quinta-feira, 8 de maio de 2025

O PCC entra na agenda Brasil-EUA - Assis Moreira

Valor Econômico

Classificação da facção criminosa como grupo terrorista traria efeitos colaterais graves para o país

A agenda bilateral do Brasil com os EUA/Trump 2.0 inclui agora outro tema sensível: o Primeiro Comando da Capital (PCC), o mais perigoso grupo criminoso do país e que se expande globalmente.

Donald Trump assinou ordem executiva recentemente incluindo na lista de Organizações Terroristas Estrangeiras (FTOs) do Departamento de Estado seis cartéis de droga do México e as gangues latino-americanas MS-13, originária de El Salvador, a Tren de Aragua, originária da Venezuela, e grupos criminosos do Haiti.

Para a Casa Branca, os cartéis internacionais são “uma ameaça à segurança nacional além daquela representada pelo crime organizado tradicional”, com atividades que abrangem “convergência com atores extra-hemisféricos, desde organizações designadas de terrorismo estrangeiro até governos estrangeiros antagônicos”, por exemplo.

É a primeira vez que grupos puramente criminosos são qualificados por Washington de terroristas. Essa designação era até agora utilizada para grupos como Al-Qaeda e Estado Islâmico, que utilizam a violência para fins políticos.

Essa designação tem amplas implicações para os países. Ela dá a Trump amplo poder para impor penalidades econômicas aos grupos criminosos, como também toda pessoa ou organização suspeita de fornecer apoio material, logístico ou financeiro aos cartéis será passível de punições pesadas impostas por Washington. A interpretação do que é apoio pode depender da vontade política do governo americano.

Além disso, autoridades do vizinho México, que se dizem ciosas de sua soberania, suspeitam que a designação de cartéis como terroristas abre brecha para eventualmente legitimar intervenções militares clandestinas dos EUA em vários países em que essas organizações são ativas. Elon Musk, aliado de Trump, disse que a ordem executiva do presidente significa que os cartéis agora são elegíveis a ataques de drones.

O PCC, a partir de sua base no Brasil, se tornou uma ameaça criminosa transnacional particularmente séria, explorando fraquezas de sistemas políticos, jurídicos e econômicos em diferentes partes do mundo.

O PCC hoje já é classificado pelos EUA como organização criminosa internacional - mas não como terrorista. E, pelo que apurou a coluna, o governo brasileiro não quer e não acha que deveria ser classificado como grupo terrorista, como foi feito com os grupos mexicanos, haitiano e salvadorenho. Isso porque deflagraria a legislação diferente e mais complexa nos EUA com efeitos colaterais mais graves para o país.

Por exemplo, em termos de sanções e outras ações autorizadas ao governo dos EUA, operação financeira do PCC poderia gerar sanções para o banco que processou, mesmo se o banco não soubesse que tratava com o grupo criminoso. A sanção viria se os EUA achassem que a instituição não tomou as medidas necessárias para evitar a operação.

Não há ainda articulações específicas entre Brasília e Washington. Os relatos são de que, por enquanto, o governo brasileiro está recebendo missões americanas, mostrando o que está sendo feito para combater o crime organizado e aumentando cooperação para que os EUA não considerem necessário classificar o PCC como grupo terrorista, com os estragos que viriam em seguida.

Quanto ao risco de o Brasil ser considerado país que abriga terrorismo, ao estilo do que Cuba é hoje, na visão trumpista, e que implicaria sanções mais graves ao país e complicaria o investimento externo, é uma hipótese que não se coloca e tem uma longa distância da realidade, segundo avaliação em Brasília.

O fato é que o PCC está no radar internacional. Quando impôs sanções no ano passado a um operador acusado de lavagem de R$ 1,2 bilhão para o grupo, o Departamento do Tesouro americano observou a forte atuação da facção na América do Sul e presença nos EUA, Europa, África e Ásia.

O governo do Reino Unido acaba de publicar relatório de uma missão enviada ao Brasil para estudar grupos criminosos organizados no país, que estima serem mais de 80, com domínio do PCC e do Comando Vermelho. Uma das constatações: “Existe corrupção em todos os níveis do sistema de justiça criminal e aqueles que ocupam posições estratégicas são vulneráveis à exploração por grupos criminosos. Entretanto, autoridades policiais expressam o desejo e a disposição de combater esses grupos e a corrupção”.

França, Portugal, Espanha, Itália e outros países também têm deflagrado o sinal de alerta contra a presença local do PCC. O Instituto Australiano de Políticas Estratégicas (Aspi) publicou análise apontando “uma nova ameaça à segurança da Austrália: tráfico de cocaína por grupos brasileiros”.

Um dos autores da nota é Rodrigo Duton, policial do Rio de Janeiro e especialista no momento no instituto australiano. Menciona a base das operações ilícitas como tráfico de drogas, contrabando de armas, corrupção, assassinatos por encomenda. E destaca que autoridades brasileiras descobriram esquemas de lavagem de dinheiro do PCC envolvendo imóveis, empresas de construção civil, postos de gasolina, coleta de lixo, igrejas, transporte público, concessionárias de veículos, mineração ilegal de ouro, fintechs, assistência médica pública, organizações não governamentais e operações de bitcoin.

Um relatório publicado em Genebra prevê que nos próximos 15 anos o crime organizado se tornará globalmente mais difundido e poderoso do que é hoje. É que o chama de uma nova “era de ouro” para os criminosos, explorando escassez com crises climáticas, conflitos geopolíticos e avanços tecnológicos.

 

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