Folha de S. Paulo
Plena execução exigirá amadurecimento
institucional, diálogo e liderança
Em 22 de janeiro último, o governo federal anunciou
a política industrial "Nova Indústria Brasil" (NIB), constituída
por seis missões, que englobam os seguintes temas: cadeias agroindustriais,
saúde, bem-estar nas cidades, transformação digital, bioeconomia,
descarbonização, transição e segurança energéticas e defesa. A iniciativa
prevê R$ 300 bilhões para a custear até 2026, entre financiamento com
recursos orçamentários do BNDES e desembolsos do FNDCT (Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da Finep (Financiadora de Estudos e
projetos).
Ao relembrar as últimas políticas industriais do Brasil —a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (2003-2007), a Política de Desenvolvimento Produtivo (2008-2010), o Plano Brasil Maior (2011-2014) e o Programa Inova Empresa (2011)—, observa-se que há praticamente dez anos não se executa política industrial. Essa opção pela "não política industrial" aprofundou o processo de desindustrialização, de queda da produtividade e da inovação industrial.
Ponto positivo para o governo, que colocou a
política industrial de
volta ao debate e em sintonia com a prática de países
como EUA, membros da União Europeia e China.
Ainda que algumas críticas considerem
que a proposta seja um conjunto "requentado" de experiências
passadas, é possível observar pontos de pioneirismo.
O conjunto de princípios da NIB é inédito e ultrapassa
os aspectos relacionados ao desenvolvimento produtivo e tecnológico ao
preocupar-se com o aumento da produtividade e competividade e ter orientação
voltada à melhor inserção internacional da indústria —distante, portanto, da velha
lógica de substituição de importações.
O conjunto de princípios ainda se orienta por
elementos relacionados ao desenvolvimento econômico, como a busca pela equidade
de gênero, cor e etnia, a redução das desigualdades e a inclusão
socioeconômica, a distribuição regional, a promoção do trabalho com qualidade e
a sustentabilidade.
O recorte por missões é inovador e se
apresenta com uma concepção moderna ao dialogar com experiências
internacionais. O formato orientado por missões, proposto por Mariana
Mazzucato, da University College London, estrutura-se por objetivos a serem
alcançados, que definem a forma como as ações da política se efetivarão.
Muda-se, assim, o eixo lógico do plano dos antigos recortes por setores
industriais ou mesmo de empresas "campeãs nacionais".
Ademais, alguns temas que compõem as missões
merecem destaque pela atualidade e pela relevância no debate mundial, como os
relacionados às cadeias agroindustriais sustentáveis, ao bem-estar nas cidades
inteligentes, à transformação digital e à transição energética.
Ainda que críticos afirmem que os
instrumentos são os mesmos "de sempre", como incentivos fiscais e
créditos subsidiados, o menu disponível é mais abrangente e conta com
instrumentos que são comumente (e historicamente) utilizados no mundo, como
empréstimos, créditos tributários, compras públicas, conteúdo local, margem de
preferência, infraestrutura de qualidade e regulação.
Dado seu complexo
desenho institucional, será essencial que haja uma boa coordenação das
ações com escolha das prioridades e sua distribuição ao longo do tempo. Dada a
forma democrática como foi construída e institucionalizada pelo CNDI (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Industrial), a plena execução da NIB exigirá
amadurecimento institucional, manutenção do diálogo entre as esferas envolvidas
e liderança para o enfrentamento das adversidades. Conforme afirma Dani
Rodrik, da Universidade Harvard (EUA), o sucesso da política industrial
depende de um ambiente institucional forte e de decisões tomadas com
transparência.
É eminente
a necessidade de um constante monitoramento dessa nova experiência
para que sejam possíveis correções em curso. Desse modo, será fortalecida a
capacidade de execução bem como de atuação das instituições participantes.
Com novos desafios e pioneirismo, a NIB traz
novamente luz ao debate sobre o papel da indústria e a construção de uma
estratégia de desenvolvimento econômico sustentável para o país.
*Professora titular do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
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