segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Miguel de Almeida - O dinheiro da cultura

O Globo

No plano governamental, não há qualquer menção à indústria cultural

A passagem de Taylor Swift pelo Brasil, em seis apresentações, movimentou algo como R$ 400 milhões. Próximos aos estádios onde ocorreram os shows, os hotéis ficaram lotados. Foram vendidos cerca de 560 mil ingressos, entre Rio e São Paulo. Sua turnê nos Estados Unidos, cujo resultado é estimado em US$ 4,6 bilhões, mereceu comentários elogiosos nos vetustos relatórios do Fed (banco central americano) como exemplo da potente economia criativa.

Noutro exemplo da indústria cultural, em números de 2022, o audiovisual brasileiro adicionou à economia mais de R$ 27 bilhões. Só em impostos pagou cerca de R$ 9 bilhões. O volume financeiro gerou mais de 300 mil empregos.

No já afamado plano da Nova Indústria Brasileira, alcunhado NIB, divulgado há pouco pelo presidente Lula, são citadas seis “missões”para impulsionar o desenvolvimento brasileiro, com “sustentabilidade e inovação”, até 2033. Entre elas, o apoio às tecnologias de defesa, com incentivo novamente à indústria naval, cujo passado de fracasso a condena (ao menos Bolsonaro saiu mais barato, quando modestamente isentou a importação de jet ski).

No plano governamental, não há qualquer menção à indústria cultural. Sempre pode-se dizer tratar-se de opção. O problema é quando a visão geiselista veste a esquerda brasileira em nome da — perdão — soberania nacional. Aí voltamos às carroças pré-Collor. Sendo didático, vale dizer que, na prática, o conceito de economia criativa nasceu entre os britânicos, durante o governo de Tony Blair, sob a inspiração do ministro Chris Smith, que desenvolveu uma metodologia pioneira capaz de mostrar o impacto econômico, em Londres e região, de um concerto dos Rolling Stones. No caso brasileiro, em 2020, o setor empregava em torno de 7,4 milhões de pessoas, junto a 130 mil empresas.

Cada governo tem sua obsessão. O anterior mirava transformar Angra dos Reis numa Cancún, mandando às favas a biodiversidade. O atual mira fechar o comércio aos domingos (teremos mais tempo para ir aos cultos), explorar petróleo na foz do Amazonas (embora negue) e dar um gás às montadoras das carroças nacionais. O programa Mobilidade Verde e Inovação, o tal Mover, ofertará em incentivo fiscal, sob o verniz da descabornização, R$ 19,3 bilhões até o final de 2028. Ainda no ano passado, as mesmas multinacionais ganharam outra isenção para vender seus carros populares — hoje em torno de R$ 70 mil, para um salário mínimo nos atuais R$ 1.412. A psicanálise deve explicar a fixação do PT, nascido nos canteiros do ABC, com a indústria automobilística. Os números não justificam o que afigura ser tamanha dependência emocional.

Podemos usar os dados de 2020, quando a Economia da Cultura e Indústrias Criativas (Ecic) movimentou cerca de R$ 230,14 bilhões. E mais: o valor corresponde a 3,11% do PIB brasileiro. No mesmo período, o setor automotivo representou 2,1%.

A Ecic reúne os setores de livros, publicidade, desenvolvimento de software e games, entre outros. É chamada de indústria criativa porque necessita de educação, tecnologia e inovação, também conhecimento, para ser um produto distinto. Ao contrário dos carros brasileiros, alcança dezenas de mercados internacionais. Ainda com números de 2020, a Ecic respondeu por 2,4% das exportações brasileiras. Em 2019, o setor representou 2,81% de nossas riquezas.

Leis surgidas durante a pandemia, como Paulo Gustavo ou Aldir Blanc, extremamente importantes, não costuram uma política de desenvolvimento efetivo no setor. O princípio da desregionalização provoca alguns choques estranhos. Há distribuição a todas as prefeituras de incentivos para áreas em que muitos municípios nem sequer possuem pessoal ou expertise. O valor não é usado, termina em qualquer outra área, quando poderia resultar em mais benefícios se destinado a locais onde já exista alguma atividade desenvolvida. Em nome de certo populismo, abandona-se a otimização dos recursos.

A economia criativa, ainda mais, trabalha com a ideia de externalidade da cultura. Como o turismo audiovisual. A ferramenta Kayak levantou o impacto das novelas brasileiras nos destinos retratados. A análise registrou um aumento de buscas de 525% pelas cidades ou países onde as tramas são ambientadas. Nas duas últimas décadas, Nova York adotou uma política agressiva de incentivo para produções audiovisuais filmadas em sua geografia. Como resultado, no ano passado atraiu 62 milhões de turistas para um faturamento de US$ 74 bilhões na prefeitura.

 

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