Valor Econômico
Classificação da facção criminosa como grupo terrorista traria efeitos colaterais graves para o país
A agenda bilateral do Brasil com os EUA/Trump
2.0 inclui agora outro tema sensível: o Primeiro Comando da Capital (PCC), o
mais perigoso grupo criminoso do país e que se expande globalmente.
Donald Trump assinou ordem executiva
recentemente incluindo na lista de Organizações Terroristas Estrangeiras (FTOs)
do Departamento de Estado seis cartéis de droga do México e as gangues
latino-americanas MS-13, originária de El Salvador, a Tren de Aragua,
originária da Venezuela, e grupos criminosos do Haiti.
Para a Casa Branca, os cartéis internacionais são “uma ameaça à segurança nacional além daquela representada pelo crime organizado tradicional”, com atividades que abrangem “convergência com atores extra-hemisféricos, desde organizações designadas de terrorismo estrangeiro até governos estrangeiros antagônicos”, por exemplo.
É a primeira vez que grupos puramente
criminosos são qualificados por Washington de terroristas. Essa designação era
até agora utilizada para grupos como Al-Qaeda e Estado Islâmico, que utilizam a
violência para fins políticos.
Essa designação tem amplas implicações para
os países. Ela dá a Trump amplo poder para impor penalidades econômicas aos
grupos criminosos, como também toda pessoa ou organização suspeita de fornecer
apoio material, logístico ou financeiro aos cartéis será passível de punições
pesadas impostas por Washington. A interpretação do que é apoio pode depender
da vontade política do governo americano.
Além disso, autoridades do vizinho México,
que se dizem ciosas de sua soberania, suspeitam que a designação de cartéis
como terroristas abre brecha para eventualmente legitimar intervenções
militares clandestinas dos EUA em vários países em que essas organizações são
ativas. Elon Musk, aliado de Trump, disse que a ordem executiva do presidente
significa que os cartéis agora são elegíveis a ataques de drones.
O PCC, a partir de sua base no Brasil, se
tornou uma ameaça criminosa transnacional particularmente séria, explorando
fraquezas de sistemas políticos, jurídicos e econômicos em diferentes partes do
mundo.
O PCC hoje já é classificado pelos EUA como
organização criminosa internacional - mas não como terrorista. E, pelo que
apurou a coluna, o governo brasileiro não quer e não acha que deveria ser
classificado como grupo terrorista, como foi feito com os grupos mexicanos,
haitiano e salvadorenho. Isso porque deflagraria a legislação diferente e mais
complexa nos EUA com efeitos colaterais mais graves para o país.
Por exemplo, em termos de sanções e outras
ações autorizadas ao governo dos EUA, operação financeira do PCC poderia gerar
sanções para o banco que processou, mesmo se o banco não soubesse que tratava
com o grupo criminoso. A sanção viria se os EUA achassem que a instituição não
tomou as medidas necessárias para evitar a operação.
Não há ainda articulações específicas entre
Brasília e Washington. Os relatos são de que, por enquanto, o governo
brasileiro está recebendo missões americanas, mostrando o que está sendo feito
para combater o crime organizado e aumentando cooperação para que os EUA não
considerem necessário classificar o PCC como grupo terrorista, com os estragos
que viriam em seguida.
Quanto ao risco de o Brasil ser considerado
país que abriga terrorismo, ao estilo do que Cuba é hoje, na visão trumpista, e
que implicaria sanções mais graves ao país e complicaria o investimento
externo, é uma hipótese que não se coloca e tem uma longa distância da
realidade, segundo avaliação em Brasília.
O fato é que o PCC está no radar
internacional. Quando impôs sanções no ano passado a um operador acusado de
lavagem de R$ 1,2 bilhão para o grupo, o Departamento do Tesouro americano
observou a forte atuação da facção na América do Sul e presença nos EUA,
Europa, África e Ásia.
O governo do Reino Unido acaba de publicar
relatório de uma missão enviada ao Brasil para estudar grupos criminosos
organizados no país, que estima serem mais de 80, com domínio do PCC e do
Comando Vermelho. Uma das constatações: “Existe corrupção em todos os níveis do
sistema de justiça criminal e aqueles que ocupam posições estratégicas são
vulneráveis à exploração por grupos criminosos. Entretanto, autoridades
policiais expressam o desejo e a disposição de combater esses grupos e a
corrupção”.
França, Portugal, Espanha, Itália e outros
países também têm deflagrado o sinal de alerta contra a presença local do PCC.
O Instituto Australiano de Políticas Estratégicas (Aspi) publicou análise
apontando “uma nova ameaça à segurança da Austrália: tráfico de cocaína por
grupos brasileiros”.
Um dos autores da nota é Rodrigo Duton,
policial do Rio de Janeiro e especialista no momento no instituto australiano.
Menciona a base das operações ilícitas como tráfico de drogas, contrabando de
armas, corrupção, assassinatos por encomenda. E destaca que autoridades
brasileiras descobriram esquemas de lavagem de dinheiro do PCC envolvendo
imóveis, empresas de construção civil, postos de gasolina, coleta de lixo,
igrejas, transporte público, concessionárias de veículos, mineração ilegal de
ouro, fintechs, assistência médica pública, organizações não governamentais e
operações de bitcoin.
Um relatório publicado em Genebra prevê que
nos próximos 15 anos o crime organizado se tornará globalmente mais difundido e
poderoso do que é hoje. É que o chama de uma nova “era de ouro” para os
criminosos, explorando escassez com crises climáticas, conflitos geopolíticos e
avanços tecnológicos.
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