Editoriais / Opiniões
Brasil tem muito a celebrar no Bicentenário
O Globo
Apropriação do 7 de Setembro pelo
bolsonarismo não pode eclipsar as conquistas do país em 200 anos
A celebração do Bicentenário da
Independência marcada para hoje contará com uma montagem cênica do grito de Dom
Pedro I no Parque da Independência, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, perto
de onde ele deu o grito de “independência ou morte” há 200 anos, ao lado do
museu recém-reformado. No Rio, a comemoração da efeméride deverá ocorrer perto
do Forte de Copacabana. Em várias outras capitais e cidades brasileiras estão
previstas homenagens. Mesmo considerando todas as festividades, o conjunto
ficará aquém do que deveria.
O principal motivo é a apropriação do 7 de Setembro e
das cores da bandeira por uma facção política, o bolsonarismo, que afastou a
maioria da população. Num eco dos atos golpistas que promoveu na data nacional
no ano passado, o presidente Jair
Bolsonaro convocou para hoje uma série de manifestações de sua
campanha à reeleição, com a indefectível “motociata” e todo o kit que mobiliza
seu eleitorado mais fanático (a novidade será uma “jet skiata” em Copacabana).
Diante do perfil belicoso e do culto às armas entre os bolsonaristas, o simples
temor de confrontos e atos violentos contribui para manchar uma data em que,
apesar de tudo, o país tem muito a celebrar.
Os 200 anos de uma nação como o Brasil merecem exaltação. Em 1822, éramos 4,7 milhões concentrados numa pequena faixa de terra junto ao litoral. Hoje a população gira em torno de 215 milhões, a quinta maior do mundo, espalhada por todos os pontos do território nacional. Em dois séculos, o país evitou o esfacelamento dos vizinhos da América Latina, acabou com a injustiça e a vergonha da escravidão, hospedou milhões de imigrantes de todos os continentes, integrou-se com base no idioma comum herdado dos portugueses, enriquecido com as contribuições milionárias africana, indígena e tantas outras. Construiu uma cultura própria, admirada no mundo todo, de excelência reconhecida em todos os campos artísticos, para não falar no futebol e nos esportes.
Integrar um país de dimensão continental
não foi tarefa simples. Até o começo dos anos 1970, nas viagens entre as
capitais do Sudeste e do Sul, os veículos eram obrigados a trafegar pela praia.
Grandes investimentos em infraestrutura ligaram todos os pontos do país,
garantiram a produção de eletricidade limpa, serviram de base à expansão da
indústria. Ao mesmo tempo que se tornava uma potência agrícola, o país foi
paulatinamente deixando de ser rural.
Hoje o Brasil está entre as dez maiores
economias do mundo. Tem empresas que constroem aviões, motores elétricos,
explora petróleo, fabrica carros e domina dezenas de setores de negócios. Somos
os maiores exportadores mundiais de soja, café, suco de laranja, açúcar, carne
de frango e bovina. Em milho, o terceiro, em carne suína, o quarto. Toda essa
atividade econômica foi lastreada por investimentos pesados em pesquisa. Sete
das dez melhores universidades da América Latina estão no Brasil, segundo
levantamento recente da revista Times Higher Education.
Problemas que pareciam insolúveis, como
hiperinflação e dívida externa, ficaram para trás. Outros que pareciam prestes
a ser resolvidos, como fome e desmatamento, infelizmente voltaram. É evidente
que os desafios para os próximos 200 anos são gigantescos. O mais urgente é
construir um consenso político que permita ao país voltar a crescer de modo
sustentável, capaz de gerar riqueza para toda a população. É a melhor resposta
para combater pobreza e desigualdade. Muito já foi feito para aprimorar as
áreas de educação e saúde, mas muito mais resta por fazer.
Num país em que o arcabouço institucional
ainda deixa a desejar e em que o capital ainda é insuficiente para os
investimentos necessários ao crescimento, vencer tais desafios passará
inevitavelmente pela redefinição do papel do Estado, hoje tomado de assalto por
grupos de interesse específicos que precisam ser combatidos. A melhor forma de
garantir o consenso necessário para isso é a democracia, uma conquista de
poucas décadas apenas.
Ao contrário do que imaginam aqueles que
tentam solapá-la com o discurso fácil, infantil e sedutor dos salvadores da
pátria, não há atalhos. Divergências são intrínsecas à política. É apenas com o
diálogo, o confronto de ideias e a disputa pelo voto que a sociedade brasileira
conseguirá superá-las para obter novas conquistas. E só assim chegará mais
perto da meta tão bem descrita nas palavras célebres de Dom Pedro I: “o bem de
todos e a felicidade geral da nação”.
Outros 200
Folha de S. Paulo
Que sejam prósperos, inclusivos e
democráticos os próximos 2 séculos do Brasil
O Brasil não se destaca pela velocidade com
que supera os seus desafios históricos, mas carrega potencialidades, algumas já
desabrochadas, para modificar essa trajetória.
Apenas quando ia longe a sua caminhada como
nação autônoma, mais de 160 anos após romper os laços coloniais, o país
conciliou-se com o único regime capaz de viabilizar as ambições de paz,
inclusão e prosperidade de sua população numerosa e diversificada.
Hoje, no bicentenário da Independência, a
democracia brasileira viceja há mais tempo do que nunca. Ameaçada por uma
recidiva do cancro autoritário, chaga que dormitava sem ter sido eliminada, não
dá o menor sinal, no entanto, de que desta vez irá sucumbir.
Um incidente europeu, a invasão napoleônica
da Península Ibérica, provavelmente foi decisivo para a peculiar história
brasileira no contexto das Américas. A mudança da corte portuguesa para o Rio
com suas necessidades crescentes de recursos conferiu poderes de barganha às
elites coloniais brasileiras no início do século 19.
A resultante, em contexto de penetração das
ideias iluministas e autonomistas, foi a independência na ex-colônia lusófona
ter sido conduzida pelo herdeiro do trono português, produzindo uma monarquia
enquanto a vizinhança hispano-americana adotava cópias institucionalmente
débeis do modelo republicano dos Estados Unidos.
Nascia em 1822, com a nação, também o
conflito primordial e persistente na sociedade brasileira entre as forças da
abertura e as da predação oligárquica, com ampla vantagem para as segundas. O
primeiro movimento constituinte foi fulminado pelo imperador.
Concessões mínimas de responsabilização
política foram arrancadas do primeiro Pedro, em troca de financiar campanhas
militares, e efêmeras diástoles liberais ocorreram nas décadas seguintes, mas a
mais abominável e desumana das instituições, a escravidão, prosseguiu e até se
fortaleceu antes de ser abolida em 1888.
A República deu pequena vazão à ascensão de
novos atores numa população que se expandia pelo efeito da imigração e da queda
da mortalidade. A política seguiu restringindo a ampla participação popular no
primeiro século do regime.
Rupturas violentas patrocinadas pelas
Forças Armadas passaram a compor a paisagem do século 20 até o final da
ditadura em 1985. Em meio à instabilidade, o Judiciário veio se firmando como
um Poder de fato independente.
A saúde pública deu no início do regime
republicano as primeiras respostas para a insalubridade a que estavam entregues
vastos segmentos da população. A instrução das massas, majoritariamente pretas
e pardas, foi preterida.
Direitos elementares e coletivos se
expandiram com dificuldade, passando ao largo dos contingentes mais pobres e
informais. Predominou a contínua depredação florestal em busca de ganhos
fugidios, pelo emprego de técnicas agrícolas e extrativistas rudimentares.
O dirigismo e o intervencionismo estatais,
entremeados de suspiros de abertura, tornaram-se a face econômica da hegemonia
oligárquica novecentista. A caça à renda por meio do sequestro dos orçamentos e
dos regramentos estatais, o seu método de agir.
Essa dissipação secular de energia
criativa, que resultou de a maioria da população ter sido constantemente
privada de realizar a pleno as suas potencialidades, começou a ser combatida
muito tarde, com a redemocratização já nos estertores do século 20.
Foi o advento democrático que universalizou
o acesso ao ensino básico e aos serviços de saúde. Sob o regime das liberdades
o país deu cabo da inflação, que erodia o consumo dos mais pobres, e teceu
ampla rede de seguridade.
Na vigência do Estado democrático de
Direito o país enfim lidou com os fantasmas do autoritarismo, erigindo um
arsenal institucional que torna muito difícil a recaída. Pôs-se também a
livrar-se paulatinamente da gordura estatista e intervencionista que obstrui as
artérias da produtividade e desconecta o Brasil do mundo.
Legislações e burocracias equipadas para
coibir as práticas ambientais predatórias e incentivar as sustentáveis nos mais
diversos setores —agropecuária, mineração, infraestrutura, expansão urbana—
também constituem marca típica do regime inaugurado pela Constituição de 1988.
Há menos de 40 anos, portanto, a democracia
possibilita uma investida multifrontal contra as barreiras seculares que
impedem dezenas de milhões de brasileiros de alcançar a felicidade e o conforto
material.
Os adversários da sociedade aberta,
próspera e solidária continuam à vista, alguns no governo, mas perderam
primazia histórica.
Que venham mais 200 anos de Independência,
mas que sejam outros —democráticos, prósperos e inclusivos em sua inteireza.
A Independência é tarefa nossa
O Estado de S. Paulo
A Independência é obra diária de um povo que não deseja ser escravo de suas mazelas, de suas desigualdades, de seu subdesenvolvimento. Se não a fizermos, ninguém a fará por nós
Hoje, o Brasil comemora 200 anos de sua
Independência do Reino de Portugal. É um momento especialmente importante da
vida nacional. Não é mera lembrança de um longínquo fato histórico, cujo
significado estaria escondido nos livros e pesquisas acadêmicas sobre o tema.
Trata-se de um acontecimento decisivo para a trajetória do País, cuja
comemoração pode e deve ser impulso para preservar o muito que se fez até aqui
e para enfrentar os muitos desafios e problemas ainda existentes.
Entre outros aspectos, a independência de
um país significa autonomia política, jurídica e administrativa. Em 1822,
passamos a ser donos do nosso destino enquanto coletividade. Por exemplo, até
então, Portugal não havia permitido a criação de cursos superiores no Brasil.
Logo após a Independência, iniciaram-se os debates legislativos para a
instalação de faculdades em território nacional, debates esses que desembocaram
na Lei de 11 de Agosto de 1827, determinando a criação de dois cursos de
ciências jurídicas e sociais nas cidades de São Paulo e de Olinda.
Essa autonomia advinda da Independência foi
decisiva para o País, abrindo inúmeras possibilidades e perspectivas. Mas ela
também significa – este é o ponto que gostaríamos de ressaltar aqui –
responsabilidade. Depois da Independência de 1822, culpar os outros pelos
nossos problemas nacionais é não apenas uma atitude infantil e irrealista, mas
também um caminho certeiro para não resolvê-los.
Ainda hoje, setores da esquerda culpam o
imperialismo dos Estados Unidos por nosso subdesenvolvimento social e
econômico. Outros, indo mais longe, atribuem essa responsabilidade ao regime de
colonização estabelecido por Portugal. Por sua vez, grupos da direita reclamam
do que chamam de “globalismo” da ONU e de outros organismos internacionais.
Todos esses discursos podem ter alguma
eficácia no engajamento de seguidores, mas são ineficazes em gerar desenvolvimento,
uma vez que retiram ou diminuem a responsabilidade de quem é precisamente o
primeiro responsável pelo enfrentamento dos problemas e das deficiências
nacionais: o povo brasileiro.
Entre outros muitos temas, a influência da
colonização portuguesa sobre a vida nacional é um âmbito amplíssimo de
pesquisa, que pode oferecer muitas luzes sobre a trajetória brasileira. Nessa
seara, certamente há muitos aspectos negativos e muitos outros positivos.
Portugal foi decisivo na configuração de nossa identidade nacional. A questão
central, no entanto, é outra. Não se pode mudar o passado. O que está em nossas
mãos é cuidar do presente e do futuro – e isso é tarefa nossa.
Nessa renovada consciência do nosso papel –
do nosso protagonismo – na contínua empreitada de preservação e de construção
do País, pode ser útil contemplar um dos aspectos especialmente admiráveis da
história brasileira ao longo dos últimos 200 anos: as várias ondas de imigração
do século 19 até os dias de hoje. O Brasil recebeu muitos imigrantes italianos,
portugueses, espanhóis, alemães, árabes, japoneses, poloneses, angolanos,
chineses, coreanos, senegaleses, nigerianos e de tantas outras nacionalidades.
Os imigrantes não apenas fizeram do Brasil sua casa, como contribuíram
decisivamente para o desenvolvimento social, político e econômico do País.
Há muito o que aprender com a valentia dos
imigrantes. Ao chegarem ao País quase sempre sem nada, eles sabiam que sua vida
e a de sua família dependiam de seu trabalho diário. Nessa labuta incessante,
construíram não apenas o futuro de seus filhos e netos, mas foram fundamentais
na construção do que é o País hoje. A mesma dinâmica pode ser aplicada ao
Brasil no Bicentenário da Independência. Por muito que tenha sido feito, o
desenvolvimento social, político e econômico do País continua a depender do
trabalho e da dedicação de cada um.
A Independência é obra diária de um povo
que não deseja ser escravo de suas mazelas, de suas desigualdades, de seu
subdesenvolvimento. E essa empreitada de cidadania é tarefa nossa. Se nós,
brasileiros, não a fizermos, ninguém a fará por nós.
O valor do novo Museu do Ipiranga
O Estado de S. Paulo
A reinauguração do museu, fruto da
cooperação entre o poder público e a iniciativa privada, é um momento de
comemorar o patrimônio histórico da Nação e refletir sobre o seu futuro
Após quase 10 anos fechado, o Museu do
Ipiranga reabre as portas na celebração da Independência. O restauro ilustra o
potencial de revitalização do patrimônio nacional quando poder público e
iniciativa privada se unem. Mas o teste de fogo começa agora. A modernização do
Ipiranga pode oferecer as chaves a tantos outros museus que precisam abrir as
portas ao futuro.
Desde sua fundação, em 1890, ele se
consagrou à pesquisa e à popularização da história nacional. Por décadas foi o
mais visitado de São Paulo. O restauro resultou de uma parceria entre o Estado,
Prefeitura, USP e 21 empresas. O complexo neorrenascentista reabre com o dobro
do tamanho e com capacidade de abrigar 11 exposições simultâneas e 1,5 milhão
de visitantes por ano.
Uma lição é a importância das leis de
incentivo à cultura. Dos R$ 235 milhões investidos, cerca de 2/3 vieram da lei
federal, a Rouanet. Vilipendiada pelo bolsonarismo como uma sinecura a
militâncias de esquerda, a Rouanet é na verdade um exemplo de livre sinergia
entre o poder público, a iniciativa privada e os produtores culturais. O Estado
não elege os projetos beneficiados, só os fiscaliza. Quem decide é o
contribuinte, destinando parte de seus impostos.
A reinauguração suscita reflexões sobre a sustentabilidade,
gestão e curadoria dos museus brasileiros. Muitos, incluindo alguns principais
– como o Ipiranga ou o Museu Nacional –, estão absorvidos nas estruturas das
universidades. Justamente estes, segundo levantamento do Tribunal de Contas da
União, são os mais precários em termos de planos museológicos, reservas
técnicas de preservação ou inventário do acervo. Seus recursos são sugados de
maneira invisível pelo rombo orçamentário das universidades.
Analogamente, sua gestão e curadoria são
frequentemente ossificadas pela burocracia acadêmica.
Enquanto no Museu Nacional, por exemplo,
98% da receita provém da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Museu de
História Natural de Nova York ela está distribuída entre bilheteria (28%),
doações e bolsas (25%) e investimento privado (16%), além de atividades
auxiliares, recursos municipais e outros.
Como disse o museólogo Andreas Huyssen,
outrora os museus eram “recipientes do passado e seus objetos acumulados”;
hoje, são “locais de atividade e experiência no e para um presente em constante
expansão”. Em museus modernos, é vital ventilar seu acervo com exposições
temporárias. Mas só agora o Ipiranga terá estruturas aptas a receber acervos de
outras instituições.
O futuro dos museus no Brasil depende de
uma revitalização do ecossistema legal e cultural. Não há normas que obriguem o
gestor a priorizar a segurança patrimonial nem regras específicas de
fiscalização edilícia. Só em 2019, após a incineração do Museu Nacional, o
Congresso normatizou o endowment – fundos formados por doações cujos
lucros são investidos na instituição –, que há séculos possibilita a museus e
universidades da Europa e EUA não depender só de repasses públicos.
Um modo de dinamizar a gestão morosa dos
museus e aproximá-los da sociedade civil é fomentar a cooperação das
Associações de Amigos dos Museus. É uma parcela de um desafio maior: cultivar
uma cultura filantrópica, que, no Brasil, é comparativamente medíocre e
centrada em ações sociais.
A partir de amanhã, o Ipiranga encarará
esses desafios. Hoje, é dia de celebrar – e honrar nossos antepassados. Como
disse o escritor G. K. Chesterton: “A tradição significa dar um voto à mais
obscura de todas as classes, nossos ancestrais. É a democracia dos mortos”.
Segundo Edmund Burke, “a sociedade é uma parceria dos mortos, dos vivos e dos
que nascerão”. Em museus como o Ipiranga, esses parceiros se encontram.
“O presente está saturado com o passado e
grávido com o futuro”, disse o filósofo Leibniz. No passado, os museus eram os
santuários das “Musas”, as deidades inspiradoras da literatura, das ciências e
das artes. Neste momento em que a Nação celebra seu nascimento, que o Ipiranga
a sature com essas inspirações. Elas são valiosas como nunca para dar à luz um
futuro justo e próspero.
O desafio de Liz Truss
O Estado de S. Paulo
As competências liberais da nova primeira-ministra britânica passarão por um teste de fogo em tempos de crise
Liz Truss, eleita pelo Partido Conservador
como sua nova líder, assumirá o governo do Reino Unido com uma proposta simples
e clara: corte de impostos, menos regulação, mais livre mercado. Simples e
clara também é a prioridade da população: melhores serviços públicos,
especialmente de saúde, e refrigério das pressões do custo de vida,
especialmente da energia. O complicado é combinar as duas coisas. Como
diagnosticou a revista The Economist, “a próxima líder britânica é uma conservadora
do tipo ‘Estado mínimo’ em uma era de ‘Estado grande’”.
A conjuntura nunca esteve tão adversa desde
que a heroína política de Truss, Margaret Thatcher, assumiu o comando nos anos
70: inflação, produtividade estagnada, moeda vulnerável, risco de recessão e
greves, além de conflito com a Rússia – não uma guerra fria, mas quente, em
pleno solo europeu.
Para complicar, há uma crise de confiança
em relação ao seu partido e dentro dele. Ela é a quarta oferta do Partido
Conservador em 12 anos. Truss precisará restaurar a confiança da população na
integridade dos conservadores após os escândalos detonados pela frivolidade de
seu antecessor, Boris Johnson. E, entre os conservadores, há um certo
esmorecimento em um cenário que parece menos conservador do que nunca: carga
tributária alta, demanda por intervenções estatais e um progressismo
identitário cada vez mais estridente.
Na campanha, Truss vendeu confiança: “Os
melhores dias estão por vir”. Ela se diz avessa à “economia Gordon Brown” (o
último premiê trabalhista) de tributar com uma mão e distribuir subsídios com a
outra. Sua receita thatcherista é que os cortes de impostos podem ser
compensados com endividamento, que por sua vez será recompensado com
crescimento. Mas essa é uma visão de longo prazo. Apesar de ter dispensado,
durante a campanha, as advertências de “escolhas duras”, elas serão inevitáveis
se quiser aliviar a população já.
Um pacote foi prometido para os próximos
dias. Em que pese o seu desgosto por auxílios, não há margem para mitigar o custo
da energia senão com um heterodoxo congelamento de preços ou subsídios às
famílias vulneráveis e pequenas empresas. Será preciso uma equação delicada
entre a prometida redução de impostos e o endividamento – que já está alto.
Seus críticos conservadores acusam os riscos de irresponsabilidade fiscal. Seus
adversários trabalhistas alegarão estar em melhores condições de assistir a
população numa época em que o assistencialismo parece necessário.
A sorte está lançada. “Vamos entregar, entregar, entregar”, disse Truss. Nos próximos dias, os britânicos saberão o que e como. Ela tem dois anos e meio para conduzir o seu partido às eleições gerais, mas será julgada pelos resultados imediatos. Como disse um ministro, “seu destino não será determinado nos primeiros 100 dias, mas nos primeiros dez”. O desafio é imenso. Nas palavras do articulista Robert Shrimsley, Truss “precisará ser uma das melhores premiês só para ser meramente boa”. Mas, se for, as oportunidades políticas são grandes.
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