- Valor Econômico
A tutela do Poder Judiciário sobre as eleições de 2018
Mais de 150 milhões de eleitores devem ir às urnas nas eleições de outubro de 2018, mas apenas 11 devem decidir quem é o futuro presidente do Brasil. Lula é apenas o caso mais extremo a ser tratado pelos tribunais na campanha, mas uma série de outras intervenções judiciais já começam a produzir resultados bem diferente do que em geral esperavam os juízes. O problema das consequências é que elas nunca acontecem antes, elas sempre vêm depois, como gostava de dizer o ex-senador Marco Maciel, vice-presidente nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) no Palácio do Planalto.
Onze são os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), os únicos brasileiros com direito a errar por último.
"Eles [o Judiciário] estão querendo tutelar o processo eleitoral brasileiro", diz o ex-deputado e ex-ministro Roberto Brant, um atento observador dos usos e costumes da política. "Acabaram com a cláusula de desempenho, fizeram a Lei da Ficha Limpa e agora proibiram as doações legais. Depois de feito tudo isso, vão causar um transtorno nas eleições agora, com a judicialização dos resultados, o que equivale à intervenção russa na eleição americana." Brant teme que, apurados os votos, ninguém saiba quem ganhou ou perdeu. "São tantas as proibições, que vai tudo para a Justiça. Quem vai escolher são eles, os juízes."
As ações contra Lula não deixam de ser resultado do progressivo processo de judicialização da política, muito embora o ex-presidente responda a ações criminais. Na prática, é uma confusão só, sobretudo quando juízes alteram prazos e promotores dispensam perícias para acertar o cronômetro pelo calendário eleitoral. Lula à parte, o resultado é que a série de intervenções feitas pelo Judiciário na política, na última década, só contribui para as incertezas e imprevisibilidade das próximas eleições.
Com certeza era muito boa a intenção do STF, quando proibiu a doação empresarial às campanhas. O que os juízes certamente não esperavam era criar donos de partido ou aumentar o poder dos donos daqueles feudos, as legendas de aluguel e aquelas de caráter essencialmente parlamentar. Pelo que tem visto e ouvido nos corredores do Congresso e nos principais gabinetes do Palácio do Planalto, Brant não tem dúvida: "Os partidos viraram agora agências financeiras."
"Para combater as doações ilegais, o Supremo proibiu as doações legais", disse. Sem as doações legais os partidos criaram um fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão (que por pouco não viram R$ 3 bilhões, no apagar das luzes da votação do Orçamento), financiado pelo Tesouro. E quem manda na distribuição dos fundos são os presidentes dos partidos do tipo PP, PR, PTB.
Um exemplo da esperteza desses partidos: na reforma política, o Congresso restringiu o autofinanciamento de campanha. Michel Temer vetou, mas agora o Congresso derrubou o veto. Um candidato a presidente como Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, por exemplo, não pode financiar a própria campanha, como fez o prefeito de São Paulo, João Doria, nas eleições de 2016. Se for candidato e não mudar de partido, Meirelles estará nas mãos da direção do PSD, cujo interesse, eventualmente, pode não ser a candidatura própria ao Palácio do Planalto.
As cúpulas partidárias detêm o poder arbitrário sobre quem vai ou não receber dinheiro para a campanha. O deputado que estiver mal com os donos dos partidos, terá suas chances eleitorais reduzidas. Partidos tradicionais, com candidatos a governador e presidente, como PT e PSDB, naturalmente tendem a fazer uma distribuição mais democrática dos recursos. O que não vem a ser o caso dos quase 30 partidos que proliferaram no Congresso, depois que o Supremo, em 2006, derrubou a cláusula de barreira aprovada dez anos antes pelo Legislativo.
Grande parte das novas legendas é constituída pelas chamadas siglas de aluguel. Mas partidos acessórios, coadjuvantes do tipo PP, PR e PTB devem dar o dinheiro todo para a bancada, porque quanto mais deputados reelegerem mais recursos terão na legislatura seguinte. "Quem manda no Brasil agora é Ciro Nogueira, Valdemar Costa Neto e Roberto Jefferson, esses são os árbitros da eleição congressual brasileira que vem por aí", diz Brant, numa referência aos presidentes dos três partidos, respectivamente.
Siglas como o PP, PR e PTB são os chamados partidos parlamentares, que não têm interesse em eleger presidente da República nem governador. De certo modo, o PMDB é uma sigla parlamentar que desde 1994 abdicou da Presidência da República. Seu interesse maior são as prefeituras e os governos estaduais, fonte de seu poder congressual. Segundo fontes ouvidas pela coluna, o PP promete algo entre R$ 2 milhões e R$ 2,5 milhões para seus deputados candidatos em 2018. O financiamento da campanha é também o atrativo usado para convencer deputados interessados em mudar de lado na janela partidária programada para março. O deputado agora vai para o partido conforme a cota.
"É um absurdo o que a república dos juízes fez com o Brasil. Imagina. Eles subverteram a democracia brasileira, o eleitor só pode votar em quem eles permitirem. E agora só vai se eleger deputado quem o Ciro Nogueira, o Roberto Jefferson e o Valdemar da Costa Neto quiserem", diz Brant. "PP tem 44 deputados? Ninguém sabe o que o PP pensa sobre nada. Nem o PR". Sem falar que a concentração de poder de distribuição do fundo eleitoral deve ter impacto também na renovação do Congresso, um efeito colateral de quando se proibiu as doações privadas legais. "Eles [os juízes] que criticam tanto o atual Congresso, condenaram o atual Congresso a se perpetuar".
A intervenção judicial, na realidade, enrosca o jogo e pode tirar do eleitor o poder de decisão. A Lei da Ficha Limpa, que ameaça Lula, é um exemplo. Já que não se podia impedir que o povo votasse em Paulo Maluf, por que não criar uma lei para impedir que Paulo Maluf fosse candidato? Um juiz e promotores estiveram à frente da campanha para aprovar a Lei da Ficha Limpa, o dispositivo legal que ameaça a candidatura de Lula em 2018.
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