Folha de S. Paulo
O preço da liberdade do Supremo é a eterna
desconfiança pública quanto à formação de sua pauta
Dois eventos apontam para um recrudescimento
de patologias institucionais do STF que muitos
esperavam se atenuar. Sobretudo, considerando que reformas regimentais recentes
para conter os danos causados pelo ativismo sinalizavam a conscientização do
problema.
Refiro-me às decisões de Dias Toffoli anulando multas bilionárias de grandes empresas. Trata-se de exemplo eloquente do ativismo processual que Diego Werneck critica em livro recente "O Supremo entre o direito e a política". Sua conclusão que "o preço da liberdade do Supremo é a eterna desconfiança pública quanto à formação de sua pauta" não podia ser mais acertada.
O aumento do escopo de atuação individual dos
juízes mina de maneira clara a legitimidade da corte. O caso é particularmente
relevante em um contexto em que o Supremo tem que lidar com uma agenda
explosiva envolvendo o alto escalão do governo anterior e o ex-presidente. A
última coisa que a instituição precisaria numa conjuntura desse tipo seriam
decisões dessa natureza.
Se o STF, através de decisões monocráticas de
seus juízes, pode decidir virtualmente sobre qualquer tema e a qualquer
momento, o tribunal será visto pela sociedade como arbitrário e ilegítimo. As
decisões são cada vez mais interrogadas por suas motivações individuais,
políticas, estratégicas.
O impacto deste tipo de comportamento não
incide apenas sobre a comunidade jurídica, que tem demonstrado grande
preocupação (excluo aqui as partes interessadas, que o aplaudem), mas,
sobretudo, na opinião pública. E ela é crucial, como estudos empíricos demonstram.
Há expressiva correlação negativa na América Latina entre ataques às cortes
supremas (impedimento de juízes, CPIs, intervenções etc.) e a avaliação de que
desfrutam junto à opinião pública. Veja-se, por exemplo, "Public Support
and Judicial Crises in Latin America" (apoio público e crises judiciais na
América Latina), de Gretchen Helmke, que examinou 472 casos de ataques às
cortes supremas em países da região (que examinei aqui).
Em situações normais, a opinião pública
influencia indiretamente as decisões dos tribunais superiores. É o que concluem Lee
Epstein e Andrew Martin, em trabalho clássico sobre 6.000 casos de confirmação
ou reversão de sentenças de cortes inferiores por cinco décadas nos EUA.
O estudo refere-se a uma "pauta
normal", e não hiperpolarizada e de alta voltagem, como a atual. Na atual,
o déficit de legitimidade dos tribunais é inédito e pode ter vastas
consequências.
Há um problema de ação coletiva envolvendo os
ministros que maximizam seus interesses individuais, ignorando os impactos
institucionais coletivos. Ao carnaval de decisões individuais, sobrevém uma
Quarta-Feira de Cinzas institucional.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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