Ibama deveria autorizar pesquisa na Margem Equatorial
O Globo
Com rigor ambiental e recursos para transição
energética, é viável conciliar descarbonização e prospecção de petróleo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem expressado impaciência com o Ibama pela demora em autorizar a pesquisa de petróleo na região conhecida como Margem Equatorial, faixa oceânica do Amapá ao Rio Grande do Norte. Descreveu como “lenga-lenga” a demora na liberação da licença ambiental. É certo que Lula não deveria tentar interferir na deliberação de agências independentes como o Ibama. Mas a procrastinação de decisões técnicas também não faz bem ao país. O embate tem sido contaminado por dois grandes equívocos. O primeiro é confundir quem apoia a prospecção com negacionistas do aquecimento global. O segundo é achar que as sondas da Petrobras significarão a devastação da Foz do Amazonas.
Quanto ao primeiro, não há contradição entre
as necessidades de descarbonizar a economia brasileira e de buscar novas
reservas de petróleo. Sem dúvida o petróleo é protagonista no aquecimento
global. Mas é uma ilusão crer que os postos de combustível fecharão de uma hora
para outra. O termo transição energética, vale lembrar, denota um processo
gradual. Mesmo no cenário alinhado com as metas do Acordo de Paris, haverá
demanda por petróleo em 2050 (25 milhões de barris por dia, segundo a Agência
Internacional de Energia). No caso específico do Brasil, a projeção prevê um
pico na próxima década e um patamar próximo do atual na metade do século. Tendo
isso em mente, é essencial garantir reservas que atendam à demanda. Do
contrário, teremos de importar. A previsão é que o pré-sal explorado hoje dure,
no máximo, 15 anos. Não faz sentido outros países continuarem a produzir
petróleo, e apenas o Brasil não.
Quanto ao segundo equívoco, o petróleo
brasileiro tem pegada de carbono inferior à média global. No Brasil, a produção
de cada barril emite 15 kg de CO2 (10 kg no pré-sal). No mundo, a média é
superior a 17 kg (e as petroleiras menos eficientes nem divulgam dados). A
Petrobras é referência mundial na tecnologia de separação do CO2 e reinjeção no
solo, sem deixar escapar para a atmosfera. Faz isso mantendo o custo de
produção entre os mais baixos. A meta para este ano é reinjetar 80 milhões de
toneladas, o dobro de 2022.
A Petrobras também tem bom histórico na
prevenção e na mitigação de vazamentos de óleo. Em 2023, houve sete, com volume
de 16,9 m³, bem abaixo do limite de alerta, de 120 m³. Do total vazado, 9,1 m³
ocorreram no solo, e 7,7 m³ foram recuperados. Grandes tragédias submarinas são
raríssimas.
Por fim, a área da pesquisa cuja licença foi
solicitada ao Ibama no Oceano Atlântico fica a 500 quilômetros da foz do Rio
Amazonas. É longe o bastante para afastar os cenários mais catastróficos de
contaminação. Os poços do pré-sal ficam a 300 quilômetros da costa do Sudeste,
e nunca houve maior preocupação com o ecossistema das praias fluminenses,
capixabas ou paulistas.
Nem precisaria. O próprio Ibama tem o dever
de, ao autorizar pesquisas, exigir todos os planos de prevenção e contingência
necessários, com os melhores protocolos para avaliação, além de multas altas
para coibir o risco de vazamentos. Também é essencial que, caso a exploração
seja um dia autorizada nas áreas de pesquisa, ela resulte em recursos concretos
para a transição energética e para o combate ao desmatamento. Os destruidores
da Amazônia têm sido implacáveis e merecem toda repressão do Estado. Mas eles
estão na floresta, não no oceano.
‘PEC da Blindagem’ é iniciativa oportunista e
sem cabimento
O Globo
Diante de escândalos de emendas,
parlamentares ressuscitam proposta para dificultar investigações
Na esteira das investigações deflagradas para
jogar luz sobre desvios nas emendas parlamentares, cresceu a pressão na Câmara
para que seja resgatada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
sintomaticamente alcunhada “PEC da Blindagem”. Numa reação corporativista de
autodefesa, parlamentares querem incluir na Constituição limites ao trabalho de
órgãos responsáveis por averiguar desvios no uso do dinheiro público. Além de
iniciativa oportunista, seria uma manobra inaceitável com o simples objetivo de
livrar a cara dos suspeitos de desvios.
No final do ano passado, o ministro Flávio Dino,
do Supremo Tribunal Federal (STF), chegou a suspender o pagamento de emendas,
depois o liberou mediante certas condições. Houve um compromisso entre
Legislativo e Executivo para dar transparência aos repasses. O que o Congresso
aprovou, contudo, foi insuficiente. Agora, Dino determinou que a
Controladoria-Geral da União (CGU) audite R$ 469 milhões enviados diretamente
ao caixa das prefeituras sem indicação de destino nem de responsável pelo gasto
— modalidade conhecida como “emenda Pix”. Além disso, tramitam no STF pelo
menos 20 investigações sobre suspeitas de desvios nos cerca de R$ 50 bilhões em
emendas no ano passado.
Num desses casos, Dino determinou diligências
para checar a possibilidade de um assessor próximo ao deputado Afonso Motta
(PDT-RS) ter cobrado propina sobre uma emenda de pouco mais de R$ 1 milhão,
enviada ao hospital Ana Nery, em Santa Cruz do Sul (RS). Na semana passada,
agentes da Polícia
Federal (PF) cumpriram 11 mandados de busca e apreensão em Brasília,
na cidade do hospital e noutros quatro municípios gaúchos. Na terça, o assessor
foi exonerado.
Foi o bastante para congressistas
ressuscitarem uma PEC que impõe necessidade de autorização prévia do Congresso
para deputados e senadores serem investigados; acesso irrestrito aos
inquéritos, mesmo a trechos sob sigilo, e prazos mais rígidos para conclusão
das investigações. É nítida a intenção de dificultar ao máximo as averiguações
sobre os parlamentares. Em 2021, a “PEC da Blindagem” foi deixada de lado
diante de divergências e pressões do Judiciário. Tenta-se desengavetá-la agora,
justamente quando avançam as apurações sobre as emendas.
O texto é tão descabido que o líder do PL,
Sóstenes Cavalcante (RJ), sugeriu que se encontre um equilíbrio entre preservar
os espaços institucionais e o combate à corrupção. Ele propôs que o novo
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), faça um “ajuste fino” com o
STF. Mas não é admissível que, entre as prerrogativas necessárias para qualquer
parlamentar exercer o mandato, se incluam dispositivos que convertam os
gabinetes do Congresso em santuários blindados contra o Código Penal, como se
os congressistas estivessem sempre acima de qualquer suspeita. Não custa
lembrar: o principal interessado em investigar os escândalos é o próprio
Parlamento, cuja imagem ficará ainda mais manchada se a PEC passar a tramitar.
Investimento via concessões cresce e precisa
ser incentivado
Folha de S. Paulo
Aporte na infraestrutura em 2024 ficou 10%
acima do pico de 2014; urge aperfeiçoar regras e garantir segurança jurídica
Apesar do cenário econômico desfavorável por
conta de juros altos e da falta de confiança na gestão orçamentária do governo
federal, os investimentos em infraestrutura ainda
resistem e passam por um momento promissor, que não pode ser comprometido.
Segundo dados da Abdib, que reúne empresas do
setor, o valor dos aportes atingiu R$ 260 bilhões em 2024, alta de 15% frente
ao ano anterior e de 10% reais acima do pico atingido em 2014.
Contribuem para isso a maturação das regras
de concessões e parcerias público-privadas (PPP), que vêm crescendo com a
abertura para investimentos privados em áreas antes inacessíveis, caso do saneamento.
O Brasil ainda tem insuficiência de aportes
em áreas como transportes, mobilidade urbana e tratamento sanitário, mas a
carência de recursos pode diminuir nos próximos anos com novos projetos, cada
vez mais conduzidos por governos estaduais.
Completados 30 anos da lei de concessões e
uma década das regras que regem as PPP, houve aprendizado regulatório e hoje há
mais confiança do setor privado. Mesmo assim, é preciso evoluir na legislação,
uma das prioridades do Ministério
da Fazenda para o biênio 2025-2026.
O foco é a modernização das regras para
facilitar a mudança dos parâmetros das concessões, de modo a garantir o
reequilíbrio econômico no caso de eventos não considerados nos contratos.
É uma forma de partilhar risco entre o setor
privado e o governo, o que pode reduzir o custo de capital dos investimentos.
Desde que bem estruturado, o mecanismo deve evitar a necessidade de morosos
processos de retomada ou renegociação da concessão que comprometam a
continuidade dos serviços.
Também se busca viabilizar a contratação de
seguros, que podem chegar a 30% do valor do contrato. Em outros países é uma
prática comum, que traz o benefício da presença de um terceiro interessado (a
seguradora), além das duas partes (poder concedente e concessionária), para
monitoramento e melhor eficiência.
Mesmo com riscos econômicos, o volume de
concessões deve crescer nos próximos dois anos. Em 2025, o
governo quer leiloar 15 projetos rodoviários, com aportes potenciais de R$
161 bilhões, além de 21 empreendimentos portuários e mais aeroportos.
O BNDES vem
aumentando sua participação no financiamento de rodovias, que
pode chegar a R$ 30 bilhões neste ano. Cumpre por outro lado preservar a
atratividade dos aportes privados, que atualmente respondem pela maior parte
dos recursos.
É positivo que ao menos nas regras de
concessão não haja controvérsia ideológica. Até o PT, erroneamente
avesso a privatizações, já se rendeu a essa realidade, não
sem lutar e felizmente ser derrotado na abertura do saneamento ao
setor privado. Cumpre garantir o amadurecimento das regras e a ampliação
convicta dos projetos em todas as áreas.
Bolsa Família para quem de fato precisa
Folha de S. Paulo
Folha mostra divergências entre número de
beneficiários e estimativas de famílias pobres; é necessário refinar cadastro
São inegáveis os avanços sociais gerados
pelo Bolsa
Família. Contudo ainda há muito a ser feito para alcançar de fato os
estratos mais vulneráveis.
Levantamento da Folha com base em
dados do Bolsa Família de janeiro de 2025 revelou que, em 1.211 municípios, o
número de beneficiários do programa é maior do que a estimativa de famílias em
situação de pobreza (renda mensal de até R$ 218 por pessoa) para cada localidade.
Esses municípios, que representam 21,7% do
total no país, são aqueles em que o
montante dos que recebem o auxílio superou em mais de 10% as estimativas feitas
pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à
Fome (MDS) —as mais recentes são de 2022.
Como se tratam de projeções passíveis de
variação, as 1.769 cidades em que a quantidade de beneficiários ficou até 10%
acima podem estar dentro das margens de tolerância, que não foram divulgadas
pelo órgão.
Segundo as estimativas do MDS, chamadas de
"metas", 20,6 milhões de famílias estavam em situação de pobreza em
2022, número bastante próximo aos 20,5 milhões de beneficiários do Bolsa
Família. No entanto a implementação dos repasses apresenta deturpações quando
se observa a realidade de cada localidade.
Em 1.135 municípios, a quantidade de famílias
que recebem o auxílio foi mais de 10% abaixo das metas de pobreza do MDS.
Tais variações mostram que o governo federal
precisa refinar o cadastro para fazer com que o dinheiro alcance os mais
necessitados e detectar aqueles que não têm direito de recebê-lo.
A principal distorção é a alta significativa
de famílias unipessoais (só um integrante), incitada por mudanças criadas no
final do mandato de Jair
Bolsonaro (PL).
Ao voltar a considerar como critério o número
de filhos por família, a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) reduziu,
entre janeiro de 2023 e junho de 2024, o total das unipessoais de 5,9 milhões a
3,9 milhões. Mas
em dezembro ele subiu para 4,1 milhões.
As taxas de pobreza e extrema pobreza em 2023
—27,4%
e 5,9%, respectivamente—
caíram aos menores níveis da série histórica do IBGE, iniciada em
2012, o que mostra eficácia do Bolsa Família.
Mas, de 2022 a 2023, a despesa com o programa cresceu 80,4% acima da inflação, com expansão de R$ 78,3 bilhões no primeiro ano do atual governo Lula; em 2024, foram gastos R$ 168,3 bilhões. O poder público tem o dever de gerir melhor esse dinheiro, pelo bem dos mais pobres e pela sustentabilidade do Orçamento, que já é bastante deficitário.
Lula e os ovos
O Estado de S. Paulo
O presidente diz que tem ‘obsessão por
alimento barato’ e quer convocar atacadistas para baixar o preço do ovo.
Obsessão, mesmo, o petista tem pela ideia de que preços caem por seu desejo
A inflação dos alimentos está disseminada,
como tem verificado o IBGE ao coletar os preços que compõem o Índice Nacional
de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Apesar da desaceleração recente, com o
recuo do IPCA de 0,52% em dezembro para 0,16% em janeiro, a alta dos alimentos
manteve o ritmo forte de espalhamento, como mostra o porcentual de itens com
aumentos de preços (índice de difusão), que passou de 69% em dezembro para 71%
em janeiro.
A dispersão cada vez maior de reajustes
promove um revezamento feérico dos vilões da inflação, que surgem com variações
anuais de preços de dois dígitos, ora a carne, ora o café, ora o óleo de soja,
ora o leite e, mais recentemente, o ovo. Para cada um deles, o presidente Lula
da Silva parece ter uma solução mágica, que geralmente passa pela convocação de
atacadistas e varejistas para convencê-los a baixar os preços. Lula se diz
genuinamente surpreso a cada informação sobre um novo “vilão”.
“Quando me disseram que está R$ 40 a caixa
com 30 ovos, é um absurdo mesmo. Vamos ter que fazer uma reunião com os
atacadistas para discutir como podemos trazer isso para baixo”, esbravejou o
presidente em uma de suas mais recentes participações em programas de rádio.
Lula age como um animador de auditório tentando convencer o público de que é
capaz de resolver na lábia questões críticas como a inflação. Há alguns dias,
discursando em um palanque no Amapá, chegou a sugerir o consumo de ovos de pata
ou de ema, tratando com escárnio um problema que afeta a vida de muita gente.
A redução no ritmo da inflação em janeiro foi
extemporânea, causada, como se sabe, pelo bônus da energia da usina de Itaipu,
que reduziu pontualmente as contas de luz. Nos alimentos, a carestia continuou
e, de acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), em janeiro,
a cesta de 35 produtos de largo consumo nos supermercados ficou 9,29% mais cara
em relação a janeiro do ano passado; para a cesta básica de 12 produtos a alta
foi ainda mais relevante: 12,89%. A tendência para 2025, de acordo com
especialistas, é de que a inflação dos alimentos se espalhe ainda mais,
principalmente a partir do segundo semestre, mas o governo continua tentando
saídas espetaculosas – afinal, Lula disse que tem “obsessão por alimento
barato”.
O ministro de Desenvolvimento Social,
Wellington Dias, chegou a citar o Plano Safra, com incentivo a produtores de
alimentos com alta de preços mais elevada, como uma das alternativas em estudo
para conter a inflação. Horas depois, o Tesouro anunciaria a suspensão de novas
contratações de financiamentos subvencionados nas linhas do Plano Safra por
insuficiência de recursos diante do “aumento relevante nos gastos por conta da
elevação da Selic”. O Orçamento deste ano ainda não foi votado pelo Congresso, o
que reduziu ainda mais a disponibilidade de verba.
Lula diz que a culpa é da “dolarização” dos
preços internos. No caso do preço do ovo, lembrou que as exportações para os
Estados Unidos cresceram e insinuou que os preços em dólar são usados como
referência doméstica. Também já havia dito algo semelhante sobre a carne. Na
prática, o presidente quer que os produtores e comerciantes de alimentos não
levem em conta o câmbio ao formar seus preços, o que é obviamente um disparate.
Para Lula, como sempre, a responsabilidade
pela inflação é dos outros – dos revendedores de combustíveis que “assaltam” o
consumidor, dos produtores que repassam para seus preços as variações do dólar
e do aquecimento global. Mas o vilão da inflação, hoje, não é o ovo: são as
falas desastradas de Lula, aquelas que fazem o dólar subir, e sua obsessão por
manter e até aumentar os gastos públicos, que pressionam os juros e
desestimulam a produção.
O governo não tem como fazer baixar a
inflação com conversa, como anunciou Lula. Os empresários certamente não se
deixarão hipnotizar pelo petista e continuarão a repassar para seus preços os
custos cambiais. Mas Lula precisa dar a impressão aos eleitores de que está
preocupado com a alta dos alimentos e dos combustíveis. É o melhor jeito de
tentar esconder o fato incontornável de que o terceiro mandato de Lula nada tem
a oferecer, em nenhuma área relevante.
O futuro do trabalho não é desolador
O Estado de S. Paulo
Fórum Econômico Mundial mostra que saldo
entre criação e destruição de empregos nos próximos anos será positivo, mas
governos, empregadores e empregados precisam se preparar
Até 2030, cerca de 78 milhões de novos postos
de trabalho serão criados globalmente, de acordo com o Relatório sobre o
Futuro dos Empregos 2025, organizado pelo Fórum Econômico Mundial e que, no
Brasil, contou com a parceria da Fundação Dom Cabral.
Esse volume é o saldo líquido entre os 170
milhões de empregos que passarão a existir em um mundo de inovações
tecnológicas e transição verde, entre outros vetores, e os 92 milhões de
trabalhos que serão destruídos, digamos assim, em virtude da transformação do
mundo do trabalho.
A boa notícia é que, como atestam as
projeções do Fórum, desenvolvimentos que ainda assombram o mundo, como a
inteligência artificial (IA), não dizimarão os empregos da face da Terra, como
sustentam alguns profetas. Por outro lado, governos, empregadores e empregados
têm muito a fazer para garantir o casamento entre habilidades e demandas desse
renovado mercado de trabalho.
A educação, por óbvio, tem papel fundamental
nessa equação. De um modo geral, no mundo todo é preciso que os profissionais
estejam aptos a lidar com novas tecnologias que, se bem manejadas, garantirão a
empregabilidade de milhões de pessoas.
Recentemente, a Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou que um elevado porcentual (18%) de
adultos de 31 países (o Brasil não foi avaliado nesse estudo) não domina nem
mesmo os níveis mais básicos de proficiência em leitura, matemática e resolução
de problemas. Trata-se de alerta importantíssimo, pois sem o conhecimento
básico é impossível lidar com as tecnologias mais avançadas, aquelas que podem
garantir vida ou morte no mercado de trabalho.
Para além do aprimoramento de competências
básicas no mundo como um todo, é importante ter em mente que as necessidades de
economias em diferentes estágios de desenvolvimento são assimétricas. Há ainda
a questão do envelhecimento populacional, que é mais acentuada em países do
Hemisfério Norte.
A demanda por profissionais da chamada
indústria do cuidado (como enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos) deve
aumentar nos próximos anos, principalmente naqueles países mais maduros do
ponto de vista econômico e etário.
Já funções como as de caixa – em lojas,
supermercados, bancos e cinemas, por exemplo –, além de assistentes
administrativos, entre outras, tendem a perder cada vez mais espaço, o que
exigirá que profissionais que atuam nessas áreas busquem requalificação para se
manterem empregáveis.
Os desafios são múltiplos no caso específico
do Brasil, país em que a economia ainda é de renda média, mas que, de acordo
com o IBGE, deve perder em no máximo 15 anos o seu bônus demográfico – quando a
parcela da população em idade ativa é maior que a de dependentes, isto é,
crianças e idosos.
De acordo com o Fórum, os empregadores que
contratam no Brasil entendem que a lacuna de competências (skills gap) é a
principal barreira para a transformação dos negócios no País até 2030. Aqui há,
contudo, uma grande oportunidade, já que as empresas que atuam no País preveem
crescimento de vagas para especialistas em áreas como transformação digital,
IA, cadeias de suprimento e logística, entre outras.
A demanda por tais funções faz com que a
promoção de políticas educacionais efetivas torne-se ainda mais urgente. O
Brasil, em que pese suas múltiplas deficiências, tem um mercado interno
significativo, além de ser um grande exportador global e um dos países com
maior potencial na área de transição verde.
Do ponto de vista das empresas, também é
preciso maior racionalidade para que a boa prática da retenção e aprimoramento
de talentos, benéfica tanto para quem contrata quanto para quem é contratado,
seja mais constante. Nesse sentido, é alentador que, de acordo com o relatório
do Fórum, nove em cada dez empresas no Brasil planejem aprimorar as habilidades
de seu quadro de funcionários nos próximos cinco anos.
Tudo isso posto, não há motivos para temer o
futuro, desde que haja empenho de todas as partes para se adaptar a ele.
O horror
O Estado de S. Paulo
Não contente em matar crianças israelenses, o
Hamas usa os cadáveres para fazer propaganda
Nem o Alto Comissariado da ONU para os
Direitos Humanos – geralmente silente em relação aos costumeiros abusos
cometidos pelo Hamas contra civis israelenses e contra os próprios palestinos
de Gaza – suportou as imagens repugnantes de terroristas desfilando com caixões
contendo os corpos de reféns israelenses que estavam para ser devolvidos a
Israel.
“O desfile de corpos como vimos nesta manhã
(de quinta-feira passada) é abominável e cruel, e desafia a lei internacional”,
declarou o Alto Comissariado, que acrescentou: “Sob a lei internacional, toda
entrega de restos mortais deve respeitar a proibição de tratamento cruel,
desumano e degradante, garantindo respeito pela dignidade dos mortos e de suas
famílias”.
A manifestação do Alto Comissariado é, além
de tardia e tímida, inútil. O Hamas não dispensa tratamento humanitário nem
mesmo para os miseráveis moradores de Gaza, os quais padecem de todo tipo de
insuficiência, enquanto os terroristas roubam a bilionária ajuda humanitária e
financeira que o território recebe, vinda de toda parte do mundo, para
construir túneis e comprar armas. Não é nada surpreendente, portanto, que o
Hamas esteja tratando os reféns israelenses que capturou no infame ataque de 7
de outubro de 2023 da maneira mais desumana possível.
No entanto, o que o grupo terrorista fez no
caso dos reféns integrantes da família Bibas – os meninos Kfir, de 10 meses de
idade, seu irmão Ariel, de 4 anos, e a mãe deles, Shiri, de 32 anos – vai além
do que mesmo a mais depravada imaginação poderia conceber. Não bastasse a
crueldade de sequestrar um bebê de colo e seu irmão pequeno, o que em si é a
prova cabal da abjeção do Hamas, o uso de seus cadáveres para fins de
propaganda comprova que se está diante de monstros, e não de seres humanos.
Como se isso tudo não bastasse, o Hamas, que
deveria ter entregue os corpos dos meninos e de sua mãe, como parte do acordo
de cessar-fogo com Israel, entregou as crianças mas não a mãe – no lugar dela,
foi enviado o cadáver de uma mulher desconhecida, conforme atestaram
médicos-legistas de Israel. Os terroristas alegam se tratar de um “engano”. No
entanto, a julgar pelo que se viu até aqui, é muito mais provável que o tal
“engano” também seja parte da estratégia dos terroristas de ampliar a já
indizível dor dos israelenses.
Segundo as autoridades militares israelenses,
os exames realizados nos cadáveres mostram que crianças foram assassinadas
pelos terroristas “com as próprias mãos”. Já o Hamas alega que os meninos
morreram num bombardeio israelense. O mundo é livre para acreditar em quem
quiser – ou na versão de um Estado democrático, cujas instituições estão sob
permanente escrutínio público, ou na versão de um grupo terrorista que usa a
mentira como rotineira arma de guerra.
Mas essa guerra pelos corações e mentes, Israel aparentemente já perdeu. Mesmo diante do sadismo doentio do Hamas, não se tem notícia de manifestações em solidariedade a Israel e de protesto contra o terrorismo palestino. E certamente haverá quem justifique o assassinato deliberado de crianças como parte legítima da “resistência palestina” contra Israel.
Política externa de Trump em marcha perigosa
Correio Braziliense
Guinada na política externa dos EUA não
apenas compromete o papel tradicional do país como líder global, mas também
ameaça o próprio equilíbrio geopolítico
A política dos Estados Unidos está passando
por uma transformação que pode ter consequências profundas para o país e para o
mundo. Os novos expoentes do cenário político norte-americano — com o
presidente Donald Trump à frente — estão trilhando um caminho arriscado,
marcado pela simpatia por movimentos da extrema-direita, como é o caso do
magnata da tecnologia Elon Musk, e pelo desprezo por alianças construídas ao
longo de décadas.
Essa guinada não apenas compromete o papel
tradicional dos EUA como líder global, mas também ameaça o próprio equilíbrio
geopolítico. A ruptura com aliados tradicionais pode gerar instabilidade,
enfraquecer organismos multilaterais e abrir espaço para a ascensão de outras
potências que buscam ocupar esse vácuo de liderança.
O mundo já estava perigoso. A invasão da
Ucrânia pela Rússia teve impactos globais: sanções, crises energéticas e
reconfiguração de alianças. O cessar-fogo em Gaza é instável, e as tensões
entre Israel e grupos apoiados pelo Irã aumentam a instabilidade na região. A
disputa entre os houthis no Iêmen e a coalizão liderada pela Arábia Saudita
continua no Mar Vermelho. Prossegue a sangrenta guerra civil no Sudão.
Outras rivalidades ampliam o cenário de
tensão. A ameaça de uma invasão chinesa a Taiwan desperta preocupação no
Indo-Pacífico. China, Filipinas e Vietnã disputam ilhas estratégicas. Após o
conflito de Nagorno-Karabakh, entre Armênia e Azerbaijão, a estabilidade do
Cáucaso está sob ameaça.
Estados Unidos e China protagonizam uma
corrida por chips, inteligência artificial (IA), influência econômica e
controle de cadeias produtivas. A transição energética e as tensões no Oriente
Médio impactam preços e mercados globais. A polarização política nos EUA
reverbera na Europa e outros países, inclusive o Brasil.
Peru, Argentina e Venezuela ampliam a
instabilidade na América do sul, com reflexos políticos e econômicos nos países
vizinhos. A crise migratória mundial, cujo epicentro se deslocou para a
fronteira do México com os Estados Unidos, pressiona governos e alimenta o
crescimento da extrema-direita, sobretudo na Europa.
A partir da política externa disruptiva do
presidente Trump, os Estados Unidos deixaram de ser o polo estabilizador da
política mundial e da economia globalizada. Um mundo mais inseguro e dividido
não é bom para ninguém. O momento exige sensatez e compromisso com princípios
democráticos e diplomáticos que garantam a estabilidade global. O preço de
ignorar essa realidade pode ser alto demais para todos.
O efeito reverso dessa política já se faz sentir. Em vez de fortalecer os interesses norte-americanos, essa postura pode tornar a vida dos próprios cidadãos mais difícil, criando insegurança econômica, diplomática e até mesmo militar. O isolamento e a polarização crescentes não favorecem o diálogo, nem a cooperação internacional — elementos essenciais para enfrentar desafios globais como as mudanças climáticas, o terrorismo e as crises econômicas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário