quinta-feira, 8 de maio de 2025

Tapa na cara - William Waack

O Estado de S. Paulo

Os gestos são a substância do que Lula faz em Moscou e Pequim

Há certo consenso sobre o que se impõe a potências médias como o Brasil em meio à nova desordem mundial. Na linguagem acadêmica, trata-se de manter uma “neutralidade pragmática” em função de “inteligência estratégica”.

Significa manter-se fora do eixo principal de conflito geopolítico entre EUA e China, evitando aderir a um dos lados. E olhar para oportunidades com um sentido estratégico, para bem além de ganhos comerciais de curto prazo – que são, no fundo, as “migalhas” que caem do tabuleiro no qual brigam os gigantes.

É o que está em boa parte em teste na viagem de Lula a Rússia e China. Na qual, para um país como o Brasil, o “gesto” acaba virando “substância”. Colocando em risco neutralidade e estratégia.

No caso da China, a questão da neutralidade é grave não só pela imensa importância daquele mercado para as commodities agrícolas e minerais brasileiras (que já leva os chineses a considerar o Brasil um “perigo”). Como ser um “amigo neutro”?

E dimensão do perigo está no fato de que EUA e China disputam sobretudo a supremacia da inovação tecnológica (e militar). Não começou com Trump o esforço americano de impor um cerco à China na aquisição e desenvolvimento de chips para inteligência artificial, por exemplo. Postura que está sendo ampliada para quem Washington enxergue como aliado chinês.

China e Rússia são hoje um bloco de grande coesão na formidável guerra fria em curso. É possível que Lula se inspire em Getúlio Vargas, o único personagem da história brasileira que considera à sua altura. Como é notório, Vargas nutria grandes simpatias pelas potências do Eixo antes da 2.ª Guerra, e extraiu um preço dos Estados Unidos para ceder o uso de bases no Nordeste.

Mas o que Lula talvez esqueça é que Vargas entrou na guerra. Cerca de 25 mil soldados brasileiros combateram a partir de junho de 1944 na Itália contra a Wehrmacht. E o Brasil entrou do lado “certo”, isto é, do lado das potências ocidentais cujos sistemas de governo, instituições e valores são os que o Brasil considera os pilares da própria democracia.

Não é à toa que esses países comemoram o Dia da Vitória em data diferente daqueles, como Vladimir Putin, que consideram o desaparecimento da União Soviética como um triste acontecimento. Não tem a ver com o dia no qual os generais alemães assinaram nos arredores de Berlim a capitulação incondicional (8 de maio com os aliados ocidentais, 9 de maio com o Exército Vermelho).

Nossos soldados lutaram e morreram pela democracia. Celebrar essa vitória ao lado de Putin é dar um tapa na cara deles.

 

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