domingo, 31 de maio de 2015

Opinião do dia – Cármen Lúcia

As demandas se acumulam. As perguntas são novas e não há respostas. A democracia vive da confiança e há muita descrença na sociedade. As instituições não podem ser consideradas desnecessárias.

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Cármen Lúcia é Ministra do Supremo Tribunal Federal em entrevista na Globonew.

Após ajuste, Planalto tenta conter ataques do PT contra Levy

• Temor da Presidência é ver congresso do partido, marcado para meados de junho, ser palco de ataques à política econômica

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto iniciou uma ofensiva para conter a hostilidade contra o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no 5.º Congresso do PT, que ocorrerá de 11 a 13 de junho, em Salvador (BA). Preocupados com o tom da resolução política a ser aprovada no encontro, no momento em que o PT e o governo enfrentam sua mais grave crise, ministros petistas procuraram dirigentes do partido e pediram cautela nas manifestações anti-Levy.

Desde que foram escancaradas as divergências entre o titular da Fazenda e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, na esteira da divulgação do corte no Orçamento - que ficou em R$ 69,9 bilhões -, a presidente Dilma Rousseff procura abafar os ruídos na equipe.

O receio do Planalto, porém, é que o PT jogue mais combustível na crise durante a reunião de Salvador, provocando desconfianças e agitando novamente o mercado financeiro. Convocado para debater o programa do PT e atualizar o projeto do partido, em meio a sucessivos escândalos de corrupção, o congresso petista deve ser tomado, na prática, por críticas à gestão de Dilma e pressões por mudanças na política econômica.

Chicago Boy. Nos bastidores, parlamentares do PT chamam Levy de “Chicago Boy”, numa referência à Universidade de Chicago, identificada com a visão neoliberal, onde Levy se graduou Ph.D. Ex-secretário do Tesouro no governo Lula, Levy é considerado pela maioria do PT como a encarnação do mal por causa de suas ideias “ortodoxas”.

Embora o PT esteja dividido sobre a conveniência de pedir a cabeça do ministro, a avaliação predominante no partido é que o modelo de ajuste fiscal adotado porá a economia nas cordas, tornando o crescimento inviável. O diagnóstico é que a tesourada nos gastos, o corte de programas sociais e as restrições criadas a direitos trabalhistas, como seguro desemprego, travam o desenvolvimento e afastam ainda mais o PT de sua base social.

A disputa que atiça o PT nesta temporada é pelos rumos do governo Dilma pós-ajuste e por maior protagonismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na distante relação com o Planalto. Acuado, o partido também tenta reagir para salvar sua imagem, ainda mais abalada após a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, que culminou com a prisão do então tesoureiro João Vaccari Neto.

Nesse cenário, nove entre dez petistas recorrem ao ministro Nelson Barbosa, visto como “desenvolvimentista”, na tentativa de criar um contraponto a Levy. O movimento contraria Dilma - que decidiu prestigiar o titular da Fazenda - e preocupa a equipe de Barbosa. Inflado pelo PT, o titular do Planejamento teme sair enfraquecido do embate.

Queda de braço. O confronto reedita uma queda de braço travada no primeiro mandato de Lula, tendo à época Antonio Palocci (Fazenda) na linha de tiro. Em novembro de 2005, Dilma, então chefe da Casa Civil, chegou a chamar de “rudimentar” o ajuste fiscal de longo prazo proposto por Palocci. Agora, no entanto, não esconde o aborrecimento com o “fogo amigo”.

“É possível que existam críticas ao ministro Levy e as divergências são normais, mas o PT deve entender que o próprio projeto do partido passa pelo sucesso do governo Dilma”, disse o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS). “Não podemos, depois de todo o esforço para aprovar as medidas provisórias do ajuste, dar motivos para insegurança.”

Em conversas reservadas, Lula não esconde o desconforto com a inflexão na economia e a demora do governo em virar a página do ajuste fiscal, criando uma agenda positiva.

Lula está aflito por entender que, se a rota não for corrigida a tempo, o PT sentirá ainda mais o peso do desgaste nas eleições municipais de 2016, podendo sucumbir na disputa presidencial de 2018.

No Planalto, dois ministros fazem hoje a “ponte” entre o governo, a direção do PT e os movimentos sociais. Um deles é Edinho Silva, titular da Secretaria de Comunicação Social. O outro é Miguel Rossetto, que comanda a Secretaria-Geral da Presidência. Próximo a Dilma, Aloizio Mercadante (Casa Civil) distanciou-se da cúpula petista.

Reinvenção. Assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia ajudou a redigir o manifesto da tendência Construindo um Novo Brasil (CNB), que será apresentado no congresso do PT. Assinado pela corrente majoritária, integrada por Lula, o documento faz uma autocrítica, no rastro dos escândalos de corrupção - do mensalão à Petrobrás - e diz que o partido precisa se “reinventar”. O que mais chama a atenção no texto, porém, são os ataques à política econômica conduzida por Levy.

“Não se pode fazer da necessidade de sanear a situação fiscal a ocasião para a apologia de uma política econômica conservadora, cujas consequências bem conhecemos”, assinala o documento.

Para o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), a estratégia central do governo tem de ser o crescimento, e não o ajuste fiscal.

“Não podemos ficar nesse samba de uma nota só”, insistiu Lindbergh, após votar contra a MP que dificultou o acesso ao seguro-desemprego. “Não é só o governo Dilma que está em jogo. É o nosso futuro, do PT e da esquerda.”

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), discorda do colega. “Levy faz o que Dilma pede. Então, quem critica Levy está criticando Dilma”, argumentou Guimarães. “Uma coisa é criticar o ajuste e outra é pedir a cabeça do ministro. Isso não dá para aceitar.”

BNDES usa verbas do FAT para subsidiar empreiteiras no exterior

• Banco financiou obra da Andrade Gutierrez na República Dominicana usando o dinheiro do fundo que sustenta benefícios como o seguro-desemprego

Alexa Salomão - O Estado de S. Paulo

Desde 2007, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) reforça o apoio ao que se chama de “exportações de serviços”, especialmente nos financiamentos para que grandes empreiteiras brasileiras pudessem fazer obras no exterior. O ‘Estado’ teve acesso ao primeiro de um desses contratos de crédito. Segundo avaliação de profissionais do mercado financeiro, nessa operação o banco só não teve prejuízo porque usou, em condições muito especiais, o dinheiro barato do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT, que banca benefícios sociais como o seguro-desemprego.

O BNDES nunca divulgou quanto emprestou para as empreiteiras fazer obras lá fora, nem em que condições ou a que taxas. O sigilo é questionado e gera polêmica. Por ironia, um contrato se tornou público ao ser divulgado no site do governo da República Dominicana. O BNDES se comprometeu a emprestar US$ 249,6 milhões (R$ 786 milhões, pela cotação atual) para o governo daquele país tocar as obras do Projeto Múltiplo Monte Grande, que conta com uma barragem para abastecimento de água e fornecimento de energia. A construtora é a Andrade Gutierrez.

O empréstimo foi fechado em 2013, com prazo de pagamento de 12 anos, e o BNDES tem quatro anos para fazer o primeiro repasse. Ainda não fez nenhum. Mas chamou a atenção os juros: o país estrangeiro vai pagar 2,3%, mais a Libor – uma das taxas mais baixas do planeta. Em 2013, a Libor mais cara, para 12 anos, foi de 0,8%. Hoje está em 0,75% para este prazo.“Pela primeira vez sabemos as condições e as taxas aplicadas: temos uma pista de como podem ser os financiamentos para outras construtoras”, diz o professor do Insper Sérgio Lazzarini, que estuda o BNDES há 10 anos.

Subsídio. Segundo análises de profissionais do mercado financeiro, feitas a pedido do Estado, o empréstimo à República Dominicana tem três detalhes que chamam a atenção. Primeiro: o BNDES deu subsídio, pois a taxa de juros cobrada foi inferior àquela que a República Dominicana conseguia no mercado (veja box). Segundo: a taxa concedida ao país foi bem menor do que a oferecida no próprio Brasil. O financiamento mais barato dado pelo BNDES aos brasileiros na área de infraestrutura foi para o Programa de Investimento em Logística (PIL): 7% (2% de spread, mais a Taxa de Juros de Longo Prazo, a TJLP, que na época estava a 5%. Hoje está em 6%). Terceira conclusão: se tivesse usado o seu próprio fôlego financeiro e feito o empréstimo com dinheiro de suas emissões, o BNDES teria prejuízo.

Libor. Procurado, por meio de sua assessoria de imprensa, o banco declarou que a operação deu retorno porque ele usou uma fonte barata, o dinheiro do FAT. O BNDES fica com 40% dos recursos do fundo. Dessa parcela, por lei, 80% devem ser usados no Brasil – e o banco precisa devolver ao FAT pagando a TJLP. Os demais 20% podem ser usados em operações de exportação. Nesse caso, o dinheiro é corrigido pela Libor – a taxa pequenininha. Uma resolução do Conselho Deliberativo do FAT, porém, autoriza o banco a destinar até metade dos seus recursos vindos do FAT em crédito a exportações. Se isso for feito, significa que 20% do total do dinheiro do trabalhador vai render menos de 1% para que o BNDES banque exportações. Em abril, o banco tinha R$ 202 bilhões do FAT.

O fundo financia várias políticas públicas e mesmo com arrecadações recordes tem déficit. Nem as recentes mudanças aprovadas na Câmara, que reduzem o acesso do trabalhador ao seguro-desemprego e abono salarial, aliviam o rombo. Estima-se que o Tesouro terá de injetar quase R$2 bilhões no FAT em 2015. No ano passado, um relatório do Tribunal de Contas da União concluiu que parte do problema está no fato de o BNDES reter um volume elevado de recursos do fundo e determinou a devolução, pois a prioridade do FAT é dar assistência ao trabalhador. O banco alega que precisa do dinheiro para manter os seus programas.

De 2007 a 2014, o BNDES desembolsou recursos para 425 operações de exportação – pouco mais de 130 delas, o equivalente a um terço, beneficiaram seis construtoras: Odebrecht e sua subsidiária em Cuba, a Companhia de Obras e Infraestrutura, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e OAS. Todas agora são investigadas na Operação Lava Jato, que apura crimes de corrupção na Petrobrás. O dinheiro bancou rodovias em Angola, estruturas portuárias em Cuba, hidrelétrica no Equador.

A assessoria de imprensa, em nota, negou que o BNDES dê subsídio e disse que o crédito a exportações é pago, em reais, para as empresas no Brasil, com benefícios para o País. Seus números: entre 2007 e 2013, o banco liberou US$ 54 bilhões para financiamentos à exportação que mobilizaram uma cadeia de 3.528 fornecedores.

O economista Mansueto Almeida, especialista em contas pública, vê diferente: “É um absurdo que o BNDES dê subsídio com sigilo e sem detalhar os ganhos por projeto. Com dinheiro público, por princípio, deve haver transparência e boa gestão: o que não está claro no caso do BNDES.”

Banco teria prejuízo se não usasse o FAT
Pelas simulações realizadas a pedido do ‘Estado’ por profissionais do mercado financeiro, o negócio com a República Dominicana é “muito ruim”. Primeiro, porque o subsídio foi relevante – 13% do valor do empréstimo, sem que seja claro o ganho para o Brasil. Em 2013, quando assinou com o BNDES, a República Dominicana fez captação de 10 anos pagando a taxa Libor mais 3,44%, mas o BNDES emprestou pela Libor mais 2,3%. Se usasse o próprio dinheiro, e não o do FAT, teria prejuízo. Em 2013, o banco fez uma captação em 10 anos, pagando Libor mais 2,77% – 0,47 ponto porcentual acima da taxa do empréstimo. “É maluquice: o que estão fazendo lá?”, disse um dos executivos consultados.

Crise corta emprego de renda alta

• Crise reduz postos de trabalho com melhores salários. Saúde, educação e serviços criam vagas

O mapa do emprego no país

Geralda Doca, Patrícia Cagni, Thaís Lobo e Fábio Teixeira – O Globo

BRASÍLIA e RIO - Mesmo com a crise no mercado formal de trabalho — que já eliminou 137 mil postos até abril e fez a geração de empregos recuar ao nível de 1999 — alguns setores resistem e estão gerando empregos. Um levantamento do consultor Rodolfo Torelly, do site especializado Trabalho Hoje, feito a pedido do GLOBO, revela as 20 ocupações que mais contrataram neste ano e as 20 com maior número de demissões. A conclusão é que a crise está levando à destruição de empregos com melhores salários, em cargos intermediários de chefias - gerentes de produção e operações, de áreas de apoio e supervisores de serviços administrativos e da construção civil, por exemplo - e à abertura de vagas nas áreas da educação (professores do ensino fundamental, médio e superior); saúde (técnicos em enfermagem, por exemplo), e na base da pirâmide, em ocupações com baixos salários e alta rotatividade.

Entre as atividades que mais contrataram também aparecem operadores de telemarketing, recepcionistas e o ramo de manutenção de edifícios, como faxineiros e porteiros, auxiliares nos serviços de alimentação em hotéis e restaurantes, embaladores e alimentadores de linha de produção. O levantamento foi feito com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho.

— Estamos perdendo empregos melhores, com maior remuneração, e criando empregos na área da educação, saúde e na base da pirâmide — disse Torelly.

Em um cenário difícil para a maioria das pessoas encontrar um emprego, a professora de educação infantil Luana Miranda, 30 anos, conseguiu uma segunda ocupação. Funcionária da unidade da Creche Escola Primeira na Barra da Tijuca, ela começou a procurar uma vaga em agosto do ano passado. O envio de currículos rendeu frutos rapidamente. Em novembro já fazia entrevistas e em janeiro estava empregada na creche. No mês seguinte, assumiu uma nova turma em outra filial.

— Já trabalhava no turno da manhã e queria uma ocupação também no turno da tarde. Tem demanda, vejo muitas escolas abrindo. Há mercado para todo mundo.

O expediente, porém, tem um custo. Cada turno é de cinco horas. Somado ao tempo perdido no trânsito, são 12 horas que Luana passa longe do marido e da filha, de 7 anos.

— É cansativo, mas é um esforço necessário para poder manter o padrão e a qualidade de vida — conta ela.

Baiana natural de Irecê, Joélia Batista, de 26 anos, que vive em Brasília, também conseguiu boas oportunidades. Ela trabalhava com coleta e seleção de materiais recicláveis e soube de uma vaga para auxiliar de manutenção de prédios, que oferecia melhores condições de trabalho e retorno financeiro. Depois de participar do processo seletivo, foi contratada. Hoje trabalha das 6h às 16h e diz sentir orgulho da conquista.

—- Quando soube da oportunidade não pensei duas vezes. Consegui aumentar minha renda mensal e deixei de correr riscos na coleta seletiva — enfatizou.

Se certos males vêm para o bem, no caso de Fabíola Brazil, de 35 anos, uma demissão trouxe boas notícias. A técnica de enfermagem trabalhava há pouco mais de um ano como vendedora das Casas Bahia, no Norte Shopping, no Rio, depois de procurar sem sucesso vagas na área de saúde. Mas o movimento fraco no comércio levou a uma redução da equipe de vendas e ela foi demitida no fim de abril.

— As vendas não são como antes, e eu trabalhava por comissão. No início, tirava R$ 2 mil, mas depois passou a R$ 120, R$ 150. Os clientes não querem mais comprar com juros e não têm mais tanto para gastar. O shopping está cheio de gente olhando vitrine e comendo na praça de alimentação, mas na loja falam que vão comprar só em dezembro —- conta.

Agora, Fabíola voltou a trabalhar como enfermeira num hospital e espera complementar a renda da família:

— Foi meu marido quem segurou as pontas nesse início de ano. Com três filhos, os gastos com alimentação pesam muito. Os meses de fevereiro e março foram terríveis — conta.

Fortemente afetado pela crise, o mercado da construção civil em Brasília já acumula 13 mil demissões na capital, entre janeiro e março. Entre elas, cerca de 250 eram engenheiros. O empresário Paulo Muniz, presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi-DF), contou que precisou tomar algumas decisões difíceis para manter a Construtora Conbral funcionando, como a redução da equipe.

— Nenhum empresário faz isso com felicidade. É uma questão de sobrevivência da empresa. A Conbral tem 47 anos no mercado imobiliário de Brasília. O último lançamento da empresa foi em 2010. Os problemas do setor não começaram agora. Em 2010 eram 1,2 mil homens trabalhando. Hoje, são 200 profissionais que trabalham em obras de terceiros.

Os miseráveis: retrato sem retoques de um Rio de excluídos

• Estado tem 3,7% de seus moradores na extrema pobreza. Percentual só não é maior do que o do Norte-Nordeste

Maria Elisa Alves / Rafael Galdo – O Globo

O Estado do Rio tem 565.135 pessoas vivendo abaixo da linha da extrema pobreza. A série de reportagens "Os miseráveis" mostra como e onde vive quem precisa driblar dificuldades como desemprego e fome. São 3,77% da população do estado nessa situação, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O percentual é o maior entre todos os estados das regiões Sul e Sudeste, superando apenas os do Norte-Nordeste e Mato Grosso, no Centro-Oeste.

Histórias de miséria
Pelanca é a sobra da carne, a parte desprezada que pode ir tanto para o cachorro quanto para fábricas de sabão, que usam sebo como matéria-prima. Mas, na casa de Lúcia Pereira da Silva, sem água ou esgoto, num mangue à beira da Baía de Guanabara, em Magé, pelanca é dia de festa. Sinal de que sobraram 40 centavos para comprar um quilo do que, para muitos, é lixo. “Às vezes vem um pedacinho de carne junto. Tempero com louro e ponho no feijão. Fica gostoso”, diz. A 60 quilômetros dali, em Belford Roxo, José Roberto Lima — idoso esquálido que vive numa casa sem banheiro — lança mão da pelanca para alimentar seus três cães magros. Mas guarda um tanto para a própria sopa, feita com grãos dos mirrados pés de feijão que planta no quintal. Lúcia e José Roberto não fazem parte do Rio do cartão-postal. Estão entre os 565.135 fluminenses que sonham alcançar a pobreza. Porque o lugar deles é outro. Eles vivem na miséria.

Na indigência, como os dois, encontram-se 3,77% da população do estado, revelam números do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Gente suficiente para encher uma cidade como Niterói. Os dados, que tomam como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2013, do IBGE, mostram ainda que o Estado do Rio, sexta maior renda per capita do país, fica mal perto de seus vizinhos. Tem um percentual maior de miseráveis do que todo o Sul e Sudeste. No Centro-Oeste, só Mato Grosso está em situação pior. Os deserdados do estado que sediará as Olimpíadas de 2016 são tema da série de reportagens “Os miseráveis”, que O GLOBO publica a partir de hoje. Durante um mês, equipes percorreram os bolsões de extrema pobreza para contar as histórias de cidadãos que têm renda per capita inferior a R$ 140,70, quantia necessária para comprar uma cesta de alimentos com a quantidade mínima de calorias, de acordo com os critérios do Ipea.

Infográfico: ranking da miséria no Brasil
Valor, aliás, que é um sonho distante para José Roberto. Aos 69 anos, com as mãos calejadas depois de uma vida dividida entre a roça e a construção civil, ele não tem renda. Conta com a solidariedade dos vizinhos, que dão um jeito de dividir a comida para que ele não viva só de feijão. As doações vão parar no fogão a lenha, já que ele não tem R$ 50 para pagar o botijão de gás.

— Eu vivo com o que Deus me dá. E só. Roubar, eu não vou — afirma.

Lúcia, a senhora de 63 anos que engana o estômago com a pelanca, também dá seu jeito. Vive, junto do marido desempregado e tuberculoso, e do filho de 21 anos, tampouco com trabalho, com menos de R$ 200 do Bolsa Família. Não dá nem R$ 70 por pessoa — dinheiro insuficiente para pagar um cafezinho diário. Água, ela bebe a que é dada pela chuva. Está difícil para Lúcia, mas é o casal Luiz Cláudio Feliciano e Alana da Silva quem leva uma vida de cachorro. E não é figura de linguagem. Os dois moram, com os filhos, de 2 anos e de 10 meses, num canil em Tanguá, município com o terceiro maior percentual de miseráveis, atrás de São Francisco de Itabapoana e Porciúncula, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Social. O local foi adaptado, mas ainda é possível ver as divisórias para os animais. A família vive no espaço de três delas, e foi parar lá após Luiz Cláudio perder o emprego na vizinha Itaboraí. Como tantos excluídos, depende dos R$ 180 do Bolsa Família.

Desemprego que angustia
Luiz Cláudio acorda todos os dias às 5h para procurar trabalho. Mas, em Belford Roxo, a reação de Marco Saboya diante do desemprego é outra. Desde que foi dispensado de uma obra, onde ganhava R$ 700 para sustentar a mulher, Mônica, e os filhos Adriel, Diana e Kailane, de 8, 6 e 5 anos, respectivamente, passou a ter crises de ansiedade. Acorda sem conseguir respirar e bota, a cada minuto, a mão no peito, desconfiado de um infarto que o médico já descartou — é angústia o que sente.

— Às vezes, ele sai gritando pela rua, tenho que ir atrás. Tento fazer bicos, mas é difícil porque Marco não põe os filhos para a escola — diz Mônica, que ganha R$ 182 do Bolsa Família.

As enchentes já carregaram o pouco que a família tinha, levando Adriel a decretar:

— Vou estudar e ganhar muito dinheiro para comprar outra casa.

Teresa Cosentino, secretária estadual de Assistência Social, argumenta que a redução da miséria no Rio, que tem um programa próprio de complementação de renda, é significativa. Em 2003, eram 1.109.863 indigentes. Em 2011, 481 mil. Em 2012, subiu para 550.140, e, em 2013, cresceu para 565.135.

— É um movimento natural. Quando você está de dieta, perde mais peso no início ou no final? No fim, é mais difícil mesmo — diz Teresa.

Especialistas não têm uma explicação única para o desempenho do Rio, segundo estado que menos diminuiu proporcionalmente a miséria, entre 2003 e 2013, atrás apenas do Maranhão. Para eles, são vários calcanhares de Aquiles.

— O Rio tem uma periferia da periferia, como Japeri. São Paulo, por exemplo, tem subcentros importantes economicamente na área metropolitana e no interior. Nós, não — diz a economista Sônia Rocha, pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets).

Outra explicação pode estar na estrutura do mercado de trabalho fluminense, dizem Valéria Pero, Adriana Fontes e Samuel Franco, também do Iets. Eles lembram que o Rio tem, entre os mais pobres, uma taxa de desemprego maior do que a média nacional. A população mais desfavorecida acaba buscando alternativas na informalidade, que, por sua vez, não leva à superação da pobreza.

Outro fator é a elevada desigualdade no estado. E é justamente a melhor distribuição de renda, aliada ao crescimento econômico, uma das receitas para reduzir a pobreza. Para piorar, o desenvolvimento do Rio nos últimos anos, impulsionado pelo petróleo, ocorreu mais fortemente fora da Região Metropolitana, que concentra 74% da população.

Geladeira vazia
Geladeira vazia, a expressão que, dos remediados para cima, significa que a ida ao mercado está atrasada, tem um significado literal na casa de quem já cruzou a linha da pobreza rumo à miséria. Na maioria das vezes, o eletrodoméstico guarda só água. Ou, em dias de bonança, uma panela de arroz com feijão ou quatro espigas de milho, como no cômodo em que Roberto da Silva Paiva mora com a família, no centro de Japeri. Contando com os R$ 620 do Bolsa Família para sustentar a mulher, cinco filhos e três netos, Roberto, quando consegue um terreno para capinar, acrescenta R$ 50 ao orçamento. E se vê às voltas com uma escolha de Sofia:

— Tenho que decidir se compro arroz para todos ou leite para o Abraão, meu netinho. Ele tem três meses e nasceu com sífilis. Pegou da mãe.

Dúvidas sobre o que guardar na geladeira, Sirlene Henrique, que vive em Sumidouro, na Região Serrana, não tem. A dela está desligada da tomada:

— Não tenho nada para colocar dentro mesmo. Uso como armário.

A nutricionista Ana Paula Bucar enumera as consequências de uma dieta tão pobre:

— A deficiência proteica pode causar perda de massa muscular, afetar o funcionamento do coração, prejudicar o raciocínio. Para uma pessoa ter o mínimo diário de 1.500 calorias, teria que comer pelo menos 30 colheres de sopa de arroz. E mais trinta de feijão.

Os invisíveis
Ela deu à luz, pela primeira vez, aos 13 anos e costumava almoçar os restos que encontrava no lixão. Foi atendida em mais de um hospital após as inúmeras surras do companheiro, diariamente lembradas pelo espelho — faltam três dentes da frente, arrancados a murros. Mesmo com este histórico, que mistura miséria e violência, Fabiane Ferreira não conseguiu chamar a atenção do Estado. O poder público só apareceu para ameaçar tirar seus cinco filhos. Aos 29 anos, Bia, como é chamada pela família, faz parte de uma legião de extremamente pobres, com pouco ou nenhum estudo, que não consegue sequer ter acesso aos programas de complementação de renda. Para o poder público, Bia é invisível.

— Meus filhos estão na escola e soube que posso ganhar ajuda do governo. Mas, no lugar que cadastram, me pediram CPF. Eu não tenho. Ninguém me explicou como fazer, nem tenho com quem deixar as crianças para correr atrás.

Jogada à margem, Bia vive em Japeri, cidade que amarga o pior índice de desenvolvimento municipal do estado, segundo levantamento da Federação das Indústrias do Rio (Firjan). Lá, a renda per capita é de R$ 420,15, um valor que, para Bia, é coisa inventada. Ela tem um trabalho que vale pouco: toma conta de um sítio em troca de um teto e da promessa de uma cesta básica. No quintal, há aipim, mas daquela terra ela não pode colher — é tudo do patrão. O marido de Bia é caminhoneiro e leva para casa quase R$ 800. Mas paga R$ 500 na prestação da moto que comprou para trabalhar porque, na periferia de Japeri, não há ônibus para o lugar onde a renda está. A família faz malabarismo para comer com os R$ 300 que sobram. Para ajudar, Bia anuncia no portão que faz salgadinhos para vender. Cada um custa 35 centavos, mas, mesmo assim, a freguesia não aparece. É tão miserável quanto ela. O que salva é que tem fruta no quintal da vizinha, que deixa as crianças de Bia, uma escadinha que vai dos 6 aos 15 anos, pegar bananas e umbu. Ela reclama? Não. Sua vida, diz, já foi pior:

— Meu primeiro marido quebrou meu dedo, meus dentes, batia nas crianças. O atual é bom para mim. A gente não passa fome todo dia, consegue ter arroz e feijão. Antes, eu ia para o lixão, catava para dar de comer às crianças.

Busca ativa deixa a desejar
Por serem invisíveis aos olhos governamentais, pessoas como Bia não conseguem ser beneficiadas pelos programas sociais. Para encontrar pessoas como ela, prefeituras de todo o país fazem a busca ativa — quase um bater de assistentes sociais de porta em porta em busca da miséria e dos excluídos. No Brasil todo, foram localizadas e incluídas no Bolsa Família, nos últimos quatros anos, 1,4 milhão de pessoas em situação de extrema pobreza. São Paulo alcançou, através da busca, 19% deste total. O Rio, 9,9%. A Secretaria estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos tem um programa de complementação de renda próprio, que beneficiou 237.785 famílias este mês. A titular da pasta, Teresa Cosentino, reconhece, porém, que a população extremamente pobre é a mais difícil de ser detectada.

— A busca ativa não está muito forte no Rio. Queremos botar assistente social dentro dos restaurantes populares para ver se conseguimos chegar mais perto. O cadastro é feito pelos municípios, e é falho. Ainda temos muito invisíveis. Muita gente sem CPF, criança sem documentos, sem vacina, sem Bolsa Família. Não são cidadãs.

Teresa não o conhece, mas fala de gente como seu Joaquim da Conceição. Título de eleitor, ele nunca teve. Aos 52 anos, jamais votou. A certidão de nascimento e a identidade, uma enchente levou. Mas isso é o de menos. No casebre onde vive, com chão de terra em Itambi, uma das áreas mais pobres de Itaboraí, a fome está sempre à espreita. Carne, seu Joaquim nem lembra quando foi a última vez que comeu. O comum é fazer uma refeição por dia, que ele chama de macadâmia. Nenhum parentesco com a noz fina: trata-se de uma mistura de macarrão, angu e feijão.

— Mas nem sempre tem. Pão, só como quando busco na igreja — conta.

Com uma dieta tão restrita, as pernas fraquejam, e seu Joaquim apela para um cajado na hora de andar. Analfabeto, engrossa o mercado de trabalho informal. Sua vida é varrer e capinar o quintal dos vizinhos. Ganha cerca de R$ 50 por mês. Não dá para nada. Banheiro? É o mato. Televisão, geladeira, um agasalho para o frio, ou mesmo escova de dentes não fazem parte de seu universo. Falta até a esperança de dias melhores:

— Aqui todo mundo é pobre. É assim mesmo. Sou eu, Deus, e pronto — resume.

É a solidariedade dos menos miseráveis que salva os mais vulneráveis no Parque Veneza e em Corumbá, duas áreas de Magé que aparecem com os maiores percentuais de extremamente pobres na Região Metropolitana. Nos dois bairros, 9,3% dos moradores vivem na penúria. Sem ter todos os documentos, Fernanda Brás Silva, de 18 anos, espera o terceiro filho. Ela também entra na categoria dos invisíveis para o Estado. Mas é vistosa demais para um emprego.

— Fernanda já trabalhou em casa de família, mas não consegue mais nada porque é muito bonita. As patroas ficam com medo dos maridos se engraçarem — diz Elisabeth Cristina da Silva, uma espécie de anjo da guarda das excluídas da vizinhança.

A dura vida de Grace Kelly
Foi Elisabeth quem construiu um barraco de madeira no próprio quintal para abrigar a gestante, expulsa de casa pela avó ao descobrir a gravidez. Como única renda, Fernanda recebe R$ 120 de pensão de um ex-companheiro. A filha mais nova, Laís, de nove meses, entregou para uma parente criar — o bebê é alérgico à lactose, e a mãe não pode bancar o leite especial, que sai a R$ 40 a lata. Ficou apenas com Grace Kelly, sua filha com nome de princesa.

— O que eu mais queria era uma casa de verdade e uma vida melhor para Grace Kelly, que só tem uma sandália, e para meu filho que vai nascer. Mas não consigo emprego e não recebo Bolsa Família, porque não tenho documentos — lamenta Fernanda.

Pior ainda é a situação de Maria Isabel Rocha, que nem renda tem. Com 28 anos, ela vive de favor na casa de Elisabeth. Teve que deixar sua filha, Maria Clara, de 2 anos, com a ex-sogra. E viu uma enchente interditar sua antiga casa, levando junto seus documentos e muito do que restava de sua cidadania.

— Só consegui tirar uma nova certidão de nascimento há pouco tempo. Custou mais de R$ 100. Não tenho condições de fazer os outros documentos. Quando tinha um lixão aqui perto, recolhia alumínio e vendia. Agora, não tenho mais nada. Chega a faltar até o arroz e feijão. Vivemos porque Deus quer que a gente viva — diz Maria Isabel.

Palavra de especialista
Os pesquisadores Valéria Pero, Samuel Franco e Adriana Fontes, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), analisaram o quadro da pobreza e da desigualdade no Rio de Janeiro. E apontam possíveis causas para o estado ainda ter mais de meio milhão de pessoas miseráveis.

O GLOBO: Que fatores contribuem para o Rio ter mais pessoas extremamente pobres do que seus vizinhos?

ESPECIALISTAS: A diminuição da pobreza, medida a partir da renda per capita, depende de dois fatores: crescimento econômico e distribuição de renda mais favorável aos pobres. Considerando a análise da evolução da renda per capita na última década (2003-2013), o Rio teve a menor taxa de crescimento dos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. E a diminuição da desigualdade de renda per capita foi a mais lenta entre esses estados. A questão está na velocidade dos avanços. O Rio aumenta renda e reduz desigualdade, porém em ritmo mais lento do que seus vizinhos. Ao longo do tempo, se distancia desses e se aproxima dos estados do Nordeste, que tiveram também crescimento de renda e diminuição da desigualdade mais forte que no Rio.

O GLOBO: O que pode explicar a persistência da desigualdade no Rio?

ESPECIALISTAS: Duas possíveis explicações para a persistência da desigualdade de renda no Rio residem nas enormes e persistentes diferenças salariais entre trabalhadores de baixa e de alta qualificação, e entre trabalhadores de micro e pequenas empresas em relação a médias e grandes empresas.

O GLOBO: O que pode ser feito para mudar esse quadro?

ESPECIALISTAS: O mercado de trabalho fluminense parece ter dificuldades de absorver a população mais pobre, que acaba buscando alternativas na geração de renda através de atividades autônomas. Para mudar esse quadro, é preciso criar uma dinâmica de desenvolvimento que absorva mais trabalhadores pobres e que esses se insiram de forma mais qualificada em posto de trabalho de maior qualidade. No caso dos pequenos negócios, o seu desenvolvimento passa também por acesso a uma série de serviços e capacitação em gestão.

As linhas de pobreza
Governos e instituições usam metodologias diferentes para definir a extrema pobreza. Uma das mais comuns tem como base o valor necessário para adquirir uma cesta de alimentos com a quantidade mínima de calorias para a sobrevivência de uma pessoa, como a usada pelo Ipea, instituto que é referência nesse tipo de pesquisa.

Com uma série histórica desde 1976, o Ipea traça linhas regionais de extrema pobreza, levando em conta os diferentes custos de vida. Esses valores variam por estado e também por regiões. No Rio, em 2013 (dados mais recentes disponíveis), foi fixado em R$ 140,70 por pessoa na Região Metropolitana; R$ 119,38 em áreas urbanas das demais regiões e R$ 107,45 nas zonas rurais.

O recorte é diferente do usado pelo Bolsa Família. O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) utiliza o critério das Nações Unidas para as metas do Milênio, que considera extremamente pobres as famílias com renda per capita de até US$ 1,25 ao dia. Por esse raciocínio, em vez de 3,77%, o Rio teria 1,74% de sua população na extrema pobreza em 2013.

Com base nos dados do MDS, o Programa Rio Sem Miséria, do estado, estima em 283 mil o número de miseráveis no Rio.

Já o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), que também calculou os indigentes com base na Pnad 2013, contou 584.452 miseráveis no estado, acima do número do Ipea.

Rede Sustentabilidade estreia com menos verba que PCO

• Ao nascer após vigência da minirreforma de 2013, sigla de Marina terá direito a fatia mínima do Fundo Partidário pelo menos até 2018

Pedro Venceslau e Daniel Bramatti - O Estado de S. Paulo

Um ano e meio depois do Tribunal Superior Eleitoral rejeitar o primeiro pedido de registro de criação da Rede Sustentabilidade, o grupo político da ex-ministra Marina Silva deve estrear na urna eletrônica em 2016 na condição de “nanico”.

Contratado como advogado do partido, o ex-ministro do Superior Tribunal Federal Sepúlveda Pertence apresentou ao tribunal na quinta-feira as 50 mil assinaturas, devidamente certificadas, que faltaram em 2013 para que a Rede alcançasse as 492 mil exigidas pela lei.

Quando sair do papel, a nova legenda contará com uma estrutura pequena, orçamento espartano e pouca militância de, no melhor cenário traçado pelos próprios dirigentes, três deputados federais e um senador.

De acordo com a nova legislação eleitoral do TSE, aprovada na minirreforma eleitoral de 2013, os novos partidos terão direito a apenas 0,15% dos recursos do Fundo Partidário reservado a todos os partidos.

Segundo levantamento do Estadão Dados, isso significa que a Rede contará com R$ 1,3 milhão para gastar em 2015. Para efeito comparativo, esse valor é menor do que o orçamento anual do radical Partido da Causa Operária (PCO), que conta com R$ 1,4 milhão em caixa e nunca elegeu um deputado. Isso deve acontecer porque, como o novo partido não existia na última eleição, não recebeu votos. Logo, só terá direito à parcela dos recursos divididos entre todas as legendas existentes.

Com quatro deputados em sua bancada, o PSOL contará com R$ 15 milhões. Já PT e PMDB terão direito a R$ 108 milhões e R$ 89 milhões, respectivamente. “Faremos a diferença com a nossa atuação. A Rede surgirá como a primeira organização não governamental do planeta que se transformará em partido. Por mim, acabariam o Fundo Partidário e o tempo de TV. O dinheiro estragou os partidos”, minimiza o deputado Miro Teixeira (PROS-RJ). Decano da Câmara, ele será o principal nome da Rede na Câmara.

Na TV. Nas campanhas municipais de 2016, o partido de Marina contará com um tempo exíguo, já que 89% do espaço será dividido conforme o tamanho das bancadas eleitas em 2014. O restante será dividido entre todos os partidos.

“Não teremos uma grande bancada”, reconhece Pedro Ivo, membro da direção executiva da legenda em gestação. O número de militantes da Rede também é ínfimo em relação aos partidos que já estão na praça. São 5.754 “marineiros” registrados, segundo informou a assessoria de imprensa da legenda. É bem menos que o pequeno PSOL, que conta com 104.845 membros de carteirinha. O PT, por sua vez, tem cerca de 1,7 milhão de cadastrados.

Raiz. O grupo político de Marina rachou depois do 1.º turno da eleição presidencial. Derrotada na chapa do PSB, a ex-ministra decidiu apoiar o senador mineiro Aécio Neves (PSDB) no 2.º turno. Os “marineiros” da ala mais à esquerda, no entanto, decidiram fundar um outro partido, o Raiz Movimento Cidadanista. Embora a assessoria da Rede afirme que o grupo está organizado “politicamente” em todos os Estados, a informação sobre o número de diretórios da sigla é vaga.

“A Rede está se enraizando em um processo de formação de Elos Estaduais – um conceito que se sobrepõe à definição de diretórios adotados por outros partidos”, diz seu texto.
Se passar a atuar organicamente na Câmara, o partido de Marina deve atuar afinado com o bloco de oposição ao governo, mas não de forma sistemática. “Eu não vejo possibilidade de pensar em impeachment. Não há fato concreto”, diz Teixeira.

Deve, porém, combater o pacote de ajuste fiscal. Seus dirigentes afirmam que não cogitam lançar Marina para disputar alguma prefeitura. A ideia é prepará-la para a grande disputa presidencial de 2018.

No ano que vem, ideia é lançar candidatos próprios onde for possível. Onde não, os marineiros subirão em palanques de aliados como o PPS e PSB.

Fim da reeleição facilita acordo entre Aécio e Alckmin em 2018

• Tucanos podem resolver que um disputará o pleito seguinte à vitória do outro

Maria Lima – O Globo

A disputa entre o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é inevitável em 2017. Mas setores do partido acham que, se o Congresso realmente concluir a aprovação do fim da reeleição, defendida por Aécio desde quando era governador de Minas, em 2007, a disputa poderá ser amenizada. Isso porque eles poderiam chegar a acordo para que o outro disputasse o pleito seguinte mesmo em caso de vitória.

A ideia no partido é que se chegue a uma composição a partir da análise de qual dos dois será o candidato na eleição com grandes chances de derrotar o PT, que poderá, mesmo combalido, ter o ex-presidente Lula na disputa. Aécio tem a seu favor o recall de 51 milhões de votos da última eleição e é visto como alguém com uma visão mais "nacional", que tem interlocução boa em todas as regiões. Alckmin, por sua vez, sobreviveu à crise hídrica, deu a Aécio votação maciça em São Paulo e vem com força para a disputa em 2018, tendo em mãos uma provável aliança com um fortalecido PSB, que virá da fusão com o PPS - além do fato de controlar o segundo orçamento do país.

As duas principais lideranças do partido começam a medir forças desde já na articulação para escolher a nova Executiva, em julho. Aécio será reconduzido até 2017, quando se dará a disputa do candidato a presidente. Mas a ala paulista do PSDB quer ocupar postos-chave no comando, como de secretário-geral e tesoureiro.

- E a nova Executiva tem que refletir isso; quanto mais plural, melhor - diz Aécio.

Os aecistas apostam na sua habilidade de negociador para levar o partido unido até 2018, e lembram que ele conseguiu pacificar o partido e resolver sequelas existentes com o senador José Serra e Alckmin na eleição passada. Sobre a composição da nova Executiva e sua recondução como presidente do PSDB, em julho, ele diz que está ouvindo os companheiros "exaustivamente" para evitar qualquer tipo de conflito.

- A grande vantagem é que Aécio não é obcecado. Na eleição passada, várias vezes perguntou a Alckmin se ele queria ser o candidato. Está muito cedo. Tudo vai ser levado em banho-maria até lá - diz o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB).

Mas a emenda constitucional, já aprovada em primeiro turno na Câmara e com apoio explícito de lideranças de todos os partidos no Senado, não é consenso dentro do PSDB. Ao defender a aprovação da PEC, Aécio admitiu que o fim da reeleição não é um dogma, mas que essa não é a posição oficial do PSDB, apesar de a maioria da bancada da Câmara ter votado a favor. Em 2014, como candidato a presidente, Aécio repetiu o que vinha defendendo desde 2007, quando era governador de Minas, e disse que o mandato de cinco anos sem reeleição daria oportunidade a novas lideranças.

Candidato a vice-presidente em sua chapa, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) disse não saber se o fim da reeleição terá algum impacto numa composição de Aécio e Alckmin daqui a dois anos. Mas não concorda que os abusos por uso da máquina justifiquem o fim da reeleição e adianta que votará contra.

- Os abusos dos candidatos se combatem com mais fiscalização, leis rigorosas, tribunais independentes. Abusos também ocorrem nas candidaturas de parlamentares à reeleição: com suas emendas impositivas, gabinetes oficiais convertidos em comitês eleitorais e, às vezes, com arrecadações de recursos instalados na máquina do governo. Vamos, por causa disso, abolir o direito dos parlamentares à reeleição? - questiona Aloysio Nunes.

O trabalho da Executiva do PSDB agora, antes de pensar em 2018, estará em estimular a organização dos diretórios para ter candidatos competitivos nas 300 maiores cidades do país. A ideia é montar em todas elas coligações fortes contra o PT, ainda que o candidato escolhido para encabeçar a chapa não seja do PSDB.

- Temos que compreender que o que levou Aécio a ter um excelente desempenho, e quase vencer as eleições em 2014, foi a unidade do partido. 2018 ainda está longe, mas Aécio e Alckmin estão muito afinados e terão maturidade para encaminhar esse processo da forma mais tranquila possível - disse o secretário de Transportes de São Paulo, Duarte Nogueira, um dos aliados de Alckmin cotados para integrar o comando do partido a partir de julho.

Secretário-geral do PSB, o ex-governador Renato Casagrande (ES) considera o fim da reeleição um facilitador:

- O fim da reeleição facilita para os partidos que têm mais de um líder que pode ocupar espaço nas eleições para o Executivo. Mas não resolve tudo - avalia, sem entrar no mérito da disputa no PSDB.

"Reeleição matou uma geração", diz Luiz Carlos Hauly

• Para tucano, instituto privou muitos que tinham condições de chegar ao poder

Maria Lima – O Globo

Há 40 anos na vida pública, o tucano Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) admitiu em sua declaração de voto em plenário, nesta semana, que estava amargamente arrependido de ter apoiado a criação da reeleição na década de 90. Ao ajudar agora a enterrar a possibilidade, ele argumenta que o instituto trouxe enormes malefícios para o país pelo uso abusivo da máquina e por prejudicar uma geração inteira de políticos que deixou de ocupar cargos no Executivo.

Por que o senhor votou pelo fim da reeleição?
Minha avaliação agora é que a reeleição é um instituto para dar certo em países prontos, como os da Europa ou os Estados Unidos. O Brasil é um país em construção, ainda muito precário. Os governantes, no segundo mandato, tendem a se encastelar, ficam num palco de vaidades e se acham no direito de não receber parlamentares, ministros ou prefeitos. Por fim, a reeleição matou uma geração inteira que tinha condições de chegar ao poder. Com uma janela de oito anos, com chances de quem está no comando da máquina eleger o sucessor, perdemos 50% das possibilidades de disputar e ganhar a eleição para esses cargos.

Mas foi o PSDB que articulou a aprovação da reeleição.
Aprovamos por causa da implantação do Plano Real. Mas a História mostrou que isso era muito pouco diante da importância da alternância de poder.

Mas o que impedirá o governante de usar a máquina para fazer seu sucessor?
É diferente quando ele trabalha para se reeleger e para eleger outros. O Ministério Público e entidades de fiscalização da sociedade estão fazendo marcação cerrada. Ninguém vai bancar o bobo de usar a máquina para eleger uma pessoa que não seja ele. Quem vai para a cadeia é ele.

Impasse faz DEM e PTB desistirem de fusão

• Presidentes dos dois partidos alegam dúvidas sobre governança da sigla

- O Globo

A derrota do distritão na Câmara e as dificuldades de entendimento sobre a divisão de poder sepultaram, pelo menos até depois das eleições municipais do ano que vem, as negociações para a fusão do DEM com o PTB. Os presidentes das duas legendas, o senador José Agripino Maia (DEM-RN) e o deputado Benito Gama (PTB-BA), afirmaram ontem que houve um impasse em relação "à governança" do partido que resultaria da fusão. Os dois negaram que tenham havido problemas quanto à divisão do fundo partidário.

- A questão foi de governança, e ajudou o fato de o distritão ter sido rejeitado na Câmara - disse Gama. - Prefeitos e vereadores estavam pressionando muito para trabalharmos as coligações para a eleição de 2016.

Deputados vão ao STF
Parlamentares das duas legendas afirmam que a decisão, em relação ao fundo, seria de que cada partido ficasse com a parte equivalente ao tamanho de sua bancada. Mas houve problemas no comando de alguns diretórios estaduais e pesou na conta o fato de duas legendas terem comportamentos diferentes. O DEM faz oposição ao governo. O PTB, que apoiou o tucano Aécio Neves no ano passado, está dividido.

- São duas legendas com origem e comportamentos diferentes - disse Agripino.

Ontem um grupo de 61 deputados que questiona a segunda votação da emenda que permite doação de empresas a partidos políticos entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar suspender a tramitação no Congresso.

A ação sustenta que a votação feriu o "devido processo legislativo" ao colocar em votação proposta derrotada pelo plenário no dia anterior. O mandado de segurança sustenta que a votação feriu incisos do artigo 60 da Constituição Federal, entre eles o que veda apreciação de matéria rejeitada na mesma legislatura. O mandado é assinado por parlamentares do PT, PSB, PROS, PPS, PCdoB e PSOL.

Paulo Câmara diz que não é momento para tratar de fusão do PSB com o PPS

• Governador pernambucano quer que a decisão saia "mais para frente"

- Jornal do Commercio (PE)

A decisão sobre a fusão entre o PSB e o PPS será tomada no próximo dia 20 de junho, quando os socialistas se reúnem em um Congresso. A ala pernambucana do partido se manifestou contra a iniciativa e nesta sexta-feira o governador Paulo Câmara (PSB) reforçou que não é o momento do assunto ser tratado.

"Achamos esse debate da fusão para este momento não é o ideal. Entendemos que tem que ser mais para frente. Nós estávamos trabalhando com corporação, isso não foi possível. Entre fusão e não fusão, a gente prefere que isso fique mais pra frente", falou.

Paulo Câmara afirmou que há questões mais importantes que devem ser consideradas antes que o PSB tome a decisão de se fundir com o PPS. "Ainda tem coisas a serem votadas da reforma política. 

Esse também é um dos impeditivos de se discutir uma questão tão complexa como a fusão de dois partidos que têm história, tradição. A gente defende que isso fique mais para frente, após termos clareza das regras e tudo indica que nossa opinião em relação à falta de clareza das regras está muito válida. Estamos aí em pleno processo de votação (da reforma política), falou.

Apesar de se mostrar contrário à fusão, o governador disse que ele e os demais membros do PSB em Pernambuco irão acompanhar o que a maioria dos socialistas decidir. "Pernambuco já demonstrou a sua opinião, mas vamos respeitar a opinião que o partido tomar. Vamos respeitar a posição da maioria", atestou.

Senador FBC não concorda com Paulo Câmara e defende que a fusão seja feita já

• Enquanto Paulo defende que a fusão entre PSB e PPS fique para depois, Bezerra Coelho acredita que ela fará bem aos dois partidos

• Para Fernando, o que deve contar dentro do PSB é a qualidade dos quadros e não questões locais

-Jornal do Commercio (PE)

Conhecido pela postura de independência, o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB) não fez diferente quando questionado sobre o momento certo para a fusão do seu partido com o PPS. “Eu acho que tem que ser resolvido logo”, cravou o socialista, se colocando contrário a declaração do governador Paulo Câmara (PSB). Paulo disse na manhã desta sexta-feira(29) que “esse debate da fusão para este momento não é o ideal”, entendendo que deveria ser avaliado mais para frente.

Mesmo destacando que tem se colocado disponível para trabalhar em prol de Pernambuco junto ao governador, Bezerra Coelho disse, em entrevista à Rádio Jornal na tarde desta sexta-feira(29), que já teve essa conversa com Paulo e com o prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB). Ambos não concordam com a fusão, que hoje é capitaneada pelo PSB paulista. Internamente, a alegação é de que com a nova configuração os pernambucanos perderiam força dentro da legenda.

Para o senador, a fusão fará o PSB seguir os passos iniciados pelo ex-governador Eduardo Campos (PSB), de fazer o partido ter protagonismo a nível nacional. "Poderemos ter uma bancada de 10 a 12 senadores, sendo a segunda maior do Senado, atrás apenas do PMDB”, colocou. Sobre a perda de força dos pernambucanos dentro do partido ele foi direto, ao afirmar que o que deve contar dentro do PSB é a qualidade dos quadros e não questões locais.

PSB/PPS: Estava tudo indo bem

- O Globo / Ilimar Franco

Entrou mosca na fusão entre PSB e PPS. Os socialistas de Pernambuco não estão gostando da provável redução de poder no novo partido. Sem Eduardo Campos, o diretório estadual ficou sem um líder de projeção nacional.

Eles já temem o peso do vice-governador Márcio França (SP) e do senador Romário (RJ). Isso, sem contar com o ingresso da senadora Marta Suplicy (SP). O PPS também é mais forte no sul. Por isso, concluíram que o eixo de decisão do partido se deslocará para o Sudeste.

A resistência pode atrapalhar os planos de fusão. Hoje, Pernambuco é o maior diretório do PSB do país. Tem cerca de um sexto dos delegados na convenção nacional socialista

Presidente da Comissão de Educação da Alerj avalia quebra-quebra na Uerj: 'é um retrocesso'

• Deputado Comte Bittencourt condena desvirtuação de protestos contra crise na universidade e critica falta de comunicação

Renan França – O Globo

RIO — O presidente da Comissão de Educação da Assembleia, Comte Bittencourt (PPS), diz que o episódio na Uerj é um retrocesso. Segundo ele, é lamentável que alguns grupos consigam contaminar movimentos democráticos:

— Isso é um reflexo do estágio atual da educação no nosso país. Alguns movimentos aproveitam a crise na educação, para gerar tumulto e prejudicar as reivindicações democráticas. O episódio na Uerj me lembrou as manifestações de junho de 2013. Na ocasião, uma minoria conseguiu esvaziar as manifestações legítimas que a população ensejava.

O deputado estadual lembrou que o reitor da Uerj, Ricardo Vieiralves, foi convocado mais de uma vez para audiências públicas na universidade para prestar esclarecimentos sobre a faculdade:

— Recebo informações de que há um hiato entre alunos e a reitoria. A falta de comunicação também contribui para um ambiente ainda mais carregado.
O deputado federal Saraiva Felipe, presidente da Comissão de Educação da Câmara, faz coro:

— Estamos vivendo uma balbúrdia. Em qualquer ranking mundial de educação, o Brasil se encontra sempre mal posicionado. Isso serve de combustível para que grupos extremos se infiltrem em manifestações legítimas e destruam o movimento. Há também um problema de transparência no ambiente educacional. O Ministério da Educação, por exemplo, não se comunica de forma clara sobre o contingenciamento de despesas. O que esperar então das universidades que estão subordinadas ao órgão?

O professor emérito da Universidade de Brasília Isaac Roitman afirma que a educação brasileira está uma tragédia e que o reflexo do que ocorre na graduação começa desde a educação básica:

— Apenas a pós-graduação está em um nível aceitável. O que ocorreu na Uerj reflete o ambiente caótico no qual alunos, professores e diretores de ensino estão inseridos. Há muito discurso retórico e pouca transformação.

O Livro: Mario Schenberg - O cientista e o político

Mario Schenberg - O cientista e o político, de Dina Lida Kinoshita é a biografia política de um militante notável, intelectual que se manteve fiel às perspectivas socialistas desde a sua juventude, e que foi também um dos grandes cientistas brasileiros. Mario Schenberg foi homem de partido, participante ativo das lutas democráticas no país.

Mas era um militante muito especial, pois foi um daqueles intelectuais de formação e interesse amplos, herdeiros do Renascimento e do Iluminismo. Além de físico teórico de trânsito internacional, com trabalhos de pesquisa científica admirados pelos seus pares, Mario Schenberg foi colecionador e crítico de arte, contribuindo para a carreira de diversos artistas brasileiros.

Marxista heterodoxo e anti-stalinista, muito antes da morte de Stalin e do XX Congresso do PCUS, Schenberg sempre pertenceu à "alma civilista", institucional, parlamentar e democrática, do comunismo brasileiro.

As questões da paz mundial o acompanharam desde a juventude. Em meados do século XX estava muito claro para Mario Schenberg que a organização de um mundo mais justo e democrático passava pela luta contra as ameaças de um conflito nuclear. Ele então se torna um dos primeiros proponentes da colaboração pacífica entre capitalismo e comunismo.

O lançamento do livro no Rio será:

Dia: 14 de junho às 18:00 hs
Local: ASA - Associação SCHOLEM ALEICHEM
Rua São Clemente, 155 - Botafogo

Sergio Fausto - A crise é feia, mas o Brasil tem lastro

- O Estado de S. Paulo

Vivemos uma conjuntura política ímpar. Cinco meses após a presidente reeleita tomar posse novamente do cargo, sua figura se apaga, enquanto o vice-presidente e o ministro da Fazenda ganham ares de primeiros-ministros. Acontece que legalmente a primeira mandatária continua a ser a presidente. Embora só o ministro da Fazenda seja demissível, ambos detêm poder a título precário, condicionado ao desempenho nas tarefas de organizar a maioria governista no Congresso e recriar a perspectiva de melhora da economia, respectivamente. O desempenho de um depende do desempenho do outro. Se a já precária maioria governista no Congresso desandar, adeus retomada do crescimento. Se a esperança de retomada do crescimento desaparecer, a maioria política governista seguirá o mesmo caminho.

Depois de quase naufragar na partida, a nau governista pôs-se em movimento e venceu algumas batalhas na luta pelo ajuste fiscal, mas a guerra das expectativas será longa. Na política, jamais se viu um Congresso que abrigasse tantos partidos – problema que se deve agravar com a reforma política virtualmente aprovada na Câmara – e tamanho desejo de desafiar o Executivo, hoje mais fraco do que nunca antes na História recente deste país. Na economia, a passagem do ajuste à retomada do crescimento será mais difícil do que foi no início do segundo mandato de FHC e no primeiro de Lula, pela combinação de desarranjos internos e circunstâncias externas não favoráveis.

A incerteza no cenário nacional é agravada pelo desdobramento imprevisível de um processo judicial que alcança empresas líderes no setor de infraestrutura e construção pesada, partidos e lideranças que compuseram o núcleo do bloco político construído nos governos Lula. A implosão desse bloco, em pleno andamento, deixará mortos e feridos. Resta ainda saber qual a extensão dos danos e sua distribuição entre os atores que protagonizaram o ciclo político e econômico que agora se encerra estrepitosamente.

As incertezas sobre os resultados do processo judicial não se dissiparão tão cedo. Se os inquéritos sob a jurisdição do juiz Sergio Moro avançam com rapidez, bem mais lento é o ritmo dos trabalhos nos domínios da Procuradoria-Geral da República, onde se encontram sob investigação nada menos que os presidentes da Câmara e do Senado, além de outros 43 parlamentares da atual legislatura, número que pode crescer com novas delações premiadas. Se os acordos de leniência de empreiteiras com a CGU parecem mais próximos, o Ministério Público já deixou claro que não deixará de contestá-los. Dentro do bloco governista, em particular no PT, a insegurança é ampla, geral e irrestrita. Também para a oposição o futuro é incerto, porque a implosão do lulopetismo mudou a combinação de gases na atmosfera política do País, mais volátil do que nunca antes nos últimos 20 anos.

Falar que há muita incerteza no cenário nacional é dizer o óbvio. Menos óbvio é notar que as instituições políticas e jurídicas têm conseguido resguardar o País de um naufrágio econômico e de uma crise institucional. Na conjuntura atípica, os atores até aqui se têm movido dentro dos limites constitucionais vigentes e segundo o aprendizado feito pelo País desde o Plano Real. Esse aprendizado se resume, simplificadamente, a uma lição singela: precisamos de estabilidade política para ter estabilidade econômica e vice-versa. E sem uma e outra coisa não haverá crescimento. Nem que a vaca tussa.

Com suas regras escritas e não escritas, o software institucional que tem assegurado razoável estabilidade política e econômica ao País nos últimos 20 anos, com seus pesos e contrapesos, tem passado – vale repetir, até aqui – pelo teste de estresse a que está submetido.

A própria presidente demorou, mas entendeu que não poderia continuar em rota de colisão com o Congresso. O Legislativo não perde a oportunidade para exercer em grau inédito a independência que a Constituição lhe atribui, mas não age para tornar inviáveis as ações do Executivo.

A credibilidade do Banco Central e do regime de metas de inflação recupera seu antigo vigor, porque a sociedade e mesmo os políticos, afinal, sabem que no Brasil quem brinca com a inflação acaba queimado. O TCU se fortalece como órgão de controle, apontando infração à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no primeiro mandato de Dilma Rousseff, no caso das notórias "pedaladas fiscais". O governo contesta a interpretação do tribunal, mas não põe em xeque sua competência legal para proceder à acusação, muito menos questiona a validade da LRF.

Furiosos com a inclusão do nome deles na lista de políticos sob investigação da Procuradoria-Geral da República, os presidentes da Câmara e do Senado ameaçaram patrocinar emenda constitucional para impedir a recondução de Rodrigo Janot. Sem apoio suficiente entre seus pares, logo recuaram da bravata.

O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal atuam com firmeza sem precedente no combate à corrupção, valendo-se de instrumentos jurídicos novos. Procedem, no entanto, dentro dos limites do devido processo legal e, em última instância, sob o crivo do STF.

Embora preocupado com os prejuízos políticos e econômicos do processo judicial, o governo não opera para cercear o trabalho dos responsáveis pela investigação ainda em curso. E as oposições, sem abandonar seu dever de manter acesos os holofotes sobre irregularidades cometidas pela presidente e seu governo, decidem trilhar caminho alternativo ao impeachment, que nada teria de inconstitucional, mas provocaria consequências imprevisíveis e não desejadas pela população na delicada situação econômica e política que o Brasil atravessa.

Por ora a travessia se dá com razoável estabilidade graças às instituições construídas e/ou aperfeiçoadas nos últimos 20 anos, ao amparo da Constituição. Não é pouco.

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* Sergio Fausto é superintendente executivo do iFHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University e membro do Gacint-USP.

Merval Pereira - A força avulsa

- O Globo

A medida mais impactante aprovada na reforma política que está em curso no Congresso foi o fim da reeleição, que tem forte apelo popular, pois a reeleição acabou virando símbolo de abuso de poder do mandante da hora, especialmente depois de a reeleição de Dilma Roussef estar atrelada a um estelionato eleitoral claro.

Considero precipitada a decisão, pois antes deveria ser pensada uma série de regulamentações que limitassem o uso do poder público na campanha da reeleição, a começar pela necessidade de o postulante ter que se licenciar do cargo seis meses antes das eleições.

Se o fim da reeleição for confirmado nas votações subseqüentes, inclusive no Senado, estaremos diante de uma medida que terá conseqüências na maneira de fazer política no país e, sobretudo, na maneira de governar de prefeitos, governadores e presidentes da República.

Justamente os cargos disputados pelo voto majoritário, e que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não terem o dever de fidelidade partidária. Essa nova configuração pode abrir caminho para a aprovação, mais adiante, de candidaturas independentes aos cargos majoritários.

Juntamente com o voto opcional, que também estará em votação nessa reforma política, essa poderá ser uma mudança substancial na política brasileira, reordenando o papel dos partidos políticos. Proposta de emenda à Constituição de autoria do senador Reguffe (PDT-DF) permite que candidatos sem filiação partidária concorram às eleições. De acordo com a PEC 6/2015, para ser registrada pela Justiça Eleitoral, a candidatura avulsa deverá contar com o apoio e assinatura de pelo menos 1% dos eleitores aptos a votar na região (município, estado ou país, conforme o caso) em que o concorrente disputará o pleito.

No seu voto no STF o ministro Luis Roberto Barroso definiu assim a questão da fidelidade partidária: “A perda do mandato em razão de mudança de partido não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário, sob pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor”.

Isso por que, segundo ele, no sistema majoritário atualmente aplicado no Brasil, a imposição de perda do mandato por infidelidade partidária “se antagoniza com a soberania popular, que, como se sabe, integra o núcleo essencial do princípio democrático”.

O vínculo entre partido e mandato é muito mais tênue no sistema majoritário do que no proporcional, “não apenas pela inexistência de transferência de votos, mas pela circunstância de a votação se centrar muito mais na figura do candidato do que na do partido”, situação reconhecida pela própria Constituição Federal ao prever, em seu artigo 77, § 2º, que “será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos (...)”.

Não se pretende negar o relevantíssimo papel reservado aos partidos políticos nas democracias representativas modernas, alerta Barroso. Porém, não parece certo afirmar que o constituinte de 1988 haja instituído uma “democracia de partidos”.

Para Barroso, o artigo 1º, parágrafo único da Constituição é inequívoco ao estabelecer a soberania popular como fonte última de legitimação de todos os poderes públicos, ao proclamar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente, nos termos desta Constituição”.

A obrigação de filiação partidária como condição de elegibilidade, disposta no art. 14, §3º, V, da Constituição, é um entrave às candidaturas independentes, e é certo que os constituintes impuseram diversas regras para estabelecer o pluralismo político como um dos fundamentos da República (art. 1º, V).

Além disso, enfatizando o papel proeminente a eles reservado, a Constituição exigiu a filiação partidária como condição de elegibilidade dos candidatos. No entanto, o reconhecimento de que nas disputas majoritárias o papel relevante é dos candidatos e não dos partidos, além da possível aprovação da não obrigatoriedade do voto, pode criar um ambiente político favorável a candidaturas majoritárias independentes.

Juntamente com novas cláusulas de desempenho para o acesso ao Fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e televisão, essa mudança pode provocar uma vigorosa alteração no nosso sistema político-partidário, obrigando os partidos políticos a se posicionarem com mais vigor.

Dora Kramer - Tudo pelo pessoal

- O Estado de S. Paulo

Na semana passada a reforma política saiu do papel para entrar no escaninho da mesmice. Estaria até de bom tamanho se ao fazer andar a reforma a Câmara não tivesse optado pelo modo retrocesso na única mudança significativa: o fim do instituto da reeleição.

De maneira torta – mudando a regra no meio do jogo – em 1997 o Brasil adotou regra vigente em democracias civilizadas, onde ao cidadão é dado o direito de reconduzir o governante bem avaliado e a este a oportunidade de consolidar projetos bem sucedidos. Este era o princípio e o argumento em defesa da norma.

Agora, decorridos insignificantes 18 anos, a maioria expressiva dos deputados e, segundo consta com apoio da maior parte do Senado, propõe a revogação alegando que a reeleição já cumpriu seu “papel histórico”.

De qual papel e de qual história estamos falando? Desde quando menos de duas décadas podem significar algo além de mera vírgula em termos de História? Desde nunca. Simplesmente porque não é essa a razão verdadeira.

Bem como não há fundamento na alegação de que o instituto da reeleição é o grande patrocinador do uso da máquina pública nas campanhas eleitorais. Fosse assim, teríamos de admitir que tal prática inaugurou-se no Brasil em 1997.

Seria também necessário aceitar que o então presidente Luiz Inácio da Silva não usou nem abusou do aparelho de Estado em 2010 para eleger a sucessora, apenas porque não era ele o candidato naquela eleição. Fez e aconteceu, todo mundo viu. E ali não havia reeleição. Portanto, esse não é fator determinante.

Governantes já perderam eleição no cargo. Inclusive do PT. Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo é um exemplo. Eduardo Azeredo no governo de Minas Gerais é outro. Reeleição não é garantia, não é por si só motivo de fisiologismo nem é a “raiz da corrupção”. Óbvio que se podem fazer as coisas de maneira correta. Todo mundo sabe como fazer.

Muito bem, então, qual é o ponto? O ponto é que a reeleição teve um efeito colateral: tornou mais lento o rodízio de candidatos dentro dos partidos.

Isso quer dizer o seguinte: suas excelências não estão preocupadas com a lisura do processo coisa alguma. Só estão de olho na reorganização da fila interna de candidatos à presidência. Os tucanos, por exemplo: enquanto só tinham Fernando Henrique, a eles interessava a reeleição.

Agora que o PSDB tem Aécio, Alckmin e Serra como possíveis candidatos à presidência da República em 2018, o partido quer “abrir” o rodízio. Para os que em 1997defenderam a reeleição daquela maneira, francamente, falar o contrário nessa altura com toda essa pompa é quase uma piada de mau gosto.

Mas não foi só isso. A “reforma” manteve o sistema eleitoral como está. Proporcional. Aquele pelo qual você vota em um, elege outro e não sabe o que fez. Tudo por meio de negociações sobre as quais o eleitor não tomou conhecimento. A respeito delas tampouco diziam a vida de que é dono do voto.

Cláusula de barreira poderia dar um basta da proliferação de partidos, mas a forma frouxa negociada atendeu apenas aos interesses internos. Privilegiou as legendas de aluguel e prejudicou os partidos ditos ideológicos. Um troca-troca interno do qual o eleitor esteve fora o tempo todo.

O quem vem pela frente não desenha cenário melhor. Há ainda proposta para unificar as datas das eleições para presidente, governador, deputados, senadores, vereadores e prefeitos. Isso significa, na prática, a ocorrência de menos eleições.

Junto a isso, essa “reforma” ainda abre mais espaços para situações de infidelidade partidária. Todo o trâmite atendeu a interesses corporativos. Não houve um momento em que estivesse em jogo o ponto de vista do eleitor. Este nunca foi levado em conta.

Portanto, uma reforma que não vale. Pelo simples fato de que não leva em conta o principal.

Bernardo Mello Franco - Triste fim da reeleição

- Folha de S. Paulo

Foi um massacre: por 452 votos a 19, a Câmara aprovou na última quarta o fim da reeleição. O placar dilatado sugere que os partidos discutiram à exaustão e chegaram ao consenso de que o mecanismo é ruim para o país. Na verdade, eles não discutiram quase nada, e a votação durou pouco mais de uma hora. No dia seguinte, muitos deputados criticavam o próprio voto.

"Esse negócio de fim da reeleição é coisa de país atrasado, de democracia atrasada", afirmou o líder do governo, José Guimarães (PT-CE).

Apesar do discurso, o petista votou "sim". Como explicar que um político experiente, escolhido para articular em nome do Planalto, mude a Constituição por algo que considera nefasto para a democracia?

"Não tinha saída. Tinha uma onda no plenário", disse Guimarães, sem se desculpar por ter surfado contra a própria consciência.
A incoerência não foi monopólio dos petistas. O PSDB, que aprovou a reeleição para dar um segundo mandato a Fernando Henrique Cardoso, agora se uniu para proibi-la.
"Eu me arrependo amargamente de ter votado pela reeleição. Reeleição é um instituto para países desenvolvidos, não para um país em construção como o Brasil", discursou Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). Faltou explicar por que só mudou de ideia agora, depois que o eleitor reelegeu dois presidentes do PT.

A reeleição desequilibra disputas e favorece quem está no cargo, mas é incorreto dizer que sem ela ficaremos livres do uso da máquina nas campanhas. Basta lembrar o que Lula fez para eleger Dilma, em 2010. Ou como Quércia quebrou o finado Banespa para entregar o governo paulista a Fleury, em 1990.

Dias depois de um assassinato brutal na Lagoa, a Scuderie Le Cocq, associada a grupos de extermínio, reapareceu em "panfletagem" no local do crime. O Rio já viu esse filme, e muita gente morre no final.

Luiz Carlos Azedo - Tempos desinteressantes

• O modelo adotado por Lula no segundo mandato e aprofundado pela presidente Dilma Rousseff, no primeiro, que alimentou certa esperança em Hobsbawm, entrou em colapso. Sua rebordosa é a inflação, a recessão e o desemprego

Correio Brazilinse

O historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-2012) foi o mais importante observador ocular, digamos assim, do século 20. O jargão jornalístico é válido porque nos deixou uma obra de grande fôlego, na qual sujeito e objeto se confundem em razão de sua militância acadêmica e política ininterrupta. Na sua historiografia houve lugar para tudo e para todos, da História social do jazz (Editora Paz e Terra) — referência para o estudo da música popular ou erudita, da história cultural dos Estados Unidos e da arte como resistência à opressão — à robusta trilogia Era das revoluções, Era do capital e Era dos impérios (Paz e Terra). Mas o que serve para intitular esta coluna é sua autobiografia, Tempos interessantes (Cia. das Letras), na qual narra sua vida em meio às grandes experiências do século passado.

Observador atento das vicissitudes da política brasileira, pois aqui esteve diversas vezes e mantinha ligações estreitas com universidades, intelectuais e movimentos sociais, Hobsbawm morreu de pneumonia, ainda lúcido, aos 95 anos. Um ano antes de falecer, em 13 de abril de 2011, o historiador afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia ajudado “a mudar o equilíbrio do mundo ao trazer os países em desenvolvimento para o centro das coisas”. Ele se reunira com o líder petista na residência do embaixador brasileiro em Londres, Roberto Jaguaribe. Sua rápida entrevista teve ampla repercussão no Brasil, o que deixou eufóricos os petistas.

“Lula fez um trabalho maravilhoso não somente para o Brasil, mas também para a América do Sul”, disse. Em relação ao seu papel após o fim do mandato, Hobsbawm afirmou que o petista estava “ciente de que entregou o cargo para um outro e não pode parecer que está no caminho desse novo presidente”. Seu fã de carteirinha — “quando ele virou presidente, minha admiração ficou quase ilimitada” —, Hobsbawm foi mais cauteloso com a presidente Dilma Rousseff: “Acredito, pelo que ouço, que a presidente Dilma tem sido extremamente eficiente até agora, mas até o momento não tenho como dizer muito mais”.

O fim da utopia
Diz-se que os historiadores não devem fazer previsões sobre o futuro, apenas traduzir o que aconteceu com rigor metodológico. Marxista, Hobsbawm se arriscava durante as suas entrevistas, como foi o caso — mas nem tanto quando escrevia. Como teve uma carreira longeva e muito produtiva, foi um grande intérprete de seu tempo. Na virada do século, viu o colapso de suas utopias, com a queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética. Após o fim da guerra, viu a esquerda europeia derivar para o centro, o fim do socialismo como uma ideia-força do movimento operário e sindical, o choque de civilizações entre Oriente e Ocidente e o ressurgimento do chauvinismo e da xenofobia na Europa. Não há nova utopia, nem novos paradigmas para a sociedade desejada. Ao contrário, persistem os velhos conflitos que serviram de estopim para duas guerras mundiais e a tragédia humanitária na África.

O modelo adotado por Lula no segundo mandato e aprofundado pela presidente Dilma Rousseff, no primeiro, que alimentou certa esperança em Hobsbawm, entrou em colapso. Sua rebordosa é a inflação, a recessão e o desemprego, sem qualquer perspectiva de saída a curto e médio prazos. O novo “capitalismo de Estado” implementado pelo PT no poder — que na velha visão leninista seria a antessala do socialismo — resultou no desastre econômico, político e ético a que todos assistimos. E que agora caminha para a crise social. O neopopulismo que mobilizou sua base eleitoral, com um discurso nacional-desenvolvimentista já sexagenário, agora evolui na direção da desestabilização política do próprio governo, em razão das tentativas de radicalização dos movimentos sociais, principalmente o movimento sindical, em oposição ao ajuste fiscal que Dilma se viu obrigada a fazer. Essa radicalização é estimulada pelo próprio ex-presidente Lula, para se manter como alternativa eleitoral em 2018.

Do ponto de vista das novas gerações, que buscam uma alternativa de futuro, o Brasil vive tempos desinteressantes, ou seja, um grande déjà vu, com a sensação, para os mais velhos, de que já vimos esse filme. A elite, enredada na crise ética e política e desgastada pela crise econômica e pelos seculares problemas nacionais, não consegue oferecer alternativas duradouras para o desenvolvimento do país. O principal partido no poder, o PT de Lula e Dilma, perdeu o protagonismo para o aliado que sempre espezinhou, o PMDB, que é uma legenda de vocação parlamentarista, fisiológica e patrimonialista. Os partidos de oposição, por sua vez, não são capazes de galvanizar a insatisfação popular, que se manifesta nas redes sociais e em grandes protestos de massa, descolada das instituições políticas. Pode ser que disso tudo resultem tempos mais interessantes. Por enquanto, não é caso, ficou claro com o arremedo de reforma política aprovado pela Câmara.