Editoriais
A boiada passa, e deixa um rastro de
destruição
O Estado de S. Paulo
Câmara e Senado compactuam com a sanha destruidora do governo Bolsonaro ao dar aval a propostas que rasgam regras fiscais, leis orçamentárias, legislação eleitoral e a Constituição
Enquanto o País assistia estarrecido ao
desmonte da legislação eleitoral, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da regra
de ouro, do teto de gastos e até da Constituição em nome da reeleição do
presidente Jair Bolsonaro, o Congresso provou a máxima segundo a qual onde
passa um boi também passa uma boiada. Na mesma semana em que a Câmara deu aval
à Proposta de Emenda à Constituição apelidada de “PEC do Desespero”, deputados
e senadores terminaram de rasgar os princípios mínimos que ainda regem o
Orçamento-Geral da União.
A mais nova pedalada, revelada pelo Estadão, foi referendada por meio de um projeto que dá ao Executivo permissão para alterar o fornecedor de uma obra que já contava com recursos garantidos em situações excepcionais, como desistência do credor original e rescisão contratual. Essas condicionantes, evidentemente, não convenceram os técnicos das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado. Afinal, a contabilidade pública é cristalina: não é possível realizar despesa sem a emissão prévia de nota de empenho correspondente, e é obrigatório que o nome do fornecedor conste de tal documento. Se o direito do credor deixar de existir por qualquer razão, a única alternativa é cancelar o recurso. Não é capricho: é o que diz a Constituição.
Essa proposta tenebrosa havia sido enviada
ao Congresso pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e, se já era ruim na
versão original, o texto final prova a capacidade que o mau exemplo do governo
tem de gerar efeitos ainda mais nefastos no Legislativo. Sem qualquer debate, o
projeto foi aprovado em menos de 20 minutos, mas os parlamentares foram muito
além do que o Executivo desejava. Além da mudança de fornecedor, incluíram a
possibilidade de alteração do objeto que gerou a nota e até mesmo do município
listado no documento. O relator, deputado Carlos Henrique Gaguim (União-TO),
mencionou a necessidade de retomar 20 mil obras paradas por problemas
contratuais. O que ele não disse – e que está implícito – é que a proposta é
uma arma na mão de parlamentares e dará a eles o poder de punir prefeitos com
os quais tiverem rompido ou que não trabalharem o suficiente para conquistar
votos que garantam sua reeleição.
A cada dia que passa em Brasília surge uma
nova desculpa para justificar o desrespeito a pilares fiscais, legais e
constitucionais consagrados e até então nunca contestados em nome de interesses
espúrios. Neste caso, foram as obras suspensas; no caso da “PEC do Desespero”,
foram as consequências da guerra na Ucrânia sobre os preços de combustíveis e
alimentos e a necessidade de socorrer os mais pobres. Ajudar as famílias
vulneráveis também foi o pretexto para aprovar a PEC dos Precatórios e
dinamitar o teto de gastos. Sob o comando de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), o Legislativo compactua com o governo Jair Bolsonaro e sua
sanha destruidora sem limites – e, se ainda há algum limite, parece ser questão
de tempo e oportunidade para que seja ultrapassado.
Foi nessa mesma sessão que o Congresso
autorizou o governo, em descarada campanha pela reeleição, a distribuir cestas
básicas, redes de pesca, ambulâncias, tratores e maquinários agrícolas, algo
claramente vedado pela legislação eleitoral. O prazo para realizar doações, que
se encerrava em abril, foi estendido até julho e, agora, até o fim do ano. “Nós
temos que mudar o que está lá na lei eleitoral. A lei eleitoral é que está
errada”, disse, sem corar, o deputado Hildo Rocha (MDB-MA).
Não satisfeitos, os parlamentares ainda
tiveram a audácia de tornar o “orçamento secreto” ainda mais secreto. Agora,
quando os recursos das emendas de relator (RP-9) forem remanejados para a
rubrica dos Ministérios (RP-2), não só a autoria dos parlamentares será
omitida, mas também o nome do próprio relator-geral, em uma nova afronta à
decisão do Supremo Tribunal Federal que obrigou o Congresso a dar transparência
a esses repasses. Talvez a única notícia positiva da semana seja o fato de que
esse bombardeio terá um cessar-fogo temporário com o início do recesso
parlamentar – ao menos até o fim de julho.
Uma trava para o desenvolvimento
O Estado de S. Paulo
Em meio à crescente digitalização, déficit de profissionais de TI é obstáculo para o crescimento do País, problema agravado pela baixa escolaridade da população
A falta de profissionais na área de
tecnologia da informação, a chamada TI, é um entrave para o desenvolvimento do
País. O mais recente alerta para esse problema, motivo de preocupação de
empresários e entidades científicas, partiu do vice-presidente executivo da
Microsoft, Jean-Philippe Courtois. Em visita ao Brasil, ele destacou que o
déficit de mão de obra especializada “é um enorme obstáculo para o crescimento
econômico brasileiro”.
De fato, a situação é alarmante. De um
lado, há uma crescente digitalização das atividades em todos os setores da
sociedade, o que só aumenta a demanda por trabalhadores de TI. De outro, o
número de profissionais formados no País fica abaixo da demanda − sem falar no
vasto contingente de brasileiros recrutados por empresas estrangeiras, seja
para empregos remotos ou para morar no exterior.
Courtois, que é também presidente de
parcerias nacionais de transformação da Microsoft, chamou a atenção para uma
agravante: a pandemia de covid-19 levou outros setores da economia a acelerar
processos de digitalização. De modo que a falta de pessoal não se restringe a
empresas da área tecnológica nem a profissionais com alto nível de
especialização, como cientistas de dados e arquitetos de nuvens.
Entrevistado pelo Valor, o executivo
da Microsoft lembrou que o uso de ferramentas digitais, hoje em dia, é uma
realidade para todo tipo de profissional: de balconistas a atendentes de
telemarketing ou trabalhadores da agricultura. “As necessidades digitais,
agora, atravessam toda a economia”, resumiu Courtois. Na verdade, ele repetiu
algo que empresários e gestores já sabem há um bom tempo − e que dificulta a
contratação de funcionários, dada a falta de qualificação de boa parte da mão
de obra no País.
Em dezembro, a Associação das Empresas de
Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom)
projetou déficit de 530 mil profissionais da área de tecnologia da informação e
comunicação (TIC) até 2025. A estimativa é resultado de uma conta que não
fecha: enquanto os cursos de perfil tecnológico formam 53 mil pessoas por ano,
a demanda anual média do setor produtivo gira em torno de 159 mil
profissionais, segundo a entidade.
Ora, o levantamento da Brasscom jogou luz
sobre um problema estrutural que deveria ser objeto de efetivas políticas
educacionais e de qualificação de trabalhadores. No momento em que a economia
brasileira convive com mais de 10 milhões de desempregados, é preciso urgência
para ampliar a capacidade de formação de profissionais da área de tecnologia.
Sim, impedir que se confirme a projeção de meio milhão de vagas não preenchidas
nos próximos anos deveria converter-se em obsessão nacional, a começar pelos
gabinetes do Poder Executivo em Brasília.
O mercado de trabalho vive profunda
transformação. Cada vez mais, a empregabilidade está associada a habilidades e
competências que somente um sistema de ensino qualificado é capaz de prover. E
isso vale não só para a educação básica, incluindo o ensino técnico, mas também
para o ensino superior.
Recentemente, a Confederação Nacional da
Indústria (CNI) divulgou documento com propostas para os pré-candidatos a
presidente da República na área da educação. O texto faz referência à crescente
complexidade das habilidades necessárias para quem busca emprego em meio a
tantos avanços tecnológicos. Nesse cenário, habilidades como pensamento crítico
e resolução de problemas ganham importância cada vez maior, conforme apontou,
já em 2020, o relatório The Future of Jobs (O futuro dos empregos, em
tradução livre), lançado no Fórum Econômico Mundial daquele ano.
No Brasil, o desafio é dobrado, na medida
em que o déficit de profissionais da área de tecnologia da informação se soma a
históricos índices de baixa escolarização e pouca aprendizagem. Como lembra o
documento da CNI, a população acima de 18 anos que não completou sequer o
ensino médio chegava a 66 milhões de pessoas no ano passado. Eis um número que
deveria tirar o sono de quem administra o País.
A enésima prova da lisura das urnas
O Estado de S Paulo
Auditoria do TCU lança nova pá de cal nas teorias conspiratórias de Bolsonaro sobre a segurança do voto eletrônico
A cada dois anos, dezenas de milhares de
políticos apelam às paixões dos eleitores buscando conquistar sua confiança.
Partidos de todas as colorações ideológicas investem bilhões nas disputas por
votos, que desde 1996 são versados em urnas eletrônicas. Mesmo com tantas
partes interessadas, com tantos e tão conflitantes interesses, pode-se contar
nos dedos as acusações à higidez do sistema. Residuais, circunstanciais e
periféricas, elas nunca prosperaram por falta de indícios relevantes.
Mas nos últimos anos um político tem
denunciado com agressividade crescente não só a vulnerabilidade das urnas, mas
vícios sistêmicos já aproveitados por grupos de poder para fraudá-las
massivamente. Diferentemente dos outros acusadores, este comanda a mais ampla e
feroz militância nas redes digitais, aparatos organizados de desinformação e a
caneta mais poderosa da República, em função da qual ameaça obliterar as
eleições, inclusive empregando as Forças Armadas, que, imagina ele, estão
mancomunadas a seu projeto de poder e servem a seu arbítrio. Identicamente às
outras acusações, estas não são sustentadas por qualquer indício, muito menos
prova.
No dia 13, o Tribunal de Contas da União (TCU) jogou mais um punhado
de cal para sepultar as teorias conspiratórias do presidente Jair Bolsonaro – e
consequentemente as suas práticas conspiratórias. Por unanimidade, ele
concluiu, pela terceira vez, que não existem “riscos relevantes” ao pleito.
Nesta rodada, foram aferidos procedimentos e sistemas relacionados à segurança
da informação; nas anteriores, mecanismos de fiscalização e auditoria e a
segurança contra riscos orçamentários e humanos. A conclusão é que a gestão de
segurança da informação do Tribunal Superior Eleitoral é o estado da arte, não
só comparada à da administração pública nacional, mas à de organismos
internacionais.
Foram identificados 15 planos de
contingência, envolvendo todas as fases do processo eleitoral, para “prevenir,
detectar, obstruir e neutralizar ações adversas” que ameacem a “salvaguarda das
áreas e instalações, pessoas, patrimônio e informações”. No Teste Público de
Segurança não houve “êxito nas investidas que pudessem comprometer a integridade
ou o sigilo dos votos”. O plano de contingência reserva 20% do orçamento
eleitoral a atividades não previstas, além de 3% das urnas do TSE e 15% das dos
Tribunais Regionais.
A próxima rodada aferirá procedimentos para
desenvolvimento, lacração, verificação da integridade e autenticidade dos
sistemas e funcionamento das urnas. Não há razão para crer que não serão
avalizados.
O juízo do TCU – que, ao contrário das Forças Armadas, que Bolsonaro quer envolver em uma apuração bastarda, tem todas as atribuições constitucionais e capacidades técnicas para esse tipo de auditoria – desmoraliza as alegações do presidente já desautorizadas pelos chefes dos outros Poderes e não corroboradas por nenhuma entidade relevante da sociedade civil. Isolado técnica e institucionalmente, só falta agora Bolsonaro ser isolado pelo eleitorado.
Pouco pelo social
Folha de S. Paulo
Enquanto turbina o Auxílio Brasil com
objetivos eleitorais, Bolsonaro desidrata demais programas
O governo Bolsonaro e o Congresso
insistiram na importância de ampliar o Auxílio Brasil, e foi aprovada na quarta (13)
uma Proposta de Emenda à Constituição para conceder ajuda
extraordinária a segmentos mais afetados pela inflação e a alta dos
combustíveis.
Os defensores das medidas alegam que não se
trata de oportunismo político em busca de votos, apesar de faltarem só três
meses até as eleições, mas de sensibilidade social para reduzir o sofrimento
dos mais vulneráveis.
De fato, a demanda é justa. Hoje,
segundo pesquisa da
rede Penssan, 33 milhões de brasileiros têm dificuldades para
comer. No entanto, um sobrevoo sobre a prática da gestão bolsonarista em
diversos programas sociais coloca em xeque o discurso de última hora.
No meio da pandemia, o Farmácia Popular,
que oferece remédios com desconto de 90%, encolheu. O governo não se preocupou
em reajustar os valores. Corrigido pelo índice oficial de inflação, o IPCA, o
orçamento caiu de R$ 3,2 bilhões para R$ 2,4 bilhões. São 25% a menos desde
2018.
O programa Casa Verde e Amarela é uma
sombra do antecessor Minha Casa
Minha Vida. Deixou de oferecer subsídio de até 90% do valor do
imóvel, sem juros, para as famílias de renda mais baixa. Agora, tem o menor
orçamento anual da história, R$ 1,2 bilhão.
O valor equivale a dez vezes menos a média
anual de R$ 12 bilhões destinados, de 2009 a 2018, à redução do déficit
habitacional nas camadas menos favorecidas da população brasileira.
Houve baixas também no Fies, criado para
financiar o acesso dos mais pobres ao ensino superior. O programa realmente
tinha problemas e precisava de ajustes. A gestão bolsonarista, no entanto, foi
mais incisiva em promover populismo, dando
perdão a não pagadores, e ao reduzir sua verba. O orçamentou passou
de R$ 22 bilhões em 2018 para R$ 5,5 bilhões neste ano.
Apesar de se declarar aliado de todos os
segmentos do agronegócio, o governo também ceifou recursos do pequeno produtor
rural. O Pronaf, destinado a essa parcela dos agricultores, sofreu corte de 35%
em seus recursos.
Há o claro objetivo político de anular a
marca do PT nesses programas. A prática até é do jogo. Muitos governos
reempacotam projetos de antecessores com o intuito de deixar a marca de sua
administração.
Todavia, procuram dar um passo adiante no
fortalecimento de políticas públicas, não desmontá-las.
Bolsonaro seguiu caminho oposto. Não se preocupou com os efeitos práticos da
desidratação desses programas na vida dos mais vulneráveis, e tenta agora
remendar isso em seu desespero pela reeleição.
Sinal de alerta
Folha de S. Paulo
Levante popular no Sri Lanka tem raízes
locais, mas evidencia as dificuldades de outros emergentes
País insular com 22 milhões de habitantes
ao sul da Índia, o Sri Lanka vem despertando a atenção internacional tanto pela
espiral de caos que se instalou internamente quanto pela dinâmica econômica que
levou sua população a incendiar a casa do premiê, invadir a sede do governo e,
finalmente, à fuga para as Maldivas do
presidente Gotabaya Rajapaksa.
Há algumas semanas, o Sri Lanka tornou-se a
primeira nação asiática a não honrar compromissos externos desde 1999. Devendo
US$ 50 bilhões a diferentes países e agências internacionais, a ilha sofreu
drástica diminuição no crédito, o que provocou a escassez de recursos para a
compra de alimentos, combustíveis e remédios.
Não é pequena a lista de erros cometidos
pela administração de Rajapaksa, agravados pela pandemia da Covid-19 e pela
guerra na Ucrânia. Cortes agressivos de impostos antes da crise sanitária e a
subsequente paralisação da economia com o isolamento social levaram o país a
conviver com um déficit fiscal equivalente a 10% do PIB, tornando impraticável
lançar mão de políticas públicas para conter o atual levante social.
Embora extremos, os eventos no Sri Lanka
têm sido acompanhados de perto por organismos como o Fundo Monetário
Internacional, que passou a considerar a possibilidade de ocorrências desse
tipo em países emergentes.
Segundo as Nações Unidas, os preços dos
alimentos atingiram há algumas semanas o maior patamar
da história. Embora tenha havido alguma estabilização ou mesmo queda
nos valores recentemente, a diminuição da renda em muitos emergentes na
pandemia —e a partir do surto inflacionário global— criou um caldo em que novos
protestos podem ocorrer.
Segundo o Center for Strategic and
International Studies, de Washington, países como Afeganistão, Síria, Etiópia,
Egito e Líbano estão bastante suscetíveis a levantes populares neste momento.
Na América Latina, produtores agrícolas
argentinos se manifestaram em rodovias na quarta (13) e suspenderam a
venda de grãos e pecuária para exigir isenção de impostos e a
normalização do abastecimento do óleo diesel, em escassez no auge da colheita.
No Brasil, embora não haja registro de
protestos, há cerca de 33 milhões de pessoas com dificuldade para se alimentar,
a inflação segue em dois dígitos e a renda do trabalho é hoje menor do que há
um ano.
PL que muda a Lei de Arbitragem não pode
prosperar
O Globo
Proposta é retrocesso que impõe exigências
descabidas e contribui para deteriorar ambiente de negócios
Enquanto o país se mobiliza em torno das
eleições, a Câmara aproveita para acelerar propostas que satisfazem a
interesses restritos sem a devida discussão com a sociedade. É o caso do projeto
de lei 3.293/2021, que altera a Lei de Arbitragem, de 1996.
A arbitragem é uma ferramenta privada para
resolver conflitos fora da esfera do Judiciário. É usada por empresas para
discutir questões contratuais, especialmente na área societária. Contribui para
desanuviar a Justiça e tornar mais ágil a resolução de problemas, fortalecendo
o ambiente de negócios brasileiro. Havia nas câmaras do país em 2019 (último
dado disponível) 967 processos envolvendo R$ 61 bilhões.
Entre os diversos pontos criticáveis no PL
— que, de tão estapafúrdio, foi apelidado “PL Antiarbitragem” —, está a
proposta de divulgar informações dos processos arbitrais, como composição do
tribunal, valor da disputa e teor das decisões. Hoje a questão é autorregulada.
É preciso mantê-la assim. A quebra da confidencialidade tende a deteriorar o
ambiente de negócios.
Outro aspecto que desagrada diz respeito ao
critério usado para os árbitros revelarem potenciais conflitos de interesse,
conhecido como “dever de revelação”. O PL determina que divulguem qualquer fato
que denote “dúvida mínima” sobre imparcialidade e independência, em vez de
“dúvida justificada”, padrão adotado não só no Brasil, mas em vários outros
países. Por fim, a imposição de limite à quantidade de processos em que um
mesmo árbitro pode atuar é outra interferência indevida.
Chama a atenção a pressa na análise do
projeto da deputada Margarete Coelho (PP-PI). No início do mês, sete
parlamentares entraram com pedido de urgência para a proposta. Qual a razão da
urgência num projeto cuja prioridade não se justifica no atual contexto, quando
questões mais prementes mofam aguardando a boa vontade dos parlamentares para
avançar?
É notável também a enorme capacidade do PL
para desagradar à comunidade arbitral. Uma nota técnica do Comitê Brasileiro de
Arbitragem (CBAr) afirma que a proposta “vai na contramão das mais respeitadas
diretrizes internacionais sobre conflitos de interesse na arbitragem”. O
Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) também divulgou nota em que
se refere ao PL como “impertinente” e “deletério”, ressaltando que as
alterações representam “perigosa interferência na autonomia dos usuários da
arbitragem”.
O Conselho Superior da Câmara de
Conciliação, Mediação e Arbitragem de Ciesp/Fiesp afirma que o PL fere a
Constituição e “revela a intenção do Estado em intervir em atividade
essencialmente privada”. A Comissão Permanente de Arbitragem e Mediação do
Instituto dos Advogados Brasileiros diz que, “no melhor cenário, terá como
resultado a redução de casos, a migração das arbitragens brasileiras para outros
países e a eliminação do país como possível sede de arbitragens
internacionais”, com prejuízo à economia.
Tal compêndio de equívocos, que promove o desmonte da arbitragem no Brasil, não pode prosperar. A decisão mais sensata é arquivar o PL. É consenso na comunidade arbitral que a atual legislação brasileira está em sintonia com as mais modernas do mundo e atende adequadamente às demandas do setor. Mudá-la, além de representar um retrocesso, nada traria em troca. Ao contrário, levaria arbitragens para fora do país. Em outras palavras: mais custos, menos empregos, piores negócios.
Comportamento dos adolescentes desperta
preocupação, revela pesquisa
O Globo
IBGE detecta aumento no uso de álcool e
drogas e na ocorrência de relações sexuais sem proteção
É urgente uma reflexão nas escolas, mas
sobretudo nos lares brasileiros, sobre os resultados da Pesquisa Nacional de
Saúde do Escolar, divulgada nesta semana pelo Instituto Brasileiros de
Geografia e Estatística (IBGE). Realizado com alunos do 9º ano do ensino
fundamental das redes pública e privada das capitais, o levantamento analisa o
período entre 2009 e 2019 e revela um quadro preocupante.
Aumentou o percentual de jovens que
experimentaram bebidas alcoólicas (de 53% em 2012 para 63% em 2019, com destaque
para as meninas) e drogas (de 8% em 2009 para 12% em 2019, também com um
empurrão das meninas). Na mão contrária, entre 2009 e 2019, o percentual dos
que usaram camisinha na última relação sexual caiu de 72,5% para 59%.
Esses problemas são comuns a todas as
classes sociais, e a discussão sobre o que fazer costuma ser prejudicada por
questões culturais. Não raramente ouve-se o argumento de que beber faz parte
das descobertas da adolescência. Pais e mães lembram as próprias experiências
com saudosismo. Quem mostra preocupação ainda corre o risco de ser tachado de
“exageradamente conservador”.
É inequívoca, porém, a correlação entre o
consumo de álcool entre adolescentes e o aumento na probabilidade de morte, de
acidente, de problemas no desenvolvimento cerebral, de fazer sexo sem proteção,
de ser vítima de abuso sexual e de tornar-se dependente na vida adulta. O fato
de muitos passarem pela adolescência sem tais dificuldades não muda a
realidade: consumir álcool tem efeitos nocivos.
Pesquisas realizadas em diferentes países
mostram que o uso do álcool entre adolescentes é crescente. A Organização
Mundial da Saúde estima que 155 milhões bebam costumeiramente — um grave
problema de saúde pública.
No consumo de drogas, a pesquisa do IBGE
revela maior precocidade. Os estudantes expostos a elas antes dos 14 anos foram
de 3,5% em 2009 para quase 6% em 2019. “A tendência é decrescente para os
meninos das escolas privadas e crescente para meninos de escolas públicas e
meninas de ambas as redes, chegando a um aumento expressivo de 164,6% entre as
meninas das escolas públicas em dez anos”, diz o sanitarista Marco Andreazzi,
do IBGE.
Em 2009, 28% dos adolescentes do 9º ano
diziam já ter mantido relações sexuais, mesmo patamar de dez anos depois. A
queda se deu no uso de preservativo, aumentando a exposição a doenças
sexualmente transmissíveis e à gravidez precoce.
Nas escolas, é comum que temas como álcool,
drogas e sexo sejam motivo de discórdia. Os pais exigem ações dos educadores, e
os professores dizem que festas e “rolês” ocorrem em horário de lazer. O
caminho para resolver os problemas passa por reconhecer que são graves — e por
um trabalho conjunto de pais e educadores.
Alta dos juros dos títulos públicos é sinal
de alerta
Valor Econômico
À medida que as eleições se aproximam, a
resistência do mercado em absorver novos títulos pode aumentar
A alta das taxas dos títulos públicos, tema
geralmente cativo da imprensa especializada em economia e finanças, ganhou as
manchetes dos jornais nos últimos dias. De um lado, o noticiário apontou para o
sinal de alerta que isso significava, expondo a necessidade de o Tesouro pagar
mais para vencer a resistência do comprador e conseguir vender seus papéis. De
outro salientou a oportunidade de se ganhar 1% ao mês, emprestando dinheiro
para o tomador considerado mais seguro do mercado, o governo. Quase 2 milhões
de brasileiros estão cadastrados no Tesouro Direto.
São as taxas mais elevadas desde o governo
da ex-presidente Dilma Rousseff, que também se notabilizou por desafiar o bom
senso fiscal. No fim de 2014, véspera da posse da presidente em seu segundo
mandato, os juros dos títulos públicos de prazo semelhante aos vendidos
atualmente estavam ligeiramente acima de 6%, sob o efeito da desconfiança do
mercado em relação às contas públicas. No início do governo de Jair Bolsonaro,
em janeiro de 2019, as taxas do Tesouro haviam caído para 4,76%; e chegaram
perto de 3% no fim do mesmo ano, com a aprovação da reforma da Previdência.
Mas, à medida que as dúvidas fiscais
ressurgiram, os juros retomaram a trajetória de alta. O mais recente
levantamento da dívida mobiliária federal divulgado pelo Tesouro, referente a
maio, mostrou que o custo médio acumulado em 12 meses do estoque da dívida
pública federal alcançou 9,86%, o nível mais elevado desde novembro de 2018.
Levando-se em conta apenas a dívida mobiliária interna, a taxa ficou em patamar
ainda mais alto, de 10,58%, a maior desde outubro de 2017. Naquele momento, o
Tesouro já comprovava que a reposição do estoque estava saindo mais salgado. O
custo médio anual das emissões foi de 11,69% em maio, o mais alto desde 2017.
A cada leilão semanal, o Tesouro vem
desembolsando mais para colocar seus títulos. Na terça-feira desta semana,
vendeu NTN-B com vencimento em 2025 pagando a variação do IPCA mais juro de
6,444%. Os mesmos papéis, corrigidos pela inflação, mas com vencimento em 2032,
saíram a 6,1815%; e, para 2045, a 6,33%. Na semana anterior, títulos iguais com
vencimento em 2027 pagavam menos de 6%; e os de 2060, os mais longos já
emitidos pelo Tesouro, 6,17%.
Apesar de pagar mais caro, o Tesouro não
tem conseguido vender tudo que coloca no balcão. Na terça-feira, o Tesouro
ofereceu 250 mil NTN-Bs, pouco mais da metade do lote disponibilizado da semana
anterior e um terço do leilão do fim de junho. Apenas 79% dos papéis foram
arrematados. Em maio, o Tesouro emitiu, em média, R$ 21,04 bilhões por semana;
em junho, esse nível caiu para R$ 14,96 bilhões; neste mês, recua mais um
pouco.
Esse volume é praticamente a metade do
necessário para cobrir os vencimentos previstos e manter o valioso colchão de
liquidez que o Tesouro possui. Essas reservas montavam a R$ 1,1 trilhão em
maio, o suficiente para cobrir 9,47 meses de vencimento de títulos à frente.
Sempre quando confrontado com dificuldades, o Tesouro lembra que prefere
recorrer ao colchão para liquidar os vencimentos a pressionar o mercado e
sancionar elevações bruscas, o que teria repercussões nos juros de papéis
privados.
Outro sinal de alerta é a redução do prazo
médio da dívida mobiliária, para 3,95 anos em maio em comparação com 4 anos em
abril, recuando em relação aos ganhos obtidos anteriormente. No início da tarde
de ontem, outro importante indicador de risco Brasil, o contrato de cinco anos
do CDS, estava em 332 pontos, o maior nível desde maio de 2020, apesar de a
agência de rating Fitch ter melhorado a perspectiva da nota brasileira de
negativa para estável, mantendo a marca de “BB-“.
O Tesouro está longe de ficar em corner.
Além do colchão de liquidez, é sempre possível ampliar as vendas de LFTs, um
título geralmente bem aceito. Mas não é o caso para relaxar, sob o risco de
deixar para o próximo governo mais ônus além da pesada conta das benesses que
estão sendo distribuídas nos próximos meses. À medida que as eleições se
aproximam, a resistência do mercado em absorver novos títulos pode aumentar. O
calendário de vencimentos de títulos públicos monta a R$ 453,24 bilhões até o
fim do ano. Um vencimento elevado de R$ 271,386 bilhões em títulos prefixados
está contratado para o primeiro dia de 2023. Com as emissões em níveis atuais,
o colchão de liquidez terminaria por volta de março, de acordo com cálculos do
mercado.
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