Editoriais / Opiniões
Bolsonaro e Centrão arruínam as
instituições
Valor Econômico
Bolsonaro exterminou as pastas da Saúde,
Educação e Meio Ambiente e cooptou para a defesa de seus interesses órgãos da
República, como a PGR
A degradação institucional promovida pelo
presidente da República e pelos líderes do Centrão no Congresso é ampla e
profunda. Não terminou ainda e está exclusivamente marcada por interesses
eleitorais de Bolsonaro e dos partidos fisiológicos em aumentar suas bancadas
para continuar parasitando o Orçamento no próximo governo, seja qual for.
A barreira para impedir o impeachment de Bolsonaro foi erguida ao preço de entregar a PP, PL, Republicanos e outras legendas fisiológicas o controle orçamentário. O resultado foi a criação das emendas do relator, cuja falta de transparência foi condição essencial para a distribuição de dinheiro público a currais eleitorais demarcados pelos caciques dos partidos governistas. Há rastros fortes de corrupção nas obras que financiaram e a Polícia Federal está no encalço de um dos ninhos de propulsão de obras irregulares, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, enquanto que os repasses de grande parte das emendas secretas para a Codevasf aguarda investigações sérias. Ambos são dirigidos por pessoas indicadas pelo PP, do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.
O regimento da Câmara foi jogado pela
janela na votação de propostas de emenda constitucional (PECs). A Constituição
pode ser mudada em uma noite, com votações a toque de caixa na Câmara e no
Senado, atropelando prazos regulamentares obrigatórios. A esbórnia está a
serviço da pressa e esta, dos interesses. Depois que o governo enterrou a
Lava-Jato com a ajuda da Procuradoria Geral da República, que eliminou as
forças-tarefas com a ladainha de aumentar a produtividade das operações - e
nunca mais se ouviu falar delas - o Congresso reformou, com apoio do PT, a lei
de improbidade administrativa.
Um dos objetivos da mudança - é agora
preciso provar a intenção do administrador em causar prejuízos aos cofres
públicos - foi prospectivo. O STF julga uma ação que pode absolver políticos
sob processo, como Arthur Lira, Wilson Witzel, Anthony Garotinho e Eduardo
Cunha, entre outros.
Com o apoio de Lira, Ciro e por vezes de
Rodolfo Pacheco, presidente do Senado (PSD-MG), Bolsonaro fez do orçamento
fundo auxiliar da campanha para a reeleição, furando o teto de gastos várias
vezes. Na última, aumentou para R$ 600 o Auxílio Brasil e criou vale para
caminhoneiros.
O Centrão e o presidente da República
infernizaram a Petrobras para mudar sua política de preços, criticaram seus
altos lucros para em seguida pedir às estatais que antecipem dividendos ao
governo, presumivelmente para haver recursos que permitam pagamento integral
dos R$ 16 bilhões de emendas do relator no ano.
Com o sinal errado vindo do Executivo, que
deveria indicar rumos e coordenar seus objetivos com os do Legislativo, o
Congresso sentiu-se à vontade para fazer de tudo. A Câmara aprovou ontem
projeto de lei para a renovação da frota de ônibus e caminhões, com prioridade
para os caminhoneiros autônomos. O dinheiro para bancar o programa virá da
Cide-combustíveis e, o que é muito ruim, dos recursos que as empresas de óleo e
gás usariam para pesquisa, desenvolvimento e inovação. O Executivo fez más
escolhas, a base governista segue piorando-as.
O desejo das legendas que passaram a
dominar o orçamento é o mesmo de Bolsonaro: continuísmo. O fundo eleitoral
bateu recorde, R$ 4,9 bilhões. Com eleições mais caras, o interesse das cúpulas
é apostar no certo e canalizar a maior parte dos recursos a quem já possui
cargo eletivo, inibindo a renovação. O objetivo para os partidos que não têm
candidato a presidente, e mesmo para alguns que têm, é aumentar seu cacife no
jogo legislativo, ampliando suas bancadas.
O governo diminui as receitas da próxima
administração sem cerimônia. Reduziu em 35% o IPI e quer cumprir velha promessa
de campanha, a atualização da tabela do IR, além de ter criado a armadilha
temporária dos R$ 600 do Auxilio Brasil, que prometeu manter se reeleito. O
Bolsa Família, focado e exitoso, custava R$ 35 bilhões; seu substituto,
desfigurado e sem foco, custará R$ 150 bilhões - e não há recursos sem cortes
drásticos nos investimentos e no custeio do Estado.
Bolsonaro exterminou as pastas da Saúde, Educação e Meio Ambiente e cooptou para a defesa de seus interesses instituições da República, como PGR, AGU e CGU. É uma obra notável de destruição, que pode crescer com o ‘esforço concentrado’ da Câmara.
Passando vergonha
O Estado de S. Paulo
O senso de urgência do ministro da Defesa parece estar descalibrado. Ele pediu acesso ‘urgentíssimo’ a dados do TSE que já estavam disponíveis havia dez meses
O alinhamento do ministro da Defesa, Paulo
Sérgio Nogueira de Oliveira, à cruzada do presidente Jair Bolsonaro contra o
sistema eleitoral chega às raias do constrangimento. Nesse sentido, ele segue
com disciplina marcial os passos de seu antecessor na pasta, Walter Braga Netto
– aquele que, na condição de ministro da Defesa, mandou avisar que não haveria
eleições caso não houvesse voto “auditável”.
Por meio de um ofício classificado como
“urgentíssimo”, no dia 2 passado o ministro da Defesa requereu ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) acesso aos códigos-fonte das urnas eletrônicas. Ora,
esses códigos já estavam à disposição das entidades fiscalizadoras do processo
de votação, entre as quais figuram as Forças Armadas, desde outubro do ano
passado; logo, urgência não havia, a não ser a urgência do ministro da Defesa
de causar confusão.
Como os dados já estavam disponíveis, o TSE
prontamente atendeu ao pedido do ministro da Defesa. No dia seguinte ao ofício
“urgentíssimo” de Paulo Sérgio, já havia local e cronograma definidos para que
técnicos indicados por ele começassem uma auditoria que, a rigor, poderia ter
sido realizada ainda no ano passado. Convém lembrar que, em ofício datado de 6
de outubro de 2021, o então presidente da Corte Eleitoral, ministro Luís Roberto
Barroso, convidou Braga Netto, então ministro da Defesa, a indicar auditores
nos seguintes termos: “Senhor ministro, com meus cordiais cumprimentos, informo
que os códigos-fonte dos programas que compõem o sistema eletrônico de votação
estão disponíveis para inspeção de suas evoluções, das 10h às 18h, na Sala
Multiuso, localizada no subsolo do edifício-sede deste Tribunal”.
Objetivamente, nada foi feito pelo Ministério da Defesa.
Ainda que com atraso de dez meses, é muito
bom para o País que o Ministério da Defesa tenha decidido se debruçar sobre os
códigos-fonte. Quanto mais entidades fiscalizadoras atestarem sua higidez,
tanto mais evidente ficará para a sociedade que o modelo brasileiro de planejar
e realizar eleições é extremamente seguro e eficaz, e que não por acaso é tido
como um paradigma para todos os países democráticos.
A abertura dos quatro códigos-fonte dos
programas do sistema eleitoral – Sistema de Apuração (SA), Sistema de Votação
(VOTA), Sistema de Logs SA VOTA e Sistema de Totalização (SisTot) – em outubro
passado, a um ano da realização do pleito, já fora uma clara demonstração de
que o TSE pretende atuar com a máxima transparência na organização das eleições
de 2022. Até então, os códigos-fonte eram liberados para auditoria com antecedência
de seis meses.
A questão, no entanto, nada tem a ver com a
confiabilidade do sistema de votação, já amplamente comprovada. O objetivo do
ministro da Defesa, a serviço do presidente Bolsonaro, não é melhorar coisa
alguma, e sim difundir dúvidas sobre a lisura do processo. Nenhuma resposta da
Justiça Eleitoral deixará os bolsonaristas satisfeitos, pois a estratégia do
presidente, amplamente anunciada pelo próprio, é denunciar “fraudes” na eleição
para não reconhecer o resultado caso seja derrotado.
Sob inspiração do presidente da República,
há quem aposte na desordem para deslegitimar as escolhas dos eleitores neste
ano. Não são triviais as ameaças de ataques hacker contra os servidores do TSE
e dos Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados às vésperas das eleições de
outubro. O Estadão teve acesso a um relatório interno do TSE em que
técnicos enumeram algumas possibilidades de ataque que, no limite, podem
impedir o acesso a dados, tal como ocorreu com o Superior Tribunal de Justiça
(STJ), em 2020. Ainda que os sistemas da urna eletrônica não sejam
comprometidos, uma tentativa de invasão a outros sistemas do TSE que seja
bem-sucedida bastaria para que os arautos do caos levantassem suspeitas contra
todo o processo.
É bom, portanto, que o TSE faça tudo o que
estiver a seu alcance para evitar ou minimizar esses ataques, para
tranquilidade dos cidadãos brasileiros. Já para os fanáticos bolsonaristas,
nada será suficiente para fazê-los aceitar uma eventual derrota de seu “mito”.
Logo, se há algo “urgentíssimo” a fazer no País, é deixar esses golpistas
falando sozinhos.
Câmara ‘virtual’ é enorme retrocesso
O Estado de S. Paulo
No ‘novo normal’ da Câmara, sessões virtuais, indispensáveis na pandemia, passaram a integrar a caixa de ferramentas governista para atropelar os processos legislativos
Em março de 2020, o Congresso respondeu com
notável agilidade a uma situação paradoxal: a eclosão da emergência sanitária
exigia, a um tempo, que todos se isolassem em suas casas, mas também a
atividade enérgica do Poder Público, em especial dos representantes eleitos.
Assim, foram mobilizados dispositivos eletrônicos para viabilizar deliberações
e votações a distância, possibilitando, por exemplo, a rápida aprovação do
“orçamento de guerra”.
Hoje, com a imunização em massa, as taxas
de contágio e ocupação hospitalar estão controladas. Escritórios, estádios,
shows ou shoppings funcionam normalmente. Mas, na Câmara, o trabalho remoto,
que, num momento excepcional, se mostrou indispensável para servir aos
interesses da sociedade, foi transformado pela ala fisiológica capitaneada pelo
presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), em um instrumento para tratorar o
processo legislativo conforme as suas conveniências corporativas.
Nesta semana, mais uma vez, Lira baixou um
Ato convertendo todas as sessões em virtuais. Já em fevereiro, Lira usou o
vírus como desculpa para suspender as sessões presenciais e solapar as
comissões temáticas, despejando direto no plenário votações intempestivas, como
a da legalização dos jogos de azar. Em março, chegou a suspender por tempo indeterminado
as sessões presenciais. Em julho, o expediente foi empregado para atropelar a
deliberação da chamada “PEC Kamikaze” que, numa tacada, violentou a legislação
eleitoral, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a própria Constituição, na
tentativa de angariar votos para Jair Bolsonaro.
É evidente que o mundo do trabalho nunca
mais será o mesmo após a pandemia. Acelerando 20 anos em 2, o isolamento
forçado pelo vírus impulsionou ao mesmo tempo a digitalização de todas as
relações sociais. O trabalho híbrido chegou para ficar, e batalhões de
especialistas estudam como tirar proveito da realidade virtual para ampliar a
produtividade e o bem-estar dos trabalhadores.
Mas o trabalho legislativo não é um
trabalho qualquer. É da essência do Parlamento, como denota sua etimologia (parler,
“falar”), o diálogo, o debate, o confronto transparente, cara a cara, de
diferentes pontos de vista. É na tribuna, mais do que em qualquer outro lugar,
que a oposição, de viva voz, se faz ouvir. É nas comissões parlamentares que os
legisladores se debruçam sobre as contribuições de especialistas e organizações
da sociedade civil.
Mas justamente essa essência tem sido
desvirtuada a olhos vistos pelas manobras de Lira. As sessões virtuais não são
a única ferramenta de seu kit. Votações relâmpagos às seis horas da manhã,
canetadas nos prazos regimentais, “problemas técnicos” esquisitos nos sistemas
de informática, requerimentos de “urgência” duvidosa, fatiamentos de projetos,
tudo isso serviu para degradar o processo legislativo a um nível inaudito.
Assim a boiada passa, e matérias com
profundas implicações para milhões de brasileiros tramitam a toque de caixa, e
praticamente às cegas. Deputados votam textos quilométricos sem o devido tempo
para a apreciação ou acompanham sessões a bordo de um táxi, isso quando não
delegam a um assessor registrar presença no plenário virtual e digitar o botão
de “sim” ou “não”. No fim de 2021, chegou-se à situação esdrúxula na qual os
parlamentares aprovaram o projeto final que alterava o Imposto de Renda sem
sequer conhecer o texto que estavam votando.
É evidente que a suspensão das sessões
presenciais nesta semana não se presta a atender aos interesses da população,
muito menos à segurança dos deputados. Como apurou a Coluna do Estadão,
seja por desinteresse no trabalho legislativo às vésperas do início da
campanha, seja para retaliar os cortes de emendas do “orçamento secreto”,
muitos deputados disseram não estar “estimulados” a aparecer em Brasília.
Que em outubro o eleitorado cuide bem de
escolher os seus representantes. Independentemente da orientação ideológica de
cada um, é uma precondição – tautológica até – que se mostrem dispostos a
exercer essa representação de corpo presente.
O desastre das boas intenções
O Estado de S. Paulo
Agindo pelos motivos certos, mas de maneira errada, Pelosi ampliou riscos à segurança de Taiwan e do mundo
Desde que a República da China perdeu a
guerra civil para as forças do Partido Comunista Chinês e abandonou a China
continental para se refugiar na ilha de Taiwan, em 1949, ela se tornou uma
democracia vibrante e desenvolvida. Ante a crescente ameaça de reunificação
forçada pelo regime totalitário da República Popular da China, ninguém deveria
ser insensível ao gesto de solidariedade da presidente da Câmara dos deputados
americana, Nancy Pelosi, que visitou Taipei nesta semana. Mas, já dizia o sábio
bíblico, para tudo há um tempo e um lugar. Os escolhidos por Pelosi não
poderiam ser mais temerários.
Desde a guerra fria, nunca os riscos de uma
hecatombe nuclear estiveram tão altos, nunca a Rússia esteve tão distante do
Ocidente e tão próxima da China e nunca a China foi tão hostil aos seus
vizinhos e ao Ocidente.
Desde a década de 70, a paz entre Taiwan e
China foi sustentada pelo mútuo entendimento – a política “Uma China” – de que
Pequim buscaria a reunificação pacificamente enquanto Washington manteria sua “ambiguidade
estratégica”: por um lado, não reconhecer Taiwan como um país de jure, por
outro, armá-lo para que pudesse defender sua independência de facto.
O gesto de Pelosi – o último de uma série
de acusações aos abusos da China, desde o massacre da Paz Celestial às
atrocidades no Tibete e em Xinjiang até o assalto a Hong Kong – foi denunciado
por Pequim como uma violação da política “Uma China”, mas é ele mesmo uma
reação às intenções cada vez mais explícitas do ditador Xi Jinping de uma
ocupação militar. No momento e local errados, contudo, a coragem não passa de
temeridade e as aspirações mais nobres se pervertem em uma provocação estúpida.
A visita deveria mostrar força, mas só passou a sensação de incoerência do
governo americano e deixou Taiwan ainda mais vulnerável.
Primeiro, houve descoordenação entre
Legislativo e Executivo. Questionado sobre a visita, o presidente Joe Biden
disse que “não foi uma boa ideia neste momento”. Mas ele mesmo declarou várias
vezes que não só apoiaria a “independência” de Taiwan, como empregaria forças
para defendê-la, só para ser retificado depois por seus assessores. Como notou
a revista The Economist, esses quiproquós transformaram a “ambiguidade
estratégica” em “confusão estratégica”.
Pelosi retornará a sua casa confortável em
São Francisco deixando um punhado de palavras inspiradoras em Taipei que nem de
longe compensam os pretextos entregues a Pequim para escalar suas intimidações.
Uma invasão seria catastrófica para os 24 milhões de taiwaneses e para a ordem mundial. Taiwan é o principal produtor dos semicondutores que sustentam o mundo digital. O Ocidente, particularmente os EUA, pode e deve defender os valores democráticos e seus interesses. Mas isso não se fará com gestos de santimônia, e sim com concertações diplomáticas, que dissuadam a China de estrangular economicamente Taiwan, e com armas e treinamento, que dissuadam um assalto militar, garantindo ao povo de Taiwan condições para defender suas liberdades e negociar seu destino com a China.
Eleitor apático
Folha de S. Paulo
Datafolha aponta desinteresse preocupante
pela escolha de representantes no Legislativo
O Parlamento é, por definição, a mais
aberta das instituições democráticas. Nele estão representadas, ainda que
imperfeitamente, diferentes vozes e correntes de pensamento que há na
sociedade. É com desalento, portanto, que se constata a apatia do eleitor na
escolha de deputados
federais e senadores.
A prova do desinteresse está na mais
recente pesquisa Datafolha.
Segundo o instituto, 64% dos cidadãos não lembram o
nome do candidato a deputado federal em que votaram no pleito
passado, e 65% esqueceram a escolha para o Senado.
Em favor dos eleitores pode-se dizer que o
sistema de escolha para a Câmara não é dos mais amigáveis. O voto
proporcional com listas abertas aqui adotado é, sem dúvida, o
que mais favorece o pluralismo e a diversidade, mas coloca não poucos
obstáculos para o eleitor.
A primeira dificuldade é identificar, num
mar de candidatos, quem melhor o representa. Em 2018, foram 8.067 postulantes
para as 513 cadeiras na Câmara. A maioria dos concorrentes fica no meio do caminho,
e não se ouve mais falar deles.
A propaganda eleitoral no rádio e na
televisão até que dá conta de expor o cidadão às ideias dos principais
candidatos às disputas majoritárias, notadamente os cargos no Executivo, mas
funciona muito mal no caso das proporcionais.
Em São Paulo, o estado mais congestionado,
seriam necessárias mais de sete horas de programação para dar a cada um dos
1.686 candidatos que disputaram uma vaga de deputado federal no último pleito
apenas 15 segundos para passar sua mensagem central. Os postulantes à Câmara
têm 75 minutos semanais, numa campanha que se estende por um mês.
A tecnologia pode ser valiosa. Iniciativas,
como a desta Folha, que oferecem ferramentas
digitais para o eleitor identificar candidatos com ideias
parecidas às suas permitem superar a barreira do anonimato das candidaturas,
mas serão necessários anos para que os eleitores as usem de forma consistente.
Na ausência de uma reforma política que
modificasse o sistema de votação, o que não está no horizonte, resta apostar na
capacidade de aprendizagem do eleitorado, para que ele consiga fazer escolhas
cuidadosas, apesar dos obstáculos. Tecnologia, boa informação e transparência
são o caminho.
Nesse sentido, é lamentável que o Tribunal
Superior Eleitoral, baseado numa interpretação hiperbólica da Lei Geral de
Proteção de Dados, tenha restringido a divulgação de informações
sobre o patrimônio declarado pelos candidatos, privando o
eleitor de saber, por exemplo, de quais empresas eles são sócios.
A democracia depende de o eleitor saber o
máximo possível sobre seus representantes, e a decisão do TSE vai na direção
oposta.
Passeio perigoso
Folha de S. Paulo
Visita de Pelosi a Taiwan colhe frutos duvidosos
para os EUA, mas expõe também limites da China
Em 1991, a então ascendente deputada
americana Nancy Pelosi causou
furor ao deixar uma comitiva que visitava Pequim para fazer um protesto pela
democracia na praça da Paz Celestial, palco do massacre de estudantes dois anos
antes.
Agora, após três décadas de críticas à
ditadura comunista, completou o ciclo como a primeira presidente da Câmara dos
Estados Unidos a ter visitado
Taiwan, a ilha que a China considera sua, em 25 anos.
Aos 82 anos, ameaçada de perder a cadeira
nas eleições legislativas de novembro, em que a maioria detida pelo Partido
Democrata de Pelosi e do presidente Joe Biden estará em jogo, ela pode alegar
coerência.
As consequências da ousadia ainda serão
vistas. Diferentemente dos anos 1990, a China hoje é a segunda maior economia
do mundo e tem no seu líder Xi Jinping um dínamo de assertividade política e
militar.
Depois de admoestar os
americanos para que evitassem a visita, ele anunciou resposta
calculada.
Além de enviar caças para um teste das
defesas da ilha, como fez outras vezes, despachou forças aeronavais
para exercícios com munição de verdade —o que implicará o bloqueio do
trânsito de navios e aviões em seis pontos ao redor do
território que Xi promete absorver.
Com isso, a China demonstra uma capacidade
que não tinha em 1995, quando reagiu de forma análoga, mas menos ambiciosa, a
uma visita do então presidente taiwanês a Washington. Pequim trata tais mesuras
como apoio inaceitável à independência taiwanesa.
Os três dias de manobras a partir desta
quinta (4) manterão alta a tensão que contaminou os mercados mundiais, mas o
risco maior é de acidente, não de uma guerra.
Nesse sentido, a provocação de Pelosi, que
foi criticada por aliados dos EUA na região e bagunça a estratégia montada por
Biden para uni-los, também tem o condão de expor alguns limites
chineses.
Por mais que o entrevero lhe dê um reforço
político às vésperas de sua recondução para um inédito terceiro mandato, Xi não
pode ir muito além das ameaças.
A crise causada pelos lockdowns de sua
política de Covid zero e a ameaça de quebra do mercado imobiliário chinês o
obrigam a buscar acomodação com o Ocidente, apesar do clima envenenado pela
guerra de sua aliada
Rússia na Ucrânia.
Mas uma característica da práxis política
chinesa é a paciência. A visita de Pelosi dificilmente será esquecida quando e
se Xi superar seus obstáculos em casa.
Nível decepcionante de investigação
incentiva violência
O Globo
Levantamento do Instituto Sou da Paz mostra
que Brasil esclareceu apenas 37% dos homicídios dolosos em 2019
Crimes em que se conhecem os suspeitos,
como os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom
Phillips no Amazonas ou do menino Henry Borel no Rio, são exceções nas
estatísticas criminais de um país que registra quase 50 mil homicídios por ano.
Um levantamento do Instituto Sou da Paz divulgado nesta semana mostra que menos
de 40% dos assassinatos ocorridos no Brasil em 2019 resultaram em denúncia do
Ministério Público.
O estudo foi feito com base em homicídios
dolosos — aqueles em que há intenção de matar — e considerou elucidados os que
resultaram em ação penal até o fim do ano seguinte. De 39 mil casos, apenas 37%
geraram denúncia. A pesquisa analisou dados dos Ministérios Públicos e dos
Tribunais de Justiça de 19 das 27 unidades da Federação. Em oito estados, não
havia informações suficientes para o levantamento.
O percentual de esclarecimento de crimes já
não é bom diante da média mundial, de 63%. Pois piorou em relação ao levantamento
anterior, que apontava elucidação de 44% para os assassinatos ocorridos em
2018. Dos dados disponíveis, Rondônia apresentou o melhor desempenho
investigativo: elucidou 90% dos casos. Mato Grosso do Sul esclareceu 86%, e
Santa Catarina 78%. Na outra ponta, o pior desempenho foi do Rio de Janeiro,
com ínfimos 16% dos crimes solucionados. Depois vieram Amapá (19%), Bahia, Pará
e Piauí (os três com 24%). Em São Paulo, onde o estudo diz terem sido
esclarecidos 34% dos crimes em 2019, a Secretaria de Segurança Pública alegou
que usa metodologia diferente e informou taxa de esclarecimento de 51%.
É irrelevante ficar discutindo se essa ou
aquela metodologia é a mais correta. Os dados do Instituto Sou da Paz são
eloquentes para mostrar que em geral o país não investiga — e, quando
investiga, investiga muito pouco — os crimes contra a vida. A não ser nos casos
de grande repercussão, diante da pressão da opinião pública e das próprias
autoridades, interessadas em mostrar que estão trabalhando ou em sua própria
sobrevivência política.
Claro que esclarecer crimes graves como
homicídios dolosos não é só questão de vontade. O trabalho exige profissionais
preparados, recomposição de equipes de investigação, aparelhamento das
polícias, laboratórios equipados e tecnologia para elucidar crimes. Mas essa
infelizmente não é a realidade da maior parte das polícias do país, mesmo nos
estados mais ricos.
O Brasil precisa melhorar seus índices de
resolução de crimes. Arquivar investigações sem apontar culpados é uma segunda
tragédia para a família da vítima, obrigada a conviver com as dores da perda e
da impunidade. O mínimo que se espera num Estado de Direito é que criminosos
respondam por seus atos. Não se está falando das idiossincrasias da Justiça ou
da leniência da legislação brasileira com criminosos de todo tipo. Trata-se de
algo básico: investigar, identificar a autoria e encaminhar o caso à Justiça
para julgamento.
Não percorrer esse caminho essencial é
contribuir com a impunidade, que serve de combustível para que as atrocidades
se perpetuem. Os criminosos se sentem livres para barbarizar, já que as chances
de ser apanhados são mínimas. Não é acaso que o país tenha registrado no ano
passado, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 47.503
assassinatos, 130 por dia, mais de cinco a cada hora. Um descalabro.
Visita de Nancy Pelosi a Taiwan foi
provocação desnecessária à China
O Globo
Chineses responderam com exercícios
militares à decisão da presidente da Câmara dos Estados Unidos
Para defender Taiwan de uma possível
invasão da China no futuro, as autoridades americanas deveriam evitar gestos
que elevam a tensão sem nenhum efeito prático no fortalecimento da defesa da
ilha. Foi exatamente isso o que fez nesta semana a presidente da Câmara dos
Representantes dos Estados Unidos, a deputada democrata Nancy Pelosi. Ao
visitar Taipé, a capital, ela enfureceu os chineses. A resposta veio na forma
de exercícios militares, com munição real em diferentes pontos próximos à costa
de Taiwan. Quando duas potências atômicas ensaiam essa dança, o mundo precisa
prestar atenção.
O que Taiwan ganhou com a visita?
Rigorosamente, nada. O trabalho necessário para convencer os chineses a desistir
de um eventual ataque militar deve ser feito longe dos holofotes cobiçados por
Pelosi. O interesse americano seria atingido com mais eficácia elevando o poder
de combate de Taiwan, enviando novos equipamentos militares e também preparando
a população para a eventualidade de um conflito. Diante do gigantismo das
Forças Armadas chinesas, a estratégia deveria incluir o reforço de capacidades
assimétricas. Por isso, a palavra de ordem precisa ser “dissuasão”. É
inimaginável que armas sejam postas lá para ser usadas de verdade.
Desde que as tropas de Chiang Kai-Shek
foram vencidas por Mao Tsé-Tung e se refugiaram em Taiwan, os comunistas
insistem em retomar o controle da ilha. A partir dos anos 1970, os Estados
Unidos passaram a adotar uma política ambígua. No discurso, dizem aceitar a
visão de que existe uma só China. Ao mesmo tempo, não deixam de dar apoio
financeiro e militar a Taiwan, sob o argumento de defender seu regime
democrático diante da ameaça comunista.
A visita de um presidente da Câmara
americana a Taiwan tem precedente. O republicano Newt Gingrich fez o mesmo que
Pelosi em 1997. Só que, obviamente, o mundo hoje é outro. O poderio militar e
econômico da China cresceu. O líder chinês, Xi Jinping, tem um perfil que em
nada lembra a cautela de seus antecessores. No final de julho, em conversa com
o presidente americano, Joe Biden, Xi avisou: “Se brincar com fogo, vai se
queimar”.
Os americanos têm se aproximado mais de
Taiwan numa tentativa de fazer pressão sobre a China. Em 2020, Mike Pompeo,
então secretário de Estado, parabenizou a presidente Tsai Ing-Wen no dia de sua
posse. Em maio, Biden disse que os Estados Unidos estariam dispostos a se
envolver militarmente para defender a ilha. Diante de todas essas provocações,
a fúria chinesa não parece descabida.
Pelosi não poupou palavras de impacto sobre
a importância de seu país defender a democracia de Taiwan. O efeito foi
justamente o oposto do desejado: a ameaça de invasão de Taiwan pela China
cresceu. Ela teria feito melhor se tivesse ficado longe de Taipé.
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