sexta-feira, 15 de julho de 2022

José de Souza Martins*: A vitória do industrialismo

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

São Paulo perdeu militarmente a Revolução de 1932, mas ganhou os rumos transformadores e modernizadores que sua situação econômica e social continha

Na Revolução Constitucionalista de 9 de julho de 1932, combatida pelo Exército, São Paulo acabou derrotado militarmente. Mas os fatos a ela paralelos mostraram que São Paulo perdeu a revolução, mas ganhou os rumos transformadores, modernizadores e industrialistas que sua situação econômica e social continha, a indústria desbloqueada como fundamento de um novo Brasil. Aquilo que Roberto Simonsen preconizava: o passo definitivo da história brasileira que a libertasse da sucessão de ciclos: o da cana-de-açúcar, o do ouro, o do café, para ser o da economia abrangente e superadora de ciclos, o da indústria.

É uma pena que os industriais brasileiros tenham uma consciência superficial do seu protagonismo e de sua responsabilidade históricos e da importância criativa da diferenciação social própria da sociedade de classes, que nasce da industrialização.

Aqui, começara ela a emergir politicamente na greve geral de 1917. Ganhara sua expressão cultural na Semana de Arte Moderna, de 1922, porque o modernismo teve precedência na fábrica. Começara a ganhar sua expressão política na Revolução de Outubro de 1930, cuja essência bloqueada foi revelada na Revolução Constitucionalista de 1932.

Fernando Henrique Cardoso, num ensaio sociológico de 1977, chamou a atenção para a anomalia de que, diversamente do que ocorrera em outros países latino-americanos, a sociedade brasileira não fez uma revolução política em 1822. Foi o próprio Estado, na pessoa do príncipe regente, que fez a Independência e se tornou criador de uma sociedade civil que, podemos dizer, do Estado depende.

Não é estranho que, desde a República, os militares, sobretudo do Exército, presumam-se senhores de um mandato messiânico, como neste atual período governamental, para enquadrar a sociedade na ideologia de quartel própria do que o sociólogo canadense Erving Goffman define como instituições totais. O que é expressão do crônico vazio de protagonismo civil do Estado brasileiro, o da precariedade da sociedade civil.

Nessa perspectiva histórica, nossa Constituição de 1988 é a mais completa manifestação do lento processo de definição do Brasil social e politicamente moderno e, finalmente, da precedência da sociedade civil em relação ao Estado, que é dela necessária mediação.

É assim que a Revolução de 1932 só se cumprirá em 1988, que pôs as coisas democraticamente no devido lugar. Mesmo contra o que os revolucionários achavam ter sido a revolução que fizeram. A Constituição tornou-se instrumento de soberania da sociedade civil.

O governo provisório de Getúlio (1930-1934) em seus quadros tinha paulistas como José Maria Whitaker, banqueiro e comerciante de café. Foi seu ministro da Fazenda. A decisão de queimar os estoques acumulados de café, por falta de mercados em decorrência da crise econômica internacional, de 1929, revolucionou a economia brasileira.

Foi ela uma política econômica keynesiana antes de John Maynard Keynes, cuja “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda” foi publicada em 1936. O relatório em que Whitaker explica a decisão e os propósitos da queima do café é de 1933.

O objetivo era, com a queima dos estoques, assegurar a colheita pendente, pagá-la, injetar dinheiro por meio da manutenção dos salários e manter o fluxo de renda e a economia em funcionamento. Com isso, animou a indústria já instalada, que não era o propósito, que operava com capacidade ociosa, como relatórios americanos dos 1920 mostraram. Graças ao capital social representado pelo talento empresarial acumulado em silêncio desde o fim da escravatura.

A Revolução de 1932 ocorreu nesse momento em que a economia brasileira passava por sua própria e inesperada revolução em decorrência de uma decisão de política econômica de um banqueiro ligado ao agronegócio.

Os industriais, como Roberto Simonsen, que se separaram da Associação Comercial, em 1928, e criaram o Centro das Indústrias, que apoiaram a Revolução Constitucionalista e nela se envolveram, perceberam que a crise e o fim da República Velha abrira o caminho para a modernização tanto da economia, quanto da sociedade, quanto da política.

Getúlio também se deu conta de que o desafio da Revolução de Outubro era o de reconhecer as possibilidades modernizadoras e socialmente transformadoras abertas pelas causas inesperadas da economia em crise.

Imediatamente após a derrota da revolução paulista, Getúlio aproximou-se dos paulistas, Roberto Simonsen tornou-se seu interlocutor e se tornou um pensador do nacional-desenvolvimentismo. Ao animar o desenvolvimento industrial, com a política de Whitaker, Getúlio deu sentido à Revolução de 1930, o que fez da derrota paulista em 1932 uma vitória.

*José de Souza Martins foi professor titular de sociologia na Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "Sociologia do desconhecimento Ensaios sobre a incerteza do instante" (Editora Unesp, 2021)

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