos com líderes petistas —alcança o presidente Lula (PT).

Radiografia do 'falso 9', por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

'Falso 9' é o 9 que não entra na área, não leva bico no tornozelo e raramente faz gol

Tostão, em 1970, foi o protótipo do 'falso 9'. Mas nunca mais houve um Tostão. Só falsos 'falsos 9'

Rara a semana em que não escuto um comentarista de futebol se referir ao "falso 9". Está aí um número que não consta nas costas das camisas dos jogadores: "Falso 9". Nelas, lê-se apenas 9, e cada time tem um. O 9 é o centroavante, um sujeito grande, forte, pesado, e tem de ser assim. Pela sua posição —jogando de costas para o gol, prendendo os zagueiros na área e fazendo o pivô para os companheiros que vêm de frente—, o 9 é talvez o jogador mais sacrificado do time. Passa o jogo levando bicos no tornozelo, pisões no calcanhar, trompaços na bunda e sussurros ao ouvido, tudo aparentemente inócuo, mas cujo somatório vai doer e muito, no vestiário, depois do jogo.

Dos livros e da literatura, por Ivan Alves Filho*

Escrevi uma vez que a Literatura vai além da própria Literatura, incorporando todas as esferas da vida. No Brasil, o melhor da nossa Literatura pode até não ter um conteúdo panfletário – e eu penso que não tem –, mas é uma cultura de resistência, no sentido de mergulho na nossa identidade e nos impasses promovidos pelas nossas mazelas sociais. Isto é, ela pode ser apreendida a partir de sua dimensão social, estética, ou, ainda do seu caráter experimental e de seus aspectos regionais. E pode ser até a soma disso tudo, enquanto expressão profunda de cada um de nós. Eu vejo a Literatura quase como um complemento da Biologia: ela é uma história de vida. Há algum tempo conheci a palavra guarani tekoporã, que significa algo como “viver com beleza” (de tekó, modo próprio de ser ou cultura, e porã, beleza, o bem). 

Literatura é isso: uma vida em coletividade, com beleza. Daí a sua grandeza e importância em nossas existências. A Literatura busca a verdade, mas de uma maneira própria: pelo belo. Essa é a sua forma de integração ao mundo e de interpretá-lo. O belo como o elo com o mundo. A realidade sintetizada em palavras.

Poesia | Eu, de Clarice Lispector

 

Música | A Volta do Boêmio

 

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Opinião do dia – Karl Marx* (As circunstâncias}

“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada.”

*Karl Marx (1818-1883). “O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1852”, p.7. Os Pensadores, Marx, v. II. Editora Nova Cultura /Abril, 1988

 

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Prisão de militares golpistas é um momento histórico

Por O Globo

Processo correu com serenidade e dentro da lei, revelando maturidade da democracia brasileira

É uma demonstração histórica da maturidade da democracia brasileira o desfecho do julgamento do núcleo central da trama golpista pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com a prisão inédita de militares de alta patente condenados por tentativa de golpe de Estado. Além do ex-presidente Jair Bolsonaro, preso preventivamente no sábado por suspeita de fuga ao tentar violar a tornozeleira eletrônica, foram encarcerados na terça-feira os generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, o almirante Almir Garnier e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. O general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, já estava preso preventivamente.

STM e ares democráticos, por Merval Pereira

O Globo

O corporativismo do STM não deve evitar que o ex-presidente Bolsonaro perca sua patente

A alegação do general Augusto Heleno de que foi diagnosticado com Alzheimer em 2018, com a intenção de escapar da prisão, só faz piorar sua situação. Foi irresponsabilidade aceitar ser ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) com uma doença grave. Por seu lado, a alucinação alegada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para tentar justificar o uso de um ferro de soldar para abrir a tornozeleira eletrônica é uma típica saída de advogado para eximir de culpa o cliente encrencado. Bolsonaro sempre teve atitudes disparatadas, como oferecer cloroquina às emas do Palácio da Alvorada ou ter crise de choro no meio da noite. Desta vez, disse suspeitar que houvesse escuta dentro da tornozeleira, boato espalhado por um seguidor seu nas redes sociais.

Bolsonaro fica afastado do jogo, por Julia Duailibi

O Globo

Ex-presidente é cada vez mais carta fora do baralho, pelo menos na eleição do ano que vem

Ninguém admitirá publicamente, mas a prisão de Bolsonaro foi um alívio para muitos aliados que torcem pelo derretimento de sua influência na disputa presidencial de 2026. Seu status de influencer está debilitado com as trapalhadas da família nos últimos meses, mas as novas barbeiragens desta semana devem acelerar o desgaste. Até os aliados mais fiéis ficaram desnorteados com a suposta alucinação envolvendo escuta na sua tornozeleira. Bolsonaro é, cada vez mais, carta fora do baralho, pelo menos na eleição do ano que vem. O Centrão, quietinho, comemora.

O comedimento do Supremo é um CDB do Master, por Malu Gaspar

O Globo

A prisão definitiva de Jair Bolsonaro e dos generais da trama golpista é prova da força da nossa democracia. Derrotou-se o golpismo há décadas latente na caserna, e pela primeira vez na História puniram-se os chefes de um complô por ruptura institucional. Está posto que, no Brasil, atentar contra o regime democrático pode sair muito caro. Mas o ciclo que se encerra com essas prisões também prova que a depuração democrática é uma tarefa que nunca termina. E não estará completa sem uma revisão profunda do papel do Judiciário.

Uma das ideias que passaram a ser repetidas nos últimos dias é que, findo o julgamento, está na hora de o Supremo voltar para seu quadrado, ser mais contido, exercer mais comedimento. Embutido no raciocínio está o reconhecimento de que o tribunal, Alexandre de Moraes em especial, foi além de suas atribuições em vários momentos — e tudo bem, porque foi por “boa causa”, mas agora chega.

A surpresa no final da COP30, por Míriam Leitão

O Globo

Em entrevista exclusiva, presidente da COP30, André Côrrea do Lago, explica que texto final faz referência ao consenso de Dubai, que propõe a transição para o fim dos fósseis

COP terminou melhor do que se interpretou inicialmente. Não houve, como se sabe, referência direta ao fim dos combustíveis fósseis. Mas na declaração final apareceu uma expressão que, na prática, aponta para isso. Em dois trechos, foi mencionado o consenso de Dubai, que nada mais é que a proposta da transição para longe dos combustíveis fósseis. Este destaque foi feito pela jornalista britânica Fiona Harvey, na The Guardian. Entrevistei ontem o embaixador André Corrêa do Lago na GloboNews e perguntei se essa era uma interpretação correta. “Ela tem toda razão. Foi um elemento essencial colocar essa referência. Foi muito importante”.

O embaixador prometeu trabalhar para que haja um “mapa do caminho para a transição para longe dos combustíveis fósseis” nos próximos 11 meses, período em que ele ocupará a presidência da COP. Quis saber se a referência ao acordo de Dubai no texto final aumenta a força dessa negociação.

A batalha por 41 votos, de Moraes a Messias, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Governo escolhe as armas de Alcolumbre para enfrentar a votação de Messias sem garantia de sucesso

Depois de assistir o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), aprovar uma aposentadoria especial dos agentes de saúde com impacto de muitos bilhões sobre os caixas da Federação e pautar a derrubada dos vetos presidenciais à Lei de Licenciamento Ambiental, o “PL da devastação”, o Palácio do Planalto retrucou.

O nome do ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, foi enviado para a publicação no Diário Oficial da União em 20 de novembro. Com base nisso, Alcolumbre, cinco dias depois, marcou a sabatina para 10 de dezembro, prazo impraticável para o tradicional beija-mão nos 81 gabinetes.

Descobriu-se, então, que não havia sido enviada a mensagem presidencial com a indicação. O presidente do Senado já avisou que vai imprimir o DOU para que a Comissão de Constituição e Justiça proceda a sabatina, mas o governo se vale do regimento do Senado que prevê a apreciação de autoridades mediante o recebimento da mensagem.

A fábula darwinista, a crise com o Congresso e os riscos que Lula corre, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O semipresidencialismo informal, no qual o Executivo é empurrado para a irrelevância operacional, tenta transformar o presidente da República em rainha da Inglaterra

Richard Dawkins, em O Gene Egoísta (Companhia das Letras) — ao qual recorri ao falar sobre a “sombra de futuro” dos presidenciáveis no domingo passado —, apresenta uma metáfora poderosa para entender a dinâmica da cooperação política: a fábula dos pássaros infestados por um parasita perigoso. Sozinhos, eles conseguem limpar parte de suas penas, mas há regiões inacessíveis ao próprio bico, de modo que a sobrevivência da espécie depende de um pacto tácito de cooperação: um pássaro dedica tempo a remover o piolho do outro, esperando ser ajudado depois.

No entanto, em toda comunidade, sempre existe a tentação de trapacear: receber o favor sem retribuir. A comunidade prospera quando a reciprocidade funciona; entra em colapso quando o número de trapaceiros supera o de cooperadores. Esse dilema, que Dawkins utiliza para explicar a evolução do comportamento social, aplica-se com precisão ao funcionamento do sistema político brasileiro, em que coalizões, lideranças partidárias e o Executivo operam segundo um delicado equilíbrio entre benefício mútuo e oportunismo. Na fábula darwinista, o sistema só funciona quando existe um terceiro grupo de pássaros, que promove uma cooperação seletiva: não catam piolhos dos trapaceiros.

A volta ao normal, por William Waack

O Estado de S. Paulo

Há uma lição que setores relevantes das Forças Armadas acham que o STF poderia aprender com elas. É a volta à normalidade. Entende-se por normalidade o afastamento dos militares da política, começando pela campanha eleitoral do ano que vem. A concentração em sua missão específica, que é defesa e segurança do País. E a desvinculação com grupos ideológicos de qualquer tipo.

Na ativa, a prisão dos generais foi debatida e digerida muito antes do início das penas. E entendida como fato inevitável, embora os argumentos que levaram à condenação desses altos oficiais tenham sido “de natureza política”, comenta-se nos círculos de comando do Exército.

Nos escalões superiores Bolsonaro é visto como um agente de desagregação e destruição da imagem da força. Hoje, a influência do nome entre os oficiais de maior graduação é tida como mínima. E internamente o preço principal pela violação das cadeias de comando e hierarquia militares está sendo pago por integrantes de tropas especiais, alguns deles preteridos em promoções.

A feitiçaria digital nas eleições do ano que vem, por Eugênio Bucci

O Estado de S. Paulo

A feitiçaria digital terá um peso gigantesco e, sem regramentos, poderá conturbar todo o processo

As especulações sobre a corrida eleitoral de 2026 já comparecem aos jornais. São as interrogações de sempre (só mudam os personagens). Quem será o candidato da direita? A família Bolsonaro vai apoiar ou vai investir no racha? Do lado do governo, qual é a extensão dos acordos partidários em prol da reeleição de Lula? Essa aliança terá forças de centro ou vai se restringir ao campo da esquerda?

Por certo, essas perguntas importam e devem ser consideradas. Contudo, o fator que tem maior potencial de impacto não vem merecendo a atenção devida: a tecnologia das plataformas sociais. Como as ferramentas digitais atuarão? E a inteligência artificial (IA)? Teremos boas normas para regular a batalha nas redes? Teremos fiscalização eficiente ou o jogo sujo vai grassar? Ainda não há respostas, é claro, mas uma certeza já podemos assumir: a feitiçaria digital terá um peso gigantesco e, sem regramentos, poderá conturbar todo o processo. Poderá mesmo viciá-lo de modo irreversível.

Estado demais, Estado de menos, por José Serra

O Estado de S. Paulo

O Brasil não precisa de um Estado produtor ou controlador. Precisa de um Estado que funcione como regulador competente

O recrudescimento de posições extremistas da direita mundial e brasileira tem produzido uma nova onda de demonização da presença do Estado na economia. O clima de radicalização que, infelizmente, suprime o debate sobre o futuro do País tem produzido uma esquerda que acredita demais na capacidade de o Estado, sozinho, promover desenvolvimento e justiça social.

É verdade que o Brasil viveu duas realidades bem distintas, em sua história, com respeito ao papel do Estado no desenvolvimento. Sua presença ativa foi decisiva para o desenvolvimento industrial, para a garantia dos insumos de uso generalizado e para a organização de um tecido social com um espectro abrangente de rendas e qualificações para o trabalho.

O Estado atuou como agente fomentador, empresário e árbitro das relações econômicas, promovendo setores estratégicos e canalizando recursos para atividades prioritárias. Esse protagonismo foi especialmente relevante devido à industrialização tardia do País, à ausência de instituições maduras e à dependência de capitais estrangeiros.

O plano trabalhista de Lula 2026, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Presidente fala de automação, jornada menor e de imposto zero sobre participação em lucros

Boulos chega ao ministério tratando de tarifa zero, de escala 6x1 e isenção para pequenos empregadores

Os presidentes da Câmara e do Senado fizeram questão de faltar ao comício em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei de isenção do Imposto de Renda, grande mote na campanha de 2026. Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) querem dar uma fritada no governo, por motivos diversos, em geral ruins.

Essa querela foi a notícia da política politiqueira. Para o universo das pessoas reais, importante foi Lula tratar nesta quarta, 26, de jornada de trabalho, de desemprego causado pela automação e de isenção total de imposto sobre pagamentos de participação de lucros e resultados (PLR). Teve jeito de anúncio de diretrizes do programa Lula 26.

Um sistema de justiça que só pensa naquilo, por Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

Supersalários são manifestação gritante de corrupção institucional

Gastamos pelo menos R$ 20 bilhões em remuneração ilegal no último ano

Um magistocrata de estirpe não pensa em crescer como pessoa. Pensa em crescer como pessoa remunerada, abusadamente remunerada. Pertence ao gênero dos que vieram ao mundo a negócios, e de uma espécie particular: explora a função de operador da justiça para se locupletar à margem da lei. Está num lugar mais seguro para torcer a legalidade em benefício próprio.

O extrativismo magistocrático é praticado por grileiros do orçamento público, os maiores grileiros do Estado brasileiro. A predação de recursos pela cúpula do serviço público fabrica instituições corruptas. Não é o preço inevitável do estado de direito, é o preço de um estado de direito sequestrado por uma minúscula fração de agentes do Estado.

Jair, o presidiário, por Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

Não há pacificação sem justiça e não há justiça sem direitos humanos

Imagino que Bolsonaro não seja mais a favor do adágio "bandido bom é bandido morto", agora que o bandido condenado é ele mesmo. A redescoberta recente de normas de direitos humanos pelo grupo bolsonarista é, portanto, seletiva; não expressa de forma alguma adesão irrestrita à proteção da dignidade humana para todas as pessoas, inclusive golpistas. Jair, o presidiário, tem os mesmos direitos que historicamente seu campo político desprezou com afinco. E isso Jair deve agradecer ao tal povo dos direitos humanos.

No que chamaram de visita técnica ao Complexo Penitenciário da Papuda, parlamentares bolsonaristas, entre eles a senadora Damares Alves, listaram uma série de preocupações com as condições do local.

Bolsonaro marcou palpites triplos e errou todos, por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Apostou na impunidade, na imortalidade e na invencibilidade, e se deu mal

Via-se como onipresente, onisciente e onipotente, mas não combinou com a vida real

Lembra-se da frase de Bolsonaro na Presidência? "Só saio daqui preso, morto ou vitorioso." E completou, com ponto de exclamação: "Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso!". Pois, desapontando os canalhas a quem prometeu sua eternidade no Planalto, Bolsonaro está preso, vivo e derrotado. Marcou palpite triplo e conseguiu errar os três. Para quem se julgava senhor de um latifúndio de 8.509.379 quilômetros quadrados, terá de se contentar agora com um três por quatro —12 metros quadrados— e ainda lamber os beiços.

A direita depois de Bolsonaro, por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Os candidatos a substituir o golpista estão muito distantes da moderação

Dificilmente voltaremos, a curto prazo, aos tempos em que o centro conduzia a direita

Ele acabou de vez? O patético episódio da tornozeleira mutilada parece ter precipitado o ocaso da liderança do "mito" —como se derretiam em chamá-lo os seus seguidores—, recém-condenado à prisão por tentativa de golpe.

Enquadrado pelas instituições democráticas, o ex-capitão se expôs agora ao ridículo. Tanto faz se a causa foi um surto psicótico; ou rematada estupidez política, como sugere João Pereira Coutinho em sua imperdível coluna publicada nesta semana; ou ainda por irremediável falta de dignidade e compostura.

O fim da democracia liberal dos Estados Unidos, por Cláudio Carraly*

A democracia americana, por mais de dois séculos, apesar de profundas falhas, serviu como farol de aspirações democráticas globais, porém atravessa hoje uma crise existencial que ameaça sua própria natureza. O que testemunhamos não é um colapso súbito, mas uma erosão sistemática e deliberada das instituições que sustentaram o experimento democrático mais antigo do mundo moderno. Esta transformação segue padrões reconhecíveis de deriva autoritária, ecoando experiências contemporâneas desde a Hungria de Orbán até El Salvador de Bukele, passando pela Polônia de Kaczynski e os primeiros anos do Brasil de Jair Bolsonaro.

Arquitetura da Autocracia: Quando a Democracia se Devora

O processo em curso nos Estados Unidos replica um roteiro familiar aos estudiosos do autoritarismo competitivo, teorizado por Steven Levitsky e Lucan Way. Diferentemente dos golpes dramáticos do século XX, essa transformação utiliza as próprias instituições democráticas para desmontá-las por dentro. Viktor Orbán, na Hungria, forneceu o modelo mais refinado: manter as aparências eleitorais enquanto esvazia sistematicamente o conteúdo democrático das instituições por meio do que Bálint Magyar denomina "captura de Estado mafioso".

Poesia | Amar, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Maria Rita - Ai que saudade do meu amor

 

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Opinião do dia – Karl Marx* (Eleições)

“Não se considera a eleição filosoficamente, quer dizer, em sua essência peculiar, quando ela é compreendida imediatamente em relação ao poder soberano ou ao poder governamental. A eleição é a relação real da sociedade civil real com a sociedade civil do poder legislativo, com o elemento representativo. Ou seja, a eleição é a relação imediata, direta, não meramente representativa, mas real, da sociedade civil com o Estado político.

É evidente, por isso, que a eleição constitui o interesse político fundamental da sociedade civil real. É somente na eleição ilimitada, tanto ativa quanto passiva, que a sociedade civil se eleva realmente à abstração de si mesma, à existência política como sua verdadeira existência universal, essencial. Mas o acabamento dessa abstração é imediatamente a superação da abstração.

Quando a sociedade civil pôs sua existência política realmente como sua verdadeira  existência, pôs concomitantemente como inessencial sua existência social, em sua diferença com a sua existência política, e com uma das partes separadas cai a outra, o seu contrário. A reforma eleitoral é, portanto, no interior do Estado político abstrato, a exigência de sua dissolução, mas igualmente da dissolução da sociedade civil.

Encontraremos, mais tarde, a questão da reforma eleitoral sob uma outra forma, isto é, o aspecto dos interesses. Do mesmo modo, discutiremos os outros conflitos, que derivam da dupla determinação do poder legislativo (de ser, de um lado, deputado, mandatário da sociedade civil e, do outro, simplesmente sua existência política, e uma peculiar existência dentro do formalismo político do Estado). “

*Karl Marx (1818-1883), ‘Critica da filosofia do direito de Hegel’, p.135. Boitempo Editorial, São Paulo, 2005.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Placas tectônicas sob o conflito entre governo e Congresso

Por Folha de S. Paulo

Orçamento, inclinação do centrão por Tarcísio, impopularidade de Lula e coalizão frágil permeiam choques

Mesmo desgastado, Lula pode ser reeleito e precisar do Congresso para reformas difíceis e imprescindíveis que estão sendo adiadas

Atritos e tensões entre Palácio do Planalto e Congresso Nacional são comuns no presidencialismo brasileiro, dadas as dificuldades em gerir coalizões num sistema político fragmentado em mais de duas dezenas de partidos de escasso conteúdo programático. Entretanto há motivos para crer que hoje esteja em curso algo além das velhas barganhas por cargos e verbas.

Já seria digno de nota o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estar em conflito, simultaneamente e por motivos diferentes, com os presidentes da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB), e do SenadoDavi Alcolumbre (União Brasil-AP).

No primeiro caso, os petistas se enfureceram com a decisão de Motta de entregar a relatoria do projeto governista de combate a facções criminosas ao opositor Guilherme Derrite (PP), até então secretário da Segurança Pública na gestão paulista de Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial candidato pela direita à sucessão de Lula.

Sem espaço para viradas de mesa, por Vera Magalhães

O Globo

Brasil segue o caminho da normalidade institucional, superando cada uma das tentativas fracassadas de golpe

A família Bolsonaro reduziu dramaticamente o espaço para conseguir aquilo que vem tentando fazer pelo menos desde 2022: virar a mesa. Não foi possível evitar uma derrota eleitoral, não deu certo o plano para sustar a transmissão do poder, e também não há sinais de que se vá conseguir impedir o cumprimento da condenação do mentor de tudo isso, Jair Bolsonaro, e dos que colaboraram com ele.

O Brasil segue o caminho da normalidade institucional, superando cada uma dessas tentativas fracassadas de golpe. Depois do trânsito em julgado da condenação de Bolsonaro e dos demais integrantes do núcleo crucial da trama golpista, não houve a comoção social com que contava a ala mais radical do bolsonarismo. Pelo contrário: o que se viu foi uma execução rápida e sem espetáculo das ordens de prisão daqueles que não fugiram como Alexandre Ramagem, ou não deram indícios de que pretendiam fugir como Bolsonaro.

A direita dispensa Bolsonaro, por Elio Gaspari

O Globo

O ex-presidente virou um encosto

A direita não precisa mais de Bolsonaro. Ela lhe deve o mérito de tê-la tirado do armário, mas seus surtos transformaram-no num encosto. O patrono da cloroquina, que dizia ter “o meu Exército”, tornou-se um mau espírito encostado no velho conservadorismo nacional.

Afinal, uma direita que teve Roberto Campos, Eugênio Gudin e Castelo Branco terá perdido muito em qualidade, mas com Bolsonaro ganhou em quantidade, elegendo um presidente e grandes bancadas parlamentares. Quem tem Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado governando São Paulo e Goiás produziu quadros qualificados para novos voos. Esse é o caminho da lógica, mas a direita brasileira padece de um oportunismo suicida.

Heleno no xadrez, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Soma de destempero e desinteligência complicaram ex-ministro no julgamento do golpe

O Supremo mandou para o xadrez mais três militares de alta patente que traíram a farda e a Constituição. A estrela da companhia é o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional. Nos tempos de glória, Jair Bolsonaro o chamava de “nosso decano”.

Heleno tem currículo. Em 1977, era ajudante de ordens do ministro do Exército que tentou dar um golpe dentro do golpe para impedir a redemocratização. Sylvio Frota foi demitido, mas seu auxiliar continuou a subir na carreira. Chefiou tropas no Haiti e na Amazônia. Só não comandou a força terrestre porque quebrou a hierarquia ao atacar o governo pela demarcação de terras indígenas.

27 dias para obter trégua e votar o que falta, por Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Momento não poderia ser pior para a deterioração da relação do governo com o Congresso

Em termos de climão, a cerimônia de sanção da lei que eleva para R$ 5 mil o limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), marcada para esta quarta-feira (26), promete. Até a tarde da véspera, era incerto se o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), compareceriam.

“Boa pergunta”, reagiu um membro do governo quando questionado se os dois iriam à cerimônia. Com ou sem eles, acrescentou, haverá celebração.

É um cenário muito diferente de quando o projeto foi apresentado, em março. Naquela ocasião, Motta posou ao lado de Lula segurando o projeto. Alcolumbre foi representado pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), pois na mesma hora conduzia uma votação importante. Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, iniciaram seus discursos ressaltando a presença de líderes do Congresso e falaram em aperfeiçoamentos ao texto. A proposta foi empacotada como uma parceria entre Executivo e Legislativo.

Prisão sem povo prejudica legado, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

No dia em que Bolsonaro começou a cumprir sua pena, havia mais jornalistas que apoiadores em frente à PF

Prejudicado, pela tentativa de fuga e pelo livre acesso de médicos à sua cela, o paralelo com o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que obteve prisão domiciliar, restou aquele da detenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caso que desfavorece as demandas da família e da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A começar pela interposição de embargos infringentes ou pela chance de uma revisão criminal, principal aposta da defesa. Os embargos já foram descartados pelo ministro Alexandre de Moraes com base numa decisão do ministro Edson Fachin, de 2018, referendada em plenário, que exige dois votos pela absolvição para a aceitação do instrumento. A da condenação de Bolsonaro só teve o do ministro Luiz Fux. Já a revisão está prevista no Código de Processo Penal quando surgem novas provas ou evidencia-se a falsidade dos autos. Nenhuma das condições foi preenchida até o momento.

A esquerda necessária e esgotada, por Cristovam Buarque

Correio Braziliense

Apesar de ser mais necessária do que nunca, a esquerda está perdendo por ter se tornado obsoleta ao não apresentar propostas para o futuro: em tempos digitais, manteve-se analógica

Nunca a política necessitou tanto de propostas progressistas para enfrentar os problemas de cada país e da humanidade inteira — limites ao crescimento, mudanças climáticas, desemprego estrutural, concentração de renda, manipulação de informações, poder transnacional das big techs, inteligência artificial, crime organizado, migração em massa. Apesar disso, as forças de esquerda, que deveriam ser portadoras de utopias para o futuro, estão sendo preteridas em eleições. A direita, que só chegava ao poder por meio de golpes militares, é eleita democraticamente. Apesar de necessária, a esquerda perde porque se esgotou ao não compreender o tamanho das crises e não oferecer soluções novas para os dilemas contemporâneos, em sintonia com a vontade dos eleitores.

Bolsonaro e generais presos em regime fechado são novo paradigma, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A execução das penas ultrapassa o alcance jurídico das sentenças: é um antídoto contra a cultura de golpismo e impunidade que marcou a história republicana

A execução das penas impostas pelo Supremo Tribunal Federal ao ex-presidente Jair Bolsonaro, a três generais de Exército, a um almirante de esquadra, a um delegado da Polícia Federal e a um deputado federal foragido representa um momento de ruptura na história política brasileira. Pela primeira vez, a democracia impõe consequências reais a altas autoridades civis e militares poderosas que tentaram subverter a ordem constitucional.

Ao decretar o trânsito em julgado dos acusados de tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 e iniciar imediatamente o cumprimento das penas, o ministro Alexandre de Moraes, rompe o padrão de leniência com o golpismo de nossa história republicana. Consolida-se o entendimento de que Estado brasileiro não tolera aventuras golpistas como parte do jogo político. A prisão de generais de quatro estrelas e de um ex-presidente, algo antes inimaginável, estabelece precedente que protege o futuro democrático do país.