- O Globo
O ano está tenso, as notícias são desencontradas e negativas. Nesse ambiente, a palavra clara da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, desanuvia e simplifica. Ela acha que as manifestações de rua este ano foram necessárias, diz que ainda quer, aos 61 anos, o que queria aos 16: “não mudar do Brasil, mas mudar o Brasil.” Acha que ministros do Supremo deveriam ter mandato e critica o marketing político.
A defesa de que os ministros de tribunais superiores tenham mandato vem de uma conta simples, que ela me fez quando saíamos do seu gabinete, após gravar a entrevista para a Globonews:
— Uma pessoa que seja escolhida aos 35 anos, idade mínima para ser ministro do Supremo, pode ficar até os 75 anos. Isso são 40 anos, dez mandatos presidenciais. É poder demais.
Ela diz que continua convencida de que na República todo poder deve ser temporário. Por isso, acha que, em algum momento, deveria ser discutida com a sociedade a possibilidade de mandatos fixos no Supremo.
O marketing da presidente Dilma Rousseff em 2014 acusou os adversários de pretender fazer o que ela acabou fazendo, além de outras ofensas. Diante disso, perguntei à ministra o que a Justiça eleitoral pode fazer para impedir que o marketing manipule o eleitor.
Ela disse que a política precisa voltar a ser “a pessoa na polis”. No marketing, a pessoa diz o que o eleitor deseja ouvir, não o que ele tem condições de fazer. Contou que a palavra candidato vem de Roma, quando a pessoa que queria representar os interesses dos plebeus tinha que atravessar a rua trajando apenas um manto branco, “cândido”, que deixava parte do corpo à mostra. Era uma forma de dizer que não tinha nódoa moral e não mentiria física ou moralmente.
— Quando o marketing faz uma propaganda do que acha que o eleitor quer ouvir, ele faz uma fraude eleitoral. Temos que evitar que o marketing crie figurações que permitam ao candidato não levar adiante seus compromissos. A pessoa precisa se mostrar verdadeiramente — diz a ministra.
Ela própria escolheu um caminho simples quando foi se apresentar ao Senado para a sabatina. Deu aula de manhã na PUC de Belo Horizonte, foi para Brasília, pegou um táxi e foi ao Senado dizer quem era e responder aos senadores.
Este ano começou com fortes manifestações de rua contrárias ao governo e à corrupção. A ministra Cármen Lúcia define os atos como “necessários”:
— A nossa geração foi para as ruas. Não seria eu, que corri na Álvares Cabral, que iria achar que ficando em casa as coisas mudariam. Fomos para as ruas pela liberdade, pela anistia, para pedir eleições para o Diretório Acadêmico e para a Presidência da República. Na época, havia adesivos que diziam: “Brasil, ame-o ou deixe-o.” Eu o amo e não quero deixá-lo. Como aos 16 anos, aos 61 eu continuo do mesmo jeito. Não quero me mudar do Brasil, quero mudar o Brasil. A rua é boa. No carnaval, na manifestação, e, eu que sou do interior, acho que até no enterro é melhor, porque as pessoas vão todas juntas, cantando. A rua é para nós.
A ministra acha que é hora de “transformar” a Justiça para que ela seja mais célere e atenda aos desejos dos cidadãos. Ela está trabalhando em um projeto para acelerar o julgamento de quem pratica crime contra a mulher e argumenta que “a Justiça que tarda falha”.
Quando perguntei sobre a crise atual, ela explicou que crise tanto pode ser instabilidade, ou uma ruptura, fase final de uma evolução, quando mudanças radicais, “de raiz”, transformam a nossa vida. Em momentos assim, os governos não respondem com a mesma rapidez exigida pela sociedade:
— As demandas se acumulam. As perguntas são novas e não há respostas. A democracia vive da confiança e há muita descrença na sociedade. As instituições não podem ser consideradas desnecessárias.
Cármen Lúcia termina a conversa com um estímulo à esperança e ao esforço:
— Uma última palavra. Como dizia o nosso Guimarães Rosa: “Sorte é merecer e ter”. Eu acho que o Brasil merece ter paz maior, Justiça maior, serviços melhores, mas nós brasileiros precisamos entender que temos que brigar para ter, porque nós merecemos
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