domingo, 31 de agosto de 2014

Opinião do dia: Aécio Neves

"É aquilo que eu alertava há muito tempo. Hoje fica claro que o país parou de crescer. Ele cresce negativamente. A tradução disso é que os empregos estão indo embora. Não há geração de empregos para jovens, para quem busca espaço no mercado de trabalho.

Aquele que acha que de forma solitária, ou messiânica, que pode apresentar um caminho, caminhando sobre as águas, e levar a todos a um futuro melhor, se frustará se acreditar nisso."

Aécio Neves, senador (PSDB-MG) e candidato a presidente da República. Discurso em S. Paulo, 30 de julho de 2014

Onda de mudanças se reflete em pesquisas nos estados do país

• Dos 17 governadores que tentam a reeleição, apenas cinco lideram as pesquisas

Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA — Depois que 79% do eleitorado expressaram desejo de mudança em pesquisa Datafolha divulgada na última sexta-feira, e após as manifestações que tomaram as ruas em junho do ano passado, os chefes dos governos estaduais em 16 das 27 unidades da Federação estão em situação difícil nas eleições deste ano. A crise afeta tanto os que disputam a reeleição quanto os que tentam emplacar o sucessor. Dos 17 que buscam um segundo mandato, apenas cinco lideram as pesquisas de intenção de voto. Três estão empatados, e sete, em desvantagem, de acordo com pesquisas Ibope e Datafolha. Não há levantamentos desses institutos na Paraíba e em Tocantins, onde os governadores disputam a reeleição. Em 2010, dos 18 que tentaram a reeleição, 13 foram bem-sucedidos, ou 72%.

Para o cientista político Claudio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV), esse cenário é reflexo, sobretudo, das manifestações de junho:

— As manifestações já refletiam alterações na avaliação das condições gerais do país. Em março do ano passado, as pesquisas já mostravam que a opinião sobre a inflação começava a piorar, e essa é a política pública que mais afeta o humor da população. Esse mau humor dispersa em outras instâncias de governo (além da federal).

A análise do cenário eleitoral feita pelo cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília (UnB), foi na mesma linha, destacando que há um desejo de mudança tanto no plano estadual quanto no federal, expresso no percentual de intenções de voto na candidata do PSB à Presidência da República, Marina Silva. Na pesquisa Datafolha divulgada na última sexta-feira, ela está empatada com a presidente Dilma Rousseff, com 34%:

— Muita gente que ia votar em branco ou nulo escolheu Marina para protestar. De uma hora para outra, ela se tornou competitiva. Há uma identificação forte de Marina com mudança, sem fazer juízo de valor — afirmou Caldas.

Ele ressalta, no entanto, que, nas eleições, a mudança não é necessariamente para melhor:

— As pessoas estão um pouco cansadas, há um pessimismo generalizado. As pessoas querem mudança, mesmo que não seja espetacular. E mudança pode ser para melhor ou para pior. No Distrito Federal, por exemplo, o candidato de oposição, (José Roberto) Arruda, lidera. Ele já foi situação e é ficha-suja — disse ele.

Pesquisa Ibope divulgada na última terça-feira mostra o ex-governador José Roberto Arruda (PR) com 37% das intenções de voto para o governo do Distrito Federal, e o atual governador, Agnelo Queiroz (PT), com 16%, empatado com Rodrigo Rollemberg (PSB).

A candidatura de Arruda, porém, está sub judice. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determine o cancelamento imediato da candidatura de Arruda ao governo do Distrito Federal. O TSE confirmou a impugnação da candidatura do ex-governador na última terça-feira, com base na Lei da Ficha Limpa, mas ainda cabe recurso. Arruda foi condenado em segunda instância pelo Tribunal de Justiça a partir de um dos processos do mensalão do DEM.

Um dos exemplos do aparente desejo de mudança é o Rio Grande do Sul. Lá, a senadora Ana Amélia (PP) está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, com 39%. O governador Tarso Genro (PT), que disputa a reeleição, está em segundo lugar, com 30%.

Aliado de Tarso, o senador Paulo Paim (PT-RS) minimizou o quadro, afirmando que o horário eleitoral gratuito no rádio e na TV começou agora, no dia 19 de agosto, assim como os debates na televisão. Para o petista, Tarso ainda terá a oportunidade de mostrar o que fez em sua gestão:

— Há no ar, claramente, uma onda de mudança. Quem conseguir se consolidar e mostrar o que fez será reeleito. A população não está mais preocupada com o discurso ideológico, quer ver o que você fez.

Em outra frente, os governadores que tentam eleger seu sucessores enfrentam ainda maior dificuldade. Nos oito estados onde há pesquisa, os projetos de continuidade passam aperto. Apesar de estarem em desvantagem neste momento, em dois estados os candidatos apoiados pelos governadores estão em trajetória ascendente. Em Pernambuco, Paulo Câmara (PSB) cresceu 18 pontos percentuais em um mês, após a morte do candidato do PSB à Presidência da República e ex-governador do estado, Eduardo Campos, que era seu padrinho político. Na liderança está o candidato do PTB, Armando Monteiro, com 38%. Câmara tem 29%.

Já na Bahia, Rui Costa (PT), que tem o apoio do governador Jaques Wagner (PT), cresceu de 9% para 15% entre junho e agosto, conquistando o segundo lugar, mas ainda bem atrás do ex-governador Paulo Souto (DEM), que já comandou o estado por duas vezes e está com 44%.(Colaborou Fábio Vasconcellos)

Decifrando Marina

• Analistas avaliam programa de governo da candidata do psb, que trará gastos adicionais de r$ 95 bi ao ano

Cristiane Jungblut, Renato Onofre, Tiago Dantas, Thiago Herdy, Germano Oliveira e Cleide Carvalho – O Globo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - As propostas apresentadas na sexta-feira pela candidata do PSB à Presidência, Marina Silva, vão provocar gastos adicionais de cerca de R$ 95 bilhões ao ano. O maior impacto será na área da Saúde, com a intenção de destinar 10% da receita corrente bruta da União para o setor: de R$ 54 bilhões em 2015, segundo o próprio Ministério do Planejamento. Pela regra proposta por Marina, deveria ser aplicado em Saúde um valor de R$ 153,4 bilhões (10% da receita corrente bruta de 1,533 trilhão). O valor da receita corrente bruta foi informado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) e depois pelo Planejamento. O piso constitucional da Saúde para 2015 foi calculado em R$ 99,4 bilhões.

Na área das políticas sociais, Marina Silva propõe transformar o Bolsa Família em política pública permanente e oferecer o benefício a mais 10 milhões de famílias no programa. Hoje, são 14 milhões de famílias a um custo de R$ 27,1 bilhões. Há ainda a defesa de uma "terceira geração de programas sociais", que assegurem acesso a serviços públicos de qualidade e a plena emancipação das famílias beneficiadas (a chamada porta de saída dos programas sociais).

A professora Margarida Gutierrez, do Coppead da Universidade Federal do Rio (UFRJ), argumenta que é preciso dizer de onde virão os recursos:

- O Bolsa Família não é um programa caro, foram cerca de R$ 25 bilhões no ano passado. Com mais dez milhões, dobraria quase o gasto. Já aumentar em R$ 54 bilhões em Saúde é muito. Seria muito bom, mas isso implica redução de gasto em custeio. Parece que ela está trabalhando com um Orçamento que não tem de fato. É louvável, mas não é fácil.

BC autônomo é alvo de elogios
Num misto de críticas e elogios, analistas defendem a necessidade de Marina explicar melhor de onde vai tirar recursos para colocar em prática as propostas e analisam em que medida são factíveis.

Na área econômica, a autonomia do Banco Central, para o ex-ministro Maílson da Nóbrega, daria mais condições de a entidade preservar a estabilidade da moeda e o sistema financeiro.

- Será possível definir mecanismos de prestação de contas do BC, para que ele não se transforme em quarto poder - destacou Maílson.

Para o ex-diretor do Banco Central Carlos Tadeu de Freitas, a medida "gera perspectiva favorável para o futuro" - embora se trate de um processo que demorará, porque envolverá, ainda, a definição de mandatos para diretores e o papel deste Banco Central independente, com necessidade de aprovação pelo Congresso Nacional.

A decisão de defender a correção de preços administrados represados pelo atual governo, como gasolina e tarifa elétrica, também foi elogiada pelos ex-dirigentes do setor.

- É positivo, porque você não engana o eleitor. Países que dão menos subsídios são menos afetados em uma eventual crise - afirmou Carlos Tadeu de Freitas.

A proposta de diminuir o acesso a recursos subsidiados pelo Tesouro, por meio do BNDES, também foi elogiada pelos ex-dirigentes da área econômica.

- O BNDES precisa sofrer reformulação de tal maneira que continue incentivando a infraestrutura, mas não dando subsídios para setores que poderiam ir ao mercado buscar recursos. O subsídio custa caro ao Tesouro Nacional - defendeu Carlos Tadeu.

Na educação, mais do mesmo
Em relação às políticas para Educação, Neide de Aquino Noffs, da PUC-SP, diz que Marina está colocando no programa de governo para a Educação o que já está previsto no Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado no dia 25 de junho de 2014. Para ela, Marina não está fazendo mais do que sua obrigação ao anunciar a destinação de 10% do PIB no setor, uma vez que isso já está previsto na lei 13.005, que criou o PNE.

- Falta ainda fazer a articulação de quanto os governos municipais, estaduais e federal devem aplicar. Sobre o projeto de Marina para implantar a educação em tempo integral, também não é novidade, pois isso também está previsto dentro do PNE - ressaltou.

O professor Vitor Henrique Paro, da USP, qualifica a educação em tempo integral como uma "muleta" adotada tanto pela esquerda quanto pela direita.

Para Geraldo Ferreira Filho, presidente da Federação Nacional dos Médicos, a meta divulgada por Marina de vincular 10% da receita corrente bruta da União ao financiamento da Saúde é uma reivindicação da sociedade, inclusive da entidade que preside.

- Outros países que têm um sistema parecido com o brasileiro investem de 7% a 8% do PIB em Saúde, enquanto o Brasil investe de 3,5% a 4% do PIB, o que é muito baixo. Outro problema é que há má gestão, que é muito politizada e pouco técnica. Além disso, há a corrupção, o que desvia os já pequenos recursos para o setor - disse Ferreira Filho.

Segundo ele, o sistema hospitalar brasileiro precisa duplicar o número de leitos. Atualmente são 400 mil leitos, o que dá dois leitos por cada mil habitantes, enquanto países mais desenvolvidos têm de três a quatro leitos por mil habitantes.

Ainda sobre Saúde, Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), avalia que a área não precisa apenas de mais dinheiro, porque, segundo ele, "a corrupção é desenfreada no setor".

Para a política, propostas polêmicas
Professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Ranulfo avalia que as propostas na área de democracia e reforma política apresentadas por Marina Silva são genéricas, trazem poucas inovações - e, no que inovam, representam o atraso. Ranulfo analisa como "um desastre completo" a proposta de unificar as eleições no país, com mandatos de cinco anos. Para ele, o sistema que prevê a eleição dos mais votados para os cargos do Legislativo também é ruim, porque tira a força dos partidos, mas é coerente com o que ela vem defendendo.

- Unificar as eleições criará uma confusão na cabeça do eleitor, dificultar, porque ele terá que discutir o bairro e o país ao mesmo tempo. Quanto mais eleição, melhor. Para mim, é um atraso. Defender a eleição dos mais votados, independentemente dos partidos, piora o sistema, mas é coerente com a ideia dela de governar sem os partidos - afirma Ranulfo.

Para o professor, a ideia da candidatura avulsa não é algo ruim, mas teria impacto muito pequeno nas eleições no Brasil. Segundo ele, a não ser que seja muito rica ou tenha apoio de alguém com recursos, a pessoa não conseguirá se candidatar sem o apoio de um partido. Ele acha positiva a proposta de incentivos a plebiscitos e referendos, mas lembra que isso já está previsto na Constituição Federal e que o instrumento não deve ser banalizado.

Medidas ambiciosas na Segurança
No caso da Segurança Pública, o programa é ambicioso: propõe a construção de um Pacto Nacional de Redução de Homicídios, com a fixação de metas. Outra proposta é reforçar as verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública, prometendo multiplicar por dez a verba de 2013 e aumentar o efetivo da Polícia Federal em 50% nos próximos quatro anos.

- Não sei se aumentar em dez vezes o valor do Fundo Nacional de Segurança Pública é o melhor ou não. Mas o Brasil precisa investir mais na área. Essa ampliação é necessária. Os investimentos vêm caindo no governo Dilma. As propostas parecem bastante positivas - afirmou o professor Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj.

Em relação à política ambiental, o professor do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental da Unicamp José Maria Silveira disse que a meta de zerar a perda de cobertura florestal no Brasil é perfeitamente possível, assim como são necessárias medidas como a criação de novas unidades de conservação, atingindo 10% da área de cada bioma, e a extensão da fiscalização por satélite à caatinga, ao cerrado e à Mata Atlântica, como o que ocorre na Amazônia Legal.

Uma candidata em metamorfose: evolução ou incoerência?

• Adversários apontam falta de lógica nas transformações. aliados a defendem

Júnia Gama e Catarina Alencastro – O Globo

BRASÍLIA - Candidata que tenta ganhar a confiança do mercado financeiro, Marina Silva começou sua trajetória como militante de ala dissidente do partido comunista, nos anos 1980. Hoje, a ex-senadora se reúne com banqueiros e ruralistas para discutir seus projetos para o país. As "metamorfoses" de Marina em diversos setores são encaradas por pessoas que a conheceram nos tempos de liderança seringueira no Acre como uma evolução natural de alguém aberto a novas experiências. Adversários, no entanto, falam em incoerência.

Para o cientista político da UNB José Luciano Dias, é natural os políticos mudarem de posição. Segundo ele, Marina faz agora exatamente o que Lula fez, em 2002, ao se apresentar de forma menos radical.

- É natural que, a medida que você evolua para uma posição de maior relevância, passe a transigir mais e abandone posições mais radicais. Posições radicais servem para colocar o tema na agenda. A política, por definição, é oportunista. O objetivo é chegar ao poder. Se você fica restrito ao radicalismo, fica restrito a ocupar aquele espaço restrito sempre - afirma.

A primeira mudança na trajetória de Marina foi pelas mãos do então bispo de Rio Branco, dom Moacyr Grecchi, quando ela passou de aspirante a freira a ativista nas Comunidades Eclesiais de Base. Em seguida, veio o encontro com o ambientalista Chico Mendes, seu mentor político, que a levou para o papel de líder sindical rural e para o combate ao lado dos seringueiros.

Analfabeta até os 16 anos, Marina ingressou na faculdade de História , onde flertou com a corrente "Caminhando", uma tendência do PCdoB. Filiou-se ao PT em 1985 para concorrer com o objetivo de ajudar a eleger Chico Mendes.

Hoje, Marina tem ao seu lado figuras que sempre foram vistas como adversários da esquerda, como a herdeira do Itaú, Neca Setúbal, e o ex-deputado tucano Walter Feldman.

De sua saída do PT, em 2008, até a filiação ao PSB, no ano passado, Marina teve intervalos "apartidários" e uma passagem pelo PV, pelo qual se candidatou à Presidência em 2010.

Se eleita, Marina deve pôr em xeque modelo de coalizão

• Candidata do PSB ao Planalto terá base pequena em caso de vitória e precisará negociar cada projeto; ela dependerá bastante do PSDB

João Domingos, Ricardo Brito, Ricardo Della Coletta - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Com uma base no Congresso que deverá ser semelhante à do ex-presidente Fernando Collor, a eventual eleição da candidata do PSB, Marina Silva, deve pôr em xeque o modelo de presidencialismo de coalizão que sustenta as relações do Executivo com o Legislativo desde a redemocratização, em 1985, e deverá levá-la a uma dependência grande do PSDB.

Como há uma rejeição forte do grupo da candidata ao PMDB, e o PT já sinaliza que migrará para a oposição se Marina for eleita, a expectativa é que a sigla tucana integre o centro de forças de um eventual governo da ex-ministra do Meio Ambiente, formando a terceira maior bancada na Câmara dos Deputados, atrás de petistas e pemedebistas.

A agenda legislativa anunciada por Marina até o momento reforça essa expectativa: ela pretende aprovar duas grandes reformas constitucionais, a política e a tributária, que precisam do apoio de ao menos 308 dos 513 deputados federais.

A “tucanodependência” de Marina tem ainda outro motivo: o PSB tem boa interlocução com a sigla. São três os principais nomes a fazer esta ponte. O deputado Márcio França (PSB), tão próximo do PSDB que nesta eleição concorre como vice do governador Geraldo Alckmin; Walter Feldman (PSB), atual coordenador da campanha da ex-ministra, ex-tucano; e Roberto Freire (SP), presidente do PPS, antigo aliado do PSDB. Além deles, o ex-governador José Serra (PSDB), que concorre ao Senado por São Paulo, é um interlocutor no partido. A ex-ministra já declarou que gostaria de contar com o apoio de Serra caso ele seja eleito.

Por meio do PSDB, outros partidos poderiam aos poucos aderir a um eventual governo Marina e lhe dar a maioria que ela precisa. Caso, por exemplo, do PSD de Gilberto Kassab. Secretário-geral do partido, o ex-deputado Saulo Queiroz acha que o PSDB não terá outro caminho a não ser apoiá-la e diz que a sua própria sigla poderia integrar sua base.

É do jogo. “Todo mundo que não está no jogo da Dilma poderá fazer o jogo da Marina. Não mantivemos nenhum cargo no governo Dilma. O único que temos é uma indicação pessoal dela, não do partido.Até mesmo uma aproximação com o PSD é perfeitamente viável, por que não?” Segundo Queiroz, compor maiorias no Congresso “não é difícil” com “uma coisa em mãos chamada poder”.

Estimativa feita pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a pedido do Estado, aponta que Marina teria um apoio consistente de 80 a 120 deputados, no máximo, na próxima legislatura. Esse seria o chamado “núcleo duro” da presidente, formado por parlamentares eleitos pela coligação dela e de outros que passam a apoiar o governo após as eleições. Marina também deve ter o apoio condicionado de 213 a 253 deputados. O Diap prevê que 180 deputados fariam oposição frontal a uma gestão Marina. Os dados são semelhantes aos que Collor teve durante seu governo, entre 1990 e 1992. Para a aprovação de um projeto de lei, são necessários 257 dos 513 deputados. Para emendas constitucionais, são necessários 308 votos.

Para o atual líder do PSB no Senado, Rodrigo Rollemberg (DF), o debate de propostas com os congressistas num governo Marina será em cima de “temas pactuados”.

Modelo Itamar. O modelo idealizado é o mesmo colocado em prática pelo presidente Itamar Franco (1992-1994): escolhas pessoais para os ministérios e maiorias eventuais para aprovar projetos. “Duvido que alguém vai querer um ministério, uma emenda e que o governo vai pressionar alguém para votar”, afirmou o senador Pedro Simon, líder do governo Itamar no Senado e aliado de Marina. Ele citou como padrão de comportamento a aprovação das propostas que culminaram na criação do Plano Real.

Entretanto, os críticos deste modelo lembram que o governo Itamar foi tampão e se deu antes da intensa polarização entre PT e PSDB na política nacional.

Marina não comenta possibilidade de vitória no 1º turno

Tiago Rogero – O Estado de S. Paulo

Candidata à Presidência pelo PSB, Marina Silva evitou admitir uma possibilidade de vitória ainda no primeiro turno. Durante tumultuada caminhada de 30 minutos no início da tarde deste sábado na Rocinha, maior comunidade da Zona Sul do Rio, Marina afirmou que "ainda temos muito chão pela frente".

"O que nós queremos é que esse movimento continue. É o movimento do cidadão que quer mudança e a encontrou, na minha candidatura e de Beto (Albuquerque, candidato a vice)", afirmou Marina, que voltou a criticar a "polarização" entre PT e PSDB, partidos de seus concorrentes Dilma Rousseff e Aécio Neves.

"PT e PSDB ficam brigando entre si e não lutam pelo interesse da nação. É por isso que temos dito que queremos trabalhar com todas as pessoas honestas e competentes, independente de partido, mas que estejam comprometidas com uma agenda do País que faça com que o Brasil volte a crescer. Tenho muita esperança no povo brasileiro e muita fé em Deus que isso poderá acontecer".

Ao responder sobre qual seria sua opinião sobre uma possível desistência de Aécio Neves, Marina citou a recessão. "Todos nós temos o direito de ter nossas candidaturas. Eu sempre digo que quanto mais estrelas no céu, mais claro é o caminho. O que estou buscando é mostrar que é possível unir o Brasil para termos mais saúde, mais educação, para que nosso País não entre na recessão como começou a entrar, volte a crescer e controle a inflação".

Durante a caminhada ao lado de Romário (PSB), que lidera as pesquisas de intenção de voto para o Senado no Rio, Marina prometeu "aumentar mais 4 milhões de moradias dentro do programa Minha Casa Minha Vida".

Como já havia feito outras vezes, deixou para Beto Albuquerque (PSB) responder às perguntas sobre o jatinho que transportava Eduardo Campos no momento do acidente.

"Nós não podemos precipitar julgamentos e decisões que cabem à Justiça. Temos todo interesse que haja investigações acerca disso, que haja esclarecimentos sem uso eleitoral, sem uso político, vamos deixar o Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça tomar decisões", disse o candidato a vice.

Aécio diz que quem acreditar em 'caminho sobre as águas' se frustrará

João Alberto Pedrini – Folha de S. Paulo

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (SP) - O candidato à Presidência da República pelo PSDB, Aécio Neves, afirmou neste sábado (30) que se frustrará aquele que acreditar no "caminho sobre as águas".

Sem citar sua adversária Marina Silva (PSB), que é evangélica, o tucano disse em São José do Rio Preto (a 438 km de São Paulo) que "a política é um exercício da solidariedade".

"Aquele que acha que de forma solitária, ou messiânica, que pode apresentar um caminho, caminhando sobre as águas, e levar a todos a um futuro melhor, se frustará se acreditar nisso", afirmou Aécio.

Ele disse ainda que política é um exercício permanente do esforço coletivo, "onde várias pessoas de gerações diferentes, de formações diferentes, de regiões diferentes do país, se unem em torno de um projeto coletivo".

As afirmações foram feitas durante discurso em um evento de campanha em Rio Preto que reuniu membros do PSDB, entre eles o governador Geraldo Alckmin, o candidato ao Senado José Serra e o candidato a vice de Aécio, Aloysio Nunes.

Depois, em entrevista coletiva, Aécio, ao comentar o encolhimento da economia brasileira –o PIB do país caiu 0,6% no segundo trimestre na comparação com os três primeiros meses deste ano–, disse ter ficado claro que o país parou de crescer.

"É aquilo que eu alertava há muito tempo. Hoje fica claro que o país parou de crescer. Ele cresce negativamente. A tradução disso é que os empregos estão indo embora. Não há geração de empregos para jovens, para quem busca espaço no mercado de trabalho."

Sobre a pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira (29), que mostra recuo das intenções de voto do tucano, Aécio disse não se importar com os números.

"Eu não estou vendo pesquisa, eu estou trabalhando. Obviamente houve uma mudança no quadro eleitoral a partir da morte de Eduardo Campos, mas estou confiante que temos a melhor proposta para o Brasil", afirmou.

Aécio falou ainda que o programa de governo apresentado por Marina Silva é uma "homenagem" a ele.

"O programa dela, na verdade, reforça nossas ideias do ponto de vista econômico. Me senti imensamente homenageado. Reproduz ponto de vistas de gestão, pegando exemplos de Minas Gerais, como a remuneração variável para os servidores públicos da educação", disse.

Ele citou ainda o agronegócio, um setor que tem, historicamente, resistência ao nome de Marina.

"[O projeto do PSB] Valoriza o que nós defendemos desde sempre: o agronegócio como instrumento essencial de desenvolvimento econômico e social do Brasil. Portanto, o programa lançado pela candidata Marina na verdade é o maior apoio que eu recebi até agora. Porque ele resgata as nossas propostas", disse.

"E, entre o original e coerente desde sempre, e as últimas posições da candidata Marina, acredito que os brasileiros ficarão com original, porque nós defendemos essas propostas a vida inteira."

‘Temos projeto para o Brasil, debatido e coerente’diz Aécio

• Aécio evita falar em 'mudança' na campanha após pesquisa

• Candidato do PSDB prefere atacar gestão de Dilma Rousseff e ressaltar semelhanças entre o seu programa de governo e o de Marina

Gustavo Porto – O Estado de S. Paulo

O candidato a presidente da República Aécio Neves (PSDB) evitou neste sábado comentar a necessidade da mudança da campanha após a pesquisa Datafolha, divulgada na última sexta-feira, mostrar sua candidatura com 15% das intenções de voto, 19 pontos atrás de Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB), ambas com 34%. Ao ser indagado se concordava com a afirmação de que era preciso reavaliar a campanha - feita pelo ex-governador paulista e seu coordenador de campanha, Alberto Goldman, ao Broadcast - Aécio desconversou e partiu para o ataque a Dilma.

"Temos projeto para o Brasil, debatido e coerente com o que sempre pregamos ao longo a nossa caminhada. O quadro é que o atual governo fracassou e que a atual presidente da Republica perderá as eleições, porque levou o País à inflação novamente e paralisou as principais obras estruturantes", afirmou Aécio ao chegar a Ribeirão Preto (SP) para um evento de campanha.

Segundo ele, entre as duas propostas alternativas que restam, ou seja, a dele e a de Marina, "a nossa é coerente com o que sempre debatemos durante toda a nossa existência". Aécio defendeu uma política fiscal mais transparente, política econômica que permita de novo os investimentos e políticas sociais que "tragam de volta a superação da pobreza e não simples administração".

O candidato tucano voltou a afirmar que tem absoluta confiança que as propostas de sua candidatura o permitirão estar no segundo turno e aproveitou para ironizar Marina, sem, no entanto, citá-la nominalmente. "Não basta tirar o PT do governo, é preciso no lugar um governo que tenha quadros, experiência e propostas exequíveis, que não carregam contradições".

Aécio negou ainda que seja preocupante o cenário em Minas Gerais, onde o candidato tucano ao governo Pimenta da Veiga enfrenta dificuldades para se aproximar do petista Fernando Pimentel. Segundo pesquisa Ibope divulgada na última terça-feira, Pimentel tem 37% e Pimenta da Veiga 23% das intenções de votos.

Ele comparou o cenário com o do ex-governador mineiro Antonio Anastasia (PSDB), em 2010, o qual saiu atrás da disputa e a venceu. "O Anastasia não tinha metade dos votos que o Pimenta da Veiga tem. Em Minas Gerais tenho vencido sucessivamente as eleições e quem conhece bem o Aécio vota no Aécio", concluiu.

Elogio. Ainda segundo o cenário desfavorável ao PSDB dentro da corrida para Presidência da República, Aécio tratou com ironia o programa de governo lançado nesta sexta-feira, 29, pela adversária Marina Silva (PSB) e classificou a proposta dela como "a maior homenagem que poderíamos receber", numa referência à semelhança com as doutrinas tucanas.

"Programa da candidata Marina a trinta dias as eleições é a maior homenagem que poderíamos receber nesse momento, porque na verdade ela consagra as teses que defendemos ao longo da nossa existência", disse ele ao chegar em Ribeirão Preto (SP) neste sábado.

A ironia do candidato continuou quando ele lamentou o fato de Marina ter, segundo ele, se convertido do ponto de vista econômico. "Lamento que essa conversão do ponto de vista econômico não tenha vindo quando Marina militava no PT, que combateu ferozmente o Pano Real, a lei de responsabilidade fiscal", disse. "Fico feliz que ela adote prática que executamos em Minas Gerais, como o rendimento variável dos servidores da educação e em saber da necessidade que o agronegócio seja estimulado e o governo seja parceiro do etanol".

No fim, Aécio classificou Marina como "uma marca um pouco genérica" e ele o original. "Entre o original e aquele que se apresenta agora com uma marca um pouco genérica, eu fico com o original. No momento que prevalecer a razão, vamos vencer as eleições", afirmou o candidato.

Cursos-relâmpago inflam vitrine eleitoral de Dilma

Matrículas para formar técnicos com diploma são só 28% de programa exaltado para suprir empresas e indústrias

• Há mais alunos para ter noções de manicure (2 a 4 meses) do que para ser técnico em mecânica (1 a 3 anos)

Renata Agostini, Flávia Foreque e Johanna Nublat – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Alardeada pela campanha da presidente Dilma Rousseff (PT) como "o maior programa profissionalizante do mundo", a iniciativa federal para formar técnicos e melhorar a qualificação do trabalhador vem sendo impulsionada por inscrições em cursos rápidos, como de vendedor, recepcionista e manicure.

Segundo levantamento inédito do Ministério da Educação, feito a pedido da Folha, o programa tem atraído menos interessados em cursos verdadeiramente técnicos, como de enfermagem, eletrotécnica e mecânica.

Quando lançou o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), em 2011, o governo já previa uma maior procura pelos cursos que duram de dois a quatro meses. Na campanha, porém, Dilma tem ignorado essa distinção ao entoar dados da iniciativa ao eleitor.

"No que se refere à educação considero que tivemos um grande salto. Vou citar o Pronatec: 8 milhões de jovens e adultos com acesso ao ensino técnico", afirmou durante o primeiro debate entre candidatos à Presidência, promovido pela Band.

Os cursos mais céleres e simples, chamados de Formação Inicial e Continuada, são o que garantirão a Dilma Rousseff alcançar neste ano a meta de 8 milhões de matrículas no Pronatec.

A formação técnica, que é o principal objetivo do programa, representou apenas 28% das matrículas registrada até o final de julho.

Os cursos técnicos têm duração mínima de um ano e há casos que chegam a três anos. Podem ser feitos enquanto o jovem cursa o ensino médio ou após formar-se na escola.

São cursos práticos voltados para o mercado de trabalho e dão direito a um diploma em sua conclusão.

Já os de formação inicial e continuada, com duração média de três meses, têm exigência de escolaridade mais baixa e servem para dar noções básicas sobre uma função ou aperfeiçoar o conhecimento do aluno que deseja reingressar no mercado de trabalho. Não há diploma, apenas um certificado de participação.

No total, os dez cursos de Formação Inicial e Continuada mais procurados receberam 890 mil matrículas. Já os dez cursos técnicos mais populares tiveram 390 mil.

Dilma sempre fez questão de pontuar que o mote do Pronatec era a formação de técnicos capazes de suprir a demanda das empresas e das indústrias brasileiras.

"Com o Pronatec, queremos que o país, cada vez mais, tenha uma geração de jovens com formação técnica de qualidade, capazes de melhorar nossos produtos e serviços", disse em outubro de 2012 no programa de rádio "Café com a Presidenta".

Desde o ano passado, o governo tem intensificado a propaganda do Pronatec. Em 2013, ele foi de longe a iniciativa com a qual o Ministério da Educação mais gastou em publicidade --R$ 15,7 milhões, mais da metade do aplicado pela pasta em propaganda.

Merval Pereira: A utilidade do voto

- O Globo

Entramos num momento delicado da campanha eleitoral, em que a tendência majoritária do cidadão comum parece ver em Marina Silva a sua representante para a tão almejada mudança de hábitos e costumes nacionais, que começa necessariamente pela maneira de fazer política.

Mesmo contestada, com contraditórias posições que a fazem transitar pela velha política como se estivesse fazendo algo de novo, Marina traz consigo símbolos e promessas que apontam para novos caminhos, mesmo que ainda desconhecidos. E quem disse que a inquietação da sociedade requer caminhos seguros?

Talvez a vantagem de Marina sobre seus adversários seja mesmo ser uma incógnita, pois o que é conhecido no mundo da política está sendo francamente rejeitado pelo eleitorado. Tornou-se comum a afirmação de que a presidente Dilma é a garantia de mais quatro anos de retrocessos no país, enquanto Marina é uma incógnita, para o bem ou para o mal.

O jornalista Fernando Rodrigues atribuiu ao ex-ministro José Dirceu a afirmação de que Marina seria um Lula de saias, o que depois foi desmentido, afirmação e desmentido sempre através de interpostas pessoas, pois Dirceu, como condenado, não poderia dar entrevistas. De qualquer maneira, a comparação tem sua dose de verdade, embora não seja politicamente positiva para seu grupo político, e por isso foi desmentida.

Em 2002, Lula recebeu votos de pessoas que nunca haviam votado nele ou no PT, simplesmente porque queriam mudar as coisas no país e ele encarnava, na sua quarta tentativa, a mudança na política. O PT ainda tinha a imagem de ser um partido ético, que poderia mudar a maneira de fazer política, justamente o que Marina propõe hoje com a “nova política”.

Mas exatamente por ser uma incógnita, seria prudente que não se desse a ela um cheque em branco. Mais ainda. A “nova política” surfa uma onda de antipolítica, chega à liderança da disputa presidencial sem estrutura partidária sólida nem apoios institucionais de peso, o que coloca Marina acima das necessidades de negociação que são inerentes à relação com o Congresso. E é isso que a maioria quer, sem se dar conta de que o que acontece no país no momento é uma distorção do que seja a negociação política, que necessita de uma restauração, não da sua negação.

Se vencer no primeiro turno, como passou a ser visto como possível devido à sua ascensão vertiginosa nas pesquisas eleitorais, Marina estaria respaldada pelas urnas para levar adiante as reformas de que o país necessita, mas estaria também perigosamente tentada a exercer o seu messianismo, ainda mais da maneira como chegou à disputa, trazida pela “providência divina” depois que seus inimigos da política fizeram “o diabo” para impedi-la de concorrer, provavelmente já antevendo o que está acontecendo agora.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso venceu as duas eleições presidenciais que disputou no primeiro turno, derrotando Lula. Mas procurou um acordo eleitoral anterior com o PFL, o que parecia desnecessário pela força do Plano Real mas mostrou-se imprescindível para governar.

Nas duas vezes, o então candidato do PT ficou no piso da votação do seu partido — 27,04%, em 1994 e 31,71%, em 1998 —, o que pode acontecer perfeitamente com a presidente Dilma desta vez. Os terceiros colocados tiveram naquelas disputas 7,38% (Enéas, em 1994) e 10,97% (Ciro Gomes, em 1998).

O candidato do PSDB, Aécio Neves, atualmente com 15% das intenções de voto pelo Datafolha, tem uma estrutura partidária maior e apoios regionais que poderiam até mesmo levá-lo à vitória em situação normal e condições ainda de chegar a um segundo turno caso Marina, por alguma razão, tenha sua candidatura abalada nesses últimos 30 dias de campanha.

O mais provável, porém, é que o PSDB se coloque como um importante partícipe desse novo jogo num segundo turno entre a presidente Dilma e Marina, mas para tanto a votação em Aécio Neves não pode desidratar a ponto de permitir uma vitória de Marina no primeiro turno.

O voto útil em Marina, para garanti-la no segundo turno ou forçar uma derrota do PT já no primeiro, pode ser um tiro no pé nos eleitores que temem Marina presidente mas não querem Dilma reeleita. Nesse caso, fortalecer a votação do terceiro colocado é impor uma negociação política que demarcará um provável governo Marina.

Dora Kramer: Vestida para enfrentar

- O Estado de S. Paulo

Ninguém mais diferente da Marina Silva carrancuda no auditório da Confederação Nacional da Agricultura, em 6 de agosto, ainda como vice de Eduardo Campos, que a Marina Silva sorridente no meio dos usineiros paulistas na quinta-feira, prometendo a eles corrigir as "políticas equivocadas do governo" caso seja eleita presidente.

De ferrenha adversária da bancada ruralista na votação do Código Florestal no Congresso, passou a amiga do agronegócio. Tampouco é contra os transgênicos; agora diz que as pessoas não entenderam direito sua posição. Não é mais aquela que impõe vetos a aliados e nessa altura já considera as alianças entre opostos cabíveis dentro dos limites da "nova política".

Não provoca medo no mercado nem no empresariado porque faz os compromissos esperados em relação aos fundamentos da economia, à livre iniciativa, ao (fim do) controle artificial de preços, ao comércio exterior. Enfim, diz o que esses setores querem ouvir.

Nunca mais pronunciou o termo "sonhático". Não se ouve dela uma ideia de traço radical ou posição de conotação sectária, embora preserve um quê de austeridade e o charme de uma discreta intransigência. Mantém a suavidade, mas logo no primeiro debate surpreendeu os adversários partindo para o ataque direto ao cobrar de Dilma Rousseff os resultados (inexistentes) dos pactos de junho de 2013.

Sem se distanciar excessivamente do modelo original, Marina se reinventou e daí recuperou o antigo capital eleitoral, acrescentando a ele parte do patrimônio dos adversários. Na última pesquisa Ibope, ganhou 29 pontos em São Paulo, 15 em Minas, 25 no Rio e 15 na Bahia, os quatro maiores colégios eleitorais do País.

Os adversários, no entanto, preferem insistir na tese da comoção, da onda que passa. Além disso, Dilma e Aécio parecem ignorar a remodelagem e atacam-na com velhas armas sem considerar a evidência de que há uma nova Marina se apresentando ao eleitorado.

Falam de inexperiência, de radicalismo, de aventuras, de repulsa à política, de amadorismo, de incerteza, insegurança, de contradições e de inconsistências. Vulnerabilidades que a candidata do PSB não desconhece e por isso mesmo tratou logo de providenciar respostas para cada uma.

Significa que tomou a pulso a ideia de vir a presidir a República. Se os oponentes pretendem o mesmo, conviria que deixassem de agir como se estivessem diante de alguém que, mais cedo ou mais tarde - por obra de meia dúzia de palavras -, o eleitor verá como um ser excêntrico da floresta.
Ela está trabalhando para dizer que não é.

Compasso. Foi anunciado que Paulo Roberto Costa estaria disposto a fazer um acordo de delação premiada com o Ministério Público, a fim de tentar sair da cadeia e preservar a família nas investigações da Operação Lava Jato, da Polícia Federal.

Tudo pareceu encaminhado nesse sentido quando o advogado Nélio Machado deixou a causa, por discordar do acordo, e Costa chamou Beatriz Catta Preta, uma especialista no assunto.

Isso faz dez dias. De lá para cá soube-se que os procuradores federais querem de Costa os nomes dos políticos que se beneficiavam dos contratos superfaturados da Petrobrás.

Desde então, a nova advogada da causa vem dizendo que seu cliente ainda não decidiu se faz a delação, uma exigência peremptória principalmente da mulher dele, Marici.

Paulo Roberto Costa havia dito na prisão que se resolvesse revelar o que sabe - e só será beneficiado se der informações que esclareçam a materialidade e a autoria dos crimes - não haveria eleições.
Figura de retórica. Mas, pelo sim, pelo não, o encadeamento dos fatos autoriza a suposição de que possa ter havido só um conveniente adiamento.

Eliane Cantanhêde:A derrota de Dilma

- Folha de S. Paulo

Ganhe ou perca a reeleição, Dilma Rousseff não escapa mais de uma derrota no seu primeiro mandato: na economia. Não foi por falta de aviso. Até Lula alertou.

Enquanto Dilma usa a propaganda de TV, debates e entrevistas para falar de programas pontuais, como o Pronatec, que qualquer gerente faz, a economia brasileira continua dando uma notícia ruim atrás da outra.

O desafio da oposição não é bater na tecla de PIB, controle fiscal e contas externas (a maioria das pessoas nem sabe o que é isso), mas ensinar que não se trata só de números nem atinge só o "mercado" e a "elite". Afeta o desenvolvimento, a indústria, os investimentos, a competitividade e, portanto, a vida de todo mundo e o futuro do Brasil.

O super Guido Mantega, que sempre prevê PIBs estratosféricos e acaba se esborrachando com os resultados, conseguiu adicionar uma pitada de ridículo nas novas notícias ruins. Na quinta (28), ele disse que os adversários de Dilma levariam o país "à recessão". Na sexta (29), o governo anunciou que o risco já chegou: o recuo da atividade econômica pelo segundo trimestre consecutivo caracteriza... "recessão técnica". Ou "herança maldita", segundo Aécio. Não há Pronatec que dê jeito...

Para piorar as coisas, vamos ao resultado fiscal anunciado na mesma sexta: o governo federal (Tesouro, BC e INSS) teve o maior rombo do mês de julho desde 1997. A presidente candidata anda gastando muito.

Passado o trauma da morte de Eduardo Campos e assimilada a chegada triunfal de Marina Silva, a economia retoma o centro do debate eleitoral. Não há uma crise, mas há má gestão. Como Campos dizia, Dilma é "a primeira presidente a entregar o país pior do que encontrou".

Dilma e Mantega culpam o cenário internacional. Marina, rumo à vitória, e Aécio dizem que não é bem assim e apontam quem vai arranhar o joelho, cortar o cotovelo e talvez machucar a cabeça se a economia for ladeira abaixo. O eleitor, claro.

Luiz Carlos Azedo: As elites e Marina

• O quadro de estagnação da economia, os desgastes do PT no poder, as dificuldades da presidente Dilma Rousseff no trato com os aliados e com o mundo empresarial… São diversas as dificuldades para o continuísmo.

Correio Braziliense

Deve-se ao alemão Robert Michel, ao lado de Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto, pais da sociologia política, os primeiros estudos sobre o comportamento dos partidos políticos e suas elites intelectuais. Radicado na Itália, ensinou economia, ciência política e sociologia nas universidades de Turim, Basileia e Perugia.

Desencantado com o Partido Social-democrata Alemão, Michel estudou a burocratizarão dos partidos operários e dos sindicatos de trabalhadores. Aplicou ao fenômeno o conceito de oligarquia que havia sido desenvolvido por Mosca, para quem essa era a principal característica da classe política da época, e Pareto, que via a “circulação das elites” de forma equivalente ao conceito marxista de classe dominante.

Havia certo consenso político sobre o conceito. Na década de 1960, porém, o pau quebrou na academia por causa de uma polêmica entre os sociólogos Wrigth Mills e Robert Alan Dahl sobre a política dos Estados Unidos, cujo governo, na opinião do primeiro, seria controlado por uma elite unitária e restrita.

Mills foi contestado por Dahl, para quem haveria muitas elites capazes de operar tanto em situações de conflito quanto de compromisso, uma vez que os governos eram formados em contextos competitivos e inclusivos, ou seja, por meio de escolhas eleitorais.

Desde então, na sociologia, elite passou a ter uma dominação ampla, designando grupos de indivíduos em posições estratégicas — de partidos, instituições e entidades — e com poder de decisão. É mais ou menos esse o sentido dado ao conceito por Marina Silva ao afirmar que Chico Mendes, o seringueiros assinado no Acre, que foi seu parceiro de lutas, também fazia parte das elites do país.

Divisor de águas
A candidata do PSB fez essa afirmação ao ser questionada durante uma entrevista de televisão sobre as dificuldades que teria para governar o país, se eleita, por pertencer a uma pequena coligação e defender novos paradigmas para a governabilidade e a sustentabilidade econômica.

Abriu, porém, uma grande polêmica na campanha eleitoral sobre a natureza das elites brasileiras e seu papel na vida nacional, que não é nova, mas estava sendo tratada de forma muito maniqueísta. Marina se vê diante de uma situação na qual as principais elites do país estaria aliadas ao PT ou ao PSDB.

Supostamente, o governo Dilma representaria o povo, e a oposição, encabeçada por Aécio Neves (PSDB), as elites do país. Essa era a lógica perversa do “nós contra eles” que acabou ultrapassada pelos fatos.

Quem vai governar?
A discussão sobre quem reúne melhores condições do governar o país, num regime presidencialista como o nosso, eleitoralmente, passa pelo confronto de propostas e de imagens dos candidatos. E pela correlação entre tudo isso e a realidade social em que vivemos.

Mas, do ponto de vista institucional, exige um complexo amplo de relações entre as diversas elites do país, quando nada com a parlamentar, a magistratura, a diplomacia e os militares, que fazem parte do chamado “poder instalado” .

Além disso, na esfera da sociedade, empresários, lideranças sindicais, intelectuais, cientistas e artistas também são protagonistas do que seria uma nova política, cada qual com suas próprias elites. Como esses atores estão se posicionando diante desse novo e complexo cenário?

Há quatro semanas do dia de votação, a eleição aponta para a alternância de poder, o que parecia inimaginável um ano atrás. O quadro de estagnação da economia, os desgastes do PT no poder, as dificuldades da presidente Dilma Rousseff no trato com os aliados e com o mundo empresarial… São diversas as dificuldades para o continuísmo.

A grande incógnita da mudança, porém, não é a nova política — que pode ser apregoada por Marina Silva por meio de gestos e de palavras —, mas se a nova elite seria capaz de governar o país em caso de vitória da oposição. Trata-se de um conceito em busca de lideranças de carne e osso.

João Bosco Rabello: Não parece uma onda

- O Estado de S. Paulo

Parece vencida, após as duas últimas pesquisas, a questão que ainda frequenta as reflexões de analistas políticos e observadores da cena eleitoral: se o crescimento de Marina se insere no que passou a se chamar de "onda", ou se tem consistência para levá-la ao segundo turno.
Não parece onda e nem efeito da tragédia aérea que vitimou o titular da chapa presidencial do PSB, Eduardo Campos.

Até porque o ex-governador ainda não tinha uma biografia capaz de fazer com que seu trágico desaparecimento o transformasse em mito político.

O crescimento de Marina sugere mais a cristalização do sentimento geral contra os partidos, do que é sintoma o êxito de sua cruzada por uma "nova política", que já fazia parte do discurso de Campos, mas que só se materializou com a ascensão da ex-senadora a candidata.

É quando o novo ganha credibilidade junto ao eleitorado que não o identificava no PSB, mas passa a considerá-lo real na voz que a legenda abrigava em segundo plano e que, a rigor, não pertence a nenhum partido.

De carona, Marina passou a motorista capaz de convencer o eleitor da oportunidade de mudar hábitos e costumes, impondo uma nova forma de governar sem se privar - e nem ao País - dos quadros de excelência abrigados em outras legendas.

Por isso, o aceno do PSB para uma aliança de governo com PT e PSDB tem forte apelo junto ao eleitor desses dois partidos adversários, insatisfeitos com suas legendas.

A proposta surge como uma rede de segurança para o discurso do medo com a inexperiência gestora de Marina Silva e com a fragilidade do PSB - uma legenda média, sem parcerias capilares que possam projetar uma aliança parlamentar sólida.

Nesse caso, o argumento da oposição contra a candidata do PSB é seu maior trunfo eleitoral: não ter laços com o sistema em xeque que, por temê-la, negou-lhe a legenda com a qual concorreria contra, inclusive, o PSB.

O efeito Marina é maior que o impacto da morte de Eduardo Campos: ele reflete a demora da classe política em reagir ao gradativo e ostensivo repúdio da população às práticas políticas vigentes que, na era PT, ultrapassaram todos os limites, como mostrou o mensalão.

Eleição não se ganha de véspera, mas parece irreversível a ida de Marina ao segundo turno, restando ao PSDB esperar por uma queda ainda maior da presidente Dilma Rousseff, acossada pela economia em recessão e pelo agravamento do caso de corrupção na Petrobrás.

Vagner Gomes de Souza : O que é a “Nova Política”?

A sociedade desperta aos poucos para a sucessão presidencial. A mudança é uma ansiedade diante de um sistema político arcaico. Muitos analistas estimam que a polarização interior do campo socialdemocrata, entre o PT e PSDB, será suplantada entre “velha política” e a “nova política”. Ainda mais após a divulgação da recente pesquisa DATAFOLHA (29/08) em que Marina Silva empata em primeiro lugar com a candidata do PT. A ascensão da candidatura da Rede de Sustentabilidade (REDE) abrigada no Partido Socialista Brasileiro (PSB) já indicaria um contraditório entre vertentes da esquerda (moderna X pós-moderna). Entretanto, a realidade política exige mais que as ideologias diante da complexidade da crise econômica o qual estamos inseridos.

O que é a “Nova Política”? Essa é a pergunta que “marineiros” estão a responder diante do silêncio dos democratas da esquerda em relação as reformas políticas. A pergunta levaria a outra questão: qual mudança que se insere na “Nova Política”? Se os ventos de junho de 2013 estão nas bases da densidade eleitoral de Marina Silva, verificamos que as “bandeiras” não se enraízam na sociedade real, pois ainda não constatamos os articuladores dos programas. A mudança para conservar o “tripé” da estabilidade econômica precisa deixar claras as bases desse roteiro. Os indicadores eleitorais sinalizam para uma excessiva pulverização de partidos políticos no Congresso Nacional, o que já é um sinal de alerta para os defensores de uma Reforma da Política.

Setores da sociedade civil organizada estão recolhendo assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular defendendo uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para reformas políticas. A “nova política” vai desempenhar que papel diante dessa proposta? O silêncio é um problema na articulação que impede até o fortalecimento das forças políticas à esquerda em suas diversas vertentes. Como governarão sem os políticos tradicionais? Criaremos Conselhos Populares? Assembleias de Base? Comitês? Frentes Populares de Redes Sociais? Um mosaico de ideias diante de problemas mais concretos a se enfrentar.

O eixo “moderno” da esquerda (PSB e PPS) está a reboque de um menchevismo do século XXI, ou seja, o economicismo impede que esses atores políticos partam para a ação política em plena campanha eleitoral de suas principais lideranças políticas.

Ainda falta virtu nessa campanha eleitoral para a sucessão presidencial que indique um caminho para além da indignação. Os populistas russos fizeram escola e hoje testemunhamos os “narodiniks pós-modernos” sensibilizarem a sociedade brasileira. Gilberto Freyre foi quem melhor interpretou essa possibilidade ao sugerir que seríamos uma Rússia americana. Contudo, precisamos de uma revolução contra O Capital que indica perceber que o que faz a mudança é a política de alianças programáticas.

Mestre em Sociologia pelo CPDA-UFRRJ.

Wagner Iglecias: Do sonho à práxis

• Marina terá de fazer escolhas concretas, especialmente em economia e política externa

- O Estado de S. Paulo / Aliás

Desde que as eleições diretas para presidente foram reinstituídas, em 1989, os brasileiros já escolheram o chefe de governo em seis oportunidades. À exceção da eleição de Fernando Collor, um outsider que atropelou os grandes partidos e os candidatos tradicionais, desde então os escolhidos foram nomes associados a partidos de sólidos vínculos com os interesses organizados da sociedade brasileira. PSDB e PT polarizam a disputa presidencial há 20 anos.

O melhor resultado já obtido por um candidato alternativo aos dois partidos se deu com Marina Silva. Concorrendo pelo PV, e próxima a interlocutores com os quais não tinha relação no início de sua trajetória política, ela cravou quase 20% dos votos no pleito de 2010. O acidente que vitimou Eduardo Campos alçou a ex-senadora à condição de candidata à Presidência novamente.

A entrada de Marina na campanha tem provocado um forte e rápido rearranjo não somente nas intenções de voto aferidas pelas pesquisas como também nas estratégias dos principais candidatos.

Um alvoroço tomou conta do mundo político brasileiro. Ainda que não seja exatamente a candidata dos sonhos de círculos da elite brasileira e de setores de classe média tradicional, a possibilidade de impor uma derrota ao petismo e interromper o ciclo que já dura 12 anos do partido no poder parece estar seduzindo cada vez mais oposicionistas para o apoio a sua candidatura.

Para além disso, Marina vem construindo pontes de confiabilidade com esses setores. Declarou-se favorável aos pilares mais ortodoxos da gestão econômica (câmbio flutuante, metas rígidas de superávit primário e de inflação) e tem procurado livrar-se da pecha do radicalismo ecológico, fazendo acenos amistosos ao agronegócio.

Para a massa, dos descontentes com a velha polarização tucano-petista aos indignados que foram às ruas em 2013, passando ainda por aqueles que veem a atividade política com repúdio ou indiferença, Marina tem dirigido o discurso de que pretende inaugurar a “nova política”. Reitera o uso de um termo que já apareceu inúmeras vezes em nossa história, sobretudo em períodos em que era generalizada a sensação de que o sistema político estava carcomido, como no Estado Novo de Vargas, na Nova República de Sarney e no Brasil Novo de Collor. Marina afirma que o termo se baseia numa gestão que não seja dependente do toma-lá-dá-cá da política tradicional e para concretizar essa gestão pretende governar com os melhores quadros dos principais partidos políticos do País. Acrescenta ainda a isso uma relação mais direta do governo com a sociedade civil.

Marina não é Collor. Nem Jânio, que ao lado de Collor foi outro nome com quem a militância adversária se apressou a compará-la nos últimos dias. Mas, de fato, a última vez que se ouviu alguém fazendo menção a que governaria numa relação mais direta com a sociedade e formaria um ministério com os melhores quadros desse e daquele partido foi entre 1989 e 1992. Não deu certo, como se sabe. FHC, Lula e Dilma podem, sim, ser acusados de não terem rompido com o presidencialismo de coalizão, e até mesmo de terem estimulado o fisiologismo, mas jamais os discursos e a prática deles prescindiu da institucionalidade partidária e/ou esvaiu-se para o voluntarismo.

Marina, se eleita, terá de negociar com inúmeros partidos. Como bem a alertou o candidato Eduardo Jorge (PV). ela precisa preocupar-se com que sua coligação forme uma grande bancada no Congresso Nacional. Não será fácil, dadas as proporções atuais dos partidos que a apoiam. Num eventual governo Marina poderíamos rever uma curiosa união entre PMDB e PSDB, dada a vocação peemedebista para compor com governantes eleitos ao Planalto e a proximidade ideológica, especialmente na área econômica, entre quadros do PSDB e as premissas defendidas por Marina e seus gurus econômicos. Seria interessante verificar quem ocuparia as posições mais estratégicas do Estado brasileiro, como o Banco Central, o Ministério da Fazenda e o Itamaraty: se os sonháticos ou se interesses organizados mais orgânicos que advogam maior rigidez no gasto público e outro tipo de inserção do Brasil no contexto internacional.

Afinal, desde 1989 esta é a eleição mais estratégica que o Brasil vivenciará. O conflito distributivo interno chegou a um ponto decisivo, pautado pela disputa entre mais recursos para programas sociais e investimentos ou para a rolagem da dívida pública. Assim como chegou a um momento definidor a inserção do País no cenário externo, se caracterizada por maior autonomia e busca da construção de um mundo multipolar ou pela maior proximidade com potências tradicionais como EUA e União Europeia. Daqui até as urnas há chão ainda. Mas, se eleita, Marina terá escolhas históricas a fazer. Escolhas que definirão o futuro do País pelas próximas décadas e afetarão as próximas gerações. De que lado Marina estará?

*Wagner Iglecias é doutor em sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

Elio Gaspari:As Bolsas Plebiscito de Dilma e Marina

• As duas candidatas querem uma nova ordem, uma pior e mais perigosa para a democracia que a outra

- O Globo

Marina Silva merece todos os aplausos. Anunciou em seu programa o que pretende fazer se for eleita. Ela quer criar uma "democracia de alta intensidade". O que é isso, não se sabe. Lendo-a vê-se que, sob o guarda chuva de uma expressão bonita -"democracia direta"-, deseja uma nova ordem constitucional. Apontando mazelas do sistema eleitoral vigente, propõe outro, plebiscitário, com coisas assim: "Os instrumentos de participação -mecanismos de participação da democracia representativa, como plebiscitos e consultas populares, conselhos sociais ou de gestão de políticas públicas, orçamento democrático, conferências temáticas e de segmentos específicos -se destinam a melhorar a qualidade da democracia."

Marina parte da premissa de que "o atual modelo de democracia (está) em evidente crise". Falta provar que esteja em crise evidente uma democracia na qual elegeu-se senadora, foi ministra e, em poucas semanas, tornou-se virtual favorita numa eleição presidencial. Ela diz que nesse país em crise "a representação não se dá de forma equilibrada, excluindo grupos inteiros de cidadãos, como índigenas, negros, quilombolas e mulheres". Isso numa eleição que, hoje, as duas favoritas são mulheres, uma delas autodefinida como negra.

Marina quer "democratizar a democracia". O jogo de palavras é belo, mas é sempre bom lembrar que na noite de 13 de dezembro de 1968, quando os ministros do marechal Costa e Silva aprovaram a edição do Ato Institucional nº 5, a democracia foi a exaltada dezenove vezes. Deu numa ditadura de dez anos e dezoito dias. A candidata, com sua biografia, é produto da ordem democrática. Ela nunca a ofendeu, mas seu programa vê no Congresso um estorvo. Se o PT apresentasse um programa desses, a doutora Dilma seria crucificada de cabeça para baixo.

Marina não está sozinha com seu projeto de reestruturação plebiscitária. Durante o debate da Band, Aécio Neves criticou a proposta de Dilma de realizar uma reforma política por meio de um plebiscito, rotulando-a de "bolivariana", numa alusão às mudanças de Hugo Chávez na Venezuela. Ela respondeu o seguinte:

"Se plebiscitos forem instrumentos bolivarianos, então a Califórnia pratica o bolivarianismo".

Que todos os santos de Roma e D'África protejam a doutora. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Desde janeiro de 2010, a Califórnia fez 338 plebiscitos e aprovou 112 iniciativas. O mais famoso deles ocorreu em 1978 e tratava do congelamento do imposto sobre propriedades, associado à exigência de dois terços das assembléias estaduais para aprovar aumento de impostos. Tratava-se de responder "sim" ou "não". Deu 65% a 35% e atribui-se a esse episódio um dos maiores sinais do renascimento do conservadorismo americano (em 1980, Ronald Reagan foi eleito presidente dos Estados Unidos).

No Brasil já se realizaram três grandes plebiscitos. Em 1963 e 1993 o povo escolheu entre parlamentarismo e presidencialismo. Ganhou o presidencialismo. Em 2005, a urna perguntava: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?" O "não" teve 64% dos votos.

A sério, um plebiscito é simples: "Sim" ou Não"? "Parlamentarismo" ou "Presidencialismo"? Essa é uma prática da democracia direta porque é simples.

A proposta de encaminhamento plebiscitário de uma reforma política só não é bolivariana porque vem a ser um truque muito mais velho que a bagunça venezuelana. Em 1934, Benito Mussolini fez a reforma política dos sonhos dos comissariados. Os eleitores recebiam uma lista de nomes com a composição do Parlamento e podiam votar "sim" ou "não". Il Duce levou por 99,84% a 0,15%.

A República brasileira não está em crise, pelo contrário. Seus poderes Executivo e Legislativo serão renovados numa eleição em que Marina vê vícios profundos, ainda que não os veja na possibilidade de ser eleita. Sua proposta de reordenamento do Estado pode encarnar a vontade do eleitorado mas, na melhor das hipóteses, dá em nada. Na pior, em cesarismo plebiscitário.

Recordar é viver
Marina Silva não sabia que o avião em que viajava com Eduardo Campos saía de um caixa dois. (Naquele jatinho só a máquina parecia estar nos conformes. Era de um usineiro falido, fora vendido a um consórcio de laranjas e o piloto estava "cansadaço".)

Lula também não sabia da existência do mensalão. Em 1993, numa de sua campanhas, foi apanhado voando em dois jatinhos. Um pertencia ao filho do deputado João Alves, que amealhara uma fortuna ganhando na loteria e participando das malfeitorias da Comissão de Orçamento. Ficou conhecido como um dos Sete Anões. Outro era de uma empresa que fornecia alimentos à prefeitura petista de São Paulo.

Confrontado com a impropriedade, Nosso Guia informou que não sabia de nada e foi para o ataque: "Estão querendo jogar o PT na mesma lama dos outros partidos".

Obama e Marina
Em 2008, Vernon Jordan, um dos ícones da elite negra americana, apoiava a campanha de sua amiga Hillary Clinton. Ela tinha tudo para ser indicada candidata a presidente pelo Partido Democrata. Anos antes, ele percebera que o casal tinha futuro e ajudou a construir a figura de Bill, um desconhecido governador do Arkansas.

Quando Jordan passou a apoiar a candidatura do companheiro Obama, explicou-se em poucas palavras: "É duro você ir contra um movimento".

O promercedes
Um carioca bem-humorado conspiromaníaco acredita ter descoberto um programa secreto do PT para azarar Aécio Neves.

Estariam distribuindo automóveis Mercedes-Benz com adesivos do candidato no vidro traseiro.

Boa notícia
As coisas boas também acontecem. Apesar de persistir a guilhotina tributária que expõe as pequenas empresas à morte súbita quando elas faturam mais de R$ 3,6 milhões anuais e são expulsas do sistema de cobrança do Simples, andou-se um bom pedaço nessa questão.

Há poucas semanas, a doutora Dilma expandiu o alcance do Simples, beneficiando cerca de 450 mil empresas de profissionais liberais. Além disso, acabou com o martírio da exigência de certidões negativas para a abertura e fechamento de empresas. Mais: pequenas e médias empresas só poderão ser multadas se forem visitadas duas vezes pelo fiscal. Na primeira, caso não haja dolo, ele adverte; na segunda, autua.

Pleito
Os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal aprovaram o encaminhamento ao Congresso de um pedido de aumento. Ganham R$ 29.462 e querem R$ 35.919, equivalentes a US$ 209 mil anuais. Mais carro com motorista e passagens. Seus nove colegas da Corte Suprema americana ganham US$ 214 mil, sem mais nada. O juiz Harry Blackmun, pai da sentença que legalizou o aborto, ia para o serviço de Fusca. David Souter rodava num Passat. Antonin Scalia dirige o BMW que comprou.

Arte de rua
Para quem acompanha a produção dos grafiteiros que fazem a melhor arte destes tempos nas ruas do mundo, apareceu uma novidade. É Pejac, um jovem espanhol que passou por Paris. Tem a ironia e o traço de Banksy (herdada do francês Blek le Rat), sem a marquetagem que hoje envolve a misteriosa figura do inglês. (Acaba de sair o livro "Banksy in New York", com os grafites que ele fez por lá no final do ano passado.)

Marina e as mudanças: O Estado de S. Paulo - Editorial

É razoável supor que a significativa reviravolta na campanha eleitoral provocada pela trágica e imprevisível morte de Eduardo Campos e sua substituição por Marina Silva seja o resultado da maior identificação da nova candidata do PSB à Presidência com o desejo de mudança claramente captado por todas as pesquisas de opinião realizadas a partir das manifestações populares de junho de 2013.
Não se trata aqui, contudo, de investigar as razões pelas quais Marina Silva foi capaz de, desde logo, multiplicar por três as intenções de voto que indicavam a candidatura de Campos fora do segundo turno, colocando-se agora, ela própria, na condição de favorita numa votação final, seja qual for seu oponente. O que importa é procurar entender até que ponto esse fenômeno eleitoral, se vier a se confirmar, será realmente capaz de mudar o futuro do País.

Marina Silva se apresenta como alternativa à polarização PT-PSDB que há duas décadas domina o cenário político nacional e tenta se credenciar para esse desafio com uma proposta de mudança que se consubstanciaria numa "nova política" capaz de elevar o padrão ético e de eficácia na gestão da coisa pública. Não é pouca coisa e é impossível de imaginar que algum cidadão bem-intencionado possa se opor a tão elevado propósito, mesmo que ainda não se conheça sua tradução num programa de governo claramente definido. Resta saber de que condições objetivas a candidata do PSB disporá para enfrentar o nada fácil desafio de transpor para o plano da realidade aquilo que fica tão bem no das intenções.

A implantação bem-sucedida de qualquer programa de governo e sua instrumentalização no aparato governamental - especialmente de um plano que se propõe a desenraizar práticas nefastas consagradas através dos tempos - exigem dois pré-requisitos essenciais: apoio político em seu sentido mais amplo e a existência de quadros técnicos competentes e comprometidos com a excelência da gestão pública.

Um chefe de governo recém-eleito conta, por definição, com o apoio político da maioria da sociedade. Mas, na democracia representativa, para a efetivação de mudanças é indispensável também o apoio político dos representantes do povo e dos Estados que compõem o Poder Legislativo. Não é por outra razão que, quando não tem disposição, competência e coragem para contrariar interesses estabelecidos, o "presidencialismo de coalizão", que é o que temos, torna o Poder Executivo refém do fisiologismo.

O apoio proativo de uma sociedade dotada de informação e discernimento é geralmente suficiente para induzir à correção dos desvios de rota do poder público. As manifestações de junho do ano passado demonstram o potencial dessa prática. Mas a "voz das ruas" nem sempre está disponível, até porque o cidadão, por mais politizado que seja, tem de atender a outras prioridades em seu cotidiano. Somente uma conjugação especial e imponderável de circunstâncias ou de situações-limite de instabilidade social são capazes de "colocar o povo nas ruas" para fazer mudanças. E isso raramente ocorre sem danos irreparáveis à democracia.

Por outro lado, um programa ambicioso de mudanças como o que Marina Silva anuncia depende fortemente da existência de quadros técnicos suficientes e competentes para implementá-lo. Não é, certamente, no âmbito apenas dos partidos que a apoiam que ela encontrará todo o elenco de profissionais à altura do desafio de fazer o governo funcionar. Menos mal que, sabedora dessa carência e aparentemente disposta a substituir o atual compadrio desmedido pela meritocracia, Marina tem acenado com a intenção de recrutar profissionais competentes onde quer que estejam, independentemente de filiação partidária.

Cravar com sucesso no Planalto a bandeira de uma genuína "nova política" é desafio que, além dos pré-requisitos do apoio político e técnico, exige também extraordinária capacidade de articulação e conciliação, de estabelecer o exato ponto de equilíbrio na delicada tarefa de adequar meios a fins - de governar, enfim. A dificuldade para o exercício da conciliação talvez seja a maior vulnerabilidade de Marina Silva. A primeira mudança essencial de que necessita o País, afinal, é o fim da divisão do Brasil entre "nós e eles".

A mística marinista: Folha de S. Paulo - Editorial

• Simbolismo pessoal da candidata faz com que suas oscilações se dissolvam no debate, mas ambiguidades precisam ser esclarecidas

Empatada com a presidente Dilma Rousseff no primeiro turno, com 34% das preferências, e tendo dez pontos de vantagem sobre a petista num eventual segundo turno (50% a 40%), a candidata do PSB, Marina Silva, viu confirmar-se na pesquisa Datafolha o fenômeno de sua ascensão eleitoral.

Assumindo de forma inédita a condição de protagonista, Marina terá sobre si todos os holofotes. Não só a curiosidade dos eleitores em relação a seus planos aumentará, mas também os ataques de seus adversários se intensificarão.

Seu programa de governo veio em boa hora para atender o interesse que seu crescimento estimulou --e merecerá análise e debate detalhados nos próximos dias. A imprensa, quanto a isso, terá papel importante a desempenhar.

Mas se Marina Silva alcança destaque tão notável, isso se deve menos a pontos específicos do programa de seu partido --um legado de Eduardo Campos, na verdade-- e mais à densidade simbólica que cerca sua imagem pessoal.

O caso Marina constitui um paradoxo em que as críticas parecem reforçar a própria figura que se quer desconstruir. Não é difícil identificar exemplos disso.

Proveniente do PT e alinhada durante toda sua trajetória a propostas de esquerda, Marina agora defende a independência do Banco Central e se cerca de personalidades ligadas ao mercado financeiro.

Aponta-se a contradição, ou o que há de indefinido nisso, e o discurso marinista traz a resposta engenhosa: trata-se de superar dicotomias, de governar "com os melhores", de reconhecer, sem preconceitos de classe, a importância das elites na construção de uma sociedade mais justa e equilibrada.

A indefinição se transforma, magicamente, em virtude; a ampliação das alianças à direita não descaracteriza a postulação porque, no fundo, o prestígio de Marina chancela tudo. Com a ideia da "nova política" ocorre a mesma coisa.

Aliando-se no ano passado ao PSB, Marina quis dar continuidade a seu projeto pessoal. Da ausência de base partidária genuína, cria-se a mística de uma candidatura que supera partidarismos.

Deixarão de existir? Estarão as "pessoas de bem" de acordo em tudo? Não haveria uma aposta messiânica no poder de arbitrar, acima das instituições, divisões de interesses que seu discurso minimiza?

São fragilidades evidentes na postulação --e fatores de risco para um eventual governo seu.

Parecem, ao mesmo tempo, eficazes instrumentos de campanha, criando a imagem de uma oposição que não é oposição, de uma amplitude de enraizamento social que se resume a um ápice iluminado, de uma maioria espelhada numa só pessoa, na qual tudo mais se projeta do que se representa, mais se imagina do que se verifica.

O que isso possa ter de messiânico e de religioso, ou de inovador e consistente, é uma pergunta a ser respondida --espera-se-- no decorrer da campanha eleitoral.

Recessão e outros problemas no palanque de Dilma: O Globo - Editorial

• A retração da economia no primeiro semestre se torna mais grave quando se constata que, no segundo trimestre, houve grande queda nos investimentos

Se fosse possível, os responsáveis pelas campanhas de Dilma e Aécio eliminariam do calendário a semana que passou. Não teriam a má notícia da lépida subida de Marina Silva na última pesquisa do Ibope, confirmada na noite de sexta pelo Datafolha. E a presidente e candidata à reeleição, em particular, escaparia do dissabor de manchar a biografia com a primeira recessão da economia brasileira desde o último trimestre de 2008. A queda de 0,6% do PIB no segundo trimestre em relação ao primeiro — quando já houve uma retração de 0,2%, numa sequência que configura a recessão — consolida, por enquanto, a expectativa do mercado de que a economia não deve conseguir crescer sequer 1% este ano.

“Recessão” é termo forte, de fácil exploração política. Mas estão no palanque de Dilma vários outros problemas, nem todos de fácil entendimento, mas nem por isso menos espinhosos. A baixa confiabilidade do governo Dilma se expressa na queda de 5,3% dos investimentos, no trimestre, também calculada pelo IBGE. É nítida a postura de “esperar para ver” do empresariado neste ano eleitoral.

Há problemas semeados pelo próprio governo. Um deriva da decisão de Dilma/Mantega de manter valorizado o real, para segurar uma inflação renitente. Para isso, o Banco Central executa as tais operações de “swaps”, pelas quais oferece dólares com compromisso de recompra futura. Não gasta o dólar físico das reservas — bastante altas, em mais de US$ 300 bilhões —, mas assume bilionários compromissos futuros. O saldo líquido dessas operações, no momento, seria de US$ 90 bilhões. Tudo isso faz a alegria de especuladores, que realizam a seguinte arbitragem, em explicação simplificada: financiam-se lá fora a juros muito baixos, pegam o dólar e o vendem no “spot”; com os reais, adquirem títulos no Brasil que rendem 11% ao ano. Fazem ainda “hedge” para garantir dólares a uma determinada cotação, num determinado prazo. E toda essa ciranda quase não tem risco porque o BC evita a desvalorização do real, com os “swaps”. Consta que muitos dos bilhões que entram hoje como “investimento externo direto” de multinacionais vêm, na verdade, participar desta ciranda. Eis porque, numa economia em recessão, bilhões de dólares chegam como se fossem investimento. E cuja taxa continua baixa, em relação ao PIB (14%).

Trata-se de uma manobra que não pode durar muito, até porque o Fed está prestes a anunciar que voltará a subir os juros nos EUA. Isso deflagrará mais uma onda de desvalorização de moedas, e o nosso BC não poderá enfrentar essa queda de braço cambial. Na verdade, os “swaps” são mais um puxadinho de política econômica. E com efeitos contraditórios: seguram artificialmente a inflação, junto com o congelamento de tarifas, mas desestimulam as exportações de manufaturados, já com dificuldade de competição por problemas de infraestrutura, burocracia, etc. Dilma e assessores devem torcer para chegar logo outubro.