segunda-feira, 30 de junho de 2025

O cercadinho do Hugo Motta - Miguel de Almeida

O Globo

O posto de deputado ou senador é um empregão como poucos para tanta falta de responsabilidade

Pelas redes circula um abaixo-assinado pelo fim das mordomias dos parlamentares. Até agora, angariou milhares de apoios. O posto de deputado ou senador é um empregão como poucos para tanta falta de responsabilidade. Fora o majestoso salário, as verbas de gabinete (combustível, vale-paletó etc.), as emendas secretas e o fundo eleitoral tornam a ocupação um pedaço de paraíso na Terra.

A atual fotografia do Congresso Nacional não é um espelho do Brasil. O que está ali é uma distorção provocada pelas anomalias impostas ao sistema eleitoral, num caso bem pensado de esculhambação. Com o intuito de esmorecer a vontade popular e tornar irrelevante a participação dos eleitores, tipo:

— Deixe esses caras para lá, vou cuidar da minha vida.

Políticos como os Bolsonaros e Sóstenes Cavalcante contam com o desânimo e o ódio da população na desmontagem da democracia representativa. Quanto pior, melhor.

A comparação entre o Congresso Constituinte de 1988 e a atual formação, onde o destaque se dá pela irrelevância intelectual, mostra um desnível brutal. Basta lembrar que o presidente da Câmara se chamava Ulysses Guimarães, um dos líderes na derrubada da ditadura. Hoje temos lá no cargo um pau-mandado corporativo de verbas. Não fala só por si, mas pelo Arthur Lira e outros que o instruem sobre como arruinar o país.

Não culpemos o eleitor. O sistema democrático brasileiro se vê montado para privilégio de poucos. Nunca da maioria. Veio contaminado pelos generais da ditadura, e os congressistas o tornaram pior com suas inúmeras revisões — que ocorrem sempre a cada primavera ou pleito. Com tantos senões, os melhores nomes da sociedade ou se eximem da política ou são batidos pelos latifundiários das emendas. Não é que o atual Congresso seja o mais direitista desde a redemocratização. É o mesmo bolo: PT e PL estão iguais. Os petistas têm votado na mesma sintonia corporativa. Vários de seus deputados ajudaram a manter os jabutis na conta da energia. Se a esquerda antes contou com o sociólogo Florestan Fernandes… bem, hoje tem maquiador e cabeleireiro na folha do gabinete.

No Brasil sempre se busca compreender por que as coisas pioram mesmo quando se pensa ter tomado a decisão racional. Foi o caso de o STF proibir as contribuições de empresas privadas aos candidatos. E dar gás ao fundo eleitoral. Naquele momento, olhou-se apenas para as eleições presidenciais. Parecia enfim o caminho para uma democracia madura. Imagine ser como os Estados Unidos, onde o poder econômico das big techs desequilibra a vontade popular ao despejar milhões de dólares num único nome. Melhor afastar tal perigo colocando o dinheiro público em defesa da boa consciência — e a coisa deu ruim. Por ingenuidade, não se contava com a sanha desmesurada de quem ganha mesada. Soa como crack: qualquer quantidade traz o vício. Ao contrário de outras ocupações, para as quais se requer estudo e investimento do próprio bolso, ser parlamentar no Brasil não implica risco. Não se põe dinheiro à frente, porque os chefões dos partidos escolhem os futuros príncipes ao distribuir o ouro aos apaniguados. Com a sorte de não ser cobrado por seus votos, porque no Brasil só se olha para o presidente da República. Qual seria o ônus daqueles que diminuíram o imposto sobre as bets de 18% para 12% e agora aumentam o número de colegas em virtude do novo cálculo demográfico?

O modelo político leva o eleitor a só pensar no próximo candidato a presidente. Nunca a senador ou deputado. Qualquer ação política, para melhora da representação democrática, passa por escolher no próximo ano parlamentares com currículo, créditos e serviços já prestados à população. Dá trabalho, mas não tem outro jeito. Pesquisar quem não se apoia apenas em likes ou na tediosa polarização como meio gratuito de popularidade. À esquerda ou à direita, aquele que se aproveitou de fake news deveria ser esquecido. Deve ser aposentado.

Mais importante do que saber se Michelle ou Lula ganharão a eleição em 2026, é votar em deputado e senador comprometidos com a reforma eleitoral. Naquele que deseja voto distrital, sendo claramente de direita ou esquerda — e não oportunista. Em nomes cujo número de celular seja conhecido para ser cobrado pelos eleitores. Quando se compra um produto estragado, você não o devolve? Não bate o pé? É o mesmo com o deputado ou senador: devolva-o com seus defeitos. Escolha outra marca.

 

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