Folha de S. Paulo
Como resposta, esquerda tem de polarizar
generosamente, voltando a ser o partido do futuro
Para responder à pergunta que todo o mundo
faz —como pode a esquerda enfrentar a vaga das direitas— precisamos de uma
teoria da atenção, uma teoria da mobilização, uma teoria da mudança e uma
teoria da memória. Todas juntas, chamo-lhe de teoria dos objetos de desejo
político.
É nela que penso ao olhar para os últimos eventos desta luta global, das primárias que levaram à eleição de Zohran Mamdani como candidato democrata à Prefeitura de Nova York às brigas pela reforma do Imposto de Renda que Fernando Haddad vem travando no Brasil. A ocasião para coligir alguns desses pensamentos soltos foi o convite para fazer um discurso de abertura numa reunião da Fundação Verde Europeia, mas a validade deles é transversal a geografias (e talvez até a épocas) diferentes.
Comecemos pela atenção. As direitas globais
têm, nos últimos anos, sido incomparavelmente melhores do que as esquerdas a
captar e manter a atenção do público. E essa vantagem é decisiva porque, se
queremos o voto, o dinheiro, a mobilização, ou a opinião de alguém, primeiro
temos de ter a sua atenção.
O primeiro problema é então convencer a
esquerda de que precisa de uma teoria da atenção. O segundo problema é
explicar-lhe que não pode ser a mesma teoria da direita.
A direita é extraordinariamente eficaz em
captar e manter a atenção por meio da indignação, do escândalo, do rumor e do
rancor. A esquerda pode tentar o mesmo, mas não só as pessoas esperam coisas
diferentes dela como a atenção captada por meio da indignação e do escândalo
muitas vezes não serve para fazer as coisas que a esquerda quer fazer. É mais
fácil usar o escândalo para impedir qualquer coisa de se fazer; se quisermos
explicar o plano para qualquer coisa que queremos fazer, a atenção se perde.
É aqui que entram os objetos de desejo
político. Eles devem ser concretos como objetos, coletivamente conquistados
para serem políticos, e devem ser desejáveis.
Muito se falou do projeto de Mamdani para
fazer mercearias públicas em Nova York, uma mera experiência de meia dúzia de
lojas, que não chega nem de longe à complexidade de uma reforma do Imposto de
Renda. Mas são objetos de desejo político. A reforma de um Imposto de Renda é
um meio para atingir o fim. Por que não falar logo daquilo para que se quer
usar o dinheiro?
Com objetos é mais fácil conseguir o tipo de
mobilização de que a esquerda precisa. Um exemplo histórico é a jornada de oito
horas conquistada
pela luta dos trabalhadores ou o voto para as mulheres conquistado
pelo movimento feminista. Ninguém se juntou aos sindicatos ou às sufragistas
por gostar de fazer greve ou apanhar da polícia, mas antes por desejar aquele
objeto.
Depois da atenção e da mobilização, é preciso
garantir que a mudança aconteça mesmo, para não se cair num ciclo de
frustração, ressentimento e rancor. E depois, finalmente, a memória: se não
ficar gravado como foi conseguida aquela vitória, e por quem, perde-se a
capacidade de fazer novas mobilizações por novos objetos.
A polarização com a direita é assimétrica. A
esquerda tem de se lembrar como polarizar generosamente, voltando a ser o
partido do futuro entusiasmante.
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