- O Globo
Entramos num momento delicado da campanha eleitoral, em que a tendência majoritária do cidadão comum parece ver em Marina Silva a sua representante para a tão almejada mudança de hábitos e costumes nacionais, que começa necessariamente pela maneira de fazer política.
Mesmo contestada, com contraditórias posições que a fazem transitar pela velha política como se estivesse fazendo algo de novo, Marina traz consigo símbolos e promessas que apontam para novos caminhos, mesmo que ainda desconhecidos. E quem disse que a inquietação da sociedade requer caminhos seguros?
Talvez a vantagem de Marina sobre seus adversários seja mesmo ser uma incógnita, pois o que é conhecido no mundo da política está sendo francamente rejeitado pelo eleitorado. Tornou-se comum a afirmação de que a presidente Dilma é a garantia de mais quatro anos de retrocessos no país, enquanto Marina é uma incógnita, para o bem ou para o mal.
O jornalista Fernando Rodrigues atribuiu ao ex-ministro José Dirceu a afirmação de que Marina seria um Lula de saias, o que depois foi desmentido, afirmação e desmentido sempre através de interpostas pessoas, pois Dirceu, como condenado, não poderia dar entrevistas. De qualquer maneira, a comparação tem sua dose de verdade, embora não seja politicamente positiva para seu grupo político, e por isso foi desmentida.
Em 2002, Lula recebeu votos de pessoas que nunca haviam votado nele ou no PT, simplesmente porque queriam mudar as coisas no país e ele encarnava, na sua quarta tentativa, a mudança na política. O PT ainda tinha a imagem de ser um partido ético, que poderia mudar a maneira de fazer política, justamente o que Marina propõe hoje com a “nova política”.
Mas exatamente por ser uma incógnita, seria prudente que não se desse a ela um cheque em branco. Mais ainda. A “nova política” surfa uma onda de antipolítica, chega à liderança da disputa presidencial sem estrutura partidária sólida nem apoios institucionais de peso, o que coloca Marina acima das necessidades de negociação que são inerentes à relação com o Congresso. E é isso que a maioria quer, sem se dar conta de que o que acontece no país no momento é uma distorção do que seja a negociação política, que necessita de uma restauração, não da sua negação.
Se vencer no primeiro turno, como passou a ser visto como possível devido à sua ascensão vertiginosa nas pesquisas eleitorais, Marina estaria respaldada pelas urnas para levar adiante as reformas de que o país necessita, mas estaria também perigosamente tentada a exercer o seu messianismo, ainda mais da maneira como chegou à disputa, trazida pela “providência divina” depois que seus inimigos da política fizeram “o diabo” para impedi-la de concorrer, provavelmente já antevendo o que está acontecendo agora.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso venceu as duas eleições presidenciais que disputou no primeiro turno, derrotando Lula. Mas procurou um acordo eleitoral anterior com o PFL, o que parecia desnecessário pela força do Plano Real mas mostrou-se imprescindível para governar.
Nas duas vezes, o então candidato do PT ficou no piso da votação do seu partido — 27,04%, em 1994 e 31,71%, em 1998 —, o que pode acontecer perfeitamente com a presidente Dilma desta vez. Os terceiros colocados tiveram naquelas disputas 7,38% (Enéas, em 1994) e 10,97% (Ciro Gomes, em 1998).
O candidato do PSDB, Aécio Neves, atualmente com 15% das intenções de voto pelo Datafolha, tem uma estrutura partidária maior e apoios regionais que poderiam até mesmo levá-lo à vitória em situação normal e condições ainda de chegar a um segundo turno caso Marina, por alguma razão, tenha sua candidatura abalada nesses últimos 30 dias de campanha.
O mais provável, porém, é que o PSDB se coloque como um importante partícipe desse novo jogo num segundo turno entre a presidente Dilma e Marina, mas para tanto a votação em Aécio Neves não pode desidratar a ponto de permitir uma vitória de Marina no primeiro turno.
O voto útil em Marina, para garanti-la no segundo turno ou forçar uma derrota do PT já no primeiro, pode ser um tiro no pé nos eleitores que temem Marina presidente mas não querem Dilma reeleita. Nesse caso, fortalecer a votação do terceiro colocado é impor uma negociação política que demarcará um provável governo Marina.
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