sábado, 22 de fevereiro de 2025

O poder de destruição de Trump – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Se forem retirados milhões de imigrantes, faltará mão de obra. E isso atrasa e encarece a produção

iPhone é projetado pelos engenheiros da Apple na sede da empresa, na Califórnia. O projeto vai para a China, onde duas companhias se encarregam da montagem dos aparelhos, Foxconn e Pegatron. Elas têm fábricas espalhadas por sete cidades. Uma delas, Zhengzhou, é conhecida como “iPhone city”. A fábrica lá pertence à Foxconn e é a maior produtora mundial desse celular. Em Chengdu, a companhia produz os iPads. A Pegatron tem em Xangai sua maior montadora de iPhones. As duas empresas construíram fábricas noutros países (ÍndiaVietnãTaiwanIndonésiaMéxico, República Tcheca) para diversificar a produção de celulares. Nelas também montam peças e componentes. Só a Foxconn tem uma unidade nos Estados Unidos.

Essas fábricas não fazem tudo. São montadoras. Importam partes (chips, fios, telas, softwares etc.) de produtores instalados basicamente na Ásia, mas também noutras regiões. É o que se chama de ecossistema global. A própria Apple informa que seus iPhones, iPads, computadores e relógios resultam do trabalho de milhões de pessoas, em mais de 50 países. Isso incluído todo o ciclo: projeto, produção de componentes, montagem, distribuição, vendas, serviços técnicos e reciclagem.

Um microchip de última geração, do design ao produto final que será instalado em algum eletrônico, passa por dezenas de empresas dos Estados Unidos (onde se concentra a criação dos projetos, a inteligência), HolandaAlemanhaJapãoCoreia do Sul e Taiwan, entre os principais. Quando presidente, Barack Obama chamou para uma conversa o CEO da Apple, Tim Cook. Queria saber se era possível montar um iPhone nos Estados Unidos. Não dava, explicou Cook. E, se desse, levaria mais tempo e sairia muito mais caro.

A indústria automobilística também é um ecossistema. Nenhum automóvel é produzido e montado num único país. Não raro, um componente cruza fronteiras várias vezes. Há um tipo de aço que o Brasil exporta para os Estados Unidos. De lá, vai para o México, é instalado num automóvel que pode ser vendido nos Estados Unidos ou no Brasil.

O nome disso é globalização, construída ao longo das últimas décadas. É isso que o presidente Donald Trump ameaça destruir ao iniciar sua guerra de tarifas. Há poucas semanas, ouvimos Trump afirmar que os Estados Unidos não precisam dos carros produzidos no Canadá, que poderiam ser feitos em seu país. Executivos da indústria automobilística disseram que era impossível. E que as tarifas de 25% sobre Canadá e México produziriam um desastre no setor: a desorganização da produção, que se tornaria mais lenta e mais cara.

Nesta semana, o tema entrou na pauta do Federal Reserve, ou Fed, o banco central dos Estados Unidos. Na ata em que explica a manutenção da taxa de juros em 4,5% ao ano (alta para os padrões americanos), o Fed citou possíveis efeitos inflacionários da política comercial (leiam-se tarifas) e de imigração. Produtos tarifados ficam mais caros.

Quanto à imigração, é o seguinte: há cerca de 11 milhões de imigrantes sem documentos nos Estados Unidos. Ao contrário do que diz Trump, eles não estão lá usando ou vendendo drogas, cometendo crimes e comendo os gatos das famílias americanas. Trabalham em diversos setores — comércio, serviços, nas fazendas. Hoje, diz o Fed, o mercado de trabalho está equilibrado. Todo mundo que quer está trabalhando. Se forem retirados milhões de imigrantes, faltará mão de obra. E isso atrasa e encarece a produção.

Se tudo isso parece tão óbvio, por que Trump insiste nas duas políticas? Ninguém consegue descobrir. As tarifas sobre produtos mexicanos foram suspensas porque o governo do México prometeu policiar a fronteira e bloquear a passagem de imigrantes. Então era uma espécie de punição? No caso do Canadá, o governo prometeu coibir o tráfico de fentanil — e as tarifas também foram suspensas. As tarifas sobre China e Europa se explicariam porque os Estados Unidos acreditam ser roubados.

É esse o presidente do país mais poderoso, que pode produzir um desastre econômico e geopolítico. Ou recuar, como já fez outras vezes. Mesmo assim, já há danos.

 

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