terça-feira, 24 de outubro de 2017

BC vê mais concentração e ativos problemáticos – Editorial | Valor Econômico

Quando divulgou o mais recente Relatório de Estabilidade Financeira (REF), o Banco Central traçou um panorama razoavelmente otimista do sistema bancário, após superar com louvor o choque de 17 de maio, quando a divulgação da gravação da conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista exigiu um reforço de margens de R$ 30 bilhões nos mercados em um único dia.

A solvência não apresenta risco para a estabilidade financeira, de acordo com o relatório; e os índices de capitalização e de alavancagem estão robustos o suficiente para a transição para as regras prudenciais de Basileia 3. A liquidez está elevada e o retorno sobre o patrimônio líquido aumentou, para o patamar de 12% ao ano, beneficiado pela redução nas despesas de provisão e pela queda dos custos de captação propiciada pela redução de juros.

A realidade mostrou nuances alguns dias depois, quando ganhou evidência o aperto em que a Caixa Econômica Federal se encontra. O banco teria pisado no freio do crédito porque precisa elevar o capital para atender as regras de capitalização previstas pelo Acordo de Basileia para o próximo ano. Para complicar, os ativos problemáticos na carteira de pessoa física caíram ou estabilizaram em todas as modalidades exceto na de crédito imobiliário, que registrou também o aumento das reestruturações. Uma das saídas seria emitir R$ 10 bilhões em "bônus perpétuos", título de crédito sem vencimento, que frequentemente paga taxas de juros mais altas, junto ao FGTS. A operação exige sinal verde do conselho curador do fundo. Há quem diga que isso não é suficiente e que a Caixa precisaria de pelo menos o dobro. Daí uma possível negociação para a venda de parte da carteira para o BNDES.

O BNDES, por sua vez, também enfrenta seus percalços. Embora ainda detenha baixos índices de inadimplência em sua carteira na comparação com os outros bancos, não escapa dos créditos problemáticos. Crédito problemático é o conceito que inclui operações em atraso há mais de 90 dias, as que tiveram piora na classificação contábil e os contratos reestruturados. De acordo com o REF, foi entre os bancos de fomento públicos que se registrou o maior salto dos créditos problemáticos, que representavam menos de 1% da carteira e subiram a partir de dezembro de 2015, superando os 5% em junho passado. Entre os bancos públicos comerciais e entre os privados, o índice subiu cerca de dois pontos, para pouco acima de 7,5% e para ao redor de 9%, respectivamente. Além disso, o BNDES enfrenta o desafio de ter que devolver boa parte dos recursos emprestados pelo Tesouro em 2018.

Na média do sistema bancário, o índice de inadimplência aumentou de 3,04% para 3,75% em dois anos, de junho de 2015 a junho passado, e o percentual de ativos problemáticos nas carteiras aumentou em um ritmo maior, de 5,83% para 8,11% no mesmo período. O avanço nos ativos problemáticos foi puxado pelo aumento nas operações de reestruturação, que já representam 2,96% do saldo total de crédito, o dobro do registrado em junho de 2015.

A piora foi concentrada nas operações com grandes empresas, que podem seguir aumentando tanto nos indicadores de pré-inadimplência quanto os dos ativos problemáticos. Entre as pessoas físicas, o problema está localizado nos financiamentos imobiliários. Os bancos possuem provisões para cobrir toda a carteira inadimplente e 85% dos ativos problemáticos. Para cumprir as exigências de Basileia 3, os bancos públicos precisam reforçar o capital em R$ 8 bilhões; e os privados, em pouco mais de R$ 2 bilhões. O BC acredita que apenas a geração de lucro é suficiente para isso.

O Relatório ainda revelou o forte aumento da concentração bancária, processo que começou após a crise financeira de 2008. De dezembro de 2007 para cá, os quatro maiores bancos - Caixa, Banco do Brasil, Itaú e Bradesco - que detinham cerca de metade do mercado, passaram a abocanhar três quartos. Do total de ativos, passaram de 52,58% para 72,98%; do crédito, de 54,67% para 78,65%; e dos depósitos, de 59,67% para 76,74%. Pode estar nessa concentração a origem da resistência dos bancos em aumentar a oferta de recursos nos últimos anos. Nesta semana, o BC vai divulgar os dados de setembro das operações de empréstimos. Mas o que se viu até agosto é que os juros do crédito e o spread bancário não acompanharam com a mesma intensidade a queda da taxa básica Selic, que já recuou 600 pontos, enquanto os bancos se preocupam com os riscos políticos e fiscais.

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