O Estado de S. Paulo
Falta o compromisso político efetivo em torno
da responsabilidade fiscal e da busca pelo equilíbrio permanente das contas
públicas
A Lei Complementar n.º 101, mais conhecida
como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), completou 25 anos no dia 4 de maio.
É tempo de retomar o seu espírito original.
O governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso conseguiu melhorar muito a institucionalidade fiscal. Promoveu a
renegociação das dívidas estaduais e municipais, por meio da Lei n.º
9.496/1997, estabeleceu metas para o resultado primário (aquele que não inclui
os juros da dívida) e aprovou a LRF, a partir do estudo das melhores
experiências internacionais.
José Roberto Afonso foi figura central
daquele processo, do ponto de vista da concepção técnica e elaboração da
proposta. A importância do episódio pode ser comparada ao da aprovação da Lei
Geral de Finanças Públicas, a de número 4.320, em 1964, ainda no governo João
Goulart.
A abrangência dessas legislações é nacional, incidindo sobre Estados, municípios e União. A LRF estipulou limites para o comportamento dos gastos com pessoal, obrigou a transparência nos atos da administração pública, por meio de relatórios de gestão e de acompanhamento da execução orçamentária, estabeleceu parâmetros e metas para os indicadores fiscais e trouxe as bases para uma política fiscal mais coesa, inclusive do ponto de vista federativo.
A limitação da dívida pública, prevista na
Constituição, foi adotada para os governos subnacionais, com sucesso,
promovendo uma mudança importante no padrão histórico das finanças locais.
Hoje, o problema retornou, de certo modo, e comentarei, a seguir, como
endereçá-lo à luz da própria LRF.
O País vivenciou 15 anos de melhoria dos seus
indicadores fiscais, passando por diferentes governos. Desde 1999, a adoção das
metas de resultado primário, sistema cristalizado na LRF, levou à geração de
superávits primários e reduziu a dívida sobre o PIB.
Ocorre que, a partir de 2009, a adoção de
políticas fiscais irresponsáveis, na esteira da chamada contabilidade criativa,
começou a desmontar esse sistema. Na prática, produziam-se resultados fiscais
falseados, por meio de descontos contábeis e licenças legais para jogar
despesas para debaixo do tapete. Mailson da Nóbrega e eu escrevemos, neste
jornal, o artigo Contabilidade criativa turva a meta fiscal, em 30 de novembro
de 2009 (B2), para denunciar o início desse processo.
O episódio mostrou que nem só de regras e
legislações vive a responsabilidade fiscal. É preciso haver compromisso
político. Evidentemente, aprimoramentos podem e devem ser feitos, não só na
LRF, mas também na Lei n.º 4.320/1964 e na Lei Complementar n.º 200/2023 (Novo
Arcabouço Fiscal). Contudo, a grande ausente, hoje, no debate fiscal e na
gestão das contas públicas é a ideia-força de que a responsabilidade fiscal é a
chave para crescer.
Por meio da responsabilidade permanente, é
possível alcançar juros mais baixos, investimentos mais elevados e maior
crescimento econômico. Em última instância, é o meio para aumentar o bem-estar
social. Esse raciocínio não está presente hoje no grupo político que comanda o
País. A oposição, igualmente, não apresenta alternativa baseada nesse
fundamento.
Uma das inovações necessárias diz respeito ao
pacto federativo, hoje em frangalhos. Pude constatar, quando fui Secretário da
Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, que o único órgão existente para
tratar dos temas federativos, o Conselho Nacional de Política Fazendária
(Confaz), transformou-se num fórum de deliberação de incentivos do ICMS. As
grandes questões passam longe. Quando chegam, chegam já com o viés do governo
federal, sem muito espaço para o debate qualificado.
Daí por que defendo, neste aniversário de 25
anos da LRF, resgatar a ideia do Conselho de Gestão Fiscal, o CGF. Ele está
previsto no artigo 67 da lei e, até hoje, não foi criado. Para isso, bastaria
uma lei ordinária. Suas funções envolvem o acompanhamento e a avaliação da
gestão fiscal, com participação de todos os Poderes da República e das três
esferas de governo.
Serviria para harmonizar e coordenar os
interesses dos entes federados, elaborar e disseminar boas práticas de
eficiência alocativa e de execução do gasto público, adotar normas gerais e
padronizar entendimentos das cortes de contas, divulgar análises etc.
A LRF foi distorcida, em alguma medida, ao
longo dessas duas décadas e meia, e seu espírito precisa ser resgatado. A ação
dos órgãos de controle, em que pese sua importância, é heterogênea, quando
comparados os diferentes Estados. Além disso, interpretações equivocadas de
dispositivos da LRF levaram, em muitos casos, a um distanciamento do seu
propósito inicial.
Mesmo assim, o saldo positivo da LRF deve ser
exaltado. Em momento difícil para o País, quando o déficit público persiste na
casa de 8% do PIB, se incluídas as contas com juros, e a dívida se aproxima dos
80% do PIB, bem acima da média observada nos países emergentes, é tempo de
avançar.
Se a LRF fosse cumprida à risca, regra fiscal
adicional alguma seria necessária. Falta, isso sim, o compromisso político
efetivo em torno da responsabilidade fiscal e da busca pelo equilíbrio
permanente das contas públicas. •
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