terça-feira, 1 de julho de 2025

Os bastiões democráticos - Merval Pereira

O Globo

O Congresso, mesmo com seus defeitos, tem as qualidades necessárias para ser a garantia democrática no país

O Brasil recente tem vários responsáveis por manter a democracia a salvo de usurpadores. Além da imprensa independente, o Supremo Tribunal Federal (STF), na tentativa de golpe bolsonarista, ou as Forças Armadas, que negaram apoio ao golpe, mesmo que alguns de seus integrantes estivessem metidos nele. Assim como partidos políticos de centro, ou mesmo de direita não radical, ajudaram a equilibrar o cenário político quando surgiram ameaças, como nos primeiros governos petistas.

Quando o PMDB aderiu ao petismo, havia a certeza de que eventuais tentativas de avanços autoritários seriam barradas, o mesmo acontecendo com o Centrão. O Congresso, de maneira geral, tem sido o esteio democrático, pelo simples fato de que partidos políticos não se dão bem com ditaduras. Ao mesmo tempo, nossos salvadores passaram a se achar merecedores de licenças especiais para seus privilégios e benefícios e não aceitam críticas a desvios que se mostram cada vez mais frequentes, como as emendas parlamentares ou os penduricalhos do Judiciário.

Apesar dos pesares, podemos estar numa nova fase, em que as forças democráticas terão de agir para impedir as consequências de uma evidente guinada à esquerda do governo Lula. Acho duvidoso o caminho que o governo escolheu para combater o Congresso, de maioria de centro-direita, com o discurso de que governa para os pobres, e não para os ricos. Sempre que foi por aí, Lula perdeu a eleição. Só venceu quando foi para o centro. Em 2022, só venceu porque aglutinou em torno de si um grupo de eleitores que não queria o radicalismo de direita — mas também não o de esquerda.

O caminho de Lula para tentar a reeleição é manter-se na linha de centro-esquerda, mesmo criticando o Centrão — e ele tem razão em muitos casos. Mas não pode voltar a ser o radical de esquerda contra o radical de direita. Nesse caso, o eleitorado fica sem opção ou pode aceitar um candidato que fuja da radicalização, que será cada vez maior se Lula insistir na história de pobre contra rico.

Como ele perdeu completamente o controle do Congresso, que é de direita, precisa caracterizá-lo como contrário aos pobres. Está numa situação difícil, mas piorará a perspectiva eleitoral do PT se voltar à radicalização dos primeiros momentos do partido. Com isso, ele se fortalece na esquerda, onde já é forte. Ficará num nicho de radical de esquerda que não o levará a lugar nenhum.

A esquerda sempre reclamou muito que Lula faz um governo de centro, mas ele deveria ir mais ainda para o centro. Ele tentou fazer um governo de negociação com partidos de centro, mas deu a máquina estatal para o PT, e não existe o governo de união nacional que prometeu na campanha. A tese da união nacional não funcionará mais para ele porque, na prática, já não entregou.

Por que seria Lula o presidente que representa a união nacional, se nada disso acontece em seu terceiro governo? Ele não conseguiu se contrapor ao Congresso, que todos sabiam ser de direita. Não consegue mais levar na conversa os adversários, como fez muito bem em outras ocasiões. Assim, pode abrir caminho a um centrista que tenha uma visão mais ampla ou fortalecer a direita na polarização com os bolsonaristas.

Radicalizando à esquerda, Lula dará razão à direita, que vê nele um perigo antidemocrático. O jogo de luta de classes pode parecer anacrônico a esta altura do capitalismo internacional, mesmo porque as classes menos favorecidas no Brasil já não se sentem seguras com o apoio do governo petista, incapaz de compreender suas demandas. O Congresso, mesmo com seus defeitos, tem as qualidades necessárias para ser a garantia democrática no país.

 

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