O Estado de S. Paulo
Os gestos são a substância do que Lula faz em Moscou e Pequim
Há certo consenso sobre o que se impõe a
potências médias como o Brasil em meio à nova desordem mundial. Na linguagem
acadêmica, trata-se de manter uma “neutralidade pragmática” em função de
“inteligência estratégica”.
Significa manter-se fora do eixo principal de conflito geopolítico entre EUA e China, evitando aderir a um dos lados. E olhar para oportunidades com um sentido estratégico, para bem além de ganhos comerciais de curto prazo – que são, no fundo, as “migalhas” que caem do tabuleiro no qual brigam os gigantes.
É o que está em boa parte em teste na viagem
de Lula a Rússia e China. Na qual, para um país como o Brasil, o “gesto” acaba
virando “substância”. Colocando em risco neutralidade e estratégia.
No caso da China, a questão da neutralidade é
grave não só pela imensa importância daquele mercado para as commodities
agrícolas e minerais brasileiras (que já leva os chineses a considerar o Brasil
um “perigo”). Como ser um “amigo neutro”?
E dimensão do perigo está no fato de que EUA
e China disputam sobretudo a supremacia da inovação tecnológica (e militar).
Não começou com Trump o esforço americano de impor um cerco à China na
aquisição e desenvolvimento de chips para inteligência artificial, por exemplo.
Postura que está sendo ampliada para quem Washington enxergue como aliado
chinês.
China e Rússia são hoje um bloco de grande
coesão na formidável guerra fria em curso. É possível que Lula se inspire em
Getúlio Vargas, o único personagem da história brasileira que considera à sua
altura. Como é notório, Vargas nutria grandes simpatias pelas potências do Eixo
antes da 2.ª Guerra, e extraiu um preço dos Estados Unidos para ceder o uso de
bases no Nordeste.
Mas o que Lula talvez esqueça é que Vargas
entrou na guerra. Cerca de 25 mil soldados brasileiros combateram a partir de
junho de 1944 na Itália contra a Wehrmacht. E o Brasil entrou do lado “certo”,
isto é, do lado das potências ocidentais cujos sistemas de governo,
instituições e valores são os que o Brasil considera os pilares da própria
democracia.
Não é à toa que esses países comemoram o Dia
da Vitória em data diferente daqueles, como Vladimir Putin, que consideram o
desaparecimento da União Soviética como um triste acontecimento. Não tem a ver
com o dia no qual os generais alemães assinaram nos arredores de Berlim a
capitulação incondicional (8 de maio com os aliados ocidentais, 9 de maio com o
Exército Vermelho).
Nossos soldados lutaram e morreram pela
democracia. Celebrar essa vitória ao lado de Putin é dar um tapa na cara deles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário