sábado, 22 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ibama deveria autorizar pesquisa na Margem Equatorial

O Globo

Com rigor ambiental e recursos para transição energética, é viável conciliar descarbonização e prospecção de petróleo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem expressado impaciência com o Ibama pela demora em autorizar a pesquisa de petróleo na região conhecida como Margem Equatorial, faixa oceânica do Amapá ao Rio Grande do Norte. Descreveu como “lenga-lenga” a demora na liberação da licença ambiental. É certo que Lula não deveria tentar interferir na deliberação de agências independentes como o Ibama. Mas a procrastinação de decisões técnicas também não faz bem ao país. O embate tem sido contaminado por dois grandes equívocos. O primeiro é confundir quem apoia a prospecção com negacionistas do aquecimento global. O segundo é achar que as sondas da Petrobras significarão a devastação da Foz do Amazonas.

Quanto ao primeiro, não há contradição entre as necessidades de descarbonizar a economia brasileira e de buscar novas reservas de petróleo. Sem dúvida o petróleo é protagonista no aquecimento global. Mas é uma ilusão crer que os postos de combustível fecharão de uma hora para outra. O termo transição energética, vale lembrar, denota um processo gradual. Mesmo no cenário alinhado com as metas do Acordo de Paris, haverá demanda por petróleo em 2050 (25 milhões de barris por dia, segundo a Agência Internacional de Energia). No caso específico do Brasil, a projeção prevê um pico na próxima década e um patamar próximo do atual na metade do século. Tendo isso em mente, é essencial garantir reservas que atendam à demanda. Do contrário, teremos de importar. A previsão é que o pré-sal explorado hoje dure, no máximo, 15 anos. Não faz sentido outros países continuarem a produzir petróleo, e apenas o Brasil não.

Quanto ao segundo equívoco, o petróleo brasileiro tem pegada de carbono inferior à média global. No Brasil, a produção de cada barril emite 15 kg de CO2 (10 kg no pré-sal). No mundo, a média é superior a 17 kg (e as petroleiras menos eficientes nem divulgam dados). A Petrobras é referência mundial na tecnologia de separação do CO2 e reinjeção no solo, sem deixar escapar para a atmosfera. Faz isso mantendo o custo de produção entre os mais baixos. A meta para este ano é reinjetar 80 milhões de toneladas, o dobro de 2022.

A Petrobras também tem bom histórico na prevenção e na mitigação de vazamentos de óleo. Em 2023, houve sete, com volume de 16,9 m³, bem abaixo do limite de alerta, de 120 m³. Do total vazado, 9,1 m³ ocorreram no solo, e 7,7 m³ foram recuperados. Grandes tragédias submarinas são raríssimas.

Por fim, a área da pesquisa cuja licença foi solicitada ao Ibama no Oceano Atlântico fica a 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas. É longe o bastante para afastar os cenários mais catastróficos de contaminação. Os poços do pré-sal ficam a 300 quilômetros da costa do Sudeste, e nunca houve maior preocupação com o ecossistema das praias fluminenses, capixabas ou paulistas.

Nem precisaria. O próprio Ibama tem o dever de, ao autorizar pesquisas, exigir todos os planos de prevenção e contingência necessários, com os melhores protocolos para avaliação, além de multas altas para coibir o risco de vazamentos. Também é essencial que, caso a exploração seja um dia autorizada nas áreas de pesquisa, ela resulte em recursos concretos para a transição energética e para o combate ao desmatamento. Os destruidores da Amazônia têm sido implacáveis e merecem toda repressão do Estado. Mas eles estão na floresta, não no oceano.

‘PEC da Blindagem’ é iniciativa oportunista e sem cabimento

O Globo

Diante de escândalos de emendas, parlamentares ressuscitam proposta para dificultar investigações

Na esteira das investigações deflagradas para jogar luz sobre desvios nas emendas parlamentares, cresceu a pressão na Câmara para que seja resgatada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sintomaticamente alcunhada “PEC da Blindagem”. Numa reação corporativista de autodefesa, parlamentares querem incluir na Constituição limites ao trabalho de órgãos responsáveis por averiguar desvios no uso do dinheiro público. Além de iniciativa oportunista, seria uma manobra inaceitável com o simples objetivo de livrar a cara dos suspeitos de desvios.

No final do ano passado, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), chegou a suspender o pagamento de emendas, depois o liberou mediante certas condições. Houve um compromisso entre Legislativo e Executivo para dar transparência aos repasses. O que o Congresso aprovou, contudo, foi insuficiente. Agora, Dino determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) audite R$ 469 milhões enviados diretamente ao caixa das prefeituras sem indicação de destino nem de responsável pelo gasto — modalidade conhecida como “emenda Pix”. Além disso, tramitam no STF pelo menos 20 investigações sobre suspeitas de desvios nos cerca de R$ 50 bilhões em emendas no ano passado.

Num desses casos, Dino determinou diligências para checar a possibilidade de um assessor próximo ao deputado Afonso Motta (PDT-RS) ter cobrado propina sobre uma emenda de pouco mais de R$ 1 milhão, enviada ao hospital Ana Nery, em Santa Cruz do Sul (RS). Na semana passada, agentes da Polícia Federal (PF) cumpriram 11 mandados de busca e apreensão em Brasília, na cidade do hospital e noutros quatro municípios gaúchos. Na terça, o assessor foi exonerado.

Foi o bastante para congressistas ressuscitarem uma PEC que impõe necessidade de autorização prévia do Congresso para deputados e senadores serem investigados; acesso irrestrito aos inquéritos, mesmo a trechos sob sigilo, e prazos mais rígidos para conclusão das investigações. É nítida a intenção de dificultar ao máximo as averiguações sobre os parlamentares. Em 2021, a “PEC da Blindagem” foi deixada de lado diante de divergências e pressões do Judiciário. Tenta-se desengavetá-la agora, justamente quando avançam as apurações sobre as emendas.

O texto é tão descabido que o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), sugeriu que se encontre um equilíbrio entre preservar os espaços institucionais e o combate à corrupção. Ele propôs que o novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), faça um “ajuste fino” com o STF. Mas não é admissível que, entre as prerrogativas necessárias para qualquer parlamentar exercer o mandato, se incluam dispositivos que convertam os gabinetes do Congresso em santuários blindados contra o Código Penal, como se os congressistas estivessem sempre acima de qualquer suspeita. Não custa lembrar: o principal interessado em investigar os escândalos é o próprio Parlamento, cuja imagem ficará ainda mais manchada se a PEC passar a tramitar.

Investimento via concessões cresce e precisa ser incentivado

Folha de S. Paulo

Aporte na infraestrutura em 2024 ficou 10% acima do pico de 2014; urge aperfeiçoar regras e garantir segurança jurídica

Apesar do cenário econômico desfavorável por conta de juros altos e da falta de confiança na gestão orçamentária do governo federal, os investimentos em infraestrutura ainda resistem e passam por um momento promissor, que não pode ser comprometido.

Segundo dados da Abdib, que reúne empresas do setor, o valor dos aportes atingiu R$ 260 bilhões em 2024, alta de 15% frente ao ano anterior e de 10% reais acima do pico atingido em 2014.

Contribuem para isso a maturação das regras de concessões e parcerias público-privadas (PPP), que vêm crescendo com a abertura para investimentos privados em áreas antes inacessíveis, caso do saneamento.

O Brasil ainda tem insuficiência de aportes em áreas como transportes, mobilidade urbana e tratamento sanitário, mas a carência de recursos pode diminuir nos próximos anos com novos projetos, cada vez mais conduzidos por governos estaduais.

Completados 30 anos da lei de concessões e uma década das regras que regem as PPP, houve aprendizado regulatório e hoje há mais confiança do setor privado. Mesmo assim, é preciso evoluir na legislação, uma das prioridades do Ministério da Fazenda para o biênio 2025-2026.

O foco é a modernização das regras para facilitar a mudança dos parâmetros das concessões, de modo a garantir o reequilíbrio econômico no caso de eventos não considerados nos contratos.

É uma forma de partilhar risco entre o setor privado e o governo, o que pode reduzir o custo de capital dos investimentos. Desde que bem estruturado, o mecanismo deve evitar a necessidade de morosos processos de retomada ou renegociação da concessão que comprometam a continuidade dos serviços.

Também se busca viabilizar a contratação de seguros, que podem chegar a 30% do valor do contrato. Em outros países é uma prática comum, que traz o benefício da presença de um terceiro interessado (a seguradora), além das duas partes (poder concedente e concessionária), para monitoramento e melhor eficiência.

Mesmo com riscos econômicos, o volume de concessões deve crescer nos próximos dois anos. Em 2025, o governo quer leiloar 15 projetos rodoviários, com aportes potenciais de R$ 161 bilhões, além de 21 empreendimentos portuários e mais aeroportos.

BNDES vem aumentando sua participação no financiamento de rodovias, que pode chegar a R$ 30 bilhões neste ano. Cumpre por outro lado preservar a atratividade dos aportes privados, que atualmente respondem pela maior parte dos recursos.

É positivo que ao menos nas regras de concessão não haja controvérsia ideológica. Até o PT, erroneamente avesso a privatizações, já se rendeu a essa realidade, não sem lutar e felizmente ser derrotado na abertura do saneamento ao setor privado. Cumpre garantir o amadurecimento das regras e a ampliação convicta dos projetos em todas as áreas.

Bolsa Família para quem de fato precisa

Folha de S. Paulo

Folha mostra divergências entre número de beneficiários e estimativas de famílias pobres; é necessário refinar cadastro

São inegáveis os avanços sociais gerados pelo Bolsa Família. Contudo ainda há muito a ser feito para alcançar de fato os estratos mais vulneráveis.

Levantamento da Folha com base em dados do Bolsa Família de janeiro de 2025 revelou que, em 1.211 municípios, o número de beneficiários do programa é maior do que a estimativa de famílias em situação de pobreza (renda mensal de até R$ 218 por pessoa) para cada localidade.

Esses municípios, que representam 21,7% do total no país, são aqueles em que o montante dos que recebem o auxílio superou em mais de 10% as estimativas feitas pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) —as mais recentes são de 2022.

Como se tratam de projeções passíveis de variação, as 1.769 cidades em que a quantidade de beneficiários ficou até 10% acima podem estar dentro das margens de tolerância, que não foram divulgadas pelo órgão.

Segundo as estimativas do MDS, chamadas de "metas", 20,6 milhões de famílias estavam em situação de pobreza em 2022, número bastante próximo aos 20,5 milhões de beneficiários do Bolsa Família. No entanto a implementação dos repasses apresenta deturpações quando se observa a realidade de cada localidade.

Em 1.135 municípios, a quantidade de famílias que recebem o auxílio foi mais de 10% abaixo das metas de pobreza do MDS.

Tais variações mostram que o governo federal precisa refinar o cadastro para fazer com que o dinheiro alcance os mais necessitados e detectar aqueles que não têm direito de recebê-lo.

A principal distorção é a alta significativa de famílias unipessoais (só um integrante), incitada por mudanças criadas no final do mandato de Jair Bolsonaro (PL).

Ao voltar a considerar como critério o número de filhos por família, a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reduziu, entre janeiro de 2023 e junho de 2024, o total das unipessoais de 5,9 milhões a 3,9 milhões. Mas em dezembro ele subiu para 4,1 milhões.

As taxas de pobreza e extrema pobreza em 2023 —27,4% e 5,9%, respectivamente— caíram aos menores níveis da série histórica do IBGE, iniciada em 2012, o que mostra eficácia do Bolsa Família.

Mas, de 2022 a 2023, a despesa com o programa cresceu 80,4% acima da inflação, com expansão de R$ 78,3 bilhões no primeiro ano do atual governo Lula; em 2024, foram gastos R$ 168,3 bilhões. O poder público tem o dever de gerir melhor esse dinheiro, pelo bem dos mais pobres e pela sustentabilidade do Orçamento, que já é bastante deficitário.

Lula e os ovos

O Estado de S. Paulo

O presidente diz que tem ‘obsessão por alimento barato’ e quer convocar atacadistas para baixar o preço do ovo. Obsessão, mesmo, o petista tem pela ideia de que preços caem por seu desejo

A inflação dos alimentos está disseminada, como tem verificado o IBGE ao coletar os preços que compõem o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Apesar da desaceleração recente, com o recuo do IPCA de 0,52% em dezembro para 0,16% em janeiro, a alta dos alimentos manteve o ritmo forte de espalhamento, como mostra o porcentual de itens com aumentos de preços (índice de difusão), que passou de 69% em dezembro para 71% em janeiro.

A dispersão cada vez maior de reajustes promove um revezamento feérico dos vilões da inflação, que surgem com variações anuais de preços de dois dígitos, ora a carne, ora o café, ora o óleo de soja, ora o leite e, mais recentemente, o ovo. Para cada um deles, o presidente Lula da Silva parece ter uma solução mágica, que geralmente passa pela convocação de atacadistas e varejistas para convencê-los a baixar os preços. Lula se diz genuinamente surpreso a cada informação sobre um novo “vilão”.

“Quando me disseram que está R$ 40 a caixa com 30 ovos, é um absurdo mesmo. Vamos ter que fazer uma reunião com os atacadistas para discutir como podemos trazer isso para baixo”, esbravejou o presidente em uma de suas mais recentes participações em programas de rádio. Lula age como um animador de auditório tentando convencer o público de que é capaz de resolver na lábia questões críticas como a inflação. Há alguns dias, discursando em um palanque no Amapá, chegou a sugerir o consumo de ovos de pata ou de ema, tratando com escárnio um problema que afeta a vida de muita gente.

A redução no ritmo da inflação em janeiro foi extemporânea, causada, como se sabe, pelo bônus da energia da usina de Itaipu, que reduziu pontualmente as contas de luz. Nos alimentos, a carestia continuou e, de acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), em janeiro, a cesta de 35 produtos de largo consumo nos supermercados ficou 9,29% mais cara em relação a janeiro do ano passado; para a cesta básica de 12 produtos a alta foi ainda mais relevante: 12,89%. A tendência para 2025, de acordo com especialistas, é de que a inflação dos alimentos se espalhe ainda mais, principalmente a partir do segundo semestre, mas o governo continua tentando saídas espetaculosas – afinal, Lula disse que tem “obsessão por alimento barato”.

O ministro de Desenvolvimento Social, Wellington Dias, chegou a citar o Plano Safra, com incentivo a produtores de alimentos com alta de preços mais elevada, como uma das alternativas em estudo para conter a inflação. Horas depois, o Tesouro anunciaria a suspensão de novas contratações de financiamentos subvencionados nas linhas do Plano Safra por insuficiência de recursos diante do “aumento relevante nos gastos por conta da elevação da Selic”. O Orçamento deste ano ainda não foi votado pelo Congresso, o que reduziu ainda mais a disponibilidade de verba.

Lula diz que a culpa é da “dolarização” dos preços internos. No caso do preço do ovo, lembrou que as exportações para os Estados Unidos cresceram e insinuou que os preços em dólar são usados como referência doméstica. Também já havia dito algo semelhante sobre a carne. Na prática, o presidente quer que os produtores e comerciantes de alimentos não levem em conta o câmbio ao formar seus preços, o que é obviamente um disparate.

Para Lula, como sempre, a responsabilidade pela inflação é dos outros – dos revendedores de combustíveis que “assaltam” o consumidor, dos produtores que repassam para seus preços as variações do dólar e do aquecimento global. Mas o vilão da inflação, hoje, não é o ovo: são as falas desastradas de Lula, aquelas que fazem o dólar subir, e sua obsessão por manter e até aumentar os gastos públicos, que pressionam os juros e desestimulam a produção.

O governo não tem como fazer baixar a inflação com conversa, como anunciou Lula. Os empresários certamente não se deixarão hipnotizar pelo petista e continuarão a repassar para seus preços os custos cambiais. Mas Lula precisa dar a impressão aos eleitores de que está preocupado com a alta dos alimentos e dos combustíveis. É o melhor jeito de tentar esconder o fato incontornável de que o terceiro mandato de Lula nada tem a oferecer, em nenhuma área relevante.

O futuro do trabalho não é desolador

O Estado de S. Paulo

Fórum Econômico Mundial mostra que saldo entre criação e destruição de empregos nos próximos anos será positivo, mas governos, empregadores e empregados precisam se preparar

Até 2030, cerca de 78 milhões de novos postos de trabalho serão criados globalmente, de acordo com o Relatório sobre o Futuro dos Empregos 2025, organizado pelo Fórum Econômico Mundial e que, no Brasil, contou com a parceria da Fundação Dom Cabral.

Esse volume é o saldo líquido entre os 170 milhões de empregos que passarão a existir em um mundo de inovações tecnológicas e transição verde, entre outros vetores, e os 92 milhões de trabalhos que serão destruídos, digamos assim, em virtude da transformação do mundo do trabalho.

A boa notícia é que, como atestam as projeções do Fórum, desenvolvimentos que ainda assombram o mundo, como a inteligência artificial (IA), não dizimarão os empregos da face da Terra, como sustentam alguns profetas. Por outro lado, governos, empregadores e empregados têm muito a fazer para garantir o casamento entre habilidades e demandas desse renovado mercado de trabalho.

A educação, por óbvio, tem papel fundamental nessa equação. De um modo geral, no mundo todo é preciso que os profissionais estejam aptos a lidar com novas tecnologias que, se bem manejadas, garantirão a empregabilidade de milhões de pessoas.

Recentemente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que um elevado porcentual (18%) de adultos de 31 países (o Brasil não foi avaliado nesse estudo) não domina nem mesmo os níveis mais básicos de proficiência em leitura, matemática e resolução de problemas. Trata-se de alerta importantíssimo, pois sem o conhecimento básico é impossível lidar com as tecnologias mais avançadas, aquelas que podem garantir vida ou morte no mercado de trabalho.

Para além do aprimoramento de competências básicas no mundo como um todo, é importante ter em mente que as necessidades de economias em diferentes estágios de desenvolvimento são assimétricas. Há ainda a questão do envelhecimento populacional, que é mais acentuada em países do Hemisfério Norte.

A demanda por profissionais da chamada indústria do cuidado (como enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos) deve aumentar nos próximos anos, principalmente naqueles países mais maduros do ponto de vista econômico e etário.

Já funções como as de caixa – em lojas, supermercados, bancos e cinemas, por exemplo –, além de assistentes administrativos, entre outras, tendem a perder cada vez mais espaço, o que exigirá que profissionais que atuam nessas áreas busquem requalificação para se manterem empregáveis.

Os desafios são múltiplos no caso específico do Brasil, país em que a economia ainda é de renda média, mas que, de acordo com o IBGE, deve perder em no máximo 15 anos o seu bônus demográfico – quando a parcela da população em idade ativa é maior que a de dependentes, isto é, crianças e idosos.

De acordo com o Fórum, os empregadores que contratam no Brasil entendem que a lacuna de competências (skills gap) é a principal barreira para a transformação dos negócios no País até 2030. Aqui há, contudo, uma grande oportunidade, já que as empresas que atuam no País preveem crescimento de vagas para especialistas em áreas como transformação digital, IA, cadeias de suprimento e logística, entre outras.

A demanda por tais funções faz com que a promoção de políticas educacionais efetivas torne-se ainda mais urgente. O Brasil, em que pese suas múltiplas deficiências, tem um mercado interno significativo, além de ser um grande exportador global e um dos países com maior potencial na área de transição verde.

Do ponto de vista das empresas, também é preciso maior racionalidade para que a boa prática da retenção e aprimoramento de talentos, benéfica tanto para quem contrata quanto para quem é contratado, seja mais constante. Nesse sentido, é alentador que, de acordo com o relatório do Fórum, nove em cada dez empresas no Brasil planejem aprimorar as habilidades de seu quadro de funcionários nos próximos cinco anos.

Tudo isso posto, não há motivos para temer o futuro, desde que haja empenho de todas as partes para se adaptar a ele.

O horror

O Estado de S. Paulo

Não contente em matar crianças israelenses, o Hamas usa os cadáveres para fazer propaganda

Nem o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos – geralmente silente em relação aos costumeiros abusos cometidos pelo Hamas contra civis israelenses e contra os próprios palestinos de Gaza – suportou as imagens repugnantes de terroristas desfilando com caixões contendo os corpos de reféns israelenses que estavam para ser devolvidos a Israel.

“O desfile de corpos como vimos nesta manhã (de quinta-feira passada) é abominável e cruel, e desafia a lei internacional”, declarou o Alto Comissariado, que acrescentou: “Sob a lei internacional, toda entrega de restos mortais deve respeitar a proibição de tratamento cruel, desumano e degradante, garantindo respeito pela dignidade dos mortos e de suas famílias”.

A manifestação do Alto Comissariado é, além de tardia e tímida, inútil. O Hamas não dispensa tratamento humanitário nem mesmo para os miseráveis moradores de Gaza, os quais padecem de todo tipo de insuficiência, enquanto os terroristas roubam a bilionária ajuda humanitária e financeira que o território recebe, vinda de toda parte do mundo, para construir túneis e comprar armas. Não é nada surpreendente, portanto, que o Hamas esteja tratando os reféns israelenses que capturou no infame ataque de 7 de outubro de 2023 da maneira mais desumana possível.

No entanto, o que o grupo terrorista fez no caso dos reféns integrantes da família Bibas – os meninos Kfir, de 10 meses de idade, seu irmão Ariel, de 4 anos, e a mãe deles, Shiri, de 32 anos – vai além do que mesmo a mais depravada imaginação poderia conceber. Não bastasse a crueldade de sequestrar um bebê de colo e seu irmão pequeno, o que em si é a prova cabal da abjeção do Hamas, o uso de seus cadáveres para fins de propaganda comprova que se está diante de monstros, e não de seres humanos.

Como se isso tudo não bastasse, o Hamas, que deveria ter entregue os corpos dos meninos e de sua mãe, como parte do acordo de cessar-fogo com Israel, entregou as crianças mas não a mãe – no lugar dela, foi enviado o cadáver de uma mulher desconhecida, conforme atestaram médicos-legistas de Israel. Os terroristas alegam se tratar de um “engano”. No entanto, a julgar pelo que se viu até aqui, é muito mais provável que o tal “engano” também seja parte da estratégia dos terroristas de ampliar a já indizível dor dos israelenses.

Segundo as autoridades militares israelenses, os exames realizados nos cadáveres mostram que crianças foram assassinadas pelos terroristas “com as próprias mãos”. Já o Hamas alega que os meninos morreram num bombardeio israelense. O mundo é livre para acreditar em quem quiser – ou na versão de um Estado democrático, cujas instituições estão sob permanente escrutínio público, ou na versão de um grupo terrorista que usa a mentira como rotineira arma de guerra.

Mas essa guerra pelos corações e mentes, Israel aparentemente já perdeu. Mesmo diante do sadismo doentio do Hamas, não se tem notícia de manifestações em solidariedade a Israel e de protesto contra o terrorismo palestino. E certamente haverá quem justifique o assassinato deliberado de crianças como parte legítima da “resistência palestina” contra Israel.

Política externa de Trump em marcha perigosa

Correio Braziliense

Guinada na política externa dos EUA não apenas compromete o papel tradicional do país como líder global, mas também ameaça o próprio equilíbrio geopolítico

A política dos Estados Unidos está passando por uma transformação que pode ter consequências profundas para o país e para o mundo. Os novos expoentes do cenário político norte-americano — com o presidente Donald Trump à frente — estão trilhando um caminho arriscado, marcado pela simpatia por movimentos da extrema-direita, como é o caso do magnata da tecnologia Elon Musk, e pelo desprezo por alianças construídas ao longo de décadas.

Essa guinada não apenas compromete o papel tradicional dos EUA como líder global, mas também ameaça o próprio equilíbrio geopolítico. A ruptura com aliados tradicionais pode gerar instabilidade, enfraquecer organismos multilaterais e abrir espaço para a ascensão de outras potências que buscam ocupar esse vácuo de liderança.

O mundo já estava perigoso. A invasão da Ucrânia pela Rússia teve impactos globais: sanções, crises energéticas e reconfiguração de alianças. O cessar-fogo em Gaza é instável, e as tensões entre Israel e grupos apoiados pelo Irã aumentam a instabilidade na região. A disputa entre os houthis no Iêmen e a coalizão liderada pela Arábia Saudita continua no Mar Vermelho. Prossegue a sangrenta guerra civil no Sudão.

Outras rivalidades ampliam o cenário de tensão. A ameaça de uma invasão chinesa a Taiwan desperta preocupação no Indo-Pacífico. China, Filipinas e Vietnã disputam ilhas estratégicas. Após o conflito de Nagorno-Karabakh, entre Armênia e Azerbaijão, a estabilidade do Cáucaso está sob ameaça.

Estados Unidos e China protagonizam uma corrida por chips, inteligência artificial (IA), influência econômica e controle de cadeias produtivas. A transição energética e as tensões no Oriente Médio impactam preços e mercados globais. A polarização política nos EUA reverbera na Europa e outros países, inclusive o Brasil.

Peru, Argentina e Venezuela ampliam a instabilidade na América do sul, com reflexos políticos e econômicos nos países vizinhos. A crise migratória mundial, cujo epicentro se deslocou para a fronteira do México com os Estados Unidos, pressiona governos e alimenta o crescimento da extrema-direita, sobretudo na Europa.

A partir da política externa disruptiva do presidente Trump, os Estados Unidos deixaram de ser o polo estabilizador da política mundial e da economia globalizada. Um mundo mais inseguro e dividido não é bom para ninguém. O momento exige sensatez e compromisso com princípios democráticos e diplomáticos que garantam a estabilidade global. O preço de ignorar essa realidade pode ser alto demais para todos.

O efeito reverso dessa política já se faz sentir. Em vez de fortalecer os interesses norte-americanos, essa postura pode tornar a vida dos próprios cidadãos mais difícil, criando insegurança econômica, diplomática e até mesmo militar. O isolamento e a polarização crescentes não favorecem o diálogo, nem a cooperação internacional — elementos essenciais para enfrentar desafios globais como as mudanças climáticas, o terrorismo e as crises econômicas.

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