terça-feira, 14 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Persistem dúvidas sobre plano de Trump para Gaza

Por O Globo

Libertação de reféns e cessar-fogo devem ser celebrados, mas futuro da paz está cercado de obstáculos

No seu discurso em Israel logo depois da libertação dos últimos 20 reféns vivos em poder do grupo terrorista Hamas, Donald Trump descreveu o momento atual como “a aurora histórica de um novo Oriente Médio”. “As forças do caos, terror e ruína que amaldiçoam a região há décadas restam agora enfraquecidas, isoladas e totalmente derrotadas”, afirmou diante do Knesset, o Parlamento israelense. “Daqui a gerações, este será lembrado como o momento em que tudo começou a mudar — e a mudar muito para melhor.” As palavras de Trump traduzem o otimismo que tomou conta da região e do mundo depois que Israel e Hamas aceitaram os termos de seu plano de pacificação. É preciso sem dúvida celebrar a libertação dos reféns, o fim da devastação e do morticínio em Gaza e a perspectiva de um acordo duradouro. Mas os obstáculos adiante não serão fáceis de superar.

Diga-me com quem andas, por Merval Pereira

O Globo

Não comentar a escolha de María Corina institucionalmente corresponde a apoiar Maduro Diga-me com quem andas

O silêncio oficial do governo brasileiro diante do Prêmio Nobel da Paz concedido à oposicionista venezuelana María Corina Machado é a expressão da dificuldade que tem em criticar governos de esquerda, mesmo ditaduras como a de Maduro. Essa situação foi criada pelo próprio governo.

Lula enviou para acompanhar as eleições venezuelanas o assessor especial Celso Amorim, que assistiu impávido às irregularidades ocorridas na campanha — quando María Corina foi impedida de se candidatar — e na apuração. Maduro garantiu a ele e a Lula que liberaria os boletins de urna para provar que vencera limpamente as eleições, e isso jamais aconteceu. O governo brasileiro não teve forças para admitir que as eleições foram fraudadas, como fizeram diversos governos democráticos ao redor do mundo, e esquivou-se de romper relações com a ditadura de Maduro.

Uma prisioneira política, por Fernando Gabeira

O Globo

A maneira como se processa, julga e determina a prisão é, na verdade, um palco onde os holofotes estão nos vencedores

Há pouco mais de dois meses, falei dela numa entrevista ao canal MyNews. Falei de modo geral: uma presa política em condições precárias, em Três Corações, Minas Gerais. Fui criticado por me interessar por alguém de direita. Houve quem dissesse que inventei o caso. Hoje, serei um pouco mais específico.

Ela se chama Alexandra Aparecida da Silva, tem 43 anos, é ré primária, bons antecedentes. Usava uma tornozeleira eletrônica em sua pequena cidade de Fama, às margens do Lago de Furnas. De repente, foi levada para a prisão, onde sofre muito. Tem um nódulo na mama, esperando biópsia, um cisto no punho e sangramento retal. Não se trata de anistia, muito menos de dosagem de pena. Ainda não foi julgada.

A Academia Real Sueca manda recado, por Pedro Doria

O Globo

Vencedores se dedicaram à inovação, à relação entre inovar e crescer

O Brasil deveria prestar atenção particular aos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, divulgados ontem. O trabalho de Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt fala, demais, a respeito dos muitos erros que há várias décadas cometemos. Mokyr, em particular, é bem interessante. Afinal, não é propriamente um teórico da economia. Faz algo similar, porém não igual: é um historiador da economia. Está menos preocupado em modelar para o futuro e mais em compreender por que o passado deu no presente. Os três se dedicaram à inovação, à relação entre inovar e crescer economicamente. Tentam entender a competitividade. Está, ali, a descrição do que fizeram os países que deram certo. Pista: não é o que temos feito há bastante tempo.

O breve alívio no mundo conflituoso, por Míriam Leitão

O Globo

As cenas do reencontro das famílias após o acordo no Oriente Médio geram alívio, mas o futuro da região segue indefinido

Os abraços entre israelenses que chegavam de volta de um doloroso e longo sequestro e a festa palestina ao receber milhares de prisioneiros libertados foram cenas que, por um tempo breve, mas bom, deram às pessoas ontem a sensação de alívio. Foi também impressionante ver reunidos por algumas horas líderes do Oriente Médio e da Europa a chamado do presidente Donald Trump, para celebrar o acordo de paz, mesmo que tenha sido na ausência das duas partes. Hamas não foi convidado, e Benjamin Netanyahu não compareceu. O acordo produziu ontem seus primeiros frutos. Haverá outros? O embaixador Rubens Ricupero definiu a situação como “instável, ainda precária, mas um resultado encorajador, para um dos problemas mais ameaçadores que tínhamos”.

Acordo tem troca de reféns por prisioneiros e futuro incerto, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O Hamas se recusa a depor suas armas antes do estabelecimento de um Estado palestino. Netanyahu não aceita nem a presença da Autoridade Palestina na Faixa de Gaza

O que presidente Donald Trump quereria dizer, no Parlamento israelense, ontem, ao afirmar que Benjamin Netanyahu foi o melhor presidente que Israel já teve para a guerra, enaltecendo sua atuação contra o Hamas e o Irã, mas sem falar que poderia sê-lo também para o futuro? Com certeza, não gostou de saber que seu colega não iria mais à “cúpula da paz em Gaza”, na cidade egípcia de Sharm El-Sheik, organizada no Egito, para assinatura do Acordo de Paz entre Israel e o Hamas, à qual havia se comprometido a comparecer..

A escolha é de Lula, mas o aval é de Alcolumbre, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Se pretende emplacar Messias, presidente terá que escolher logo para evitar que resistências se unam contra o AGU

Pelas intrigas que suscita, a indicação presidencial para ministros do Supremo Tribunal Federal é frequentemente associada à escolha de papas. Não há chaminés no Palácio do Planalto, mas sobram reputações a serem queimadas ao longo de processos com alianças inimagináveis e plantação de pretendentes que jamais passaram pela cabeça do presidente. São veiculados para que, num futuro certame, se diga que aquele nome, considerado tantas vezes, já não possa ser preterido.

As convergências param por aí. Nenhum conclave do século 20 chegou aos 58 dias que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou para a escolha do ministro Flávio Dino. Desde o início do século passado, a fumaça cinza não demorou mais do que cinco dias para aparecer no telhado da Capela Sistina.

Indústria tende a fazer mais gols contra, por Pedro Cafardo

Valor Econômico

Contrariar princípios liberais é socialmente vergonhoso, algo como negar a lei da gravidade ou defender o terraplanismo

Industriais brasileiros parecem inclinados a continuar atuando contra seus próprios interesses.

Vejamos a razão dessa frase inicial. Em maio do ano passado, um texto com o título “A indústria fez gols contra por três décadas” saiu neste espaço. Era o resumo de um trabalho acadêmico, depois transformado em livro, do pesquisador, economista e vice-presidente do Conselho Regional de Economia da São Paulo (Corecon-SP), Haroldo da Silva.

Há muitos trabalhos importantes sobre a desindustrialização brasileira, mas esse revelou uma compreensão sociológica do problema, além da econômica.

A pesquisa do professor Haroldo partiu de uma questão que o intrigava: por que o processo de desindustrialização no país foi tão intenso nos últimos 30 anos se nesse período houve uma atuação eficiente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) na área legislativa?

Lula no palanque, por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Presidente subiu no palanque e não vai descer mais

A um ano das eleições, o presidente Lula já subiu no palanque e não vai descer mais. Todos os seus movimentos, decisões, falas, viagens e anúncios são voltados para 2026 e, a cada um deles, ele vai colecionando boas fotos e ótimo material de campanha. Um bom exemplo é o encontro com o Papa Leão XIV, nesta segunda-feira, no Vaticano, mas o mais cobiçado ainda vem aí, com o presidente Donald Trump.

Lula terá de fazer rir, se quiser rir, por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Lula pôs o bloco na rua, a partir da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Já estão postos também os programas de gás e energia elétrica para todos; e lançadas as promessas de tarifa zero no transporte público e de fim da escala de trabalho 6x1. O discurso está armado; os sonhos, vendidos – e não importa que não haja dinheiros para custeá-los. Arranje-se. O governo disputará politicamente a abertura, a fabricação mesmo, de espaço fiscal para realizá-los. O Orçamento de mentira tem a vantagem de sempre poder abrigar mais bondades.

EUA e Argentina: dois pesos e duas medidas, por Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo

O estabelecimento de um canal direto Lula-Milei poderia ser um indicador importante da prioridade da América do Sul para a política externa brasileira

Profundas diferenças ideológicas separaram Lula de Trump desde a campanha eleitoral e a posse do presidente norte-americano. Ataques pessoais agravaram ainda mais a atitude de estranhamento e de falta de canais de comunicação do Palácio do Planalto com a Casa Branca.

Ignorando as ofensas e as divergências ideológicas, o presidente Trump, colocando os interesses econômicos e comerciais dos EUA em primeiro lugar, tomou a iniciativa de ligar para o presidente Lula. Esse gesto pragmático, colocando as medidas políticas e ideológicas contra o Brasil em segundo plano, abriu a possibilidade da retomada das negociações comerciais visando superar os impactos negativos para os dois países do tarifaço de julho passado. Por seu lado, o presidente Lula, deixando de lado as sanções políticas contra membros de seu governo e a diferença ideológica, colocou um ponto final na ausência de comunicação com o dignitário norte-americano.

Trump trouxe esperança para a guerra em Gaza, por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Tudo ainda pode dar errado, mas o que se conseguiu até agora já é uma vitória

Mesmo com um caminho para a paz, os extremismos de ambos os lados seguirão tentando sabotá-lo

Faço minhas as palavras do presidente Lula: o acordo Israel - Hamas é "um começo muito promissor." Tudo ainda pode dar errado. Mas o que se conseguiu na segunda (13) já é uma vitória. E uma vitória de Trump.

O maior motivo para esperança foi a soltura de todos os reféns vivos que ainda estavam sob o poder do Hamas. Com este ato, o Hamas mostrou uma disposição real de dar fim ao conflito, abrindo mão da sua última cartada. Isso já cria uma situação diferente da que vigorou depois do cessar-fogo fracassado de janeiro, em que a devolução dos reféns seria feita de forma gradual. A devolução integral e imediata muda o tabuleiro.

Perversões seminais, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Todo sistema carrega as sementes de sua própria distorção e STF não é exceção

É possível aprimorar modelo de escolha de ministros, para reduzir lealdade a quem os indicou

A crer nas colunas de bastidores, o candidato com maiores chances de ser indicado por Lula para o STF é Jorge Messias, não por acaso o mais próximo ao presidente.

Todo sistema carrega em si as sementes de sua perversão futura. O modelo de escolha de magistrados para o STF não é exceção. Ao menos no que diz respeito à independência dos juízes, o desenho já funcionou. O melhor exemplo disso é o julgamento do mensalão. Ali, a cúpula petista foi condenada, apesar de 8 dos 11 ministros terem sido indicados ou por Lula ou por Dilma Rousseff.

Ao perdedor, o descarte, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Trump não gosta de perdedores; Bolsonaro perdeu ação no STF e passou a integrar a categoria da ojeriza

O americano não teria nada a ganhar humilhando Lula, que só se beneficiou da aversão antes da 'química'

Entre os meses de julho —quando Donald Trump divulgou uma carta dias depois do anúncio do tarifaço, alegando que Jair Bolsonaro (PL) recebia um "terrível tratamento" das mãos de um Judiciário "injusto"— e setembro, quando anunciou na ONU a "boa química" com Luiz Inácio da Silva (PT), a novidade foi a condenação do ex-presidente por tentativa de golpe de Estado.

Como Trump gosta de apregoar, ele tem horror a perdedores. Pois no meio-tempo entre julho e setembro, Bolsonaro perdeu a ação no Supremo Tribunal Federal, a liberdade e passou a integrar a categoria pela qual o presidente americano nutre ojeriza.

No tempo em que Cartola vendia seus sambas a cantores do rádio, por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Livro do pesquisador Carlos Didier mapeia o surgimento do gênero no Rio

Mario de Andrade não apreciava a revolução dos jovens pretos de classe baixa

Expoente da alta sociedade carioca, o cantor Mario Reis tinha medo de subir o morro de Mangueira. Mas precisava falar com o pedreiro Cartola, queria lhe comprar um samba. Contratou um intermediário, o guarda municipal Clóvis, que se dizia primo do compositor.

"E eu vou vender música, rapaz? Música se vende? Esse sujeito tá maluco e você é outro", disse Cartola. Conversa vai, conversa vem, acabou cedendo: "Vou pedir 50 mil réis". "Pede 300 mil que ele dá", garantiu o falso parente. Por não se adaptar à voz de Mario Reis, "Que Infeliz Sorte" foi gravado em 1929 por Francisco Alves, outro exímio negociador de sucessos.

Poesia | Nicolás Guillén - Tengo (poema en su voz)

 

Música | ANACAONA , Homenaje a Celina

 

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

‘SUS da Educação’ é avanço, mas não corrige desequilíbrio

Por O Globo

Congresso elabora orçamento pensando no calendário eleitoral, não nas necessidades concretas

A aprovação pelo Congresso do Sistema Nacional de Educação (SNE), apelidado “SUS da Educação”, é um passo importante para o setor. Mas não resolve os dilemas orçamentários que infelizmente impedem uma implementação mais eficaz das políticas educacionais.

Voltada ao ensino básico, a nova lei cria a Infraestrutura Nacional de Dados da Educação, abrigada sob o MEC. Ela será uma base integrada de informações à disposição de estados e municípios. Também cria um prontuário unificado para todo estudante desde a pré-escola, o Identificador Nacional Único. Para facilitar o planejamento, haverá um indicador para determinar o mínimo a investir no ensino público básico. Com tudo isso, o gestor da área de educação ganhará novas ferramentas para enfrentar as dificuldades de financiamento do ensino.

Considerações sobre uma semana complicada, por Bruno Carazza

Valor Econômico

Decisões da Câmara dos Deputados não representam apenas derrotas do governo; elas revelam o quanto parlamentares não têm compromisso fiscal

A derrubada da MP 1303 expôs toda a fragilidade do governo em angariar apoio político para sua agenda fiscal, além da falta de compromisso do Congresso e sua vulnerabilidade aos lobbies e interesses econômicos.

Editada para compensar os R$ 20 bilhões anuais anulados por outra derrota de Lula e Haddad, o decreto do IOF, a malfadada MP mirava extrair recursos de diversas frentes, como aplicações financeiras isentas, apostas e instituições financeiras, além de apertar o cerco contra compensações tributárias. Foram tantas as resistências que o governo não conseguiu nem levá-la a votação.

A derrota do Executivo, aliás, ainda escancarou aquilo que todos já sabiam: as bets dominam também o Congresso Nacional. Na redação original da medida provisória, o governo elevava de 12% para 18% o quinhão que as empresas de apostas pagam de tributo. Durante as negociações, porém, a pressão das empresas do setor foi tão grande que o relator Carlos Zarattini (PT-SP) retirou esse dispositivo. Depois desse episódio, ao se referir às bancadas mais poderosas do parlamento, é preciso atualizar a sigla, com um “B” adicional: BBBB - bala, boi, Bíblia e bets.

Os custos do improviso na política fiscal, por Sergio Lamucci

Valor Econômico

Medidas estruturais necessárias para reduzir o crescimento dos gastos obrigatórios, o maior problema das contas públicas, ficarão para 2027

Mesmo num momento em que o déficit nominal, que inclui gastos com juros, está na casa de 8% do PIB e a dívida bruta se aproxima de 80% do PIB, a política fiscal é tocada na base do improviso. Medidas estruturais necessárias para reduzir o crescimento dos gastos obrigatórios, o maior problema das contas públicas, ficarão para 2027. Enquanto isso, o governo recorre a iniciativas de curto prazo para cumprir as metas do arcabouço fiscal deste ano e especialmente do próximo, um ano eleitoral em que o objetivo principal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é preservar o orçamento de corte de gastos.

A tempestade que podemos evitar, por Jarbas Barbosa*

Correio Braziliense

Uma grande tempestade se aproxima da América do Sul. Não traz ventos nem chuvas, mas, sim, doenças crônicas não transmissíveis e problemas de saúde mental

Uma grande tempestade se aproxima da América do Sul. Não traz ventos nem chuvas, mas, sim, doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e problemas de saúde mental que ameaçam nossa saúde, nossa economia e nosso futuro. Mas há esperança: se agirmos agora, podemos evitar essa crise.

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e a Universidade Harvard, essas condições podem custar à América do Sul US$ 7,3 trilhões entre 2020 e 2050, o equivalente a 4% do PIB regional — refletindo mortes prematuras, incapacidades e queda na produtividade.

A política de empurrar a culpa, por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

No presidencialismo, governar significa responder por resultados e não terceirizá-los

A recente decisão da Câmara dos Deputados de retirar de pauta a MP que aumentaria tributos para viabilizar o cumprimento da meta fiscal do governo provocou uma reação imediata do presidente Lula. “Não é uma derrota imposta ao governo, mas ao povo brasileiro”, afirmou o presidente, numa tentativa de deslocar a responsabilidade do Executivo para o Legislativo. A fala não é apenas retórica: ela se insere numa estratégia política clássica de evitar a culpa – blame avoidance.

Como demonstrou Kent Weaver no artigo seminal The Politics of Blame Avoidance, políticos são movidos mais pelo medo de serem responsabilizados por decisões impopulares do que pelo desejo de colher os créditos por medidas bem-sucedidas. Essa assimetria decorre do viés negativo dos eleitores: perdas percebidas doem mais do que ganhos equivalentes.

Mansão com vista para o lago, por Demétrio Magnoli

O Globo

O acordão precisa da anuência do STF, envolvido nas negociações desde o ponto de partida

À BBC Brasil, José Dirceu opinou que Jair Bolsonaro “não tem condições de ir para a prisão comum”. A voz mais relevante no PT, depois de Lula, acha “muito improvável que se possam colocar presos vulneráveis no sistema penitenciário controlado pelo crime organizado”, pois “as condições são péssimas”. É um recado ao público interno — e um largo passo no acordão que se costura.

“Justiça igual sob a lei” — o mandamento inscrito na fachada do edifício da Suprema Corte dos Estados Unidos é um pleonasmo, porque supõe-se que a justiça seja inerentemente igual. Anthony Kennedy, ex-juiz da Corte, ensinou a função do pleonasmo: enfatizar algo que geralmente se esquece. No Brasil, sem chance. Os manés vão para a Papuda, que “não tem condições” de receber os “homens bons”.

A favela é soberana, por Preto Zezé

O Globo

É o maior laboratório de inovação humana do Brasil — porque ali se inventa sobrevivendo, se empreende

Durante décadas, falar de favela foi sinônimo de ausência: de Estado, de direitos, de reconhecimento. Agora, as favelas começam a falar por si mesmas — e o que dizem é outra história. A da favela soberana, que não pede licença: ocupa, inova e decide. Que não quer ser “integrada”, mas reconhecida como sujeito político e produtivo da cidade.

Recentemente, participei de um debate no Morro Dona Marta, ao lado do presidente da Câmara Municipal carioca, Carlo Caiado, durante o evento Extra Favelas. Ali ficou claro um marco histórico: o Rio de Janeiro é o único município do Brasil cujo Plano Diretor dedica um capítulo inteiro às favelas. Essa conquista muda a lógica do planejamento urbano.

A popularidade de Lula e o Orçamento, por Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

O calendário eleitoral molda a política fiscal e o conflito orçamentário

Choques políticos e judiciais reconfiguram a barganha Executivo-Legislativo

Em seu livro "Six Crises", Richard Nixon narra seis situações pelas quais passou quando era vice-presidente de Dwight Eisenhower —algumas delas insólitas, como quando, durante uma visita à Venezuela em 1958, uma multidão enfurecida atacou sua limusine poucos meses após a queda da ditadura de Marcos Pérez Jiménez, apoiada pelos EUA. Mas o que nos interessa mesmo aqui é que no livro Nixon argumentou que a derrota dos republicanos em 1954, 1958 e 1960 devera-se ao mau desempenho da economia nos anos eleitorais. O notório conservador fiscal argumentava que para ganhar eleições é preciso expandir o gasto em ano eleitoral. Nisso Nixon e Lula estão de acordo.

O óbvio também precisa ser dito, por Ana Cristina Rosa

Folha de S. Paulo

A ausência de representatividade política resulta em retrocesso

Para a efetividade da soberania popular, é imprescindível a atenção à pluralidade das demandas de todos os segmentos sociais

Num país de miseráveis, o fato de o Congresso Nacional ter retirado da pauta de votação a Medida Provisória (MP) prevendo aumento de impostos para bilionários, bancos e bets diz muito sobre a importância da representatividade política.

Representatividade é uma espécie de poder que se atribui a alguém para que reconheça e defenda as necessidades de um determinado grupo. Politicamente falando, trata-se da delegação para expressar os interesses de um segmento social por meio de um porta-voz eleito democraticamente.

Tarcísio defende privatizar, vigiar e punir escolas, por Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Comunidade escolar de São Paulo tem tecnologia privada de um lado e spray de pimenta do outro

Governador promove modelo "tecno-autoritário", e professores e gestores vêm perdendo autonomia

Se ainda restam dúvidas sobre o autoritarismo de Tarcísio de Freitas, basta olhar a educação paulista. O modelo "tecno-autoritário" defendido pelo governador, baseado na ideia de privatizar, vigiar e punir, vem avançando a olhos vistos.

O governo investe em duas frentes principais: plataformas privadas de ensino e militarização de escolas. A empreitada vem sendo levada à cabo pelo empresário Renato Feder, atual Secretário de Educação de São Paulo, que defende uma gestão análoga à de empresas, e um cotidiano escolar análogo ao de quartéis.

Desencontros e despedidas, por Pablo Spinelli*

Frases viram clichês quando servem para explicar fenômenos e situações diversas com um grau de abuso que desloca as preocupações e contextos em que foram forjadas. Uma delas é do pensador e político Antonio Gramsci: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer; nesse interregno, surge uma grande variedade de sintomas mórbidos".(1)

Mencionamos essa frase dentro de um contexto nada feliz, mas ao mesmo tempo natural e pertencente à vida: a passagem de uma geração para outra. Pode ser que a atmosfera claustrofóbica e suspensa da pandemia tenha acentuado o tom de obituário — ou que o autor destas linhas, pela idade, perceba o vagão da frente se esvaziar de suas referências intelectuais, artísticas, políticas e desportivas; talvez ambas as coisas.

Poesia | Mapa, de Murilo Mendes

 

Música | Que salga el sol - Orquesta Femenina ANACAONA, de Cuba

 

domingo, 12 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais /Opiniões

Lula deve evitar populismo da tarifa zero

Por O Globo

Medida demonstra pouca eficácia, e responsabilidade por transporte urbano cabe a prefeitos e governadores

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometerá um enorme equívoco se embarcar no populismo da tarifa zero para o transporte público. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que, a pedido de Lula, a equipe econômica realiza uma “radiografia” do setor para avaliar o modelo. No dia seguinte, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, veio a público dizer que o governo federal não planeja implementá-lo “neste ou no próximo ano”. Mas, se não flertasse com a ideia, Lula não pediria estudos a respeito.

O governo federal não deveria se meter com tarifas de ônibus. Apesar do apelo eleitoreiro, a tarifa zero se mostra pouco viável na prática. Dos 5.570 municípios brasileiros, pouco mais de cem — em geral de pequeno e médio portes — a adotam em situações muito específicas. É o caso de Maricá, cidade de 212 mil habitantes na Região Metropolitana do Rio, campeã de arrecadação de royalties do petróleo no Brasil (R$ 2,7 bilhões em 2024). Em São Paulo, maior metrópole do país, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) até cogitou adotar tarifa zero nos ônibus municipais, mas o modelo ficou restrito a domingos e datas festivas. Em Belo Horizonte, a Câmara de Vereadores rejeitou na semana passada, por 30 votos a 10, um projeto que previa implantar gratuidade nos ônibus da cidade de 2,4 milhões de habitantes. Prevaleceu a sensatez.

Golpismo, conciliação, pacificação e eleições. Por Paulo Fábio Dantas Neto

O título deste artigo não vem a propósito de discutir se é cabível ou não conciliar com os chefes golpistas recentemente condenados. É óbvio que não é cabível. Mas estamos num tempo em que o “óbvio ululante” de Nelson Rodrigues precisa ser dito como aviso, para que não se negue “lugar de fala” a quem tem a intenção de ir além dele. Para justificar o título há duas outras questões, essas, sim, politicamente relevantes e controversas. Como baixou a temperatura e o telefone tocou, talvez seja hora mais propícia a refletir sobre essas questões.

A primeira delas é:  que tratamento político deve-se dispensar a cúmplices e seguidores engajados de Bolsonaro que cometeram crimes diversos em 8 de janeiro de 2023, já após o fracasso consumado da conspiração dos seus chefes? Aqui o óbvio ululante também precisa comparecer para fazer um segundo aviso: este colunista não tem a pretensão de fazer do seu teclado um martelo judicial e discutir a dosimetria das penas. Limita-se a assinalar a pertinência e importância política do tema da dosimetria, que uma retórica de justiçamento quer desqualificar.

Bastidores da resistência. Por Merval Pereira

O Globo

A defesa da democracia é uma tarefa cotidiana. Em tempos que correm, ou a defendemos de pé ou assistiremos, de joelhos, a sua erosão

A revista “Insight Inteligência” publica em seu próximo número, a sair na terça-feira, um depoimento do jurista Oscar Vilhena e do economista Arminio Fraga em que narram as articulações para a realização do ato de 11 de agosto de 2022 na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, no que o editor da Revista, o cientista político Christian Lynch, classifica de “o mais expressivo gesto da sociedade civil em defesa da democracia e contra o golpismo de Jair Bolsonaro”. Lynch uniu os dois em um depoimento fundamental, que mostra como diversos intelectuais, empresários e ativistas se reuniram para tentar frear o avanço antidemocrático do governo bolsonarista, que já dava indícios de que planejava um autogolpe.

Riscos e desafios na rota da COP30. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Boicote de Trump e atraso em entrega de metas ameaçam cúpula de Belém; Lula deve ser cobrado por nova aposta no petróleo

A um mês do início da COP30, autoridades brasileiras buscam argumentos para rebater o pessimismo que ronda a cúpula em Belém. A agenda climática está sob ataque de Donald Trump, que voltou a retirar os EUA do Acordo de Paris. Mas o problema seria menor se estivesse restrito ao boicote americano. Outros grandes poluidores, como União Europeia e Índia, resistem a apresentar metas para reduzir emissões e frear o aquecimento global.

Até aqui, apenas 62 países apresentaram suas metas voluntárias para reduzir as emissões, as chamadas NDCs. “Temos que reconhecer que estamos frustrados com os dois prazos de entrega que não foram cumpridos, inclusive por países-chave”, disse na sexta-feira o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago.

Sofrimento da guerra é indizível. Por Dorrit Harazim

O Globo

Em Gaza, e certamente nos túneis e esconderijos em que foram mantidos os reféns sequestrados, reina o abismo de um silêncio que grita

A história de países que travam guerras sempre foi generosa com combatentes considerados heroicos. Ao final da sangria, multiplicam-se condecorações, memoriais, reconhecimento, homenagens. Historiadores também se desdobram para identificar quem tombou por último, quando morrer fardado já não seria mais preciso. Quem estuda a Guerra do Vietnã acaba trombando com a existência de um coronel americano perfeitamente esquecível, William Nolde. O oficial só saiu do anonimato por ter sido o último combatente dos Estados Unidos a morrer naquele conflito — míseras 11 horas antes da entrada em vigor do cessar-fogo de 1975. Na Segunda Guerra Mundial fora a vez de Charley Havlat fazer história como último soldado dos Aliados a tombar na Europa. Seu pelotão havia sido cercado por uma unidade de tanques alemães, e Havlat morreu com um tiro na cabeça dez minutos antes de a Wehrmacht receber ordens de cessar-fogo imediato. Ainda era de manhã naquele 7 de maio de 1945. Sete horas depois, a Alemanha de Hitler se rendia formalmente em Reims.

Poder branco e masculino. Por Míriam Leitão

O Globo

Lista de cotados para substituir o ministro Barroso no STF expõe pacto da masculinidade branca e ausência de diversidade

Não é mais uma questão de reclamar representatividade. É de corrigir uma aberração. Todos os cogitados no primeiro momento para substituir o ministro Luís Roberto Barroso são homens brancos. Enfraquece a democracia alijar de um espaço de poder como este todos os que não sejam do grupo hegemônico. A aposentadoria precoce de Barroso escancara o pacto da masculinidade branca. Só falam deles mesmos, só eles são visíveis, como se o país não tivesse competentes juristas entre as mulheres e as pessoas negras.

Outro erro é a ideia de que o presidente Lula tem que escolher um amigo. Argumenta-se que o critério seria necessário porque a democracia ainda está em terreno instável e o STF é um poder sob ataque, tanto que alguns ministros enfrentam punições do governo americano. Essa conjuntura é real, mas não encomenda mais um “amigo” no tribunal, e sim uma pessoa com convicção democrática e formação institucional sólida.

Encontro de Lula e Trump na Malásia ainda depende de confirmação. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense  

O secretário de Estado, Marco Rubio, convidou o chanceler Mauro Vieira para reunião presencial entre ambos em Washington, para tratar da relação entre Brasil e Estados Unidos

As equipes dos governos de Brasil e Estados Unidos devem retomar contatos de bastidores ao longo desta semana para alinhavar os preparativos da reunião entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump. O secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, terá uma conversa com o chanceler Mauro Vieira para avaliar a possibilidade dessa primeira reunião entre os dois presidentes ocorrer na Malásia, aproveitando a eventual presença de ambos na cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean, na sigla em inglês), evento em que as principais lideranças do bloco do sudeste asiático.

Realizadas duas vezes por ano, as cúpulas ocorrem desde fevereiro de 1976. Criada em agosto de 1967, a Asean é composta por dez países: Brunei, Camboja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e Vietnã. Lula e Trump estão convidados para o encontro.

Mineração e clima, um novo protagonismo na COP30. Por Raul Jungmann,

Correio Braziliense

Não há como avançar em energias renováveis, mobilidade elétrica ou tecnologias limpas sem uma base mineral sólida

Pela primeira vez, a mineração fará parte da pauta oficial de uma Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. E essa estreia não será discreta. O setor mineral brasileiro chega à COP30, em Belém, com um compromisso ambicioso de tentar reduzir em até 90% as próprias emissões diretas de carbono até 2050.

Tive a oportunidade de participar, na última semana, da apresentação formal ao embaixador André Corrêa do Lago, presidente designado da COP30, de estudo que aponta caminhos potenciais para viabilizar essa marca, em reunião organizada pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), pela Vale pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

As chances de paz em Gaza. Por Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Tudo indica que o conflito não chegará ao fim, mas a trégua tem grandes chances de perdurar

O acordo entre Israel e o Hamas ocorreu não pelo desejo, mas por erro de cálculo do premiê, Binyamin Netanyahu. Essa é a medida de sua fragilidade como ponto de partida para a paz entre israelenses e palestinos, mas não implica necessariamente no fracasso da trégua.

No dia 9 de setembro, Israel bombardeou, com armas americanas, o alojamento da liderança do Hamas em Doha, quando os líderes do grupo examinavam o plano de Donald Trump. Seis pessoas foram mortas, incluindo um filho do líder do Hamas, Khalil al-Hayya. Netanyahu pensou que se safaria de mais esse golpe ao processo de paz. Afinal, em abril de 2024, um ataque aéreo israelense atingiu um veículo no campo de refugiados de Shati, em Gaza, matando três filhos e quatro netos do então líder do Hamas Ismail Haniyeh, quando ele se preparava para negociar um acordo mediado pelos EUA. Haniyeh, favorável a um acordo, acabaria morto por Israel em Teerã, em julho de 2024.

China e Corina: alertas para Lula. Por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Terras raras e Venezuela são duas cascas de banana no encontro de Lula com Trump

O namoro de Trump e Lula vai de vento em popa, mas dois novos ingredientes exigem ajuste fino: a decisão da China de proteger suas terras raras, ou minerais estratégicos, e o Prêmio Nobel da Paz para a líder da oposição na Venezuela, María Corina Machado. O Brasil, como os EUA, tem tudo a ver com terras raras e Venezuela.

O foco da agenda brasileira para o encontro Lula-Trump, olho no olho, é economia, comércio e fim das sanções contra autoridades brasileiras, como suspensão de vistos e Lei Magnitsky contra ministros do STF, mas Trump tem a sua própria agenda e é um negociador duro, que se diverte com a aflição do interlocutor.