O estouro dos escândalos de corrupção ajudou a criar uma grande repulsa aos políticos que, para alcançar o poder e lá se manter, roubam o dinheiro público e atendem a interesses privados, alheios aos da maioria dos cidadãos. Como consequência da perplexidade ante os montantes envolvidos e a extensão da roubalheira, abriu-se uma oportunidade para a reformulação das práticas políticas do País, especialmente aquelas que dizem respeito à qualidade da representação.
Nesse ambiente, não demorou para que a instituição responsável pela observância da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, emitisse um precioso juízo acerca do financiamento eleitoral, proibindo, em setembro de 2015, as doações empresariais para partidos e políticos, por meio das quais grandes grupos econômicos tentavam sequestrar a democracia. Em seu voto, o ministro Marco Aurélio Mello resumiu o problema de maneira simples: “O financiamento privado das campanhas eleitorais e dos partidos políticos é problema de grande amplitude e não tem permitido que a democracia firme-se, no Brasil, como direito fundamental plenamente conquistado”. O relator do processo, ministro Luiz Fux, lembrou na ocasião que apenas 20 mil empresas, ou 0,5% do total, eram responsáveis pelo financiamento quase integral das campanhas, havendo casos em que foi criada absoluta dependência em relação a essa casta – que doava seus recursos mediante promessa de contrapartida, ou então com a contrapartida já previamente contratada, como se constatou no escândalo do petrolão.
Diante disso, surgiu a grande oportunidade de consagrar o mais democrático dos modelos, aquele em que apenas os cidadãos, como pessoas físicas, financiam os partidos políticos com os quais se identificam. Foi isso o que aconteceu nas eleições municipais de 2016, realizada sem percalços.
Mesmo diante desses sinais de evolução, contudo, parece ainda prevalecer, não apenas entre os que têm nostalgia do dinheiro fácil das empresas, mas também entre alguns dos protagonistas qualificados desse debate, a percepção segundo a qual, faça o que se fizer, jamais será possível estabelecer um sistema que consiga se viabilizar apenas com o dinheiro doado voluntariamente por eleitores. Alegam-se duas razões: primeira, que os recursos dos cidadãos comuns seriam insuficientes para bancar toda a parafernália dos palanques, programas de TV e viagens; segunda, que as doações de pessoas físicas não acabariam com as fraudes, pois muitos cidadãos poderiam afinal ser usados como “laranjas” de doadores mais poderosos.
No recente Fórum Estadão sobre a reforma política, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Gilmar Mendes, argumentou que, dos 750 mil doadores da campanha de 2016, 300 mil não tinham “capacidade financeira”, o que indica a possibilidade de crime. Para ele, isso basta para colocar em dúvida o modelo. No mesmo evento, os parlamentares presentes, entre eles o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reafirmaram a dificuldade de obter recursos para as próximas eleições. Já é voz corrente no Congresso que, diante disso, é preciso restabelecer as doações empresariais, malgrado tenham sido consideradas inconstitucionais pelo Supremo, já que a criação de um fundo público enfrenta grande resistência.
Nenhum dos argumentos acima nega o fato, incontroverso, de que o melhor sistema eleitoral é aquele em que é o próprio eleitor quem banca partidos e candidatos. Assim, apela-se para a retórica segundo a qual esse modelo afinal não é totalmente protegido da corrupção – como se esse problema não pudesse ser resolvido com fiscalização adequada – ou então que é incapaz de suprir todas as necessidades da democracia – como se não fosse possível fazer campanhas mais baratas.
Aceitar esse raciocínio significa render-se à presunção de que o Brasil é simplesmente incapaz de adotar o melhor modelo para sua democracia, tendo de conformar-se com o “menos pior”. Assim, perde-se mais uma oportunidade de ouro para modernizar o País.
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