quinta-feira, 4 de agosto de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Bolsonaro e Centrão arruínam as instituições

Valor Econômico

Bolsonaro exterminou as pastas da Saúde, Educação e Meio Ambiente e cooptou para a defesa de seus interesses órgãos da República, como a PGR

A degradação institucional promovida pelo presidente da República e pelos líderes do Centrão no Congresso é ampla e profunda. Não terminou ainda e está exclusivamente marcada por interesses eleitorais de Bolsonaro e dos partidos fisiológicos em aumentar suas bancadas para continuar parasitando o Orçamento no próximo governo, seja qual for.

A barreira para impedir o impeachment de Bolsonaro foi erguida ao preço de entregar a PP, PL, Republicanos e outras legendas fisiológicas o controle orçamentário. O resultado foi a criação das emendas do relator, cuja falta de transparência foi condição essencial para a distribuição de dinheiro público a currais eleitorais demarcados pelos caciques dos partidos governistas. Há rastros fortes de corrupção nas obras que financiaram e a Polícia Federal está no encalço de um dos ninhos de propulsão de obras irregulares, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, enquanto que os repasses de grande parte das emendas secretas para a Codevasf aguarda investigações sérias. Ambos são dirigidos por pessoas indicadas pelo PP, do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.

O regimento da Câmara foi jogado pela janela na votação de propostas de emenda constitucional (PECs). A Constituição pode ser mudada em uma noite, com votações a toque de caixa na Câmara e no Senado, atropelando prazos regulamentares obrigatórios. A esbórnia está a serviço da pressa e esta, dos interesses. Depois que o governo enterrou a Lava-Jato com a ajuda da Procuradoria Geral da República, que eliminou as forças-tarefas com a ladainha de aumentar a produtividade das operações - e nunca mais se ouviu falar delas - o Congresso reformou, com apoio do PT, a lei de improbidade administrativa.

Um dos objetivos da mudança - é agora preciso provar a intenção do administrador em causar prejuízos aos cofres públicos - foi prospectivo. O STF julga uma ação que pode absolver políticos sob processo, como Arthur Lira, Wilson Witzel, Anthony Garotinho e Eduardo Cunha, entre outros.

Com o apoio de Lira, Ciro e por vezes de Rodolfo Pacheco, presidente do Senado (PSD-MG), Bolsonaro fez do orçamento fundo auxiliar da campanha para a reeleição, furando o teto de gastos várias vezes. Na última, aumentou para R$ 600 o Auxílio Brasil e criou vale para caminhoneiros.

O Centrão e o presidente da República infernizaram a Petrobras para mudar sua política de preços, criticaram seus altos lucros para em seguida pedir às estatais que antecipem dividendos ao governo, presumivelmente para haver recursos que permitam pagamento integral dos R$ 16 bilhões de emendas do relator no ano.

Com o sinal errado vindo do Executivo, que deveria indicar rumos e coordenar seus objetivos com os do Legislativo, o Congresso sentiu-se à vontade para fazer de tudo. A Câmara aprovou ontem projeto de lei para a renovação da frota de ônibus e caminhões, com prioridade para os caminhoneiros autônomos. O dinheiro para bancar o programa virá da Cide-combustíveis e, o que é muito ruim, dos recursos que as empresas de óleo e gás usariam para pesquisa, desenvolvimento e inovação. O Executivo fez más escolhas, a base governista segue piorando-as.

O desejo das legendas que passaram a dominar o orçamento é o mesmo de Bolsonaro: continuísmo. O fundo eleitoral bateu recorde, R$ 4,9 bilhões. Com eleições mais caras, o interesse das cúpulas é apostar no certo e canalizar a maior parte dos recursos a quem já possui cargo eletivo, inibindo a renovação. O objetivo para os partidos que não têm candidato a presidente, e mesmo para alguns que têm, é aumentar seu cacife no jogo legislativo, ampliando suas bancadas.

O governo diminui as receitas da próxima administração sem cerimônia. Reduziu em 35% o IPI e quer cumprir velha promessa de campanha, a atualização da tabela do IR, além de ter criado a armadilha temporária dos R$ 600 do Auxilio Brasil, que prometeu manter se reeleito. O Bolsa Família, focado e exitoso, custava R$ 35 bilhões; seu substituto, desfigurado e sem foco, custará R$ 150 bilhões - e não há recursos sem cortes drásticos nos investimentos e no custeio do Estado.

Bolsonaro exterminou as pastas da Saúde, Educação e Meio Ambiente e cooptou para a defesa de seus interesses instituições da República, como PGR, AGU e CGU. É uma obra notável de destruição, que pode crescer com o ‘esforço concentrado’ da Câmara.

Passando vergonha

O Estado de S. Paulo

O senso de urgência do ministro da Defesa parece estar descalibrado. Ele pediu acesso ‘urgentíssimo’ a dados do TSE que já estavam disponíveis havia dez meses

O alinhamento do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, à cruzada do presidente Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral chega às raias do constrangimento. Nesse sentido, ele segue com disciplina marcial os passos de seu antecessor na pasta, Walter Braga Netto – aquele que, na condição de ministro da Defesa, mandou avisar que não haveria eleições caso não houvesse voto “auditável”.

Por meio de um ofício classificado como “urgentíssimo”, no dia 2 passado o ministro da Defesa requereu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acesso aos códigos-fonte das urnas eletrônicas. Ora, esses códigos já estavam à disposição das entidades fiscalizadoras do processo de votação, entre as quais figuram as Forças Armadas, desde outubro do ano passado; logo, urgência não havia, a não ser a urgência do ministro da Defesa de causar confusão.

Como os dados já estavam disponíveis, o TSE prontamente atendeu ao pedido do ministro da Defesa. No dia seguinte ao ofício “urgentíssimo” de Paulo Sérgio, já havia local e cronograma definidos para que técnicos indicados por ele começassem uma auditoria que, a rigor, poderia ter sido realizada ainda no ano passado. Convém lembrar que, em ofício datado de 6 de outubro de 2021, o então presidente da Corte Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, convidou Braga Netto, então ministro da Defesa, a indicar auditores nos seguintes termos: “Senhor ministro, com meus cordiais cumprimentos, informo que os códigos-fonte dos programas que compõem o sistema eletrônico de votação estão disponíveis para inspeção de suas evoluções, das 10h às 18h, na Sala Multiuso, localizada no subsolo do edifício-sede deste Tribunal”. Objetivamente, nada foi feito pelo Ministério da Defesa.

Ainda que com atraso de dez meses, é muito bom para o País que o Ministério da Defesa tenha decidido se debruçar sobre os códigos-fonte. Quanto mais entidades fiscalizadoras atestarem sua higidez, tanto mais evidente ficará para a sociedade que o modelo brasileiro de planejar e realizar eleições é extremamente seguro e eficaz, e que não por acaso é tido como um paradigma para todos os países democráticos.

A abertura dos quatro códigos-fonte dos programas do sistema eleitoral – Sistema de Apuração (SA), Sistema de Votação (VOTA), Sistema de Logs SA VOTA e Sistema de Totalização (SisTot) – em outubro passado, a um ano da realização do pleito, já fora uma clara demonstração de que o TSE pretende atuar com a máxima transparência na organização das eleições de 2022. Até então, os códigos-fonte eram liberados para auditoria com antecedência de seis meses.

A questão, no entanto, nada tem a ver com a confiabilidade do sistema de votação, já amplamente comprovada. O objetivo do ministro da Defesa, a serviço do presidente Bolsonaro, não é melhorar coisa alguma, e sim difundir dúvidas sobre a lisura do processo. Nenhuma resposta da Justiça Eleitoral deixará os bolsonaristas satisfeitos, pois a estratégia do presidente, amplamente anunciada pelo próprio, é denunciar “fraudes” na eleição para não reconhecer o resultado caso seja derrotado.

Sob inspiração do presidente da República, há quem aposte na desordem para deslegitimar as escolhas dos eleitores neste ano. Não são triviais as ameaças de ataques hacker contra os servidores do TSE e dos Tribunais Regionais Eleitorais nos Estados às vésperas das eleições de outubro. O Estadão teve acesso a um relatório interno do TSE em que técnicos enumeram algumas possibilidades de ataque que, no limite, podem impedir o acesso a dados, tal como ocorreu com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2020. Ainda que os sistemas da urna eletrônica não sejam comprometidos, uma tentativa de invasão a outros sistemas do TSE que seja bem-sucedida bastaria para que os arautos do caos levantassem suspeitas contra todo o processo.

É bom, portanto, que o TSE faça tudo o que estiver a seu alcance para evitar ou minimizar esses ataques, para tranquilidade dos cidadãos brasileiros. Já para os fanáticos bolsonaristas, nada será suficiente para fazê-los aceitar uma eventual derrota de seu “mito”. Logo, se há algo “urgentíssimo” a fazer no País, é deixar esses golpistas falando sozinhos.

Câmara ‘virtual’ é enorme retrocesso

O Estado de S. Paulo

No ‘novo normal’ da Câmara, sessões virtuais, indispensáveis na pandemia, passaram a integrar a caixa de ferramentas governista para atropelar os processos legislativos

Em março de 2020, o Congresso respondeu com notável agilidade a uma situação paradoxal: a eclosão da emergência sanitária exigia, a um tempo, que todos se isolassem em suas casas, mas também a atividade enérgica do Poder Público, em especial dos representantes eleitos. Assim, foram mobilizados dispositivos eletrônicos para viabilizar deliberações e votações a distância, possibilitando, por exemplo, a rápida aprovação do “orçamento de guerra”.

Hoje, com a imunização em massa, as taxas de contágio e ocupação hospitalar estão controladas. Escritórios, estádios, shows ou shoppings funcionam normalmente. Mas, na Câmara, o trabalho remoto, que, num momento excepcional, se mostrou indispensável para servir aos interesses da sociedade, foi transformado pela ala fisiológica capitaneada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), em um instrumento para tratorar o processo legislativo conforme as suas conveniências corporativas.

Nesta semana, mais uma vez, Lira baixou um Ato convertendo todas as sessões em virtuais. Já em fevereiro, Lira usou o vírus como desculpa para suspender as sessões presenciais e solapar as comissões temáticas, despejando direto no plenário votações intempestivas, como a da legalização dos jogos de azar. Em março, chegou a suspender por tempo indeterminado as sessões presenciais. Em julho, o expediente foi empregado para atropelar a deliberação da chamada “PEC Kamikaze” que, numa tacada, violentou a legislação eleitoral, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a própria Constituição, na tentativa de angariar votos para Jair Bolsonaro.

É evidente que o mundo do trabalho nunca mais será o mesmo após a pandemia. Acelerando 20 anos em 2, o isolamento forçado pelo vírus impulsionou ao mesmo tempo a digitalização de todas as relações sociais. O trabalho híbrido chegou para ficar, e batalhões de especialistas estudam como tirar proveito da realidade virtual para ampliar a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores.

Mas o trabalho legislativo não é um trabalho qualquer. É da essência do Parlamento, como denota sua etimologia (parler, “falar”), o diálogo, o debate, o confronto transparente, cara a cara, de diferentes pontos de vista. É na tribuna, mais do que em qualquer outro lugar, que a oposição, de viva voz, se faz ouvir. É nas comissões parlamentares que os legisladores se debruçam sobre as contribuições de especialistas e organizações da sociedade civil.

Mas justamente essa essência tem sido desvirtuada a olhos vistos pelas manobras de Lira. As sessões virtuais não são a única ferramenta de seu kit. Votações relâmpagos às seis horas da manhã, canetadas nos prazos regimentais, “problemas técnicos” esquisitos nos sistemas de informática, requerimentos de “urgência” duvidosa, fatiamentos de projetos, tudo isso serviu para degradar o processo legislativo a um nível inaudito.

Assim a boiada passa, e matérias com profundas implicações para milhões de brasileiros tramitam a toque de caixa, e praticamente às cegas. Deputados votam textos quilométricos sem o devido tempo para a apreciação ou acompanham sessões a bordo de um táxi, isso quando não delegam a um assessor registrar presença no plenário virtual e digitar o botão de “sim” ou “não”. No fim de 2021, chegou-se à situação esdrúxula na qual os parlamentares aprovaram o projeto final que alterava o Imposto de Renda sem sequer conhecer o texto que estavam votando.

É evidente que a suspensão das sessões presenciais nesta semana não se presta a atender aos interesses da população, muito menos à segurança dos deputados. Como apurou a Coluna do Estadão, seja por desinteresse no trabalho legislativo às vésperas do início da campanha, seja para retaliar os cortes de emendas do “orçamento secreto”, muitos deputados disseram não estar “estimulados” a aparecer em Brasília. 

Que em outubro o eleitorado cuide bem de escolher os seus representantes. Independentemente da orientação ideológica de cada um, é uma precondição – tautológica até – que se mostrem dispostos a exercer essa representação de corpo presente.

O desastre das boas intenções

O Estado de S. Paulo

Agindo pelos motivos certos, mas de maneira errada, Pelosi ampliou riscos à segurança de Taiwan e do mundo

Desde que a República da China perdeu a guerra civil para as forças do Partido Comunista Chinês e abandonou a China continental para se refugiar na ilha de Taiwan, em 1949, ela se tornou uma democracia vibrante e desenvolvida. Ante a crescente ameaça de reunificação forçada pelo regime totalitário da República Popular da China, ninguém deveria ser insensível ao gesto de solidariedade da presidente da Câmara dos deputados americana, Nancy Pelosi, que visitou Taipei nesta semana. Mas, já dizia o sábio bíblico, para tudo há um tempo e um lugar. Os escolhidos por Pelosi não poderiam ser mais temerários.

Desde a guerra fria, nunca os riscos de uma hecatombe nuclear estiveram tão altos, nunca a Rússia esteve tão distante do Ocidente e tão próxima da China e nunca a China foi tão hostil aos seus vizinhos e ao Ocidente.

Desde a década de 70, a paz entre Taiwan e China foi sustentada pelo mútuo entendimento – a política “Uma China” – de que Pequim buscaria a reunificação pacificamente enquanto Washington manteria sua “ambiguidade estratégica”: por um lado, não reconhecer Taiwan como um país de jure, por outro, armá-lo para que pudesse defender sua independência de facto.

O gesto de Pelosi – o último de uma série de acusações aos abusos da China, desde o massacre da Paz Celestial às atrocidades no Tibete e em Xinjiang até o assalto a Hong Kong – foi denunciado por Pequim como uma violação da política “Uma China”, mas é ele mesmo uma reação às intenções cada vez mais explícitas do ditador Xi Jinping de uma ocupação militar. No momento e local errados, contudo, a coragem não passa de temeridade e as aspirações mais nobres se pervertem em uma provocação estúpida. A visita deveria mostrar força, mas só passou a sensação de incoerência do governo americano e deixou Taiwan ainda mais vulnerável.

Primeiro, houve descoordenação entre Legislativo e Executivo. Questionado sobre a visita, o presidente Joe Biden disse que “não foi uma boa ideia neste momento”. Mas ele mesmo declarou várias vezes que não só apoiaria a “independência” de Taiwan, como empregaria forças para defendê-la, só para ser retificado depois por seus assessores. Como notou a revista The Economist, esses quiproquós transformaram a “ambiguidade estratégica” em “confusão estratégica”.

Pelosi retornará a sua casa confortável em São Francisco deixando um punhado de palavras inspiradoras em Taipei que nem de longe compensam os pretextos entregues a Pequim para escalar suas intimidações.

Uma invasão seria catastrófica para os 24 milhões de taiwaneses e para a ordem mundial. Taiwan é o principal produtor dos semicondutores que sustentam o mundo digital. O Ocidente, particularmente os EUA, pode e deve defender os valores democráticos e seus interesses. Mas isso não se fará com gestos de santimônia, e sim com concertações diplomáticas, que dissuadam a China de estrangular economicamente Taiwan, e com armas e treinamento, que dissuadam um assalto militar, garantindo ao povo de Taiwan condições para defender suas liberdades e negociar seu destino com a China.

Eleitor apático

Folha de S. Paulo

Datafolha aponta desinteresse preocupante pela escolha de representantes no Legislativo

O Parlamento é, por definição, a mais aberta das instituições democráticas. Nele estão representadas, ainda que imperfeitamente, diferentes vozes e correntes de pensamento que há na sociedade. É com desalento, portanto, que se constata a apatia do eleitor na escolha de deputados federais e senadores.

A prova do desinteresse está na mais recente pesquisa Datafolha. Segundo o instituto, 64% dos cidadãos não lembram o nome do candidato a deputado federal em que votaram no pleito passado, e 65% esqueceram a escolha para o Senado.

Em favor dos eleitores pode-se dizer que o sistema de escolha para a Câmara não é dos mais amigáveis. O voto proporcional com listas abertas aqui adotado é, sem dúvida, o que mais favorece o pluralismo e a diversidade, mas coloca não poucos obstáculos para o eleitor.

A primeira dificuldade é identificar, num mar de candidatos, quem melhor o representa. Em 2018, foram 8.067 postulantes para as 513 cadeiras na Câmara. A maioria dos concorrentes fica no meio do caminho, e não se ouve mais falar deles.

A propaganda eleitoral no rádio e na televisão até que dá conta de expor o cidadão às ideias dos principais candidatos às disputas majoritárias, notadamente os cargos no Executivo, mas funciona muito mal no caso das proporcionais.

Em São Paulo, o estado mais congestionado, seriam necessárias mais de sete horas de programação para dar a cada um dos 1.686 candidatos que disputaram uma vaga de deputado federal no último pleito apenas 15 segundos para passar sua mensagem central. Os postulantes à Câmara têm 75 minutos semanais, numa campanha que se estende por um mês.

A tecnologia pode ser valiosa. Iniciativas, como a desta Folha, que oferecem ferramentas digitais para o eleitor identificar candidatos com ideias parecidas às suas permitem superar a barreira do anonimato das candidaturas, mas serão necessários anos para que os eleitores as usem de forma consistente.

Na ausência de uma reforma política que modificasse o sistema de votação, o que não está no horizonte, resta apostar na capacidade de aprendizagem do eleitorado, para que ele consiga fazer escolhas cuidadosas, apesar dos obstáculos. Tecnologia, boa informação e transparência são o caminho.

Nesse sentido, é lamentável que o Tribunal Superior Eleitoral, baseado numa interpretação hiperbólica da Lei Geral de Proteção de Dados, tenha restringido a divulgação de informações sobre o patrimônio declarado pelos candidatos, privando o eleitor de saber, por exemplo, de quais empresas eles são sócios.

A democracia depende de o eleitor saber o máximo possível sobre seus representantes, e a decisão do TSE vai na direção oposta.

Passeio perigoso

Folha de S. Paulo

Visita de Pelosi a Taiwan colhe frutos duvidosos para os EUA, mas expõe também limites da China

Em 1991, a então ascendente deputada americana Nancy Pelosi causou furor ao deixar uma comitiva que visitava Pequim para fazer um protesto pela democracia na praça da Paz Celestial, palco do massacre de estudantes dois anos antes.

Agora, após três décadas de críticas à ditadura comunista, completou o ciclo como a primeira presidente da Câmara dos Estados Unidos a ter visitado Taiwan, a ilha que a China considera sua, em 25 anos.

Aos 82 anos, ameaçada de perder a cadeira nas eleições legislativas de novembro, em que a maioria detida pelo Partido Democrata de Pelosi e do presidente Joe Biden estará em jogo, ela pode alegar coerência.

As consequências da ousadia ainda serão vistas. Diferentemente dos anos 1990, a China hoje é a segunda maior economia do mundo e tem no seu líder Xi Jinping um dínamo de assertividade política e militar.

Depois de admoestar os americanos para que evitassem a visita, ele anunciou resposta calculada.

Além de enviar caças para um teste das defesas da ilha, como fez outras vezes, despachou forças aeronavais para exercícios com munição de verdade —o que implicará o bloqueio do trânsito de navios e aviões em seis pontos ao redor do território que Xi promete absorver.

Com isso, a China demonstra uma capacidade que não tinha em 1995, quando reagiu de forma análoga, mas menos ambiciosa, a uma visita do então presidente taiwanês a Washington. Pequim trata tais mesuras como apoio inaceitável à independência taiwanesa.

Os três dias de manobras a partir desta quinta (4) manterão alta a tensão que contaminou os mercados mundiais, mas o risco maior é de acidente, não de uma guerra.

Nesse sentido, a provocação de Pelosi, que foi criticada por aliados dos EUA na região e bagunça a estratégia montada por Biden para uni-los, também tem o condão de expor alguns limites chineses.

Por mais que o entrevero lhe dê um reforço político às vésperas de sua recondução para um inédito terceiro mandato, Xi não pode ir muito além das ameaças.

A crise causada pelos lockdowns de sua política de Covid zero e a ameaça de quebra do mercado imobiliário chinês o obrigam a buscar acomodação com o Ocidente, apesar do clima envenenado pela guerra de sua aliada Rússia na Ucrânia.

Mas uma característica da práxis política chinesa é a paciência. A visita de Pelosi dificilmente será esquecida quando e se Xi superar seus obstáculos em casa.

Nível decepcionante de investigação incentiva violência

O Globo

Levantamento do Instituto Sou da Paz mostra que Brasil esclareceu apenas 37% dos homicídios dolosos em 2019

Crimes em que se conhecem os suspeitos, como os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Amazonas ou do menino Henry Borel no Rio, são exceções nas estatísticas criminais de um país que registra quase 50 mil homicídios por ano. Um levantamento do Instituto Sou da Paz divulgado nesta semana mostra que menos de 40% dos assassinatos ocorridos no Brasil em 2019 resultaram em denúncia do Ministério Público.

O estudo foi feito com base em homicídios dolosos — aqueles em que há intenção de matar — e considerou elucidados os que resultaram em ação penal até o fim do ano seguinte. De 39 mil casos, apenas 37% geraram denúncia. A pesquisa analisou dados dos Ministérios Públicos e dos Tribunais de Justiça de 19 das 27 unidades da Federação. Em oito estados, não havia informações suficientes para o levantamento.

O percentual de esclarecimento de crimes já não é bom diante da média mundial, de 63%. Pois piorou em relação ao levantamento anterior, que apontava elucidação de 44% para os assassinatos ocorridos em 2018. Dos dados disponíveis, Rondônia apresentou o melhor desempenho investigativo: elucidou 90% dos casos. Mato Grosso do Sul esclareceu 86%, e Santa Catarina 78%. Na outra ponta, o pior desempenho foi do Rio de Janeiro, com ínfimos 16% dos crimes solucionados. Depois vieram Amapá (19%), Bahia, Pará e Piauí (os três com 24%). Em São Paulo, onde o estudo diz terem sido esclarecidos 34% dos crimes em 2019, a Secretaria de Segurança Pública alegou que usa metodologia diferente e informou taxa de esclarecimento de 51%.

É irrelevante ficar discutindo se essa ou aquela metodologia é a mais correta. Os dados do Instituto Sou da Paz são eloquentes para mostrar que em geral o país não investiga — e, quando investiga, investiga muito pouco — os crimes contra a vida. A não ser nos casos de grande repercussão, diante da pressão da opinião pública e das próprias autoridades, interessadas em mostrar que estão trabalhando ou em sua própria sobrevivência política.

Claro que esclarecer crimes graves como homicídios dolosos não é só questão de vontade. O trabalho exige profissionais preparados, recomposição de equipes de investigação, aparelhamento das polícias, laboratórios equipados e tecnologia para elucidar crimes. Mas essa infelizmente não é a realidade da maior parte das polícias do país, mesmo nos estados mais ricos.

O Brasil precisa melhorar seus índices de resolução de crimes. Arquivar investigações sem apontar culpados é uma segunda tragédia para a família da vítima, obrigada a conviver com as dores da perda e da impunidade. O mínimo que se espera num Estado de Direito é que criminosos respondam por seus atos. Não se está falando das idiossincrasias da Justiça ou da leniência da legislação brasileira com criminosos de todo tipo. Trata-se de algo básico: investigar, identificar a autoria e encaminhar o caso à Justiça para julgamento.

Não percorrer esse caminho essencial é contribuir com a impunidade, que serve de combustível para que as atrocidades se perpetuem. Os criminosos se sentem livres para barbarizar, já que as chances de ser apanhados são mínimas. Não é acaso que o país tenha registrado no ano passado, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 47.503 assassinatos, 130 por dia, mais de cinco a cada hora. Um descalabro.

Visita de Nancy Pelosi a Taiwan foi provocação desnecessária à China

O Globo

Chineses responderam com exercícios militares à decisão da presidente da Câmara dos Estados Unidos

Para defender Taiwan de uma possível invasão da China no futuro, as autoridades americanas deveriam evitar gestos que elevam a tensão sem nenhum efeito prático no fortalecimento da defesa da ilha. Foi exatamente isso o que fez nesta semana a presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a deputada democrata Nancy Pelosi. Ao visitar Taipé, a capital, ela enfureceu os chineses. A resposta veio na forma de exercícios militares, com munição real em diferentes pontos próximos à costa de Taiwan. Quando duas potências atômicas ensaiam essa dança, o mundo precisa prestar atenção.

O que Taiwan ganhou com a visita? Rigorosamente, nada. O trabalho necessário para convencer os chineses a desistir de um eventual ataque militar deve ser feito longe dos holofotes cobiçados por Pelosi. O interesse americano seria atingido com mais eficácia elevando o poder de combate de Taiwan, enviando novos equipamentos militares e também preparando a população para a eventualidade de um conflito. Diante do gigantismo das Forças Armadas chinesas, a estratégia deveria incluir o reforço de capacidades assimétricas. Por isso, a palavra de ordem precisa ser “dissuasão”. É inimaginável que armas sejam postas lá para ser usadas de verdade.

Desde que as tropas de Chiang Kai-Shek foram vencidas por Mao Tsé-Tung e se refugiaram em Taiwan, os comunistas insistem em retomar o controle da ilha. A partir dos anos 1970, os Estados Unidos passaram a adotar uma política ambígua. No discurso, dizem aceitar a visão de que existe uma só China. Ao mesmo tempo, não deixam de dar apoio financeiro e militar a Taiwan, sob o argumento de defender seu regime democrático diante da ameaça comunista.

A visita de um presidente da Câmara americana a Taiwan tem precedente. O republicano Newt Gingrich fez o mesmo que Pelosi em 1997. Só que, obviamente, o mundo hoje é outro. O poderio militar e econômico da China cresceu. O líder chinês, Xi Jinping, tem um perfil que em nada lembra a cautela de seus antecessores. No final de julho, em conversa com o presidente americano, Joe Biden, Xi avisou: “Se brincar com fogo, vai se queimar”.

Os americanos têm se aproximado mais de Taiwan numa tentativa de fazer pressão sobre a China. Em 2020, Mike Pompeo, então secretário de Estado, parabenizou a presidente Tsai Ing-Wen no dia de sua posse. Em maio, Biden disse que os Estados Unidos estariam dispostos a se envolver militarmente para defender a ilha. Diante de todas essas provocações, a fúria chinesa não parece descabida.

Pelosi não poupou palavras de impacto sobre a importância de seu país defender a democracia de Taiwan. O efeito foi justamente o oposto do desejado: a ameaça de invasão de Taiwan pela China cresceu. Ela teria feito melhor se tivesse ficado longe de Taipé.

Nenhum comentário: